ARTIGOS
Em favor da infância e em caridade da Pátria: a criação da primeira colônia escolar de férias do Rio de Janeiro de 1923 a 1924
For the benefit of childhood and in the Nation’s charity: the creation of the first school summer day camp in Rio de Janeiro (1923-1924)
A favor de la niñez y en caridad de la Patria: la creación de la primera colonia escolar de vacaciones de Rio de Janeiro-Brasil (1923-1924)
Em favor da infância e em caridade da Pátria: a criação da primeira colônia escolar de férias do Rio de Janeiro de 1923 a 1924
Revista Brasileira de História da Educação, vol. 17, núm. 3, pp. 121-150, 2017
Sociedade Brasileira de História da Educação
Recepção: 09 Janeiro 2017
Aprovação: 15 Maio 2017
Resumo: O presente artigo tem como intuito analisar a implantação da primeira colônia escolar de férias do estado do Rio de Janeiro, criada na cidade de Mendes por iniciativa do médico Almir Madeira, diretor do Instituto de Proteção e Assistência à Infância de Niterói (IPAI). Com este intento, os objetivos são, de um lado, compreender a concepção que orientou sua criação e, de outro, evidenciar os aspectos colocados em prática com a experiência realizada entre os anos de 1923 a 1924. A Colônia Escolar de Férias de Mendes foi concebida como parte das estratégias acionadas pelo médico para intervir na situação da infância escolar, promovendo sua preservação e sua regeneração física, mental e moral por meio da adoção de práticas higiênicas e físicas ao ar livre.
Palavras-chave: colônia escolar de férias, assistência à infância, Almir Madeira, higiene, educação.
Abstract: The article analyzes the first school summer day camp in the State of Rio de Janeiro, in the city of Mendes by the doctor Almir Madeira, director of the IPAI (Child Assistance and Protection Institute). On the one hand, we would like to understand the conception that guided its construction, and on the other hand to demonstrate practical aspects of the experience performed in 1923 and 1924. The school summer day camp was idealized as a part of doctor’s strategies to intervene in the situation of schoolchildren, promoting the preservation and physical, mental and moral regeneration through the adoption of sanitary and physical practices outdoors.
Keywords: school summer day camp, child assistance, Almir Madeira, hygiene, education.
Resumen: El presente artículo tiene la intención de analizar la implantación de la primera Colonia Escolar de Vacaciones del Estado de Rio de Janeiro-Brasil, creada en la ciudad de Mendes, por iniciativa del médico Almir Madeira, director del IPAI (Instituto de Protección y Asistencia a la Infancia de Niterói). A partir de este objetivo, se pretende, por un lado comprender el concepto utilizado en su construcción, y por otro evidenciar los aspectos llevados a cabo con la experiencia realizada entre los años 1923 y 1924. La Colonia Escolar de Vacaciones fue concebida como parte de las estrategias pensadas por el médico con el fin de intervenir en la situación de los niños en edad escolar, promoviendo su preservación y regeneración física, mental y moral a través de la adopción de prácticas higiénicas y físicas al aire libre.
Palabras clave: colonia escolar de vacaciones, asistencia a la infancia, Almir Madeira, higiene, educación.
Introdução
Esteve ontem em conferência com o Dr. Viçoso Jardim, Secretario Geral do estado do Rio de Janeiro, o Dr. Almir Madeira que se acha incumbido da organização das colônias escolares de férias.
O Dr. Almir Madeira levou ao conhecimento do Sr. Ex. que o Sr. Henrique Lage, Presidente da Companhia de Navegação Costeira, pois a sua disposição a quantia de 5.000$000 para instalação da Colônia de Férias em Mendes, prestes a ser inaugurada (O Fluminense, 1923, p. 1).
Em 12 de outubro de 1923, ao término das festividades comemorativas do Dia das Crianças, realizadas no Instituto de Proteção e Assistência à Infância (IPAI) de Niterói, o Secretário Geral do estado do Rio de Janeiro, Antonio Viçoso Jardim convidou o médico Almir Madeira, diretor do IPAI, para conceber e implementar o projeto de criação da primeira colônia de férias para escolares no estado. O convite foi motivado, em parte, pelos resultados ‘alarmantes’ de uma pesquisa1 realizada pelos médicos Almir Madeira e Alfredo Backer Filho nas escolas públicas de Niterói, no ano de 1919. Aludindo ao convite formulado ao médico, o Jornal O Fluminense, dois meses após a festividade, deu destaque à criação e à inauguração da Colônia de Férias na cidade de Mendes, no estado do Rio de Janeiro.
Na ocasião, o jornal não deixou de destacar a iniciativa do Presidente da Companhia Navegação Costeira, o empresário Henrique Lage, que colaborou para a promoção do projeto destinado a atender as crianças das escolas públicas do estado.As matérias publicadas no jornal O Fluminense, bem como em outros periódicos da cidade do Rio de Janeiro, capital do país,davam conta de anunciar uma série de medidas instituídas em Niterói e em outros municípios do estado durante a gestão do interventor Aurelino Leal de janeiro a dezembro de 1923. Além da organização da colônia de férias, do curso de férias para professores e do Grupo Escolar Cunha Leitão, foram inaugurados o Dispensário Maternal e o Dispensário Escolar como “[...] serviços devidamente aparelhados para tratamento de moléstias dos olhos, ouvidos, nariz e garganta e assistência dentaria [...]”, os quais ficariam a cargo da Associação Odontológica Fluminense (O Paiz, 1923, p. 9).
Nesse contexto, a criação dos serviços de higiene e de profilaxia indicia a crescente importância atribuída à infância por diferentes segmentos da sociedade, a exemplo das sociedades científicas e das escolas de medicina2 que se constituíram ‘em celeiros de criação intelectual de elites dirigentes’. A Medicina Social colaborou, segundo Huertas (2007), para a constituição da higiene e da moral como pilares das reformas sociais. Conforme o autor:
Iniciou-se, nas últimas décadas do século XIX, um amplo movimento de reforma social que teve, no tema que nos ocupa, uma tradução direta nos intentos sociais e legislativos de proteção à infância e de prevenção da delinquência infantil. Prontamente se começou a distinguir ‘entre as crianças perigosas e as crianças em perigo; entre a infância abandonada e a infância culpável’, etc., de forma que higienistas, psiquiatras, pedagogos, juristas e outros expectos foram rapidamente configurando e desenvolvendo uma ampla gama de estratégias encaminhadas, por um lado a conscientizar a sociedade em seu conjunto do autêntico ‘flagelo social’ representado pela infância abandonada; e por outro, a reunir habitualmente atividades educadoras e preventivas com outras de vigilância e controle, quando não estritamente repressoras, destinadas à aqueles menores que atentaram contra os valores éticos e estéticos hegemônicos (Huertas, 2007, p. 75, grifo do autor, tradução nossa) 3.
As colônias escolares de férias configuraram-se como parte dos programas de preservação e regeneração concebidos por setores da sociedade e do Estado, especialmente do setor médico. A medicina forneceu os subsídios “[...] que justificavam as intervenções” (Costa, 2002, p. 61) sobre a infância, particularmente,sobre a que vivia em condições de pobreza nos centros urbanos.Nessa linha de reflexão, a criação das colônias escolares de férias constituiu uma estratégia dos médicos higienistas na elaboração e na promoção de ações destinadas a alargar o raio de interferência educativa, preservativa e regeneradora para além do perímetro espacial e temporal da escola. Assim, se a escola foi identificada como espaço capaz de intervir sobre a infância, requerendo sua instrução e também a educação moral e higiênica, era preciso dilatar o controle e a preservação das crianças para o período das férias, quando ficavam ‘relegadas à própria sorte’ (Madeira, 1924). O médico Almir Madeira, puericultor, filantropo, professor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e diretor do Instituto de Proteção e Assistência à Infância de Niterói, foi um entusiasta dessa perspectiva.
Formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1909, quando defendeu a Tese: Etiologia e profilaxia da sífilis no aleitamento, Almir Madeira (1884-1972) pode, ainda como estudante, participar de congressos internacionais nos quais debateu e propôs questões associadas aos cuidados com a infância.Um ano depois, iniciou sua trajetória profissional no Instituto de Proteção e Assistência à Infância (IPAI) do Rio de Janeiro, instituição criada pelo médico Arthur Moncorvo Filho em 1899. Na instituição,entre os anos de 1910 a 1914, atuou como médico assistente e chefe da Consulta de Lactentes no Dispensário Geral Moncorvo. Em 1914, em Niterói, sua cidade natal, fundou o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, filial do Instituto de Proteção e Assistência do Rio de Janeiro. A iniciativa de criar uma instituição congênere ao IPAI em Niterói era justificada pelas condições de vida da população, especialmente das crianças da capital do estado. Nessa direção, afirmava Madeira:
Na velha província fluminense, até 1914, nada existia de proteção científica à infância. Foi quando eu tive a iniciativa feliz de fundar na capital do nosso Estado uma instituição congênere que inaugurei em 22 de novembro do mesmo ano, com uma consulta de lactantes, uma gota de leite e uma creche, as primeiras que funcionaram em terras fluminenses, além dos serviços de proteção a mulher grávida, a que deu maior desenvolvimento o Prof. Aureliano Barcellos, e o serviço de amas de leite, de duração efêmera.
[...]
Desde o início, o Instituto manteve também um serviço social para distribuição de roupas, alimentos, prêmios de robustez e de estimulo ao aleitamento materno. Mais tarde, instalou-se o primeiro parque infantil de diversões, existente no Estado do Rio, graças ao seu grande benfeitor e então presidente Dr. Levi Carneiro a quem se deve e ao saudoso Almirante Ari Parreiras a remodelação completa do acanhado edifício em que funcionou o Instituto, durante muitos anos (Madeira, 1947, p. 19-20).
A perspectiva de atendimento à infância adotada pelo IPAI de Niterói articulava-se à rede filantrópica assistencial implementada a partir do instituto do Rio de Janeiro. Assim, em Niterói, dentre as seções ou atividades criadas, destacam-se: Gota de Leite Marialina Norris, Creche, Associação das Damas da Assistência, consultas para lactantes, Concurso de Robustez, Copo de Leite, o periódico O Berço, a educação higiênica para as mães, o atendimento preventivo e o cuidado médico para as crianças. Verifica-se, desse modo, a intenção do médico Almir Madeira em propagar ações educativas, filantrópicas, regeneradoras e de amparo à infância com base científica e nos moldes do que se promovia no IPAI do Rio de Janeiro.

Fonte: Revista Fon Fon (1916).
Com a finalidade de debelar a mortalidade e a morbidade que acometiam as criança sem terras fluminenses, o IPAI promoveu campanhas de educação higiênica destinadas às mães pobres. Nessa direção, os médicos ressaltavam a importância da amamentação natural,propondo, nos casos em que esta não fosse possível, a distribuição gratuita do leite esterilizado. Em carta publicada no jornal O Fluminense de 12 de junho de 1914, Almir Madeira destacava o alto índice de mortalidade infantil, demonstrando que mais de 100 crianças pobres haviam morrido na cidade de Niterói apenas no mês de abril de 19144.Tomando como referência o Distrito Federal, o médico afirmava que, embora o quantitativo populacional da cidade do Rio de Janeiro fosse superior, o índice de mortalidade era inferior ao de Niterói. Diante desses índices, recorria ao patriotismo e à generosidade do povo niteroiense no sentido de congregar esforços “[...] em prol da grandiosa cruzada de proteção à infância” (Madeira, 1914, p. 2).
Nessa linha de atuação, a criação do Copo de Leite a partir de 1917 tinha por intuito fornecer leite esterilizado na merenda escolar contribuindo para a ampliação dos mecanismos de amparo aos escolares.Almir Madeira defendia a ideia de que a criança bem alimentada progrediria na escola e que a alimentação saudável era uma das soluções capazes de abolir o analfabetismo, colaborando para ampliar a frequência escolar. Advogava que as crianças pobres de Niterói fossem amparadas na alimentação, bem como beneficiadas por um conjunto de medidas assistenciais capazes de minimizar a penúria a que estavam submetidas. Assim, a proposta de criação das colônias de férias tinha como objetivo contribuir para amenizar a situação da infância escolar, constituindo-se como um “[...] importante subsidio à resolução de magno problema de higiene infantil [...]”, em vários países do mundo, a partir do final do século XIX (Moncorvo Filho, 1924, p. 4).
Com a finalidade de compreender as ações médicas para a infância, analisaremos, neste artigo, a implantação da primeira colônia escolar de férias do estado do Rio de Janeiro5. Nosso objetivo é, por um lado, compreender a concepção que orientou essa implantação, por outro, evidenciar os aspectos ordinários que assumiram forma na experiência que se desenvolveu em Mendes entre os anos de 1923 a 1924. As fontes mobilizadas na análise são relatórios, matérias publicadas nos jornais O Fluminense, O Paiz, A Noite, bem como livros que colaborem para a compreensão da concepção que orientou a implementação da Colônia Escolar de Férias em Mendes, especialmente a perspectiva pedagógica e higiênica voltada para as crianças consideradas débeis.
Cuidemos da infância pobre: as colônias escolares de férias e a higiene da raça
Embora o lapso de tempo decorrido, tenho bem presente à memória a surpreendente indagação que certa vez me fizera um amigo, de natureza inglesa.
- Por que no Brasil, as crianças das escolas não têm férias?
É que na Inglaterra, explicou-me ele, como em outros países cultos, só se está em férias fora dos grandes centros urbanos vivendo o ar livre e tonificante das montanhas, das praias ou dos campos.
Menos exagerado pareceu-me o asserto do que sedutor o conceito; não se gozam férias permanecendo nos ambientes malsãos das cidades, nem empregando o tempo em vadiagem pelas ruas - 'teatro de numerosos escândalos higiênicos' (Madeira, 1924, p. 4).
Em A primeira colônia de férias no Brasil: sua história e seus resultados, trabalho publicado na revista Archivos de Assistência à Infância, organizada pelo Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, o médico Almir Madeira relatou o processo de criação e de organização da primeira colônia de férias do estado, instalada em Mendes, no alto da Serra do Mar. A publicação veio antecedida de um texto introdutório, no qual o médico Arthur Moncorvo Filho enalteceu como ‘prestimosos’ os serviços empreendidos por seu autor. Entre os serviço sem prol da criança, destacou as criações do IPAI de Niterói, em 1914, do Copo de Leite, em 1917, e da “[...] primeira Colônia de Férias em nosso país” (Moncorvo Filho, 1924, p. 2).
Publicado meses após o término da experiência6 com a primeira turma de colonos de Mendes, o relatório demarcou a tentativa de valorizar a iniciativa e seu caráter seminal. Ao fazê-lo, Almir Madeira procurou evidenciar a importância de se dar continuidade e de se fazer proliferar o projeto em todo o país. O preâmbulo de Arthur Moncorvo Filho assumiu um caráter estratégico de chancela à proposta. Entendemos, assim, que a criação da Colônia de Férias de Mendes deve ser compreendida para além de um movimento que pretendeu selecionar e recolher crianças por um período do ano em região de montanha e clima ameno. Sua criação fez parte de um movimento estratégico empreendido em vários países do mundo para criar instituições que atuassem sobre a situação de vida das crianças, com especial atenção para as enquadradas como débeis.
Segundo Martinez (2009, p. 24), a primeira iniciativa de criação de colônia de férias ocorreu na Suíça, no ano de 1876, por atuação do pastor M. Walter Bion que, “[...] com a colaboração de dez professoras e professores, levou sessenta e oito meninas e meninos pobres, débeis e anêmicos da escola de Zurique, durante quatorze dias, às montanhas do cantão suíço de Appenzell”. Segundo o autor, foi com a propagação das vantagens alcançadas com a Colônia que experiências foram empreendidas em vários países, como Alemanha, em 1878, Áustria, em 1879, Estados Unidos, em 1879, França, em 1881, Suécia, em 1885, Argentina, em 1902 e Chile, em 1905. Para Martinez (2009, p. 25), as colônias se organizaram em duas perspectivas:uma pedagógica e outra higiênico-sanitária. Na primeira, configurava-se como uma ‘reação’ “[...] ao excesso de intelectualismo escolar, aos hábitos sedentários disseminados pela escola [...]”, mas também à “[...] excessiva permanência das crianças nas salas de aula e às condições inapropriadas do mobiliário e dos espaços escolares, os quais provocavam funestas consequências para a saúde das crianças”. Na segunda, propunha-se como um meio para atuar sobre as condições de habitação da população pobre nas regiões urbanas, caracterizadas por falta de higiene, “[...] pouca ou nenhuma ventilação, espaço reduzido e falta de limpeza”. Na concepção do autor: “Um tipo de moradia nas quais os seus ocupantes conviviam amontoados sob um ar viciado e à base de uma alimentação escassa que deteriorava a saúde física e moral da infância, contribuindo para que se mantivessem as altas taxas de mortalidade infantil” (Martinez, 2009, p. 25).
Analisando a profusão das colônias de férias no cenário internacional, Dalben (2013, p. 5) assegura que estas estiveram em evidência, especialmente, entre os anos de 1910 e 1940. Durante esse período, foram apresentadas propostas para criar colônias de férias em diferentes países da América do Sul. No Brasil, conforme o autor, a criação das colônias nos estados de São Paulo, entre os anos de 1937 e 1955, e do Espírito Santo, nos anos de 1935 e 1936, é exemplo desse movimento. Em sua compreensão,essas colônias foram concebidas e financiadas pelo governo estadual, a exemplo das experiências empreendidas nos países do Cone Sul, com exceção do Chile7 que, segundo o autor, optou por uma obra de caráter filantrópico (Dalben, 2013).
A análise da experiência de Mendes permite-nos afiançar, entretanto, que sua organização não correspondeu à concepção identificada por Dalben (2013) nos estados de São Paulo e do Espírito Santo. Em nossa compreensão, a Colônia Escolar de Férias de Mendes foi concebida por iniciativa pública e privada, assumindo um caráter filantrópico, científico e estatal sob a direção do médico Almir Madeira. Com essa especificidade, a criação da Colônia indicia uma concepção concordante, à época, com os preceitos que orientavam a implantação de instituições destinadas a preservar e regenerar as crianças e, portanto, guardava um diferencial em relação ao modelo de institucionalização adotado.
De acordo com as concepções em circulação no cenário internacional, as colônias deveriam ser organizadas em três localizações: à beira-mar, na montanha e no campo. Desse modo, a escolha do distrito de Mendes, no estado do Rio de Janeiro, não foi aleatória. O clima de montanha da região respeitava algumas das exigências prescritas pelos higienistas e assumidas como necessárias pelo médico Almir Madeira para a instalação da primeira colônia escolar de férias. Além desse aspecto, a cidade de Mendes reunia outras características importantes, tais como: os ares e o clima; a proximidade com a cidade do Rio de Janeiro, capital do país; a altitude da região e as condições do edifício do Grupo Escolar Cunha Leitão, cedido para abrigar a colônia (Madeira, 1924).
Em consonância com as ideias em circulação no cenário internacional, havia consenso entre os intelectuais, especialmente os do campo médico, de que o Brasil precisava se colocar em sintonia com os países civilizados do mundo. Para civilizar e progredir, era necessário educar a população e, assim, enfrentar o atraso em que o país se encontrava imerso. Na concepção dos médicos envolvidos com a promoção das reformas sociais, ciência e filantropia se articulavam como ‘viga de sustentação’, como parte constitutiva da ‘cruzada civilizatória’. Nessa direção, assegura Camara (2006), fortaleceu-se:
[...] a crença no poder da ciência como bússola capaz de fomentar o progresso. Médicos, advogados, jornalistas, engenheiros e educadores fundaram associações científicas e culturais com o objetivo de impulsionar debates e conferências destinadas a compor inquéritos relativos à situação do país (Camara, 2006, p. 760).
Imbuído da crença no poder da ciência, Almir Madeira concebeu a Colônia de Férias Escolar de Mendes. Essa foi organizada como parte das ações voltadas para preservar as crianças contra os riscos provenientes de doenças contagiosas, mas também como elemento capaz de regenerá-las contra as heranças adquiridas ao nascer. Em sua acepção, a inadaptabilidade da infância estava associada ao estado de pobreza, à alimentação inadequada e à ausência de higiene. Nesse particular, as colônias foram concebidas como ‘refúgios’, como espaços capazes de promover o fortalecimento da raça e o engrandecimento da pátria (Madeira, 1924). Ao mesmo tempo, a Colônia foi idealizada como instituição capaz de disciplinar os escolares, criando neles hábitos benéficos. Com tal finalidade, deveria funcionar como espaço/lugar no qual as crianças respirariam ar fresco, realizariam exercícios físicos, teriam boa alimentação e receberiam atendimento médico. Funcionando como ‘maravilhosos’ institutos de preservação escolar (Madeira, 1924), as colônias de férias assumiriam, no conjunto das instituições de atendimento à infância, a função educativa e regeneradora (Camara, 2006). Em defesa do projeto de criação das colônias, os jornais denunciavam o estado de ‘penúria’ da infância, enaltecendo o fim a que se destinavam:
A Colônia de Férias tem por fim arrancar pelo menos durante o verão, esses entezinhos débeis que, em razão da penúria dos pais ou responsáveis, se estiolam no ambiente deletério das cidades nada aproveitando das férias escolares, visto que passam na vadiagem perniciosa das ruas ou no desempenho de trabalhos forçados, em recintos sem higiene, mal alimentados e mal dirigidos (Timotheo, 1924, p. 1).
Assumindo uma perspectiva higiênico-sanitária (Martinez, 2009), as colônias teriam um caráter preventivo e uma dimensão educativa, contribuindo para que as crianças se tornassem homens e mulheres sadios e regenerados (Madeira, 1924). Assim, abrigariam as crianças que não possuíssem doenças contagiosas, mas estivessem em risco de sofrer contaminação. Consideramos que o foco de atenção do médico e idealizador da Colônia se assentava, especialmente, nas crianças que, advindas da pobreza, carregavam os agravantes morais, sociais e biológicos capazes de corrompê-las.
Desse modo, o objetivo assumido pelas colônias era de preservar, recuperar e regenerar as crianças, o que requeria um tratamento adequado, a ser realizado por meio do contato com ar puro, ambiente higienizado, comida saudável e controle médico e moral permanente. É presumível afiançar que as crianças débeis que foram ‘selecionadas’ para compor a primeira turma de colonos deveriam passar por um rigoroso exame no Instituto de Proteção e Assistência à Infância de Niterói. Assim, com a finalidade de mensurar as condições de saúde das crianças (Madeira, 1924, p. 7), foram examinados “[...] estatura, peso, perímetros torácicos (axilar e xipo-esternal), exames clínicos, de raio x, laboratoriais, otorrinolaringológicos e oftalmológicos [...]”. Camara (2006, p. 764) adverte que “[...] conhecer as causas da decadência da raça, requerendo de forma preventiva e regeneradora, sanear os seus males, significava instituir a normatização e higienização de conduta e comportamentos”.
A mensuração desses aspectos fazia-se necessária, na compreensão do médico Almir Madeira, porque, além de acompanhar o desenvolvimento das crianças, permitia estabelecer uma comparação entre o antes e o depois de seu ingresso na Colônia. Com a determinação de perscrutar o desenvolvimento clínico das crianças8, o médico visava demonstrar a validade de suas concepções. A adoção dos preceitos científicos no que tange à ‘educação higiênica, à instrução moral e cívica’, à boa alimentação, ao ar puro, às atividades físicas e higiênicas deveria favorecer a prevenção de doenças e a salvação da infância. Assim:
[...] alguns flagrantes da vida daquelas criaturinhas enfezadas e tristes, que tão outras pareciam depois, graças à ação maravilhosa de tudo aquilo que, em grande parte, lhes era inteiramente desconhecido: a excelência do clima e da alimentação sadia e abundante, a educação higiênica, a instrução moral e cívica, o descanso (para alguns de bem rude trabalho), os exercícios de ginástica respiratória, os jogos e brinquedos aconselháveis, os passeios salutares, a vida enfim, em contato com a natureza exuberante (Madeira, 1924, p. 8).
Na compreensão do médico Almir Madeira,a colônia de férias escolar deveria se constituir em um ambiente propício à promoção do cuidado com o corpo e com a moral, funcionando como um hospital onde as crianças entrariam doentes9 e sairiam sãs. Fichas foram empregadas para verificara situação das crianças e de suas famílias. As condições de vida, os antecedentes familiares e o meio social de onde provinham configuravam-se como balizas capazes de homogeneizar e diferenciar as crianças. Critérios normativos funcionavam como ‘termômetro’ e ‘microscópio’ para identificar, verificar e intervir sobre a sociedade (Lourenço Filho, 1930).
Os números resultantes do diagnóstico realizado com as vinte e seis crianças10 selecionadas para constituir a primeira turma de colonos corroboraram suas avaliações, demonstrando que cinco delas eram descendentes de pais vitimados pela tuberculose; quatro coabitavam com tuberculosos; nove eram descendentes de luéticos; cinco provinham de pais alcoólatras e quatro, de pais ‘neuropatas’ (Madeira, 1924). Com base nessa aferição, Madeira ratificava a tese de que a herança biológica era um dos fatores de degeneração da raça e de aniquilamento da infância, contribuindo de maneira insofismável para a degradação da espécie.Nessa direção, concordamos com Ferla (2007), para quem a fragilidade da ‘célula familiar’ aparecia quase sempre como um dos fatores fundamentais para justificar a degeneração e a delinquência da infância pobre.
O alcoolismo, a tuberculose, a doença dos nervos e a sífilis não eram apenas problemas sociais,mas constituíam-se também em questão de saúde pública a ser resolvida pela medicina. Dessa forma, a anamnese era considerada central no diagnóstico das patologias identificadas nas crianças, uma vez que colaborava para a elaboração da argumentação quanto à emergência do tratamento a ser realizado para ‘salvação da criança’. Perscrutar ‘milimetricamente’ as doenças e as hereditariedades era uma forma de corroborar a ideia da regeneração da raça. Nessa perspectiva, o fator biológico, associado à contaminação provocada pelos ambientes deletérios, emoldurava os discursos eugênicos em defesa de uma intervenção prematura sobre as futuras gerações. Com essa mesma compreensão, o educador Lourenço Filho afirmava:
A formação física, a ginástica e o jogo educativo, os hábitos de higiene desde muito cedo implantados na criança, a defesa da saúde do escolar, por todos os meios ao alcance do mestre, são realidades que impregnam toda a ação educativa nos países civilizados. E não só do escolar presente se trata. A campanha social pela eugenia, a defesa das mães, a legislação que visa o exame pré-nupcial - são medidas que vêm demonstrando a compreensão, cada vez maior, da necessidade de seres tão perfeitos quanto possível na sua gestação, e desenvolvimento físico após o nascimento. [...] Todo o complicado serviço da escola e de instituições auxiliares, como a inspeção médico-escolar, das enfermeiras visitadoras, o da cruz vermelha infantil demonstram quanto se têm progredido neste particular (1930, p. 23-24).
Com uma concepção fundamentada na racionalidade científica, Almir Madeira defendia que, com a adoção de ações médicas e científicas, seria possível regenerar a infância lesionada pelos males da pobreza, da ignorância e da hereditariedade.Para além de um lugar aprazível e higiênico, a escola deveria funcionar como espaço capaz de possibilitar às crianças débeis a chance de se regenerar dos ‘males’ herdados e adquiridos por meio do legado biológico, social e familiar.
Desse modo, a escola se constituía como um “[...] laboratório magnífico de saúde e de vida” (O Paiz, p. 11), uma das forças capazes de imprimir educação às crianças. Como tal, deveria desenvolver instituições complementares, a exemplo ‘das instituições post-escolares e peri-escolares’, com a expectativa de que estas resultariam em maior significação e ‘reforço’ ao trabalho educativo, preservativo e transformador da escola. Compondo o repertório de iniciativas educativas e complementares à escola, as colônias escolares de férias foram concebidas em meio aos debates crescentes acerca da obrigatoriedade da educação e da redefinição do papel da escola11. Assim, as colônias configuraram-se como parte constitutiva das propostas empreendidas por médicos e educadores em “[...] prol da ampliação e coordenação da obra de educação” (Lourenço Filho, 1930, p. 20).
As palavras finais do relatório de Almir Madeira demarcavam a certeza do médico quanto à importância assumida pelas colônias como refúgios salvadores das crianças, ‘obra de avançada altruística, em defesa das crianças débeis’ e em defesa da pátria. Nessa direção, ele conclamava seu valor para o melhoramento da saúde dos escolares e, assim, para vencer os dois graves problemas que afligiam o país: o analfabetismo e a mortalidade infantil.
Congreguemo-nos todos, patriotas e filantropos, higienistas e pedagogos, homens de governo e publicistas, etc., e promovamos, desde já, a criação por todo o Brasil de institutos medico-pedagógicos da ordem dos preventórios ou escolas para débeis e das colônias escolares de férias. Pro infantia, pro Patria! (Madeira, 1924, p. 22).
Coligando esforços em benefício das crianças inaptas, as colônias de férias deveriam funcionar como um sanatório ou uma escola para as crianças débeis. Quem eram os débeis na definição do médico Almir Madeira? Eram as crianças enquadradas como fracos, ‘anêmicos por causa diversas’, mal desenvolvidos, predispostos a diversos males ou taras, descendentes de tuberculosos, heredossifilíticos, hipotireoidico; hipoalimentados; astênicos, crianças com sintomas depressivos, nervosos e inapetentes (Madeira, 1924). Associando um amplo leque de predisposições que caracterizavam as crianças débeis, o médico afirmava que um contingente expressivo delas frequentava as escolas públicas e, em muitos casos, enfileiravam-se com suas famílias na busca de atendimento assistencial em instituições filantrópicas, a exemplo do Instituto de Proteção e Assistência à Infância de Niterói.
A Colônia Escolar de Férias configurou-se como uma instituição de profilaxia social que, requerendo a proteção das crianças, tinha como finalidade superar os males associados à ignorância, à pobreza e à degeneração. Nessa perspectiva, cabia-lhe atuar sobre os males decorrentes da falta de conhecimentos elementares de higiene, das crenças naturalizadas em relação ao corpo e às doenças, bem como das hereditariedades e da situação de pobreza das crianças débeis, funcionando como um refúgio salvador da criança.
Um refúgio salvador e regenerador das crianças débeis: a Colônia Escolar de Mendes
Mães pobres de crianças débeis, no fim de cada ano, envidai esforços para matriculardes vossos filhinhos numa Colônia de Férias. Os dois meses de saudades que sofrereis com o afastamento de vossos filhos serão generosamente recompensados pelas vantagens que eles auferirão no futuro, mercê dos esforços em seu favor empregados nas Colônias de Férias.
Professores Fluminenses, orgulhai-vos com a criação da grandiosa obra - que são as Colônias de Férias: - envidai esforços para que prosperem e se multipliquem tão uteis estabelecimentos: fazeis a propaganda entre as famílias de vossos alunos débeis da vantagem da instituição: ‘explica-lhes que o interesse do Estado é o mesmo que o das Mães - á ter filhos fortes que colaborem para a grandeza do solo pátrio!’ (Timotheo, 1924, p. 1, grifo nosso).
Com base na preleção A primeira colônia de férias do Brasil, apresentada pelo médico Almir Madeira no Curso de Férias para professores realizado na Escola Normal de Niterói, no dia 03 de abril de 1924, a professora Guaraciaba Leitão Timotheo12 expôs aos leitores do jornal O Fluminense, as vantagens para a adoção das colônias de férias no estado. No artigo, a professora da Escola Normal de Niterói elegeu as mães e os professores fluminenses como interlocutores privilegiados para a realização dessa empreitada salvadora da criança. A implantação das colônias justificava-se não somente pelos benefícios em prol dos alunos e dos filhos, mas também do Estado. Portanto, a publicação do artigo com caráter panfletário e apelativo no jornal era compreensível, uma vez que não foi sem resistência por parte dos professores e das mães que o médico Almir Madeira conseguiu implantar a primeira colônia escolar de férias.
Nesse aspecto, a resistência das mães e das professoras estava associada, segundo Madeira, à ignorância quanto aos benefícios trazidos pela medicina e por todo o trabalho científico que seria realizado na colônia de férias. Algumas mães, conforme afiançava o médico, acreditavam que o local seria um hospital em que seriam aceitas crianças com doenças contagiosas; outras argumentavam “[...] não quererem se separar dos seus filhos por tanto tempo”. Nessa direção, para evitar o envio das crianças para a Colônia, as professoras alegavam que: “[...] não encontravam crianças pobres, débeis ou anêmicas [...]” em suas escolas (Madeira, 1924, p. 5). Assim, a instalação da primeira colônia de férias não se fez sem resistências e sem riscos de não se realizar "[...] por falta de colonos" (Timotheo, 1924).
Assim, para efetuar com sucesso a implementação das colônias, o médico Almir Madeira considerava fundamental a cooperação das professoras, a ser realizada em pelo menos duas direções. De um lado, na identificação das crianças que necessitavam de amparo; de outro, na atuação consciente e esclarecida junto aos pais. Estes deveriam ser instruídos a ‘abandonar’ os preceitos naturalizados de sua cultura e, assim,ser convencidos dos ‘benefícios’ das colônias para a preservação das crianças. Se as professoras funcionavam como elo fundamental do processo, era preciso convencê-las dos benefícios das colônias, cabendo-lhes, então, instruir
[...] as mães, que ignorem, da existência das instituições de assistência de crianças; expliquemos-lhes as vantagens que advirão a seus filhos se receberem a tempo os corretivos reclamados pela debilidade ou suas anomalias (Timotheo, 1924, p. 1).
Parece-nos sugestivo refletir sobre os possíveis motivos da resistência das professoras e das famílias quanto às colônias, mas também sobre os mecanismos acionados pelo médico para conseguir adesão à sua proposta. No primeiro momento, a estratégia de convencer as professoras não logrou sucesso; por isso, ele lançou mão de sua posição como Diretor e fundador do Instituto de Proteção e Assistência à Infância para arrebanhar crianças e compor a primeira turma de colonos. Manancial em que proliferavam necessitados de todos os tipos de socorro, a população que se dirigia ao IPAI em busca de atendimento era constituída por famílias pobres: “[...] crianças ali socorridas, escolares, inclusive cujo estado de pobreza, [...], só se compara de sua miséria orgânica” (Madeira, 1924, p. 5).
Entre as famílias atendidas no IPAI, o médico conseguiu reunir vinte e três crianças selecionadas a partir de critérios sociais, higiênicos e de saúde. Além dessas, mais três crianças foram encaminhadas pela professora Castorina de Araújo, única professora de escola primária de Niterói a aderir à proposta de criação da Colônia. Sobre a professora, assim se referiu Madeira:
[...] compreendendo o valor da nova obra de defesa da criança, teve a preocupação de, mesmo terminado o ano letivo, procurar pessoalmente as famílias pobres dos alunos que lhe pareciam fracos ou debilitados, incentivando-lhes no espírito a necessidade de consentirem na inclusão de seus filhos entre os escolares que iam gozar, durante as férias, as delicias da vida ao ar livre e ao sol vivificante da montanha sob ‘o controle da fisiologia e da higiene’ Madeira, 1924, p. 5, grifo do autor).
Assim, a primeira turma foi composta por vinte e seis crianças de 5 a 13 anos de idade, do sexo feminino e masculino. Destas, treze eram de escolas públicas de Niterói e treze de instituições particulares. Das instituições públicas foram enviados três alunos da escola R. B. do Amazonas, dois alunos das escolas Ruy Barbosa, Visconde de Moraes, R. Tiradentes e um aluno das escolas Balthazar Bernadino, Guilherme Briggs, Alberto Brandão e Nilo Peçanha. Das instituições particulares foram seis alunos do Colégio Rio de Janeiro, quatro alunos do Externato Santa Thereza, dois alunos do Externato Halfeld e uma aluna do Asilo Santa Leopoldina13 (Madeira, 1924).
Diante das resistências que se apresentaram, a estratégia foi incentivar a ida de mães e responsáveis ao local onde seria instalada a colônia, com fornecimento de passagens e alimentos para visitar as crianças.Até o momento, não foi possível localizar elementos que nos permitam afiançar se tal contrapartida se efetivou, mas, independentemente disso, interessa-nos refletir sobre a adoção de ações estratégicas com o fim de minimizar as resistências apresentadas. Consideramos que tais proposições tomaram corpo graças aos subsídios financeiros de empresas e de particulares, como o empresário e filantropo Henrique Lage, a Companhia Sul América de Seguros e a Sociedade Fluminense de Agricultura e Industriais Rurais (Madeira, 1924).
Como a manutenção da colônia de férias era dispendiosa, reforçava-se a ideia de que não só o Estado deveria arcar com os gastos da instituição. Em Mendes, além das já citadas empresas e do filantropo Henrique Lage, outros beneméritos colaboraram para sua implantação. A ajuda não foi só financeira, mas também profissional,de modo que as atividades propostas se efetivassem. Compondo uma ampla rede de sociabilidade, Madeira contou com auxílio das Damas da Assistência à Infância do IPAI de Niterói, a exemplo da Senhora Abigail Barbosa Pimenta Bastos, que assumiu a Direção da colônia, e da Senhora Maria Peixoto, bem como de médicos que assistiam clinicamente os internos e realizavam atividades ao ar livre.
Para promover os exames clínicos e laboratoriais preparatórios para a internação na Colônia, Almir Madeira contou como auxílio dos médicos Alfredo Backer Filho, Aureliano Barcellos, Leopoldo Torres, Manoel de Abreu, médico radiologista responsável pelo raio X na Policlínica Geral do Rio de Janeiro, e Murilo Mello, oftalmologista. Em Mendes, Almir Madeira recorreu à colaboração do médico Álvaro Bernadinelli, “[...] conhecedor da estação climática” (Madeira, 1914, p. 8). O chefe do Distrito de Profilaxia Rural, o médico Mario Pinotti, cooperou proferindo preleções sobre educação higiênica para as crianças. Coube ao Senhor Virgílio Brito, diretor técnico da Associação de Escoteiros Fluminenses, realizar “[...] o cronograma das atividades físicas traçado pelo governo fluminense” (Madeira, 1924, p. 9).
Para o médico Almir Madeira, o clima não era o único responsável pela cura dos males;por isso, considerava necessário criar os meios para promover o desenvolvimento da criança. Dentre eles, o repouso, o ar, o sol, os exercícios e um programa disciplinar e higiênico favorável ao robustecimento das crianças. Assim, em 16 de dezembro de 1923, foi inaugurada a Colônia Escolar de Férias de Mendes com o objetivo de cumprir o papel de instituto de preservação escolar contra os males que assolavam a infância. Ela deveria funcionar como um refúgio nas montanhas no qual os internos deveriam ter, na compreensão do médico Almir Madeira, uma qualidade de vida melhor, longe das ‘agruras’ que os impediam de crescer fortes e educados. Proteger a infância não significava apenas oferecer noções gerais de vida, poupando-a dos trabalhos extenuantes, cuidando de seu desenvolvimento físico e mental,mas também libertá-la da atmosfera das cidades consideradas viciadas e corrompidas. Quanto ao seu funcionamento e os efeitos pedagógicos sobre a primeira turma de crianças,assim se pronunciou o jornal A Noite:
[...] tivemos ocasião de assistir ao almoço das crianças, em número de 26, sendo 16 meninos e 10 meninas.
É digno de nota a educação higiênica que já vão demonstrando máxima atendendo-se a que a maioria dos colonos, segundo nos referiu o Dr. Almir, desconhece o uso de certas exigências do asseio.
Como já dissemos oportunamente, as colônias de férias se destinam aos escolares [...] e anêmicos, convalescentes ou tarados, filhos de tuberculosos, descendentes de sifilíticos ou alcoólatras, e que nesses institutos vão viver em pleno ar, alimentando-se substancialmente e adquirindo hábitos higiênicos da maior importância para a sua saúde e vigor.
Os jovens colonos, cujo aproveitamento já é notável, acham-se magnificamente instalados no edifício onde funciona o grupo escolar ‘Cunha Leitão’, sendo carinhosamente tratados pela administradora, Sra. Abigail Pimenta Bastos, e sua ajudante, Sra. Maria Peixoto.
[...]
E assim se vai restaurando a saúde e revigorando o organismo daquelas criaturinhas, que, no dizer do Dr. Almir, ‘como as plantas, privadas de luz, se estiolam, enfezadas, nos ambientes malsãos dos centros urbanos’ (A Noite, 1924, p. 6, grifo do autor).
A rotina de atividades previa a pratica de exercícios ao ar livre, a ginástica respiratória,o alpinismo, a audiência de palestras de caráter instrutivo, a educação higiênica, a instrução moral e cívica, o descanso, jogos e brinquedos apropriados, passeios ‘salutares’, disciplina e vida. Desse modo, “[...] em contato com a natureza exuberante [...]”, a Colônia cumpria um papel não somente escolar, mas também de preservação e de cura da infância debilitada (Madeira, 1924, p. 9).Com tal intento, o médico manteve por cinquenta e dois dias a Colônia em funcionamento no pavilhão superior do edifício do Grupo Escolar Cunha Leitão14.
Em seus relatos, ele procurava indicar que as atividades adotadas tinham revertido na melhoria física das crianças.Para apresentar os resultados da observação com as crianças, estas foram identificadas pelas letras do alfabeto, por idade e sexo. Nesse movimento de mensuração, foram analisados a estatura, o peso, os perímetros torácicos axilares, o xipo esternal, a inspiração, a expiração, a amplitude respiratória e a taxa de hemoglobina. A fim de comprovar os resultados alcançados, ele apresentou a evolução do quadro clínico dos internos - 15 meninos e 10 meninas15 - durante o período de internação na Colônia. Os resultados foram exibidos por meio de um Gráfico Geral, contendo aumento de peso, estatura, perímetros torácicos e taxa de hemoglobina,médias gerais dos aumentos e curva dos coeficientes de robustez. Dessa maneira, Almir Madeira pretendia demonstrar que os fins a que se destinava à Colônia haviam sido atingidos.

A tabela apresenta os dados elaborados por Almir Madeira no gráfico intitulado ‘Medias Gerais dos Aumentos’ com base na avaliação das crianças. Conforme demonstrado nesse gráfico, os coeficientes expostos na tabela visam comprovar a evolução alcançada pelas crianças, sugerindo a diferenciação para meninos e meninas internos.

Fonte: Quadro organizado com base no Relatório publicado nos Archivos de Assistencia à Infancia (Madeira, 1924).
Elucidativos são os exemplos descritos por Almir Madeira em seu relatório. Em um dos casos, o menino identificado como I, filho de mãe tuberculosa, falecida, ao retornar da Colônia de Férias, “[...] havia aumentado 1 cm de altura e 1k900 de peso”. Em outro, o menino identificado como A, cujos pais achavam que era tuberculoso, foi levado “[...] magro, fáceis abatida, tristonho antes da partida [...]” para o Instituto de Proteção e Assistência à Infância de Niterói. Lá foi medido, e os pais, convencidos a autorizar seu internamento na Colônia de Férias. Ao regressar, “[...] foi alvo da admiração dos seus colegas e, principalmente dos seus pais”. Madeira procurava, por intermédio das mensurações realizadas,comprovar sua ideia, mas também demonstrar a relevância da mensuração, ou seja, dos procedimentos de racionalização de base científica. Ao final do relatório, ele retomou o caso do menino identificado como A: “[...] nem podia deixar de ter viço e saúde quem como ele aumentou em quase dois meses 1 cm e 5 de estatura, 2 quilos e 600 no peso, 1 cm no perímetro torácico e 5% na taxa de hemoglobina”16.
Para concluir os casos de A e de I, ressaltou: “Tanto um como outro, depois do primeiro mês, de nada mais se queixavam e era de ver como se entregavam, gargalhadamente, aos jogos e exercícios, principalmente A, considerado o ‘campeão’ de alpinismo e de salto” (Madeira, 1924, p. 11, grifo do autor). Portanto, podemos concluir que “[...] a imagem idealizada de uma infância transformada pelo bem do país corporificou-se na representação de uma criança forte, saudável, bem-comportada e livre da pobreza e do atraso” (Camara, 2010, p. 143).
Consideramos sugestiva a maneira como as crianças foram descritas por Almir Madeira em seu relatório sobre o período em que estiveram internadas. Em tais descrições, a vivência das crianças na Colônia era marcada pela alegria,pela descontração e pelo prazer. Nada indicava qualquer contrariedade ou vontade de retornar para suas casas ou rever seus pais (Madeira, 1924, p. 9).
Certa vez (era o dia de Ano Bom), em companhia de seu digno esposo foi visita-la a Exma. Sra. Viçoso Jardim. Se não lhe causou surpresa a aparência de absoluto bem estar e de conforto, pareceu-lhe inverossímil ou de algum modo falseada a ruidosa manifestação de alegria daquelas crianças, apartadas dos seus pais, dos seus irmãozinhos, num dia em que, pobres e ricos costumam-se reunir no doce convívio do lar.
A ilustre dama [...] quis certificar-se se havia espontaneidade naquelas expansões e depois de ter assegurado a cada um os necessários recursos de uma viagem confortável, propôs: ‘Quem quiser ir comigo para Niterói, eu mesma levarei até a casa de seus pais’.
Ninguém quis aceitar o convite que, sobre ser por demais gentil e honroso, encerra certos atrativos como o automóvel oficial à porta da humilde moradia (Madeira, 1924, p. 9, grifo do autor).
Referindo-se ao comportamento das crianças durante o período de internação, Almir Madeira relatou o dia em que o Dr. Mario Vasconcellos, Diretor de Instrução Pública, em visita à Colônia, teve a oportunidade de assistir a uma palestra sobre educação higiênica que, proferida pelo Dr. Mario Pinotti, chefe do Distrito da Profilaxia Rural, transmitia ‘com graça e humor as coisas serias deste mundo’, sendo recebida com ‘aplausos calorosos’. Em outro momento, afirmou que as crianças praticavam as atividades físicas às quais “[...] se entregavam jubilosos e felizes, aqueles organismos enfezados que dentro de pouco tempo, se sentiam eles mesmos com viço e saúde” (Madeira, 1924, p. 9).
Essas descrições não devem ser tomadas como registros indiscutíveis das dinâmicas realizadas na Colônia. Resistências e indisciplinas que por ventura tenham sido apresentadas pelas crianças não foram descritas nos documentos analisados;todavia, em nossa compreensão, isso não significa que não tenham ocorrido naquele espaço. Os relatos, a exemplo da narrativa das visitas das autoridades à instituição, cooperaram para a construção da ideia de que as crianças estiveram passivas diante dos acontecimentos e das rotinas disciplinares instituídas na Colônia e que não houve qualquer posicionamento adverso ou de inadaptação por parte delas. Nesse particular, cabe-nos perscrutar os silêncios ruidosos dessas experiências que,ao instituir formas de controle sobre as condições de vida das crianças pobres e débeis que frequentavam as escolas públicas e as instituições privadas e assistenciais, tinham como objetivo demarcar outro perfil para a infância higienizada e regenerada.
Os dados elaborados e expostos pelo médico buscavam demonstrar que houve um aumento generalizado das estaturas, do peso, da taxa de hemoglobina, da amplitude respiratória e de outros aspectos avaliados. Os números apresentados ratificavam, portanto, a convicção do médico a respeito do tratamento a que deveriam ser submetidas as crianças, confirmando a teoria de que era possível, à luz da ciência, conduzir uma assistência à infância que visasse promover a civilidade e o progresso do país.
Como localcuja destinação deveria ir além das férias escolares a Colônia não tinha como objetivo apenas a recuperação física das crianças debilitadas e enfraquecidas. Além desse apelo clínico, a colônia de férias vislumbrava ser um ‘refúgio’ nas férias escolares. Um refúgio que, nas palavras de Almir Madeira, constituía-se como um espaço salvador onde as crianças teriam o aprendizado de higiene corporal, moral e de educação, controlados pela medicina e pela pedagogia. Desse modo, a Colônia Escolar de Férias deveria funcionar como um espaço disciplinador fora do período letivo. Melhor dizendo, a Colônia constituía-se como um espaço onde os débeis teriam a possibilidade de ser regenerados para o bem da pátria e a salvação da raça.
Considerações finais
A concepção de assistência à infância desenvolvida pelo médico Almir Madeira envolvia a compreensão de que a ignorância e a miséria da população eram os responsáveis pelo coeficiente de mortalidade infantil do país. Desenvolver uma assistência higiênica capaz de tornar a criança sadia, prevenindo-a, por meios profiláticos, contra a contaminação das doenças contagiosas, construía-se como a finalidade da Colônia. Nesse particular, Madeira defendia a urgência de se resolver o que qualificava como sendo o “[...] único problema nacional [...]”: a educação popular (1947, p. 11).
Constituindo-se como obra de preservação escolar, as colônias de férias, as escolas ao ar livre, as escolas do sol, as escolas sanatórios e os preventórios configuravam-se como instituições capazes de instituir uma dupla prevenção contra os males associados ao analfabetismo e à ‘degradação da raça’ (Madeira, 1947). Ações direcionadas a imunizar, isolar, desinfetar e sanear compunham as orientações ‘higiênico pedagógicas’ propostas para a Colônia de Férias.
Por meio de um amplo leque de ações, o médico Almir Madeira pretendeu fornecer as condições higiênicas e educativas adequadas ao desenvolvimento das crianças. Cinquenta e dois dias após a instalação da Colônia, o projeto foi interrompido em decorrência das chuvas que acometeram o Rio de Janeiro, inundando a cidade de Mendes. Assim, em 06 de fevereiro de 1924, antes de as férias escolares findarem, os internos retornaram à cidade de Niterói. Embora não tenha conseguido implementar todo o programa de reabilitação proposto, Almir Madeira buscou evidenciar, por meio da exposição de dados, os benefícios alcançados com o projeto (1924). Dessa maneira, concluímos que a concepção de assistência à infância materializada na criação da Colônia de Férias de Mendes, assentava-se na convicção eugênica positiva circunscrita à regeneração da raça. Com base nessa concepção, condenavam-se as heranças biológicas, as influências morais e amaneira como os pais cuidavam dos filhos, instituindo com isso uma ortopedia normativa para os corpos e as mentes das crianças.
Ao focarmos nossa lente na experiência encetada com a criação da primeira colônia de férias do Rio de Janeiro, a qual funcionou de 16 de dezembro de 1923 a 06 de fevereiro de 1924, ensejamos compreender a matriz que fundamentou a proposta, mas também as especificidades que emergiram dessa iniciativa. Concordamos com Revel (1998, p. 20) quando afiança que o pesquisador ao “[...] aumentar ou diminuir a lente em relação ao objeto não significa aumentar ou diminuir o espaço a ser observado, mas sim o grau do que se deseja observar”. Consideramos, então, que a análise das ações empreendidas em Mendes condensa e potencializa a concepção stricto sensu não só das propostas que se materializaram nas práticas educativas organizadas na Colônia, mas também das concepções que estiveram em voga no cenário internacional e que ajudaram a conformar a matriz que fundamentou a atuação do médico Almir Madeira no que tange à perspectiva filantrópica assistencial aos escolares fluminenses.
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Notas