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Ideias, conceitos, contextos: a contribuição de Reinhart Koselleck à escrita da História da Educação
Ideas, concepts, contexts: The contribution of Reinhart Koselleck to the writing of the History of Education
Ideas, conceptos, contextos: La contribución de Reinhart Koselleck a la escritura de la Historia de la Educación
Revista Brasileira de História da Educação, vol. 17, núm. 4, pp. 54-80, 2017
Sociedade Brasileira de História da Educação

ARTIGOS


Recepção: 15 Fevereiro 2017

Aprovação: 26 Julho 2017

DOI: 10.4025/rbhe.v17n4.1003

Resumo: Neste artigo, apresenta-se a história dos conceitos, analisando-se a crítica à tradicional História das Ideias (Ideengeschichte) e esboçando-se elementos centrais do pensamento de Reinhart Koselleck: a distinção entre palavra e conceito, as categorias modernidade (Sattelzeit), aceleração e experiência, bem como suas implicações teóricas e metodológicas sobre o conceito de História. Argumentamos com a possibilidade de sua contribuição para a História da Educação e para a escrita sobre os vários conceitos com os quais trabalha, como, por exemplo, ensino, escola, aprendizagem e formação etc., muitos dos quais são derivados de outras áreas ou criados/inventados em seu contexto, o que mostra que a natureza e a dinamicidade de um conceito são transversais a várias áreas de investigação.

Palavras-chave: história dos conceitos, teoria, escrita, história da educação.

Abstract: This article presents the History of Concepts from the critique of the traditional History of Ideas (Ideengeschichte), from the sketch of central elements of Reinhart Koselleck's thought: the distinction between word and concept, the categories modernity (Sattelzeit), acceleration and experience, as well And of the theoretical and methodological implications of the concept of History. We argue that this contributes to the history of education and writing about the various concepts with which it works, such as teaching, school, learning and training, etc., many being derived from other areas or created / invented in their context, Considering, in particular, the fact that the nature and dynamicity of a concept are transversal to several areas of research.

Keywords: History of concepts, theory, writing, History of Education.

Resumen: En este artículo se presenta la Historia de los Conceptos a partir de la crítica a la tradicional Historia de las Ideas (Ideengeschichte), del esquema de los elementos claves del pensamiento Reinhart Koselleck: la distinción entre la palabra y el concepto, las categorías modernidad (Sattelzeit), aceleración y experiencia, así como las implicaciones teóricas y metodológicas sobre el concepto de Historia. Se argumenta que esto contribuye a la Historia de la Educación y la escritura sobre los diferentes conceptos con los que trabaja, por ejemplo, enseñanza, escuela, aprendizaje y formación, etc., muchos de ellos se derivan de otras áreas o son creados/inventados en su contexto, considerando, así, en particular, el hecho de que la naturaleza y la dinámica de un concepto son transversales a diversas áreas de investigación.

Palabras clave: Historia de los conceptos, teoría, escritura, Historia de la Educación.

Introdução

Um enamorar gradativo parece aproximar a história dos conceitos e a História da Educação, mas como escrever sobre essa aproximação sem sequestrar do leitor elementos ou perguntas importantes dessa escrita? Tal abordagem, situada no âmbito da historiografia, seria uma corrente historiográfica, um espectro com potencial para implodir a suposta dicotomia História Cultural - História Social, ou seria apenas uma modalidade de História Intelectual ou mesmo, sendo ainda mais radical, a instituição de um novo paradigma de reflexão teórica e metodológica? Ou seria, finalmente, algo maior do que isso, um lugar híbrido no qual coexistem Filosofia, História, Sociologia e Educação? Aparentemente, trata-se de uma perspectiva que vem rondando especialmente a História da Educação, a partir de indagações internas à História Intelectual e do interesse de alguns de seus investigadores por abordagens conceituais e contextualistas do fenômeno educacional.12

Neste texto, o objetivo é discutir a natureza da história dos conceitos: primeiro, abordando sua crítica à tradicional História das Ideias (ideengeschichte); segundo, esboçando alguns elementos do projeto de investigação de Reinhart Koselleck (1923-2006). Em particular, analisamos a distinção entre palavra e conceito, trataremos das categorias modernidade (Sattelzeit), aceleração e experiência e enfrentaremos algumas das implicações teóricas e metodológicas das relações entre história e educação.

Finalmente, argumentamos que a história dos conceitos, ainda que vinculada ao estudo do pensamento e dos conceitos políticos e sociais, pode vir a contribuir para a História da Educação e para o modo de sua escrita, pensando essa última como conhecimento e paradigma/observatório da vida e dos elementos decisórios na sociedade por excelência. Isso será feito por meio de um olhar mais cuidadoso sobre os vários conceitos com os quais lida e que são, muitas vezes, derivados de outras áreas ou criados/inventados em seu contexto, sem deixar no esquecimento o fato de que a natureza de um conceito é transversal a várias áreas de investigação e de reflexão. Esse é um elemento importante a se destacar em razão da dinamicidade e da própria decadência interna na história de um conceito3.

Apresentando a história dos conceitos

Ao longo das últimas décadas, tem sido publicada uma vasta literatura de caráter histórico e metodológico que esboça certas inquietações e é, para alguns, tradutora da ‘crise’ relativa ao papel e ao valor do conhecimento historiográfico ou anunciadora de novas perspectivas teóricas que melhor instrumentalizem as investigações em desenvolvimento. Obviamente, isso não é privilégio da historiografia, mas consequência, entre outros aspectos, de um conjunto de debates que questionam o projeto da Modernidade e reivindicam sua substituição por pluralismos regionalistas guiados por uma crítica à ideia de racionalidade iluminista.

De fato, ressaltando o caráter transversal e transdisciplinar da produção intelectual contemporânea que envolve a história dos conceitos e a História Intelectual (Sebastián & Fuentes, 2004; Coves, 2013), observa-se que isso não expressa apenas transformações internas de uma área específica com os seus problemas também específicos, mas também, e principalmente, mudanças derivadas do compartilhamento gradativo da internacionalização de um vocabulário relativamente comum no Ocidente moderno e, consequentemente, de uma representação da realidade que tem contribuído de forma importante para a teoria social e para a historiografia (Sebastián, 2002). Essas inquietações e suas consequentes mudanças apresentam uma oportunidade para se pensar a História da Educação e sua escrita multifatorial e complexa.

Tais mudanças, nesse sentido, traduzem o impacto que nos últimos anos exerceu a história dos conceitos ou Begriffs geschichte na historiografia, sendo uma espécie de reação crítica ao modo tradicional de abordar ideias, sujeitos e contextos. Ora, ainda que a história dos conceitos não possa ser tratada do mesmo modo que a História Intelectual, a primeira apresenta inúmeros elementos para auxiliar a segunda, isso porque a primeira não se esgota no tratamento dos conceitos, mas aborda também os discursos, que envolvem e são sensíveis a questões intelectuais e culturais sem cair, como se verá adiante, nos “[...] excessos da clássica história das idéias” (Vilanou, 2006b, p. 187).

De modo geral, o principal contributo dessa perspectiva conceitual foi trazer a primeiro plano a consciência generalizada do estreito vínculo entre história e linguagem. Ou seja, linguisticidade e historicidade são tratadas como duas dimensões internas ao que denominamos ‘o mundo’, ‘a experiência’ ou a ‘realidade social’ (Sebastián & Fuentes, 2004). De fato, Reinhart Koselleck (1923-2006), embora compartilhe com os contextualistas linguísticos que o contexto é importante para o entendimento do texto histórico, investe décadas de sua atividade intelectual para elaborar uma interpretação peculiar do novo da modernidade ocidental (Neuzeit), intitulada por ele de Sattelzeit, literalmente, ‘tempo de sela’, mas, mais adequadamente, tempo de aceleração e de alteração radical da consciência histórica (Palti, 2004). Em tal interpretação, baseia-se na identificação de uma relação dialógica entre o que denomina ‘conceitos fundamentais’ ou ‘singulares coletivos’ e a própria realidade4. Koselleck introduz uma forma distinta de refletir sobre a tensão entre as temporalidades do passado, do presente e do futuro e se esforça por compreender a relação entre transformações semânticas internas a um conceito e suas manifestações extralinguísticas por meio de uma abordagem hermenêutica de inspiração gadameriana.

Para Koselleck, cada presente não apenas reconstrói o passado a partir de questões suscitadas no próprio presente, mas também ressignifica tanto o passado, intitulado por ele de campo ou espaço da experiência, quanto o próprio futuro, nomeado por ele de horizonte de expectativas. O elemento interessante em relação a essas categorias e temporalidades é que “[...] cada uma das temporalidades - o passado, o presente e o futuro - pode imaginariamente se alterar, contrair ou se expandir conforme cada época ou sociedade, modificando-se também a maneira como são pensadas e sentidas as relações entre eles” (Barros, 2010, p. 67). As implicações desse raciocínio são enormes para a pesquisa no âmbito da História da Educação, pois ele redefine o próprio olhar do pesquisador sobre seu objeto de estudo, fazendo-o enxergar nele elementos de mudanças, permanências e rupturas, entre outros aspectos. Nessa redefinição, o pesquisador é guiado por um olhar não mecânico, mas sim consequente da própria dinamicidade interna ao processo histórico. Daí a necessidade de se considerar a ‘temporalização’, assim como faz Koselleck em relação aos conceitos políticos e sociais (Sebastián, 2004), como elemento a ser assimilado ao trato dos conceitos educacionais. A seguir, apresentaremos as possibilidades de articulação do esforço de Koselleck no sentido da crítica às ideias e à própria modernidade.

Diagnose e crítica da modernidade

Ao longo de algumas poucas décadas, foi possível observar o desenvolvimento de uma crítica ao modo tradicional de tratamento das ideias nas mais variadas esferas do conhecimento. Concomitantemente, pontos de vista inovadores foram emergindo de contextos distintos, guiados por inquietações similares, cuja tendência foi colocar em dúvida a própria modernidade e o seu legado fundado na razão e no caráter universal de certas ideias. A hoje clássica crítica de Lucien Fevbre (1989) às ideias desencarnadas foi um desses instantes importantes no pensamento ocidental. Além disso, surge uma muito interessante perspectiva crítica, mais recente, derivada dos inúmeros desdobramentos suscitados pela The Linguistic Turne que tendeu a ressonar, ainda que em outros vários elementos, em crítica a certo tipo de estruturalismo mais ortodoxo (althusseriano). Os escritos de Richard Rorty (2007, p. 52) e sua crítica à verdade no sentido de pensar a vida humana como “[...] história de metáforas sucessivas [...]” são prototípicos dessa virada em particular. Outras dela derivaram: virada estética, material, imagética entre outras. Esses intitulados ‘tempos pós-modernos’ (Skinner, 2005), trouxeram inúmeras consequências para o trato das ideias e para a história dos conceitos, mas não apenas para essas perspectivas, como é sabido, pois a ideia de texto, de modo geral, é trazida ao palco das humanidades5.

Ou seja, a crítica derivada de alguns desses lugares de reflexão identificou elementos comuns que trouxeram à tona tentativas de conciliar o estudo das ideias, correntes de pensamento, formas distintas de pensar o pensamento, a figura desgastada do intelectual, as diversas facetas da sociabilidade e de suas redes, entre outros tantos aspectos que fazem parte das transformações internas a esse campo de investigação. Além disso, trouxe para a cena o debate entre contextualismo e internalismo que, de nosso ponto de vista, é uma espécie de falso debate que acabou gerando tipologias, as mais variadas, para situar autores, obras e abordagens metodológicas.6 Isso não quer dizer que as ideias se encontrem ausentes e sim que não são concebidas de forma abstrata como em seu tratamento tradicional: estão no interior de sistemas, de correntes de pensamento e no caráter dialógico que funda a relação entre estruturas sociais e ação individual. Aí talvez residam nosso grande problema e desafio. Como produzir a escrita, por exemplo, sobre a figura do intelectual, das ideias e das perspectivas de análise, bem como da própria História da Educação, “[...] interpretando a singularidade dos seus problemas, da mesma forma que os articulam a movimentos, tendências e cenários mais amplos, evitando tanto o determinismo do contextualismo, como o a-historicismo do textualismo” (Vieira, 2015, p. 8).

No contexto da História da Educação produzida no Brasil, talvez derivada da transição entre a História da Pedagogia e a História da Educação como consequência da virada linguística dos anos de 1960 (Torrano & Castillo, 2014), há certo afastamento das preocupações com a natureza das ideias7. Em fins das décadas de 1970/1980, a reação crítica foi muito associada à figura do professor Demerval Saviani e de seus escritos (Saviani, 2008), cujo alvo principal era o pensamento considerado não crítico, tradicional, e alguns dos personagens a ele vinculados, especialmente intelectuais como Fernando Azevedo, por exemplo. Essa crítica traduz a desconfiança quanto aos intelectuais canônicos e ao caráter transcendente das ideias, já que, do ponto de vista do autor, eles desconsideravam a estrutura socioeconômica como determinante da manifestação do fenômeno educativo.

Essa leitura se encontra na esteira de ideia esboçada por Vieira (2015), que identifica, no âmbito da História da Educação brasileira, a existência de dois grupos de investigadoresque se distanciaram em razão do interesse sobre as ideias pedagógicascomo transcendentes ou condicionantes das ações. No caso, há certa aproximação com otratamento da ideia e do conceito como transcendentes. De modo geral, além do elemento identificado pelo autor, acreditamos que esse distanciamento se deve, por um lado,ao próprio descrédito associado à área ao longo de algumas décadas e à própria escrita historiográfica, por vezes, anedótica e individualista, e também à tese, há muito deixada de lado, de que a preocupação com as ideias se dava em detrimento das condições sociais de sua produção. De outro, deve-se ao surgimento, na última década, de novos tipos de fontes e áreas de pesquisa, as quais podem ter seduzido muitos investigadores na área, como ocorreu, por exemplo, com os impressos.

A história dos conceitos encontra-se inserida nesse movimento de crítica que permite não apenas revigorar o tratamento das ideias pedagógicas, mas também introduzir um elemento de dinamicidade nessa transição de interesses. Na esteira do argumento dos professores Torrano e Castillo (2014), a História do Pensamento Pedagógico é concebida como uma espécie de síntese da História da Pedagogia (tese) e da História da Educação (antítese). A ênfase não recai sobre ideias ou atos de fala, mas sim sobre a transformação das palavras em conceitos, já que

[...] o estudo dos conceitos e da variação dos seus significados ao longo do tempo é uma condição básica para o conhecimento histórico. [...] procedimento que per mite apreender o complexo processo de ressignificações de alguns conceitos ao longo do tempo. Mais do que um método a ser aplicado ou uma disciplina autônoma, a história dos conceitos seria um instrumento com plementar e necessário para a interpretação histórica (Kirschner, 2007, p. 49).

Desse modo, talvez o contributo principal de Koselleck seja o fato de ele considerar a historicidade dos conceitos e do pensamento político, na esteira da virada linguística, articulando-os com a realidade e com a hermenêutica. Nesse sentido, ele chama a atenção para a dinamicidade de “[...] significados aparentemente diversos dentro de uma mesma época e até em um mesmo grupo social” (Bentivoglio, 2010, p. 215), explicitando o elemento formativo e pragmático da constituição e do uso das ideias na história do pensamento social e pedagógico. Ao mesmo tempo, coloca em discussão formas de trato das ideias que as reduzem à ideologia, às representações ou a relações discursivas. Na próxima seção, apresentaremos outros elementos que permitam compreender melhor a natureza da história dos conceitos.

Da História das Ideias à História dos Conceitos e da Linguagem

A discussão em torno da história dos conceitos no Brasil ainda é relativamente tímida, embora consensual quanto à importância que tem em outros contextos de produção8 e, no âmbito da História da Educação, ainda mais. Isso decorre, em parte, do fato de que existem poucas traduções das obras a ela relacionadas e, no caso de Reinhart Koselleck (1923-2006), de que não se tem muita familiaridade com a língua alemã na esfera acadêmica brasileira, além de tal discussão não ser tradição intelectual comum nos contextos de ensino e pesquisa em níveis de Graduação e/ou pós-graduação9.

A história dos conceitos origina-se do projeto coletivo seminal para a produção do Geschichtliche Grundbegriffe, Historiches Lexikon zur politisch-sozialen Sprache in Deutschland (Conceitos Históricos Fundamentais. Léxico Histórico da Língua Política e Social na Alemanha), editado por Otto Brunner, Werner Conze e o próprio Koselleck a partir de 1972. O projeto reúne cerca de 120 conceitos distribuídos em um conjunto de monografias com algumas dezenas de páginas. Nas palavras de Melvin Richter, um dos divulgadores dessa modalidade historiográfica nos Estados Unidos, o propósito era o seguinte:

[...] reunindo sistematicamente extensas citações de fontes originais, fornecer, pela primeira vez, informação confiável a respeito dos usos passados (na Alemanha) de conceitos políticos e sociais; caracterizar os modos pelos quais a linguagem tanto deu forma como registrou os processos de mudança que transformaram cada área da vida política e social alemã, de aproximadamente meados do século XVIII meados do século XIX; tornar mais aguçada para os dias de hoje a consciência de como é usada a linguagem política e social (Richter, 2006, p. 42).

No entanto, para além dos propósitos de Koselleck e dos organizadores naquele momento, o dicionário é, hoje, um paradigma (Chignola, 2003). Tal perspectiva historiográfica não é especialidade de uma subdisciplina da Filosofia, ainda que, desde sua origem, possam ser identificadas uma tendência historiográfica e outra filosófica, com distinções muito porosas entre si que apenas têm suscitado desenvolvimentos profícuos em ambas as áreas (Coves, 2009).

Essa modalidade de história intelectual, que pela importância primordial que atribui aos contextos - tanto em sua vertente linguística como na político-social - se postula como uma nova história política do pensamento político, ou, se quiser, como uma história social das ideias, se situa, portanto, muito mais próxima de uma nova história social e político-cultural do que da história tradicional da filosofia ou das ideias políticas (Sebastián & Fuentes, 2004, p. 22).

Nessa nova perspectiva de estudo das linguagens políticas, sociais e educacionais, encontram-se envolvidos investigadores de vários países europeus, latino-americanos e dos EUA. Articulados em torno de projetos de pesquisa, revistas especializadas e congressos regulares, eles têm tornado públicas contribuições de uma abordagem conceitual dos problemas históricos, políticos e sociais. Há cerca de aproximadamente 20 anos, 1998, um coletivo de professores fundou o History of Political and Social Concepts Group (HPSCG). Essa fundação ocorreu em Londres, durante um primeiro congresso, no qual se reuniram seus principais pesquisadores. Entre eles, talvez seja importante destacar, estiveram presentes o próprio Reinhart Koselleck, Quentin Skinner, John Pocock, Kari Palonen, Jacques Guilhaumou, Pierre Rosanvallon e Melvin Richter. O denominador comum que os reuniu foi

[...] uma preocupação compartilhada pela análise das linguagens políticas no tempo e pelo estudo dos distintos modos nos quais argumentos, conceitos e discursos interagem entre si e interferem com o plano fatual dos processos históricos (Sebastián, 2002, p. 332).

O caráter diverso de suas origens intelectuais (Filosofia, História, Ciência Política, Linguística), assim como a variedade de temas por esses professores investigada traduzem um elemento importante da Histórica Conceitual: seu caráter de transdisciplinariedade (Coves, 1998). Esse elemento permite ou renova o interesse por aproximar a História da Educação desse paradigma de investigação:

Primeiro, porque, constantemente perguntar sobre a relação entre a palavra, pensamento e ação política no tempo suscita e abrange uma série de temas - história, política, linguagem, sujeito, temporalidade, modernidade [...] - que convidam a olhar para todas estas questões de muitos ângulos diferentes (epistemologia, história do pensamento, filosofia política, lingüística, hermenêutica [...]). Segundo, porque os conceitos, pela sua própria natureza, transitam entre uns e outros campos do conhecimento - muito freqüentemente usando para esta penetração o caminho da metáfora - desenhando desse modo todo um conjunto de conexões e pontes de comunicação entre as diferentes áreas do conhecimento (Sebastián & Fuentes, 2004, p. 11-26).

De fato, conceitos e discursos são encontrados na totalidade das áreas, dos campos do saber ou dos diferentes tipos de culturas que nos constituem. No entanto, embora seja perceptível uma variedade de práticas teóricas e metodológicas (História Cultural e História Social, por exemplo) que se debruçam sobre o fenômeno educacional e se autopercebem como distintas, estas, mesmo separadas do ponto de vista institucional, nublam, por vezes, a possibilidade de se percorreras mutações internas a um conceito. Já, a história conceitual, procurando articular conceitos e discursos em torno de uma história do pensamento pedagógico (Torrano & Castillo, 2014), com base em suas dimensões política, social e educacional, apresenta-se como um tipo de prática integradora que estimula a interdisciplinaridade e as investigações de caráter comparativo e transcultural. Proporciona, assim, “[...] uma fecunda hibridização entre a história social, a história cultural e a história política, hibridização que passaria em grande parte pela história dos discursos e das linguagens políticas” (Sebastián & Fuentes, 2004, p. 23).10

Ainda que a História Conceitual se encontre muitíssimo associada à figura de Koselleck, não é possível afirmar que se restrinja a ele. De modo geral, há certo consenso em distinguir duas perspectivas internas a ela, consequentes da linguistic turn, as quais configuram formas distintas de proceder no contexto da História das Ideias. Por um lado, há aquela que deriva da filosofia analítica (Austin, Searle, Saussure); por outro, a que deriva da filosofia continental europeia, representada pela tradição hermenêutica e que encontra em Heidegger e Hans-Georg Gadamer suas inspirações teóricas.

As relações entre Heidegger, Gadamer e Koselleck derivam de uma série de elementos, mas, principalmente, de como Koselleck enfrenta o problema da experiência histórica, da possibilidade da historiografia e da ontologia social da temporalidade (Chignola, 2003). Conceitos familiares à linguagem hermenêutica e gadameriana, como círculo hermenêutico, fusão de horizontes, consciência histórica efetiva, hipóteses interpretativas e, especialmente, a possibilidade de entendermos o passado com base no presente, além da ênfase no entendimento como resultado da conversação e do diálogo com os aspectos passados e presentes da tradição, são passíveis de ser observados diretamente ou nas entrelinhas de seus textos.

No entanto, talvez o aspecto principal que Koselleck identifica, e faz questão de ressaltar em alguns de seus principais escritos, seja o da separação, concebida por ele, entre conceitos (texto/linguagem) e estado de coisas (realidade) (Sebastián & Fuentes, 2006). Neste sentido, ele se afasta de Gadamer e da hermenêutica mais ortodoxa, bem como de algumas perspectivas intituladas pós-modernas que reduzem a realidade à linguagem, como o desconstrucionismo de Derrida, por exemplo. Outro elemento que o afasta de Gadamer é que este não concebe que a História, do ponto de vista de sua hermenêutica filosófica, tenha instrumentos metodológicos. Já Koselleck desdobra-se tanto em uma reflexão metodológica quanto, principalmente, teórica a respeito das possibilidades do conhecimento histórico. Em seus textos mais diretamente envolvidos com a reflexão teórica, como, por exemplo, On the need for theory in the discipline of history, sua preocupação é enfrentar certo legado neo-kantiano, que aproxima a história de uma autodefinição, implicando questões que envolvem o individual e o específico, enquanto as ciências naturais se preocupariam com o que é geral (Koselleck, 2002). O elemento híbrido, interno à história conceitual que aproxima aspectos culturais, sociais, políticos e educacionais da eleição do ‘conceito’ como lugar próprio da investigação historiográfica, é a proposta crítica à falsa dicotomia legada do historicismo clássico e de suas discussões em torno do método (Methodestreit).

Na esteira da teoria dos atos de fala (speech acts) de Austin, há a intitulada Escola de Cambridge. Seus principais representantes são Quentin Skinner e John Pocock, cuja ênfase são as investigações que recaem sobre o sentido pragmático dos textos em um determinado contexto linguístico. Alicerçada na tradição hermenêutica, encontra-se a semântica histórica de Reinhart Koselleck que pode ser entendida como uma forma de abordar ideias, pensamentos e práticas. Sua preocupação com o fator semântico

[...] é uma espécie de vacina contra a nossa tentação em relação à simplicidade a partir do momento em que começamos a ter consciência de que as lentes com as quais vemos o mundo, as nossas lentes conceituais, as quais nós não podemos deixar de usá-las, sob pena de perder toda a visão, tem estado sempre (e sempre estão) sujeitas a mudanças mais ou menos súbitas ou gradativas de coloração ou de focalização (Sebastián & Fuentes, 2004, p. 15).

Para introduzir essa vacina, o olhar de Koselleck e de alguns de seus colegas historiadores de meados dos anos 1950 e 1960 volta-se para a modernidade ocidental e para a insuficiência teórica que eles atribuem à geisteswissenschaftene à ideengeschichte, as quais tratam especificamente do contexto alemão e transferem descuidadamente para o passado expressões modernas (Koselleck, 2006). Logo, as discussões e propostas derivadas daí resultam das impressões desses historiadores sobre o papel que determinados conceitos exerceram na constituição do que Koselleck intitula modernidade ou Sattelzeit11. Ou seja,

Nos países de língua alemã, pode-severificar desde aproximadamente 1770 a ocorrência freqüente de processosde ressignificação de termos, assim como a criação de neologismosque, com o uso freqüente, acabaram por transformar o campo deexperiência política e social, definindo novos horizontes de expectativas (Koselleck, 2006, p. 101).

O ponto principal é que nós criamos e fazemos uso de conceitos em nosso dia a dia. No entanto, os professores organizadores do Dicionário observam que, especialmente na curva entre os séculos XVIII e XIX, ocorre uma mudança significativa: nesse período é criada uma série de novos conceitos que definiriam o rumo do que entendemos por modernidade (Neuzeit). Desse modo, outros conceitos se tornam obsoletose acabam por cair em desuso. Aí reside o grande desafio desses professores e da própria produção do Dicionário. Isso porque,

[...] a despeito do uso continuado das mesmas palavras, a linguagem político-social mudou. Os coeficientes de mudança e aceleração transformaram velhos campos de significados e, portanto, também a experiência política e social. Significados anteriores de uma taxonomia que ainda está em uso devem ser apreendidos pelo método histórico e traduzidos para a nossa linguagem. Tal procedimento pressupõe um quadro de referência que foi esclarecido teoricamente; somente no interior de tal quadro podem se tornar visíveis essas traduções. Falamos aqui do período de sela (Sattelzeit) […]. Esse período tematiza a transformação do uso pré-moderno da linguagem para nosso uso, e não posso enfatizar de maneira forte o bastante seu caráter heurístico (Koselleck, 2002, p. 5).

Essas mudanças e o acelerado caráter interno delas acarretam inúmeros desafios para a investigação relativa aos usos e desusos das palavras. Uma palavra perde a capacidade de representar um conceito fundamental e cai em desuso quando “[...] não é mais capaz de aglutinar o suficiente de novas experiências e de agregá-las em um conceito comum somado com as expectativas por cumprir” (Koselleck, 2012, p. 38). É importante ressaltar que a criação de conceitos e o seu uso são derivados do tipo de experiência que os indivíduos têm, ou seja, há uma relação dialógica entre a vida e a linguagem. Koselleck recusa-se a ver a formação de conceitos e a linguagem como epifenômenos determinados pelas forças externas da realidade histórica (Richter, 2006), postura teórica que traduz seu esforço por conceber a indissociabilidade entre história dos conceitos e História Social12.

No entanto, nem toda palavra é um conceito. A distinção que Koselleck faz entre palavra e conceito tem importantes implicações na relação entre a história conceitual e a hermenêutica, bem como sobre a própria compreensão do lugar do historiador na investigação13. Sua ideia é que conceitos sociais e políticos, e porque não dizer também os educacionais, têm pretensão à generalidade, sendo a eles associadas muitas camadas de significados, condensados em um conjunto de experiências organizadas em um contexto político-social14. Outra diferença é que a palavra em uso pode ser ambígua, mas o conceito não. Essa relação entre o conceito (linguagem) e a realidade (extralinguístico), sua criação e sua decadência ao longo do tempo, talvez seja o elemento central no argumento. O próprio Koselleck afirma:

Como se articula a relação temporal entre conceitos e estados de coisas? Sem dúvida, a chave da história conceitual reside aqui. O que pode e o que deve ser concebido se encontra além dos conceitos. Toda semântica refere-se a algo que está além de si mesma, embora nenhum campo de objetos pode ser concebido e experimentado sem a contribuição da semântica à linguagem. Todas as teorias atualmente em moda que reduzem a realidade exclusivamente à linguagem esquecem que a língua oferece e conserva duas facetas: por um lado, registra - receptivamente - o que é exterior a ela, manifesta o que é imposto sem que isso seja linguístico, isto é, o mundo tal como apresentado de forma pré-linguística e não linguisticamente. Por outro lado, a linguagem fornece apoia - ativamente - todos os estados de coisas e fatos extralinguísticos. Para que o extralinguístico possa ser conhecido e compreendido deve ser refletido em seu conceito. Conforme se diz no princípio: sem conceitos não há experiência e sem experiência não há conceitos (Koselleck, 2012, p. 31-32).

Dessas ideias a respeito da generalidade e de seu entendimento relacional das temporalidades deduz-se a existência de camadas de significados internos a um mesmo conceito, do que deriva seu caráter ambíguo. Para alguns, esse é um dos elementos críticos da Begriffsgeschichte15. Contudo, compreender a história dos conceitos que nos são disponíveis é entender melhor “[...] como estes nos conduzem a pensar segundo certas linhas, nos tornando capazes de saber agir segundo definições alternativas e menos restritas de nossa situação” (Richter, 2006, p. 42-43). O conceito de ensino, por exemplo, comum à escrita da História da Educação nessa virada temporal impulsionada pelo caráter acelerado do tempo, conduz-nos a discutir sua referência em contextos muito particulares, considerando que é facilmente observável a distância entre a experiência acumulada e as expectativas alimentadas em torno do que se deseja ensinar e/ou aprender. Talvez pelo fato de os conceitos não serem reduzidos à sua singularidade temporal, eles podem nos auxiliar a entender não apenas o caráter peculiar de significados passados, em função de sua estrutura e de seu caráter de repetição, mas também “[...] a contemporaneidade do não contemporâneo, irredutível ao simples discurso cronológico” (Merlo, 1998, p. 87).

Esse entendimento que separa palavra e conceito deriva das preocupações relativas à aparição da ideia do novo (Neuzeit) e, com ele, da própria modernidade, bem como de um tipo de experiência subjetiva que é condicionada por um ritmo ou um estilo de vida muito mais acelerado. Obviamente, quando ele se refere a essa distinção, não a trata de maneira estática, mas ressalta a dialogicidade interna a esses elementos guiados pelo caráter flutuante das ideias de experiência (passado) e expectativa (futuro). Ou seja, os conceitos não apenas têm em si a experiência acumulada, “[...] não servem mais para apreender os fatos de tal ou tal maneira, eles apontam para o futuro” (Koselleck, 2006, p. 103). Como já colocado alhures, o pensamento esboçado por ele não compartilha certo radicalismo de alguns autores associados à intitulada virada textualista que atribuem autonomia ao texto. Ao contrário, para ele:

Os acontecimentos históricos não são possíveis sem atos de linguagem, e as experiências que adquirimos a partir deles não podem ser transmitidas sem uma linguagem. Mas nem os acontecimentos nem as experiências se reduzem à sua articulação linguística. Pois em cada acontecimento entram numerosos fatores que nada têm a ver com a linguagem, e existem extratos da experiência que se subtraem a toda comprovação linguística. Sem dúvida, para serem eficazes, quase todos os elementos extralinguísticos dos acontecimentos, os dados naturais e materiais, as instituições e os modos de comportamento, dependem da mediação da linguagem. Mas não se restringem a ela. As estruturas pré-linguísticas e a comunicação linguística, graças à qual os acontecimentos existem, permanecem entrelaçados, embora jamais coincidam inteiramente (Koselleck, 2006, p. 267).

Embora o diagnóstico de um tempo novíssimo derivado de uma nova experiência temporal já se encontrasse presente no XVIII, o termo novo (Neuzeit) faz sua aparição no século XIX. Junto a ele, surgem as ideias de aceleração e experiência, fundamentais para se compreender a redefinição das temporalidades passado, presente e futuro, assim como o acento que será dado à relação entre o novo e a ideia de tradição. Os desdobramentos da escrita de uma história da educação são vários, especialmente no que diz respeito ao trato da experiência acumulada que reveste a tradição em seu diálogo inevitável com o novo e com os discursos da inovação comuns na modernidade (Sebastián, 2013). Reescrever os conceitos, semantizar seus conteúdos de acordo com o tempo em que tal escrita se deu e ter cuidado com a leitura e com o uso dos conceitos produzidos no presente e embebidos em expectativas muito particulares de futuro são alguns dos contributos possíveis, mas a história conceitual não se esgota neles.

História dos Conceitos e História da Educação: um (des) encontro inevitável...

Inúmeros elementos, além dos mencionados até o momento, podem proporcionar uma aproximação muitíssimo positiva entre essa modalidade historiográfica que é a história conceitual e a escrita da História da Educação. Se, para alguns, a história é o observatório da educação (Magalhães, 2016), a História da Educação é o observatório da própria vida em sociedade. Pensar esse observatório com base na introdução de conceitos, em suas mudanças internas e em seus usos pode nos auxiliar a compreender a evolução e o desenvolvimento das sociedades. Além disso, com base no entendimento das relações entre história e educação na modernidade, podemos compreender a importância de ambas para a sobrevivência das próprias sociedades (Magalhães, 2010). Ora, a abordagem conceitual introduz instrumentos teóricos e metodológicos importantes relativos à natureza do tempo histórico, os quais implodem formas arcaicas, porém persistentes, de pensar passado, presente e futuro. As relações entre tradição e inovação ou o novo, a ideia de que ruptura e novo não são pares dicotômicos que se separam do passado, pensar o educacional ou a ideia de educabilidade para além dos muros da Pedagogia e em diálogo com as linguagens que a atravessam, identificar o momento em que as mudanças de fato ocorrem, pensar o presente como um lugar no qual também se pensa o passado futuro, entre outras, são ações que precisam ser redefinidas.

Quando nos perguntamos onde se encontra o novo em um movimento intelectual ou mesmo educacional, como, por exemplo, a Escola Nova, ou nos indivíduos e em seus escritos, precisamos enfrentar perguntas que aglutinam questões como ‘onde começa o novo do movimento da Escola Nova, o que permaneceu da tradição e o que de fato é o novo?’ O discurso sobre a inovação se traduz nas diversas estratégias retóricas utilizadas pelos sujeitos e essas precisam ser interrogadas.

As diversas lentes e figuras retóricas utilizadas permitem traçar vínculos entre autores ou formações intelectuais do passado - filiações e mudanças de curso; genealogias, superposições, antagonismos, pontos de ruptura e linhas de continuidade - compondo desse modo autênticas identidades narrativas (Sebastián, 2013, p. 57).

Igualmente, ‘o que é educação no pensamento, nas ideias, nos conceitos manuseados por um autor?’ Ora, é a palavra educação que precisa ser indagada, considerando os conteúdos e significados vários que lhe são internos e se encontram manuseados na obra e no pensamento de sujeitos que também dizem sobre os conteúdos do conceito, a sua dimensão intelectiva (Magalhães, 2016). A ideia de reforma educacional é outro exemplo que, no contexto da História da Educação, tem substancial força. Perguntamos: em que momento, afinal, tem início essa reforma que se materializa em um texto oficial? Nas reuniões, nas ideias, em uma correspondência perdida, nos diversos textos gerados e/ou nos diversos lugares publicizados, no esquecimento de algo? Quantos conteúdos não se encontram associados ao conceito de reforma ao longo da modernidade, logo, o que é reforma e o que há nela de novo? Ou seja, que camadas de significado são manuseadas?

Ora, há vários elementos envolvidos nas dúvidas produzidas nessa escrita e na história conceitual, cujos vários questionamentos, semânticos (Koselleck) ou analíticos (Skinner), podem auxiliar a análise, já que são menos conduzidos por escolhas anacrônicas, doutrinais ou pela ilusão biográfica da coerência e de sua impermeabilidade a críticas.

Por outro lado, quando nos referimos a um tempo definido em calendário, como, por exemplo, Oitocentos e República, precisamos nos perguntar: ‘em que momento começa ou termina o Oitocentos’; ‘em que momento começa uma revolução ou quais conteúdos ou camadas de significado estão associados a esse conceito?’ Já nos referimos à Revolução Francesa, mas, se lembrarmos as várias revoluções derivadas dos conteúdos a ela associados, certamente poderemos compreender as mutações e os deslocamentos efetuados em torno e para além do conceito em sua origem no Sattelzeit. Se deslocarmos alguns dos conteúdos associados ao conceito de revolução na modernidade, articulando-os com a própria escrita e com a História da Educação, iremos nos deparar com um (des)encontro, pois a própria escrita da educação e de suas mudanças nos ensina que estas não ocorrem na radicalidade da ideia clássica de ruptura e que, quando pensamos o futuro,na verdade, ele já se encontra no presente.Trata-se, assim, de um processo muito mais complexo e dinâmico que envolve as temporalidades passado, presente e futuro e as relações entre a experiência acumulada e as expectativas de futuro.

Considerações finais

Considerar essas implicações é realizar uma crítica importante à própria História da Educação e a certa dimensão salvífica que a ela é associada. Temporalizar de forma constante a escrita da própria história e dos conceitos com os quais lida, bem como as mudanças internas inevitáveis desses próprios conceitos é um dos caminhos a ser seguido. Isso porque, ao mesmo tempo em que seria possível identificar repetições e permanências materializadas estruturas (instituições e cultura, por exemplo), poder-se-ia questionar certos tipos de recursos retóricos utilizados na própria escrita acadêmica, como ruptura, novo, novidade, tradicional, entre outros, para se referir à História da Educação. Assim, o investigador teria um lugar embebido em historicidade similar ao que está sendo investigado. Dessa forma, coloca-se não no lugar de um arauto da verdade, mas apenas, modestamente, no de um ator histórico que contribui como professor e investigador da História da Educação para uma escrita dinâmica de seu lugar, das transformações constantes em sua temporalização.

Ora, essa escrita, essa compreensão, pode ser resultante de uma maior sensibilidade ao caráter polissêmico dos conceitos educacionais e ao aspecto dinâmico dos processos intelectuais e culturais relacionados à História da Educação. Isso porque, ao longo dessa história, existem elementos diacrônicos e sincrônicos que são centrais nessa área de investigação e precisam ser considerados, combinados a um conjunto plural de princípios teóricos e metodológicos que procuram equacionar, em uma operação histórica de difícil execução, uma variedade infinita de fontes, de diversidades culturais e narrativas (Magalhães, 2010). É preciso considerar também que escolhas ideológicas, e muitas vezes de fé, que nomeiam agrupamentos de investigação, temas e formas fragmentadas e não orgânicas de refletir sobre o objeto de estudo, jogam um papel comprometedor nessa escrita.

A despeito dessa multiplicidade cognitiva e epistêmica, a História da Educação, de forma concomitante ao desenvolvimento da História dos conceitos, também realiza uma autocrítica, derivada da intitulada linguistic turn nos anos de 1960, distanciando-se, assim, do caráter messiânico e salvífico associado à História da Pedagogia, cujas origens se encontram no próprio historicismo e em seu entendimento da natureza transcendente das ideias inspiradas pelo hegelianismo (Vilanou, 2006a). Ainda que precise, de nosso ponto de vista, ser melhor explorada para que possam ser visualizadas mais adequadamente as espécies de mudanças que ocorreram de fato no âmbito específico da escrita e das representações da educação, essa autocrítica tem aproximado áreas aparentemente distintas e incentivado esforços que consideram as variações e as singularidades derivadas de particularismos culturais, locais e/ou globais, tanto de caráter teórico quanto metodológico, em uma escrita que consiga responder a perguntas que são colocadas em curto, médio ou longo prazo.

Nesse sentido, do mesmo modo que à história conceitual, à História da Educação caberia, de nosso ponto de vista, por meio do exame crítico de sua escrita, pensar as mudanças, as consequências constantes da experiência acumulada em seu passado e em seu presente e o caráter plural das temporalidades que instituem relações multifacetadas entre as camadas de vários significados internos aos conceitos. Com base em tais conceitos, é possível representar a realidade, atuar sobre ela e modificá-la, bem como materializá-la em sua escrita. A história conceitual, nesse sentido, inverte a natureza tradicional da ideia de conceito. Enquanto, do ponto de vista clássico, o papel do investigador é agrupar a experiência percebida em um conceito que seja sólido e imutável e transmitido a gerações futuras de forma homogênea, essa modalidade nos convida a ver a transitoriedade, a dinamicidade e a impureza, mas também a repetição e a permanência interna às diversas camadas de significados constituintes de um conceito.

Dessa forma, considerar alguns elementos dessa modalidade historiográfica pode talvez auxiliar no entendimento das transformações internas aos conceitos e aos seus usos, por vezes, paralisados na escrita, a exemplo de pedagogia, secularização, escolarização, infância, revolução, intelectual, entre outros, Assim, considerando o entrelaçamento inevitável entre conceitos, discurso e cultura, poder-se-ia dar início, reflexiva e criticamente, a uma história do pensamento pedagógico (Torrano & Castillo, 2014).

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Notas

1 O presente trabalho foi realizado com apoio da CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil.
2 Gostaria de agradecer aos professores Justino Magalhães e Cláudia Cury pela leitura cuidadosa do manuscrito e as sugestões daí derivadas.
3 Um exemplo que nos pode auxiliar a pensar sobre conceitos e História da Educação é o fato de que inúmeros conceitos políticos, mais comumente tratados na História Conceitual, têm origens nas mais diversas áreas do conhecimento. Por exemplo, os conceitos de crise, organização, regeneração ou corrupção advêm da medicina e da biologia; revolução, da astronomia; reação, massas e progresso, das ciências físicas; igualdade, da matemática; liberal, moderado e opinião pública, da moral; ideologia, da filosofia; decadência, da história; fanatismo, propaganda, tolerância e secularização provêm da esfera religiosa; cultura, do mundo agrário; finalmente, representação, legitimidade, emancipação e civilização, da área do direito (Sebastián & Fuentes, 2004). Muitos desses conceitos transitaram, transformaram-se e transitam ou não no âmbito da História da Educação, que também tem gerado conceitos que transitam em outras áreas, como, por exemplo, escola, ensino e escolarização. Compreender os usos e desusos desses conceitos é compreender as transformações temporais e as relações entre a experiência acumulada e as nossas expectativas de futuro em relação à profunda fugacidade que é o presente.
4 Koselleck elabora quatro hipóteses de trabalho sobre que acontece com os conceitos nessa curva temporal intitulada por ele de Sattelzeit. Em seu esquema de trabalho, ocorreram quatro grandes transformações metamórficas em torno da linguagem (conceitos). Para ele, nesse período, a linguagem se democratizou (democratização), politizou-se (politização), adquiriu forte inclinação ideológica (ideologização) e os conceitos também passaram por um processo de ‘temporalização’ interna. A consequência é que essa temporalização entre passado e futuro vai se implantando aos poucos, e de forma concomitante, observa-se, gradualmente, uma nova estrutura da linguagem política que acaba por afetar todos os conceitos, inclusive, do nosso ponto de vista, os educacionais (Koselleck, 2006).
5 De fato, ainda que exista um campo de tensão entre nossa interpretação e as possibilidades que o texto nos dá, as palavras não têm significado em si, mas mudam de acordo com o período histórico, o grupo linguístico e os leitores. Isso significa que certos termos podem mudar completamente de sentido ou até não ter qualquer significado para um leitor contemporâneo. Ou seja, a partir da ‘virada linguística’, as ideias de leitura e interpretação podem ser pensadas não só como campo de tensão e processo dialógico, intersubjetivo, mas também como elemento social de produção de sentido. É interessante observar que os primeiros escritos de Koselleck, de Quentin Skinner e do próprio Michel Foucault são publicados entre 1967 e 1969, aparentemente, em reação ao estruturalismo do qual tratamos acima.
6 A ideia acabou se tornando uma espécie de dicotomia: “[...] os primeiros definidos como aqueles que buscam o significado das obras em um quadro de referência histórico, os segundos como os que circunscrevem a interpretação ao âmbito do texto, descartando a consideração de quaisquer referências extra-textuais” (Lacerda & Kirschner, 2003, p. 29). Salvaguardando os prováveis exageros, ter-se-ia, por exemplo, de um lado, o marxismo ortodoxo guiado por explicações baseadas na dimensão econômica e, de outro, a hermenêutica filosófica gadameriana e sua apologia ao texto e à linguagem. A escolha metodológica de Koselleck implica uma espécie de ponto intermediário, já que ele considera a indissociabilidade entre a linguagem (conceitos) e a realidade social (extralinguístico) sem, no entanto, desconsiderar caminhos e escolhas distintos.
7 O argumento dos professores Torrano e Castillo (2014) parece uma pista interessante a ser investigada. Ou seja, motiva a investigar se a escrita da História da Educação produzida no Brasil poderia ser pensada a partir dessa espécie de transição entre uma História da Pedagogia a uma História da Educação em razão, em parte, dos elementos destacados acima.
8 Para alguns (Torrano & Castillo, 2014), Koselleck promove uma ‘revolução’ nos moldes instituídos por Dilthey em relação a Kant, já que faz uso de categorias de pares antitéticos (transcendentais) que permitem a historicização da experiência do tempo. Talvez isso ocorra porque, como se verá adiante, ele seja o principal herdeiro das ciências do espírito (Geisteswissenschafte) e das obras de Dilthey, Droysen, Heidegger e Gadamer, forjadas em torno da reflexão sobre a possibilidade do conhecimento histórico. As ideias de compreensão e de hermenêutica encontram-se em Koselleck, mas estão distantes do sentido psicológico que as aproxima na primeira fase do pensamento de Dilthey. Nele, o conceito adquire uma dimensão social e cultural que apresenta afinidades com certas abordagens sociológicas. O que ele faz é deslocar “[...] a dimensão da experiência particular (Erlebenis) para o campo das experiências compartilhadas (Erfahung) e desconsidera significados preexistentes e imutáveis subjacentes ao pensamento e ação humanos” (Bentivoglio, 2010, p. 121)
9 Futuro passado (Koselleck, 2006) e Estratos do tempo (Koselleck, 2014) são livros que, publicados nesta última década, contribuem para a introdução de seu pensamento e tratam, em suas próprias palavras, de uma problemática comum: “[...] as estruturas temporais da história humana, de suas experiências e de suas narrativas” (Koselleck, 2014, p. 7). Tais livros comporiam o primeiro, segundo o próprio Koselleck, de três volumes que reuniriam seus textos produzidos ao longo da vida, projeto que, infelizmente, foi abortado em razão de seu falecimento. De qualquer modo, eles permitem que o leitor tenha contato com suas principais ideias, bem como com o desdobramento de sua metodologia de trabalho, especialmente com seu trato semântico de conceitos como modernidade, utopia, revolução, bildung, progresso, entre outros.
10 A articulação dos elementos discursivos e conceituais, atualmente, é proposição muito comum entres os investigadores que se encontram no interior desse paradigma (Sebastián, 2002; Dutt, 2010) e aproxima as preocupações entre as mudanças conceituais (Koselleck) e a dimensão analítica dos conceitos, ou seja, seus usos (Skinner). Semântica histórica e pragmática histórica tornam-se mais próximas do que separadas: “Se entende nesse contexto que a reconstrução da dimensão pragmática dos conceitos tem que tomar o caminho da reconstrução da dimensão pragmática dos textos ou – se preferir esse conceito – dos discursos, empregados nos respectivos conceitos objetos de investigação” (Dutt, 2010, p. 41).
11 O uso do conceito de Sattelzeit por Koselleck é um tanto quanto complicado e deixa um conjunto de dúvidas sobre sua imprecisão. Às vezes, além de Sattelzeit, também ele usa a expressão Schwellenzeit ou período-umbral. Caberia aqui uma brevíssima explicação. A princípio, sua tradução, como esboçado acima, seria tempo de sela (montar a cavalo) ou época de sela ou ainda período de montaria. Koselleck, em uma de suas últimas entrevistas, reconhece que o termo é um tanto quanto confuso. Diz ele: “[...] um dos significados de Sattel (sela) se refere a cavalos, ao âmbito equestre, e o outro significado alude à situação que se produz quando você ascende ao cume de uma montanha e dali se lhe é oferecida a possibilidade de contemplar uma paisagem ampla [...] não gosto do termo (Sattelzeit) porque é muito ambíguo” (Koselleck, 2006, p. 162). O objetivo inicial seria aludir à aceleração específica da experiência moderna no mundo, mas, para alguns, tal objetivo não é alcançado em razão da estranheza e da ambiguidade do conceito. A despeito disso, ele tende a aparecer na literatura que se debruça em torno da história dos conceitos. De qualquer modo, a despeito dos problemas, é preciso que se derive daí apenas a ideia central da expressão que é remeter à aceleração do tempo e a seu impacto nos conceitos e na autopercepção da consciência e da subjetividade na modernidade.
12 Em vários de seus escritos, aparecem exemplos de mudanças conceituais, bem como de conceitos que possuem camadas sem as quais seu entendimento não é possível. Secularização, burguês, utopia entre outros. Sobre o conceito revolução, por exemplo, ele afirma: “[...] na origem apresentava uma fórmula modelar do possível retorno dos acontecimentos. Entretanto, o sentido do termo foi reformulado, passando a indicar um conceito teleológico de caráter histórico-filosófico, a par de uma segunda e nova significação como conceito de ação política, tornando-se, segundo nosso ponto de vista, o indicador de uma alteração estrutural” (Koselleck, 2006, p. 103).
13 Para Koselleck, o historiador “[...] se serve dos textos apenas como testemunhas, para extrair uma realidade que existe além deles. Portanto, mais do que todos os outros exegetas de textos, ele destaca um fato extratextual, apesar de reconstruí-lo por meios linguísticos. Parece até uma ironia. Na comparação com as ciências do espírito, o historiador depende menos de textos do que o jurista, o teólogo ou o filólogo. Ao serem transformados em fontes pelas perguntas que ele formula, os textos possuem apenas um valor indicativo para as histórias que ele deseja conhecer” (Koselleck, 2014, p. 107).
14 Koselleck (2014, p. 19), por exemplo, utiliza a expressão estrato, que se refere a “[...] formações geológicas que remetem a tempos e profundidades diferentes, que se transformam e se diferenciam umas das outras em velocidades distintas no decurso da chamada história geológica [...]”, como metáfora para pensar os diversos planos, ou camadas, temporais.
15 Aqui é possível esboçar a crítica de Skinner a Koselleck. Diz Skinner (1988, p. 283): “[...] para entender um conceito, é necessário reter não apenas os significados dos termos usados para expressá-lo, mas também a variedade de coisas que podem ser feitas com ele. É por isso que, apesar das longas continuidades que têm, sem dúvida, marcado nossos padrões herdados de pensamento, eu permaneço convicto na minha crença de que não pode haver histórias de conceitos como tal; só pode haver histórias de seus usos no argumento”. Koselleck responde ao argumento de Skinner, concordando sobre a impossibilidade de se escrever uma história de um conceito em particular e concreto, mas sublinha que é incontestável que um conceito, independentemente de seu emprego original, adquiriu e perdeu, paulatinamente, no processo histórico, uma diversidade de significados, e, assim, torna-se plausível escrever a história dos estratos temporais de um significado (Coves, 2009). Uma distinção mais ampliada entre as Escolas de Cambridge e Bielefeld (Universidade na qual atuou, por muitos anos, Koselleck) implica afirmar que, enquanto esses últimos concentram “[...] mais importância nos contextos sócio-políticos, insistem na capacidade transformadora dos conceitos e, do ponto de vista cronológico, seguem a história do conceito ao longo de períodos dilatados de tempo (ainda que certamente suas preferências se inclinem pela fase crítica 1750-1850 conhecida por Sattelzeit), Pocock e Skinner sublinham o caráter decisivo dos contextos intelectuais ou linguísticos, colocando o acento nas intenções dos agentes e raramente ultrapassam os limites cronológicos da intitulada Idade Moderna; enquanto esses últimos centram os seus estudos, sobretudo em grandes autores individuais e em linguagens específicas, Koselleck e a sua escola prestam mais atenção aos movimentos políticos e sociais e aos conceitos sobre os quais se articulam discursos” (Sebastián, 2002, p. 346).
16 This article was written with the support of CAPES.
17 I would like to thank the professors Justino Magalhães and Cláudia Cury for the careful reading of the manuscript and their precious suggestions about it.
18 An example that can help us think about concepts and History of Education is the fact that numerous political concepts, most commonly dealt with in Conceptual History, have origins in the most diverse areas of knowledge. For example, the concepts of crisis, organization, regeneration, or corruption come from medicine and biology; revolution, astronomy; reaction, mass and progress, of the physical sciences; equality, of mathematics; liberal, moderate and public opinion, of moral; ideology, of philosophy; decadence, of history; fanaticism, advertising, tolerance, and secularization come from the religious sphere; culture, of the agrarian world; finally, representation, legitimacy, emancipation and civilization, from the area of law (Sebastián & Fuentes, 2004). Many of these concepts have transited, transformed and transited or not in the context of the History of Education, which has also generated concepts that move in other areas, such as school, education and schooling. To understand the uses and misuses of these concepts is to understand the temporal transformations and the relations between the accumulated experience and our expectations of future in relation to the deep fugacity that is the present.
19 Koselleck elaborates four hypotheses of work on what happens with the concepts in this time curve titled by him of Sattelzeit. In his scheme of work, there were four major metamorphic transformations around language (concepts). For him, in this period, language has been democratized (democratization), politicized (politicization), acquired a strong ideological bent (ideologization) and concepts have also undergone a process of internal ‘temporalization’. The consequence is that this temporalization between the past and the future is gradually being implanted, and in a concomitant way, a new structure of political language is gradually observed that affects all concepts, including, from our point of view, the educational concepts (Koselleck, 2006).
20 In fact, although there is a field of tension between our interpretation and the possibilities that the text provide, the words have no meaning in themselves, but they change according to the historical period, the linguistic group and the readers. This means that certain terms may change completely meaning or even have no meaning for a contemporary reader. That is, from the ‘linguistic turn’, ideas of reading and interpretation can be thought not only as a field of tension and dialogic process, intersubjective, but also as a social element of production of meaning. It is interesting to note that the early writings of Koselleck, Quentin Skinner, and Michel Foucault are published between 1967 and 1969, apparently in reaction to the structuralism we discussed above.
21 The idea ended up becoming a sort of dichotomy: “[...] the former defined as those which seek the meaning of works in a historical frame of reference, the latter as the ones that circumscribe the interpretation to the scope of the text, discarding the consideration of any extra-textual references” (Lacerda & Kirschner, 2003, p. 29). Safeguarding the probable exaggerations, there would be, for example, on the one hand, orthodox Marxism guided by explanations based on the economic dimension, and, on the other hand, Gadamer’s philosophical hermeneutics and its apology to text and language. Koselleck’'s methodological choice implies a sort of intermediate point, since he considers the inseparability between language (concepts) and social reality (extralinguistic) without, however, disregarding different paths and choices.
22 The argument of teachers Torrano and Castillo (2014) seems an interesting clue to be investigated. That is to say, it motivates to investigate if the writing of History of Education produced in Brazil could be thought from this kind of transition between a History of Pedagogy to a History of Education owing, in part, to the elements highlighted above.
23 For some (Torrano & Castillo, 2014), Koselleck promotes a ‘revolution’ in the molds instituted by Dilthey in relation to Kant, since he makes use of categories of antithetical (transcendental) pairs that allow the historicization of the experience of time. Perhaps this is because, as will be seen below, he is the chief heir to the spirit sciences (Geisteswissenschafte) and the works of Dilthey, Droysen, Heidegger and Gadamer, forged around the reflection on the possibility of historical knowledge. The ideas of understanding and hermeneutics are to be found in Koselleck, but they are far from the psychological sense which approaches them in the first phase of Dilthey’s thought. In it, the concept acquires a social and cultural dimension that has affinities with certain sociological approaches. What he does is to shift “[...] the dimension of particular experience (Erlebenis) to the field of shared experiences (Erfahung) and disregard preexisting and immutable meanings underlying human thought and action” (Bentivoglio, 2010, p. 121).
24 Futuro passado (Koselleck, 2006) and Estratos do tempo (Koselleck, 2014) are books that, published in the last decade, contribute to the introduction of his thinking and treat, in his own words, a common problematic: “[...] the temporal structures of human history, their experiences and their narratives” (Koselleck, 2014, p. 7). Such books would comprise the first, according to Koselleck himself, of three volumes that would bring together his texts produced throughout his life, a project that, unfortunately, was aborted because of his death. In any case, they allow the reader to have contact with his main ideas, as well as with the unfolding of his work methodology, especially with his semantic treatment of concepts such as modernity, utopia, revolution, bildung, progress, among others.
25 The articulation of discursive and conceptual elements is now a very common proposition among researchers within this paradigm (Sebastián, 2002; Dutt, 2010) and brings the concerns between conceptual changes (Koselleck) and the analytical dimension of concepts, that is, their uses (Skinner). Historical semantics and historical pragmatics become closer than separated: “It is understood in this context that the reconstruction of the pragmatic dimension of concepts must take the path of reconstruction of the pragmatic dimension of texts or - if you prefer this concept - of discourses, employed in the respective concepts of research objects” (Dutt, 2010, p. 41).
26 The use of the concept of Sattelzeit by Koselleck is somewhat complicated and leaves a set of doubts about its imprecision. Sometimes, in addition to Sattelzeit, he also uses the term Schwellenzeit or threshold period. Here is a very brief explanation. At first, its translation, as outlined above, would be time for saddle (riding on horseback) or saddle season or even riding time. Koselleck, in one of his last interviews, acknowledges that the term is somewhat confusing. He says: “[...] one of the meanings of Sattel (saddle) refers to horses, in an equestrian scope, and the other meaning refers to the situation that occurs when you climb to the top of a mountain and from there you are offered the possibility of contemplating a wide landscape [...] I do not like the term (Sattelzeit) because it is very ambiguous” (Koselleck, 2006, p. 162). The initial aim would be to refer to the specific acceleration of modern experience in the world, but for some this is not achieved because of the strangeness and ambiguity of the concept. In spite of this, it tends to appear in the literature that deals with the history of concepts. In any case, despite the problems, it is necessary to derive from it only the central idea of the expression that refers to the acceleration of time and its impact on the concepts and self-perception of consciousness and subjectivity in modernity.
27 In several of his writings, there are examples of conceptual changes as well as concepts that have layers without which their understanding is not possible. Secularization, bourgeois, utopia among others. On the concept of revolution, for example, he states: “[...] at its origin it presented a modeling formula for the possible return of events. However, the meaning of the term was reformulated, starting to indicate a teleological concept of historical-philosophical character, along with a second and new significance as a concept of political action, becoming, in our view, the indicator of a structural alteration” (Koselleck, 2006, p. 103).
28 For Koselleck, the historian “[...] uses texts only as witnesses, to extract a reality that exists beyond them. Therefore, more than all other exegetes of texts, he highlights an extratextual fact, although reconstructing it by linguistic means. It sounds like an irony. In the comparison with the spirit sciences, the historian depends less on texts than the jurist, the theologian, or the philologist. When they are transformed into sources by the questions he formulates, the texts have only an indicative value for the stories he wishes to know” (Koselleck, 2014, p. 107).
29 Koselleck (2014, p. 19), for example, uses the expression stratum, which refers to “[...] geological formations that refer to different times and depths, which transform and differentiate one another at different speeds in the course of the so-called geological history [...]”, as a metaphor for thinking about the various temporal planes, or layers.
30 Here it is possible to sketch Skinner’s criticism of Koselleck. Skinner (1988, p. 283) says: “[...] in order to understand a concept, it is necessary to retain not only the meanings of the terms used to express it, but also the variety of things that can be done with it. That is why, despite the long continuities that have undoubtedly marked our inherited patterns of thought, I remain convinced in my belief that there can be no history of concepts as such; there can only be stories of their uses in the argument” (Skinner, 1988, p. 283). Koselleck responds to Skinner’s argument, agreeing on the impossibility of writing a history of a particular and concrete concept, but stresses that it is undeniable that a concept, irrespective of its original use, has gradually acquired and lost in the historical process a diversity of meanings, and thus it becomes plausible to write the history of the temporal strata of meaning (Coves, 2009).A broader distinction between the Cambridge and Bielefeld Schools (Koselleck’s long-standing university) implies that while the latter are “[...] more important in socio-political contexts, they insist on the transformative capacity of concepts, and from a chronological point of view, follow the history of concept over extended periods of time (though its preferences are certainly inclined to the critical phase 1750-1850 known by Sattelzeit), Pocock and Skinner stress the decisive character of the intellectual or linguistic contexts, emphasizing the intentions of agents and rarely exceed the chronological limits of the so-called Modern Age; while the latter focus their studies, especially on big individual authors and in specific languages, Koselleck and his school pay more attention to political and social movements and the concepts on which discourses are articulated” (Sebastian 2002, p. 346).

Autor notes

Jean Carlo de Carvalho Costa é doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2003). Estágio Pós-Doutoral Sênior no Instituto de Educação, na área de História da Educação, na Universidade de Lisboa, no biênio 2015/2016. Professor de Sociologia da Educação e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) na Linha de História da Educação. É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Sociedade e Educação no Brasil (HISTED-BR). Integra também o GHENO (Grupo de Pesquisa História da Educação no Nordeste Oitocentista–UFPB), bem como o Grupo História das Instituições e dos Intelectuais da Educação no Brasil (PUC-SP). Membro da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE). E-mail: jeanccosta@yahoo.com.br orcid.org/0000-0002-6930-8607
1 J.C. de C. Costa foi responsável pela concepção, delineamento, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito, revisão crítica do conteúdo e aprovação da versão final a ser publicada.


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