EDITORIAL
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EDITORIAL
Revista Brasileira de História da Educação, vol. 17, núm. 3, pp. 1-5, 2017
Sociedade Brasileira de História da Educação
É de instituições, principalmente, que trata a Revista Brasileira de História da Educação neste número. A dezena de artigos que essa edição reúne tem em comum, em alguma medida, a abordagem de instituições educativas. Mais central em alguns que tratam diretamente da história institucional ou marginal em ensaios voltados para outras temáticas da História da Educação, a preocupação com os lugares de exercício da profissão, de formação docente ou de produção de saberes teóricos expressa sua importância para a reflexão acerca da história do ensino, da docência e da própria historiografia.
Assim, temos aqui estudos sobre a Residência de Senhoritas Normalistas em Granada, Espanha, sobre as escolinhas das missões franciscanas no século XVII, na Província do Grão-Pará, sobre seus seminários de formação religiosa, sobre as escolas étnicas polonesas no Rio Grande do Sul, sobre a primeira colônia de férias do Rio de Janeiro, sobre a efêmera existência das Faculdades Tobias Barreto, sobre o periódico de estudantes do Colégio Visconde de Taunay, sobre as classes secundárias experimentais e sobre a reforma universitária de 1968 no país. Tais estudos tomam como centrais os aspectos institucionais dos projetos e ações que analisam. Além disso, nos estudos acerca da emergência do projeto intelectual do contextualismo linguístico e a respeito dos percursos formativos de professoras do ensino municipal de São Paulo, entre 1964 e 1985, observamos a presença de boas linhas sobre o papel das instituições envolvidas na criação de novas arquiteturas teóricas ou nas trajetórias docentes. Desse modo, primeiro aparece a Universidade de Cambridge, na Inglaterra, como espaço institucional no qual prevaleceu a teoria do contextualismo linguístico. Depois, a formação profissional sugere a importância das escolas normais ou dos institutos de educação e das faculdades de filosofia e de educação a partir da Reforma Universitária de 1968 no processo de legitimação profissional do magistério.
O artigo que abre esta edição da Revista Brasileira de História da Educação é de autoria de Remedios Sánches García e José Álvarez Rodríguez e, sob o título de Estudio del proyeto pedagógico de la institución libre de enseñanza. La residência de Señoritas Normalistas de Granada, trata de uma instituição oficial criada em 1934, depois de outras inventivas, para mulheres na Espanha. A análise mostra o funcionamento e a extinção de um projeto que visava proporcionar um espaço de convivência preparado para oferecer um ambiente cultural adequado para alunas normalistas de Granada. Esse capítulo, como tantos outros na Espanha dos anos 1930, foi iniciativa suprimida no inicio da guerra civil, em 1936. Ainda assim, foi, como mostram os autores, exemplo efetivo do papel que desempenharam as ideias da Instituición Libre de Enseñanza e da concretização do seu desejo de lograr uma educação mais global como ideário para as Escola Normais de então na Espanha.
Segue-se a reflexão de Carlos Eduardo Vieira acerca de um importante capítulo do debate de questões relativas à história intelectual. O contextualismo linguístico, desenvolvido em Cambridge a partir dos debates sobre a história do discurso político e cujos principais expoentes foram Skinner e Pocok, é pensado como contribuição para as práticas de pesquisa e análise da História da Educação. Na perspectiva traçada por Carlos Eduardo Vieira, “[...] o diálogo com o contextualismo linguístico possibilita à História da Educação pensar o discurso educacional, a partir dos seus contextos de produção, circulação e recepção”. Sobretudo nesse sentido, favorece as articulações entre a educação e a história das linguagens, da circulação dos saberes, das profissões associadas à docência e também dos lugares institucionais de construção do conhecimento.
A missão dos franciscanos da Província de Santo Antônio do Brasil no Maranhão e Grão-Pará em meados do século XVII é o tema do artigo seguinte, de autoria Cézar de Alencar Arnaut de Toledo e Marcos Ayres Barboza. Entre as muitas informações que os autores sistematizam sobre a atuação dos franciscanos na catequização no Brasil Colônia, o texto contribui para perceber que havia estratégias de aculturação indígena e de educação concorrentes ao jesuitismo. Sobressaí, especialmente, no tipo de ação evangelizadora dos franciscanos, uma das grandes preocupações existentes no Concilio de Trento e informadas assim no texto: “[...] a necessidade de criação de educação popular”. Além disso, as relações de complementaridade entre o projeto evangelizador dos franciscanos, os interesses dos colonos e a política colonial da metrópole não escapam dos autores.
Adriano Malikoski e Terciane Ângela Luchese estudam, por sua vez, o processo de organização de escolas étnicas polonesas no Rio Grande do Sul entre 1875 e 1939. Especialmente preocupados em mostrar que a cultura étnica foi um elemento central na estruturação de processos associativos e comunitários a partir dos quais se promoveu a escolarização nos principais núcleos coloniais poloneses no Rio Grande do Sul os autores contribuem para que se pense a etnicidade como fator de formação de comunidades. Desse ponto de vista, analisam as escolas da imigração polonesa no Rio Grande do Sul como resultado dos esforços de manutenção de valores étnicos pelo ensino da língua e de valores da cultura trazida com os imigrantes.
Sob o título Em favor da infância e em caridade da Pátria: a criação da primeira colônia escolar de férias do Rio de Janeiro de 1923 a 1924 Sônia Camara e Alessandra Moura da Silva analisam a iniciativa do médico Almir Madeira, diretor do Instituto de Proteção e Assistência à Infância de Niterói para promover a regeneração física, mental e moral da criança debilitada e enfraquecida por meio de práticas higiênicas e físicas ao ar livre.Resultado da convicção eugênica de seu idealizador, a primeira Colônia de Férias do Estado do Rio de Janeiro durou efêmeros 52 dias, sendo seu funcionamento interrompido em decorrência da inundação que a cidade de Mendes sofreu antes das férias escolares de 1924 findarem. Em que pese essa ironia da história, Sônia Camara e Alessandra Moura da Silva, souberam analisar os espólios que a iniciativa deixou.
Em “Um esforço positivamente infrutífero”: a criação das Faculdades Tobias Barreto e Aníbal Freire em Aracajú (1924-1926) Magno Francisco de Jesus Santos debruça-se sobre a trajetória de duas faculdades públicas criadas em Sergipe, as quais foram extintas antes mesmo da formação de suas primeiras turmas. Também aqui, como fizeram Sônia Camara e Alessandra Moura da Silva, o autor soube avaliar o espólio deixado por uma iniciativa efêmera. Ao mostrar que, apesar do fracasso em oferecer educação superior aos sergipanos, o intuito presente na criação das Faculdades Tobias Barreto e Aníbal Freire foi exitoso, promovendo a consolidação da imagem do líder político responsável pela iniciativa e de sua plêiade de intelectuais, Magno Francisco de Jesus Santos sugere boas pistas de como lidar com a complexidade da operação historiográfica.
Elizabeth Figueiredo de Sá e Kenia Hilda Moreira tomam como fonte um periódico escolar denominado Vida Escolar para estudar o tema da morte no cotidiano de Campo Grande no Mato Grosso da década de 1930. Interrogam-se sobre a intencionalidade da instituição escolar ao tratar do assunto e procuram desvendar o cotidiano no município de Campo Grande, lugar onde ficava a escola que publicava o periódico. Em um texto sensível à cultura local, Elizabeth Figueiredo de Sá e Kenia Hilda Moreira concluem que, ao fim e ao cabo, o tema da morte servia aos vivos para reafirmar valores religiosos e fazer ver as ciências médicas como principal meio de se adiar a morte.
Entendidas como uma tradição quase esquecida, as classes secundárias experimentais são estudadas por Norberto Dallabrida. Em sua reflexão, ele enfatiza a memória dos ensaios renovadores das classes experimentais e dos ginásios vocacionais nos trabalhos acadêmicos do período da reabertura democrática. Percebe, no entanto, que o tema apenas se converte em objeto histórico em trabalho recente de Vieira sobre as primeiras classes experimentais do estado de São Paulo entre 1951 e 1964. Nesse sentido, Dallabrida advoga por uma “[...] leitura histórica das diferentes configurações das classes secundárias experimentais colocadas em marcha nas décadas de 1950 e 1960 [...]” “[...] para dar suporte no desafio de superar dos impasses e fragilidades do atual ensino médio”.
No sentido contrário do percebido por Dallabrida ao tratar do quase esquecimento das classes secundárias experimentais, Allan Arani sugere que, após 50 anos, a reforma universitária de 1968 ainda não acabou. Por um lado, entende como contínuo o esforço de há 50 anos para expandir as matrículas e o leque de modalidades de sistema de ensino e pesquisa. Por outro, mostra que tanto a ampliação do acesso aos estudantes quanto a de oportunidades para professores e pesquisadores ambicionam atender às “[...] necessidades de desenvolvimento econômico pautado pela disponibilidade de uma ampla e diversificada base de capital humano suprindo as demandas da infraestrutura de informações e da criação de um eficiente sistema nacional de inovação”. Conforme diagnostica o autor, a discussão sobre a definição de uma instituição superior de qualidade por meio de rankings universitários propícia uma chance para que se repensem as opções e experiências realizadas ao longo de meio século de reformas.
Encerrando esta edição, a pesquisa de Helenice Ciampi e Alexandre Pianelli Godoy acerca das trajetórias formativas nas memórias de professoras do ensino municipal de São Paulo entre 1964 e 1985 compreende a docência como atividade intelectual. Com base em Henry Giroux e nos métodos da história oral temática, Ciampi e Godoy interpretam os resultados das entrevistas realizadas com três professoras do magistério municipal paulistano, duas já aposentadas. Trabalhando sobretudo com seus testemunhos, identificam divergências individuais e coletivas, do presente e do passado, mas sob um mesmo movimento da memória. Esse movimento autentica tanto a imagem de que a posição social, o status profissional e a autoridade em sala de aula eram mais visíveis no passado do que atualmente quanto o feliz resultado das trajetórias formativas e profissionais das depoentes no presente. Conforme concluem as autoras, a projeção que fazem do presente para o passado e as divergências de percurso que revelaram então “[...] escancaram a fragilidade das prescrições políticas e acadêmicas educacionais que, à revelia de suas histórias de vida e profissional, determinam o que deve ser um bom professor, como intelectual”.
Do conjunto todo sobressaí a força que a história institucional ainda tem em nossas atividades de pesquisa. Nesse sentido é que, esperamos, ter oferecido neste número da Revista Brasileira de História da Educação boas perspectivas de análise e alguns exemplos de novos usos desse objeto de estudo.
Comissão Editorial da Revista Brasileira de História da Educação
Autor notes
* Autor para correspondência. E-mail: rbhe.sbhe@gmail.com