Resumo: No presente artigo, analisam-se as representações sobre a ‘morte’ materializadas em diferentes composições textuais no periódico Vida Escolar. Esse órgão dos estudantes de Campo Grande, foi editado pelo Colégio ‘Visconde de Taunay’, circulando entre 1934 e 1936 na cidade de Campo Grande, localizada ao sul do estado de Mato Grosso indiviso. O objetivo é identificar a mobilização de discursos para o ensino a respeito dessa etapa da vida ou do fim dela. Foram analisados 19 números dos 22 publicados que se encontram localizados no Centro de Documentação Regional da Universidade Federal da Grande Dourados (CDR-UFGD). Percebeu-se que as representações sobre a morte estão instrinsecamente relacionadas aos valores de civismo, religiosiosidade e da ciência médica.
Palavras-chave: educação para a morteeducação para a morte,jornal escolarjornal escolar,representação socialrepresentação social,Mato GrossoMato Grosso.
Abstract: This article analyzes the representations about the ‘death’ materialized in different compositions in the periodical Vida Escolar- of the students organ in Campo Grande, edited by the College ‘Visconde de Taunay’ which circulated between 1934 and 1936 in the city of Campo Grande, in the South of the undivided State of Mato Grosso, in order to identify the mobilization speeches for teaching to this stage of life, or the end of it. To this end, we analyzed 19 numbers, from 22 published and located in the Regional Documentation Center of the Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). It was noticed that the representations about the death are intrinsic related to the values of civility, religiosity and medical science.
Keywords: education for death, school newspaper, social representation, Mato Grosso.
Resumen: Resumen: El presente artículo analiza las representaciones sobre la ‘muerte’ materializadas en diferentes composiciones textuales en el periódico Vida Escolar- órgano de los estudiantes de Campo Grande, editado por el Colegio ‘Visconde de Taunay’ que circuló entre 1934 y 1936 en la ciudad de Campo Grande, localizada en el sur del estado de Mato Grosso indiviso, con el objetivo de identificar la movilización de discursos para la enseñanza para esa etapa de la vida, o el fin de ella. Para ello, fueron analizados 19 números, de los 22 publicados, localizados en el Centro de Documentación Regional de la Universidad Federal de la Grande Dourados (CDR-UFGD). Se percibió que las representaciones sobre la muerte están intrínsecamente relacionadas a los valores del civismo, de la religiosidad y de la ciencia médica.
Palabras clave: Educación para la muerte, periódico de la escuela, la representación social, Mato Grosso.
ARTIGOS
A morte no cotidiano e no Vida Escolar em Campo Grande-MT
The death in everyday life and in the Vida Escolar periodical in Campo Grande-MT
La muerte en el cotidiano y en la Vida Escolar en Campo Grande-MT
Recepção: 03 Junho 2016
Aprovação: 01 Março 2017
A morte deveria ser assim:
Um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...
Mario Quintana (2012).
A palavra ‘morte’ reporta-nos a sentimentos que entremeiam a dor da saudade pela ausência dos que deixaram de viver em nosso meio, o medo de sofrer e a incerteza do que há por vir. Por ser algo inevitável, a morte, como afirma Quintana, deveria vir tranquilamente, como o anoitecer, e ir nos elevando para o fim, para o descanso ou para um novo renascer.
Na realidade, a ‘morte’ sempre esteve e estará presente em nossas vidas. De forma velada ou exposta, é um fato inevitável, de modo que todos, independentemente da idade, sempre vivenciaram situações de falecimento em seu entorno, o que nos leva a refletir: que representações sobre a morte circularam no ambiente escolar em Campo Grande? A escola, que prepara o aluno para a vida, discute também essa temática?
Em seu livro História da morte no ocidente, Philippe Ariés (2012, p. 23) indica que o significado da morte e a maneira de o homem se relacionar com ela sofreram mudanças , seja em termos de atitudes seja de “[...] variações da consciência de si e do outro, o sentido da destinação individual ou do grande destino coletivo”. As representações sobre a ‘morte’ sofrem influência do meio cultural, religioso e do tempo. Como bem afirma Chartier (1990, p. 183), é um campo em luta, que, por isso, “[...] centra a atenção nas estratégias simbólicas que determinam posições e relações e que constroem, para cada classe, grupo ou meio, um ser-percebido constitutivo de sua identidade”.
Maranhão (1987, p. 15) afirma que, na sociedade voltada à produtividade e ao progresso, fala-se e pensa-se o menos possível na morte: “[...] os novos costumes exigem que a morte seja o objeto ausente das conversas educadas [...]”, talvez porque refletir sobre a finitude da vida desestimule investimentos (pessoais e financeiros) para um futuro que se quer distante.
Por ser uma temática pouco frequente nos estudos, principalmente na História da Educação, optamos por enfrentar o desafio de refletir sobre a questão, já que nos deparamos com a recorrência de artigos sobre a morte no jornal estudantil Vida Escolar. Esse periódico foi dirigido por estudantes de Campo Grande e produzido pelo Colégio ‘Visconde de Taunay’, circulando entre 1934 e 1936. Dos 22 números publicados, privilegiamos 19 para a pesquisa, porque se encontram depositados no Centro de Documentação Regional da Universidade Federal da Grande Dourados (CDR-UFGD).
Entre os números disponíveis, encontramos 14 textos que tratavam da morte, oito dos quais foram produzidos por alunos da 2ª à 5ª séries. São eles: A morte (Vida Escolar, 1934a, p. 3); Fora de si (Vida Escolar, 1934a, p. 4); Viver é lutar (Vida Escolar 1934b, p. 4); Sociedade moderna (Vida Escolar, 1934c, p. 1); Ao João Gomes Júnior (Vida Escolar, 1934c, p. 2); Assombroso, não? (Vida Escolar, 1934d, p. 1); Viver na morte (Vida Escolar,1935a, p. 3); Uma nova Guerra (Vida Escolar,1935b, p. 1); Fantasma noturno (Vida Escolar, 1935b, p. 4); A tuberculose (Vida Escolar, 1935c, p. 2); A morte (Vida Escolar, 1935c, p. 3); Saudosa mãe (Vida Escolar, 1935d, p. 1); A disciplina (Vida Escolar, 1935d, p. 5) e Visita ao cemitério (Vida Escolar, 1936, p. 3).Além das matérias citadas, chamou-nos a atenção a existência de um quadro denominado ‘Calendário Escolar’, publicado no primeiro ano do periódico., no qual são elencados e comemorados os aniversários de morte de personalidades históricas (Moreira & Sá, 2016).
Enfim, no presente artigo, analisamos as representações recorrentes sobre a morte em publicações no jornal Vida Escolar com o fim de inquirir sobre a intencionalidade da instituição escolar ao tratar do assunto. Consideramos importante clarificar o contexto social de atuação da comunidade escolar e do periódico, isto é, desvendar o cotidiano no município de Campo Grande, para, em seguida, analisar as representações de morte publicadas no citado periódico escolar.
[...] ‘morto de doença da terra, calibre 44’.
J. Willard Morris (Barros, 1999, p. 18, grifo do autor).
Esse foi o laudo da autópsia realizada no cadáver de um paraguaio assassinado em Campo Grande no início do século XX. A bala do revólver foi considerada, por Barros (1999, p. 18), como “[...] pertinaz doença, endêmica, ceifadora de vidas [...]” em uma cidade com características rurais, isolada, na qual “[...] matava-se com certeza da impunidade”.
Relata ainda Barros que, no dia 26 de agosto de 1899, data em que Campo Grande foi elevada à categoria de Vila, em vez de uma festa pela conquista tão reivindicada, ocorreu um caso corriqueiro:
Em frente a um cabaré, um homem amanheceu de bruços entre manchas de sangue no solo arenoso.
As crianças que buscavam a escola passavam longe, evitando o morto. [...]
Uma tropa de burros, guiados pelo cincerro da madrinha e tocados por dois peões, passou em marcha acelerada. A poeira cobriu a visão de todos, mas os animais desviaram do morto. Os peões deram rápida olhada de possível identificação. [...]
Já passado o meio-dia, o morto continuava exposto ao sol, ignorado e só. Morto sem dono. Era cadáver de si mesmo. Temendo o mau cheiro iminente, o proprietário do cabaré ordenou ao empregado que pegasse o cavalo para levar o morto. Amarrou o laço nos dois pés e, pela chincha, rua a fora, foi puxando aquele incômodo cadáver de ninguém (Barros, 1999, p. 14-16).
Pela convivência constante com a morte, a construção de cemitérios tornou-se uma preocupação na vida comunitária. Barros (1999, p. 18) relata também que o migrante Naim Dibo, um dos homens mais ricos de Campo Grande, trabalhara como carroceiro quando chegou à cidade nos anos 1930 e ganhara “[...] um bom dinheiro da Prefeitura transportando, diariamente, os cadáveres deixados na Rua 7 de Setembro”.
A partir da inauguração da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em 1914, Campo Grande começou a receber muitos migrantes e imigrantes, os quais passaram a fazer parte de sua população. Além disso, a Vila foi transformada em centro de todas as transações da região, segundo Weingärtner (1995, p. 3):
O movimento na estação ferroviária, causado principalmente pela exportação de gado, madeira e outros produtos, e a importação de bens industrializados é intensa, contribuindo para que a arrecadação tributária de Campo Grande seja de 28%, em relação à arrecadação de Mato Grosso.
A Vila de Campo Grande, segundo Costa (1999, p. 75), foi elevada à condição de cidade em 1918, ganhando quartéis, o que ensejou a “[...] vinda de tropas do Exército que, além do papel que representam como segurança e civismo, integraram-se totalmente à vida da cidade”. Os militares, tendo à frente seus engenheiros, foram reponsáveis pelo planejamento urbanístico e também pela construção do Hospital Militar, à margem da ferrovia.
Naquele período, Maria Constança de Barros Machado (apud Rosa, 1990, p. 63), ao se formar na Escola Normal de Cuiabá, resolveu “[...] tentar a sorte em Campo Grande”. Logo, foi persuadida por seus amigos e parentes de que “Em Campo Grande, todo dia matam gente na rua, em plena luz do dia”. Ela mesma testemunhou:
É verdade que depois tomei conhecimento de muitas mortes, assassinatos por questões de família, por problemas políticos. Na década de 20, vivia fechada em casa, com medo de sair à rua e ser atingida por uma bala escapada de algum tiroteio, resultante de briga. A violência na Rua 7, no começo do século era terrível: todas as manhãs aparecia alguém morto por lá (Machado apud Rosa, 1990, p. 63-64).
Aos poucos, a cidade passou a contar com os principais órgãos administrativos; o comércio apresentava mais de 200 estabelecimentos; havia três agências bancárias, uma agência de Correios e Telégrafos, iluminação elétrica, abastecimento de água canalizada, telefones e clubes recreativos. Porém, como afirma Weingärtner (1995), não perdia sua caracteristica rural. A Irmã Angela Vitale relata:
Campo Grande, naquele tempo, era um lugarejo, com a Rua 14 de Julho cercada de arame farpado dos dois lados. O que me lembro é das casinhas de madeira dispersas, daqui e dali, porque os fazendeiros não faziam questão de ter residências bonitas na cidade. Os melhores prédios eram da prefeitura, de um andar só, o do Quartel General, em frente ao qual funcionava o Grupo Escolar Joaquim Murtinho (Vitale apud Rosa, 1990, p. 126).
Em 1932, a população de Campo Grande se uniu à do estado de São Paulo na Revolução Constitucionalista. Segundo Costa (1999, p. 77), declarou-se “[...] um estado independente, tendo como capital Campo Grande. Escolheu-se como governador o renomado médico Eurico Vespasiano Martins, instalando-se o palácio do governo no prédio da Maçonaria”. Prossegue o autor, apresentando o difícil e inseguro panorama de então:
A cidade ficou em pé de guerra e a ‘Catorze’ agitou-se mais que nunca. Perdemos a revolução, nossos lideres refugiaram-se nas fazendas e muitos fugiram para o Paraguai. A cidade ficou à mercê dos vencedores, iniciando-se aí uma fase do revanchismo e perseguições, somente controladas com a interferência de militares e de cidadãos tradicionais como Antônio Luiz Pereira, filho do fundador, que gozava de grande respeito mesmo entre os adversários (Costa, 1999, p. 77, grifo do autor).
As escolas participaram indiretamente dessa movimentação. O prédio da Escola Normal foi utilizado para guardar as armas, pois seu diretor, Múcio Teixeira (1990), era o comandante-chefe das forças revolucionárias em Campo Grande, o que foi relatado por ele mesmo:
Nunca tive medo de morrer. Na Revolução me escondi em casas alheias, dormi debaixo de chuva, pulei muros, sempre de fuzivel na mão, tive até que refugiar-me durante 40 dias no Consulado Português, para não ser morto. Estou certo de que a existência é uma aventura, na qual é preciso coragem, para sobreviver-se às dificuldades (Costa, 1999, p. 48).
É indiscutível que, no início do século XX, a população campo-grandense, inclusive a estudantil, convivia com a violência e a morte. No entanto, a violência não era o único motivo do alto índice de mortalidade: muitos falecimentos eram decorrentes de guerras e conflitos, já que, além de a região fazer fronteira com o Paraguai e a Bolívia, havia a questão do banditismo oportunizado pelas tropas organizadas pelos ‘coronéis’ de Mato Grosso, além da fome e das epidemias, como destaca Dourado (2010).
Em 1933, Campo Grande tinha 2.580 estudantes matriculados, dos quais, aproximadamente, 83% estavam no ensino primário, 10% no ginásio, 4% no Normal e 3% no comercial, como afirma Rocha (2010). Dentre as instituições escolares tem destaque o Colégio Visconde de Taunay, criado em 19321.
Apesar de a região norte comportar a capital do estado, Cuiabá, os municípios do sul apresentavam “[...] núcleos de população menos dispersos, e com maiores facilidades de comunicação entre si” (Mato Grosso, 1942, p. 3). Em Campo Grande, dentre os fatores que auxiliavam na comunicação, destacam-se os meios de comunicação em franca expansão, a exemplo dos periódicos e da emissora de rádio, o que explica a existência do jornal estudantil Vida Escolar.
Idealizado e gerenciado pelo Colégio Visconde de Taunay, cujo proprietário e diretor era o professor Enzo Ciantelli, o jornal Vida Escolar, orgão dos estudantes de Campo Grande, teve sua primeira edição em 20 de maio de 1934 e a última, em 13 de junho de 1936, somando 22 exemplares durante os três anos de circulação2. No primeiro ano, a direção editorial ficou a cargo de Josefina C. Rondo e, a partir do segundo ano, de Manuel Ballian.
Em sua primeira publicação, o jornal anunciou que seu objetivo era contribuir para a formação intelectual da mocidade e convidou mestres e alunos de todos os colégios “[...] desta culta e progressista cidade [...]” a contribuir para a manutenção do jornal, enviando contribuições (Vida Escolar, 1934a, p. 1). Ainda nessa primeira edição, foram apresentadas seis vantagens para a existência e a permanência do periódico: “1º - o jornal escolar auxilia a aproximação dos ideais dos alunos; 2º - estimula e traz progresso, 3º - dá origem à espiritualidade de cooperação; 4º - desperta o interesse à escrita e leitura; 5º - é transmissor de ideias; e, o 6º e último, meio de cultura e educação”. A proposta do periódico era “[...] satisfazer plenamente os pontos citados, procurando assim contribuir poderosamente na formação do caráter dos jovens e de todos os leitores” (Vida Escolar, 1934a, p. 3).
Apesar de se definir como ‘órgão dos estudantes de Campo Grande’, nem todo o conteúdo foi escrito por alunos. O periódico foi criado para estudantes, mas não totalmente feito por eles, pois convidavam-se mestres e alunos de todos os colégios para dar sua contribuição. De qualquer forma, a maioria dos autores foram alunos de diferentes níveis, conforme Gráfico 1:

Fonte: Silva (2015).
Segundo Silva (2015), dos 230 artigos publicados nas 20 edições localizadas, 104 (45%) foram produzidos por alunos de diferentes níveis e instituições de ensino da cidade de Campo Grande. Na segunda maior recorrência, 55 (24%) artigos foram assinados, mas sem a identificação de vínculo do colaborador com qualquer instituição. Em terceiro lugar, 31 artigos (14%) foram publicados sem indicação de autoria. 26 (11%) artigos foram produzidos por dois professores do Colégio Visconde de Taunay: Enzo Ciantelli,diretor do Visconde de Taunay e professor no curso Ginasial e Comercial e de Admissão, nos quais lecionava as disciplinas de Contabilidade e Caligrafia, e Severino de Queiroz,que lecionava Português no curso Ginasial e Comercial. 14 artigos (6%) foram assinados pela direção do periódico.
De modo geral, cada número apresenta em torno de quatro páginas, com conteúdos disciplinares de Língua Portuguesa, História do Brasil, Geografia, Educação Moral e Cívica, Educação Física, opinião da sociedade estudantil e professoral sobre temas atuais, à época, declarações de amor, poemas, datas de aniversários, contos e anúncios de propaganda. A periodicidade inicial foi quinzenal, depois mensal e, ao final, indefinida, provavelmente pela dificuldade financeira para seguir com a produção editorial e impressão do periódico.
No que diz respeito à composição gráfica e espacial do periódico, o Vida Escolar variava entre quatro e seis páginas por edição, mas apenas os números duplicados tinham seis páginas. O tamanho do jornal variou entre 15 x 20,5 cm, no primeiro ano, para 16,5 x 21 cm, no segundo e terceiro anos de circulação. A formatação dos caracteres do nome do jornal também sofreu sensível modificação ao longo do tempo (Silva, 2015).
No quesito ilustração, a única edição com imagem data de agosto de 1935, números 18-19, e continha como estampa uma fotografia, em preto e branco, da ‘vista de um recanto de nosso belo jardim botânico’. Esse número foi editado em comemoração ao aniversário da cidade de Campo Grande.
Os anúncios e propagandas referiam-se ao comércio em geral (sorveteria, hotel, armazém de secos e molhados, etc.) e ao próprio Colégio Visconde de Taunay, com menção a dados estatísticos, atividades extraclasse, chamadas de matrículas, corpo docente, etc. Além dos artigos e anúncios, a composição do periódico Vida Escolar também incluiu exposição de calendários, com datas comemorativas e aniversários, em coluna específica (sem indicação de autor responsável). Esporadicamente, também apresentou poemas e ditos populares, de forma indistinta e sem espaço fixo, revelando que o periódico estava atento à utilização dos espaços, mais do que à padronização de um protocolo de leitura. Somaram-se 74% de artigos (e colunas) e 26% de propagandas, indicando, como afirma Silva (2015), um interesse financeiro em torno da circulação do jornal.
O valor da anuidade do Vida Escolar era de quatro mil réis; um exemplar, trezentos réis; um exemplar atrasado, quatrocentos réis. Segundo pesquisa de Silva (2015, tais informações aparecem pela primeira vez na edição número 8, no item ‘expediente’, onde eram apresentados também os preços de propaganda. A partir da edição número 16, o periódico passou a veicular propaganda da Livraria, Papelaria e Tipografia A. Trouy e Cia, responsável pela produção e publicação da famosa revista Folha da Serra entre 1931 e 1940 da cidade de Campo Grande. Isso nos leva a questionar se o Vida Escolar teria sido também impresso na referida tipografia.
Em grande parte, o conteúdo dos artigos veiculados no periódico era educativo/instrutivo: além dos conteúdos disciplinares de História e de Língua Portuguesa, abordavam-se questões de ordem pedagógico-educativa e também de natureza patriótica e regionalista. No entanto, chamou-nos a atenção que a temática ‘morte’ sempre esteve presente no periódico, desde o primeiro ao último número, embora não em todos os exemplares.
São variadas as estruturas textuais usadas para tratar o tema ‘morte’ no periódico Vida Escolar: artigos de opinião, poemas, contos, calendários e até provérbios. Um exemplo da ocorrência da palavra morte em provérbio: “Mais vale um asno vivo do que um doutor morto” (Vida Escolar, 1934c, p. 2).
Dentre os dados apresentados na seção ‘Calendário Escolar’, que fez parte da composição do jornal durante seu primeiro ano, destacamos as ‘comemorações das datas de falecimento’ de pessoas que, enquanto vivas, contribuíram para a história da civilização. Talvez o destaque para o dia do falecimento de uma personalidade histórica fosse uma forma de homenagar o morto, mas, principalmente, servia como exemplo para o público alvo, os estudantes. A proporção das temáticas sobre morte, entre as celebrações apresentadas no ‘Calendário’, é de 37,7%.
Entre os mortos lembrados têm destaque personalidades nacionais e estrangeiras, sendo que os estrangeiros são maioria:
CALENDÁRIO ESCOLAR
Maio 20 - Em 1506, morte de Cristóvão Colombo, o glorioso italiano descobridor da América
21 - Morre em 1786 Carlos Guilherme Scheele, químico alemão que descobriu o oxigênio, o cloro, o manganês e a glicerina.
27 - Morre em 1910, Roberto Kock, alemão, descobridor do bacilo da tuberculose, a que deu o nome.
28 - Em 1889 dá-se o óbito de Francisco Otaviano de Almeida Rosa, jornalista, diplomata político e poeta.
29 - Falece em 1829 o ilustre químico HumphryDavy, que realizou a primeira experiência da luz elétrica.
30 - Em 1441 é queimada viva Joana d’Arc, heroína francesa que salvou sua pátria no século XV, uma das mais nobres figuras da história da humanidade. (Vida Escolar, 1934a, p. 3).
Durante os três anos de circulação do Vida Escolar, o tema aparece concentrado em nove números. Chamou-nos a atenção o fato de que, no mês de novembro, quando os católicos, desde o século XIII, celebram o dia dos finados, não consta qualquer menção à morte. Esse fato, porém, não significa que não tivesse ocorrido a influência religiosa na representação veiculada sobre ela. O Colégio ‘Visconde de Taunay’, ao qual se vinculava a publicação do jornal, não era de cunho religioso, mas é possível que a religião católica predominasse, já que contava com o apoio do governo nacional. Ao contrário do que reivindicavam os intelectuais escolanovistas, que lutavam pela laicidade da escola, o Estado tinha instituído o ensino religioso como disciplina facultativa nas escolas oficiais de ensino primário e secundário. A esse respeito, posicionou-se o jornal católico A cruz (Mato Grosso, 1939, p. 1):
Com esta resolução de largo descortino político e social, os que se acham à frente dos destinos da pátria atenderam a legítima e profunda aspiração da alma católica brasileira, fazendo ao mesmo tempo justiça aos mais imprescritíveis direitos da igreja, de ensinar a seus filhos, onde quer que se formem, as eternas verdades do Evangelho.
O atendimento à reivindicação da Igreja Católica por parte do Estado-Nação com o oferecimento do ensino religioso nas escolas, mesmo que de forma facultativa, representava um elo entre as duas instituições. O Estado poderia ter a Igreja como aliada e, unindo o projeto nacionalista ao desejo de ‘recatolização’, faria da religião católica a ‘religião da Nação’, com o apoio dos sistemas educacionais oficiais e confessionais católicos, que ganhavam cada vez mais espaço na Era Vargas.
Talvez foi também por esse motivo que algumas composições escritas no jornal Vida Escolar, nas quais se fazia referência à morte, apresentaram uma estreita relação com a crença religiosa, principalmente a católica. Nesses textos, cimentavam-se valores, prescreviam-se comportamentos, levando ‘a crer, a fazer ou a imaginar’, como lembra Chartier (1990) ao se referir ao poder do impresso.
O conto A morte, de autoria do diretor da escola Enzo Ciantelli, apresenta um diálogo entre uma garota de nove anos e sua mãe, após o falecimento de um vizinho. Muito curiosa a respeito da morte, Laurita pergunta à progenitora:
[...] Que significa morte, mamãe? Significa que não se respira mais, que não se move, que não sente mais nada. E aonde vai, mamãe, uma pessoa que morre? O seu corpo é enterrado e a sua alma vai ao Céu, a Deus [...] (Vida Escolar, 1934a, p. 3)
O conto parece ter a preocupação de preparar para essa fatalidade, sem tratá-la como um tabu, mas como algo natural, como parte da existência dos seres vivos. No entanto, a explicação vem imbuida de uma representação religiosa: ao afirmar que a ‘alma vai ao Céu, a Deus’, reafirma-se a crença na vida após a morte.
Outro texto com o mesmo título, A morte, de autoria de Alfredo Braz, um aluno do segundo ano, caracteriza-se como um artigo épico sobre a morte como responsabilidade de ‘Satanás’. Este teria criado o inferno como seu reino, e a morte, como flagelo da humanidade, em competição com Deus:
A Morte
A tarde morria lentamente. [...]
É que Deus, na sua cólera justa, acabava de expulsar do Paraíso, o ‘Gênio do Mal’ ou ‘Satanás’. Este, sentindo-se ultrajado, jurou vingar-se na obra do Onipotente e com os olhos desprendendo chamas, qual um vulcão em erupção, encaminhou seus passos para o além. Ali chegado, construiu seu reino, o ‘Inferno’, e criou o flagelo da humanidade, a deusa pálida, a Morte. E com seu hábito fétido tornou-a carregada de todas as moléstias que há no mundo (Vida Escolar, 1935d, p. 3, grifo do autor).
O texto do aluno remete-nos à afirmação de Saramago (1996) sobre a necessidade da morte para a existência da religião:
Sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja.
[...] a morte era absolutamente fundamental para a realização do reino de Deus e que, portanto, qualquer discussão sobre um futuro sem morte seria não só blasfema como absurda, porquanto teria de pressupor inevitavelmente, um deus ausente, para não dizer simplesmente desaparecido (Saramago, 1996, p. 34).
O texto As uvas bravas, de Alberto Bonfim, aluno do quinto ano ginasial, narra um episódio em que a mãe diz: “Nunca mais te arrisques a vida pelo que te agrada aos olhos, meu filho! A morte é a fera mais traiçoeira que existe” (Vida Escolar, 1935c, p. 2). Assim como o artigo do aluno Alfredo Braz, a morte foi associada ao ‘gênio do mal’, ao ‘satanás’:
Suicidei-me! Desobedeci as leis divinas! Mas Deus me devia perdoar, porque meu suicídio foi justo! Veja amigo!
O ser que eu mais idolatrava - minha mãe - estava abandonada numa cama, prestes a morrer! Fui rico! Nesse momento de suprema dor, procurei os amigos dos bons tempos, todos me negaram auxilio! Louco de desespero, sem poder dar, sequer, uma gota de remédio à minha mãe querida, suicidei-me!
Em que ano estamos?
- Mil novecentos e trinta e cinco?!
Oh! Meu Deus, a quanto tempo sofro!
Morri em 1823, e desde aquele tempo só vejo trevas sinistras!
[...] (Vida Escolar, 1935b, p. 4).
Um dos objetivos da mensagem parece ter sido o de lembrar ao que sofre ao lado de um enfermo que é preciso ser forte e que o suicídio, além de uma manifestação de fraqueza, constitui um pecado e não leva ao merecido descanso no pós-morte, à vida eterna, como garante a Igreja Católica aos bons seguidores3.
Situação inversa é apresentada em outro artigo, intitulado Sociedade moderna. A pessoa, ao ver o enfermo sem perspectivas de futuro, mata-o, devendo passar pelo mesmo sentido de culpa, de pecado, de ação humana condenável. O trecho a seguir destaca essa condenação:
Em Norte América foi absolvida uma moça que matou um irmão tuberculoso, único membro de sua família, com o qual convivia, matou-o para não vê-lo sofrer mais.
Disseram que matou por piedade, por excesso de amor.
Penso eu que o matou por egoísmo, porque os sofrimentos do irmão eram um pouco os sofrimentos dela, obrigada a assisti-lo, com prejuízo de sua liberdade pessoal, do seu quinhão de bem-estar material (Vida Escolar, 1934c, p. 1).
Nesse artigo, paralelamente ao cunho religioso de condenação do suicídio e da ‘eutanásia’, a mensagem tem como objetivo auxiliar na formação do caráter e da moralidade dos alunos, questionando ações judiciais de absolvição que, segundo os valores e costumes da sociedade da época, não poderiam ser admitidas ou tratadas positivamente4.
A poesia intitulada Cristo, escrita por João de Deus, apresenta conteúdo abertamente religioso:
[...]
Pai de amor, pai de bondade,
Morreu para nos mostrar
Que a gente pela verdade
Se deve deixar matar.
(Vida Escolar, 1935f, p. 3).
A nosso ver, o poema evidencia, mais uma vez, a relação entre a morte e a religião: morrer por ‘Cristo’ é viver no reino dos céus, com direito à ressurreição.
As representações sobre a morte estão também relacionadas à ciência, como demonstra texto A morte, de Alfredo Braz:
[...]
E depois, disse-lhe: anda, levanta-te e segue a tua obra destruidora, até que, contra ti surjam as barreiras da ciência! Então, ela com os cabelos revoltos, a palidez estampada na fronte, e o corpo ainda quente pelo bafo contagioso de seu criador, estendeu suas negras azas sobre a Terra e seguiu o seu destino.
Criou para pendão a guerra, seu culto é o morticínio, a terra e o mar são seus templos.
Ela é a rainha macabra, sua côrte é lúgubre e horrenda, tem gala e traja-se tudo, entra na mais humilde choupana e vai ao mais luxuoso palácio.
Finalmente, só está contente, quando embebida no sangue da multidão.
Nunca descansa, ora pede aqui pelo direito, ora ruge lá, como a hiena.
Este espectro pavoroso, assassina nas trevas ou mata à luz do sol, está sempre ao nosso lado e mesmo ao dos mais poderosos reis da Terra.
Ela foi de Alexandre, o Grande, a excelsa companheira, deu-lhe um trono poderoso, mas, acariciou-o com um frio beijo, apenas contava 32 primaveras.
Seguiu Napoleão em suas vitórias, dando-lhe por fim, repouso em seus braços.
Estava também a bordo do ‘Amazonas’ ao lado de Barroso, mas quando a voz do bravo almirante se fez ouvir, amedrontada, curvou-se a seus pés.
Felizmente para nós o seu império já chegou ao apogeu, não poderá progredir mais, porque o exército da ciência acordou da sua letargia e embargou-lhe o passo.
Ela não terá mais tantas vítimas como o teve outrora.
Esta insaciável da carne humana, não gozará muitos dias de glória, porque a ciência triunfará.
Devemos pois, render homenagens aos nossos defensores e aplaudir os que mostram desejo de seguir a ciência salvadora da humanidade, que é a Medicina (Vida Escolar, 1935e, p. 3, grifo do autor).
A ciência e a medicina aparecem como barreiras para a morte, personificada na figura da ‘rainha macabra’; são apresentadas como salvadoras da humanidade, às quais devemos render nossas homenagens. Essa representação nos remete ao contexto da Era Vargas, que buscava nas ciências a cura de tantas doenças que assolavam a população brasileira.
Entre elas, estava a tuberculose, tema de um texto intitulado A tuberculose, de autoria de Erundino Louzada, aluno do quarto ano. A tuberculose é apresentada como “[...] uma doença contagiosa e daninha terminal, a não ser por pouquíssimas vezes, intimando sua vítima a morrer [...]”, porque o “[...] lema da tuberculose [...]” é “[...] tudo pela destruição e morte”. No entanto, “[...] isso tende a desaparecer [...]” porque “[...] a ciência, guiada pelos grandes médicos atuais e futuros, exterminará por completo essa moléstia, implantadora do sofrimento e da morte!” (Vida Escolar, 1935e, p. 2).
Outro texto que se refere às ciências é intitulado Uma nova guerra. Nele, o autor e diretor do jornal, M. Ballian, afirma que a morte reina, mas é necessário “[...] procurar meios de eliminar a morte! A vida humana não pode ficar limitada!!! Ela deve ser interminável”. Assim, o autor clama por ajuda, chama todos aqueles que queiram ajudar a triste humanidade a se dedicar de corpo e alma a vencer o mal e a descobrir remédios e vacinas anuladoras das enfermidades. “Ajudem a sanear este planeta!” (Vida Escolar, 1935b, p. 1).
Um exemplo da quantidade de doenças que assolava o país na época está contido no texto Hostilidades... do diretor Manuel Ballain, que se refere à doença de modo genérico (sinônimo de possivel morte), personificando-a como uma rainha:
A Rainha doença é indiferente de todas. [...]
Quando sorri, no lugar do ‘batom’, mostra os lábios besuntados de ‘Cólera Morbus’ e, alguns dentes enfeitados de Piorreia, no seu rosto está estampado o impaludismo, nos dedos usa os anéis do ‘Fogo Selvagem’, os cabelos são aparados pela Meningite, nas orelhas tilinta a Varíola, no pescoço um colar travado dos nojentos micróbios da Lepra, no peito arfa a saliência túmida dos bacilos de Koch (tuberculose), calça as sandálias da Gripe, aperta-se com o espartilho do Tifo, usa o nauseabundo vestido da Sífilis, enfim, alimenta-se de chá de Peste Bubónica e como sobremesa, salada das seguintes ‘frutas’: Caxumba, Ácido Úrico, Sarampo, Tracoma e Úlcera, tudo temperado com o açúcar da Diabete (Vida Escolar, 1935g, p. 1, grifo do autor).
Em outro texto, intitulado A medicina, também de autoria do aluno Erundino Louzada, o articulista apresenta a medicina como lugar de destaque entre as ciências, principalmente no combate à morte:
[...]
Não é escusado dizer-se que antes de surgir a medicina, os atacados de moléstias, até então desconhecidas, tratavam-se por meio de chás de raízes e no mais das vezes por bruxarias, e raras eram as vezes que os mesmos não iam pousar sob as lápides frias. [...]
Não pôde o grande amante da ciência [Hipócrates] ver todos seus sonhos realizados, a não ser alguns, porque a morte traiçoeira não o consentira. Mas, estamos vendo todos os seus ótimos resultados que perpetuarão sempre na nossa mente a lembrança dessa grande capacidade da medicina (Vida Escolar, 1935g, p. 3).
A valorização da medicina nesse contexto relaciona-se à desvalorização da ‘sabedoria popular’, tão reivindicada nos tempos atuais por Boaventura de Sousa Santos (2002), dentre outros sociólogos.
Além desses artigos que relacionam o tema da morte com religião e ciência, outros o abordam com enfoques distintos, mostrando que o tema fazia parte do cotidiano dos alunos.
O texto intitulado Penumbra, sem identificação de autoria, contém um questionamento sobre a forma dos velórios:
Da rua onde moro, vão a sair dois cortejos:
Um enterro e um noivado.
A morta vai toda de branco - sua coroa de laranjeiras a cabeça, uma palma de lírios entre as mãos, sorrindo como quem acaba de ouvir um segredo de amor ... Vai cheia de flores no seu carro branco [...]
Dobrou a esquina o enterro ... Chegou a igreja o noivado ...
E eu fico a pensar porque vestem as virgens que morrem, como vestem as noivas (Vida Escolar, 1935f, p. 3).
A descrição nos lembra das celebrações aos mortos naquele contexto, referindo-se aos cortejos feitos a pé. Passando pela cidade, o caixão com o defunto, carregado pelas mãos de amigos e familiares, seguia da casa do falecido ou da Igreja rumo ao cemitério.
Um costume, como indica o título do artigo de Valdemar Tessitore, era a Visita ao cemitério. Nesse artigo, o autor relata a visita ao túmulo de seu irmão:
Venho, Joel, à tua sepultura [...]
Perto ou longe, a teus pés virei orar!
Lágrimas verte o coração na flama
Da saudade, na lousa tumular!
(Vida Escolar, 1936, p. 3).
Outro enfoque é o de Hugo Pereira, que, no poema Viver na morte, extravasa um sentimento e compara o sofrimento com a morte.
Viver na morte
Esta vida é tão dura e cheia de amarguras,
De hipócritas, pessoas vis e sem critério,
Que preferível é morar no cemitério
Dentro das frias e esquecidas sepulturas.
[...] (Vida Escolar, 1935a, p. 3).
Nessa comparação, ficam indícios da frequência e da familiaridade da morte na sociedade da época, bem como dos rituais do enterro, do cemitério, da sepultura, etc.
No texto No exílio, Waldemar Tessitore refere-se às dificuldades dos exilados e mortos fora do país, provavelmente em decorrência dos movimentos revoltosos do período, como a Intentona Comunista, liderada pela Aliança Nacional Libertadora; o levante da Ação Integralista Brasileira de 1938, com Plínio Salgado e outros, além dos levantes tenentistas combatidos pelo governo de Getúlio Vargas. Seus participantes eram enviandos para o exílio na Europa ou na América, principalmente na Argentina:
[...]
Brasil! Lindo Brasil de tantas cores!
Quem mais sofreu e te sentiu feliz?
Este que, morre longe do país
Não teve, para o enterro, tuas flores.
(Vida Escolar, 1935f, p. 3).
Talvez os movimentos revoltosos contra o governo Vargas fossem discutidos nas escolas, já que, particularmente, Campo Grande era um centro de resistência ao governo Vargas em Mato Grosso, durante o movimento paulista da Revolução Constitucionalista de 1932 5, que pretendia derrubar o governo e estabelecer nova constituição.
O texto Assombroso, não?,sem autoria declarada, destaca os assassinatos na Rússia Soviética, dentre os quais o de bispos e religiosos.
Já se diz que o número dos executados na Rússia dos Soviéticos, até este momento, passa muito de dois milhões.
E há brasileiros loucos pelo comunismo dissolvente e sanguinário, por um regime sem Deus, sem pátria e sem família - regime que apregoa a supremacia do operariado e dos camponeses e faz assassinar operários e camponeses ante a indiferença criminosa das nações (Vida Escolar, 1934d, p. 1).
Convergindo para o discurso católico, todos os textos que tratam do comunismo no jornal Vida Escolar são veementemente contrários a essa posição política, condenando os comunistas pelos inúmeros assassinatos e pela falta de fé em Deus e na Igreja 6.
Vivenciar e referenciar a morte fazia parte do cotidiano dos moradores de Campo Grande e, consequentemente, da vida escolar. Comparada aos tempos atuais, quando os costumes exigem que o tema esteja ‘ausente das conversas educadas’ (Maranhão, 1987), na década de 1930, provavelmente pela alta taxa de mortalidade que assolava o estado, a morte compunha as páginas do jornal estudantil Vida Escolar, as quais continham textos escritos por alunos, professores e diretores.
As representações acerca da temática variaram e, de uma forma aparentemente natural, continham um teor religioso, ora isolado ora associado às virtudes da medicina, que era apresentada como responsável pela diminuição das mortes no país e no mundo. De qualquer forma, os textos não deixaram de tratar de uma questão inquietante e que gerou sofrimentos.
Acompanhando a seção dos calendários escolares, percebemos que a morte esteve associada ao civismo, já que se contemplavam as datas do falecimento de pessoas que dedicaram sua vida em prol da humanidade. Em outras colunas, a morte era referenciada como decorrente de ações políticas e guerras.
O cunho religioso que perpassa parte significativa dos textos analisados, além de apresentar certo conforto, evidencia a relação entre a Igreja e o Estado no contexto delimitado, mesmo com a laicidade estabelecida a partir da proclamação da República (1889). A morte aparece associada à parte natural da existência humana, que teria continuidade na vida eterna. Tal expectativa gerava conforto e força diante da interrupção da vida na terra. Em alguns momentos, a morte é descrita como ‘flagelo da humanidade’ ou ‘fera traiçoeira’, associada à imagem do Satanás, personificação da maldade e da desobediência.
O fim da vida terrestre, na ótica religiosa, só é aceitável por intervenção divina, sendo abominável quando é promovido por ação humana, a exemplo da prática do suicídio e da eutanásia.
Com base nos manuscritos do periódico Vida Escolar fomos capazes de identificar vários indícios de que a religião comandava os escritos sobre a morte. Pudemos também perceber a valorização das ciências médicas, que eram apresentadas por e para os alunos como salvação, como arma mais poderosa para adiar a morte. O jornal serviu, portanto, para a materialização dessas representações, para sua produção como verdades, e também para o ensino a respeito dessa etapa da vida ou do fim dela.
