ARTIGOS
Grupos escolares rurais em Pelotas na década de 1920: fotografias da propaganda da Intendência Municipal
Rural school groups in Pelotas in the 1920s: Photographs of the City Quartermaster advertising
Grupos escolares rurales en la ciudad de Pelotas-Brasil en la década de 1920: fotografías de la publicidad de la Intendencia Municipal
Grupos escolares rurais em Pelotas na década de 1920: fotografias da propaganda da Intendência Municipal
Revista Brasileira de História da Educação, vol. 17, núm. 4, pp. 194-223, 2017
Sociedade Brasileira de História da Educação
Recepção: 06 Novembro 2016
Aprovação: 17 Julho 2017
Resumo: O artigo tem por objetivo abordar as escolas rurais criadas no município de Pelotas (RS) durantes a década de 1920, as quais foram denominadas pelo poder público de grupos escolares rurais. Tendo em vista esse recorte temporal, são analisadas as estruturas físicas apresentadas nas imagens de escolas rurais construídas no município, bem como de uma planta baixa destinada a orientar a construção dessas escolas. Como as imagens foram publicadas nos Relatórios da Intendência Municipal de 1925 a 1930, consideramos esses relatórios como fontes de pesquisa, além de jornais da época. Com base nessas fontes documentais e em fontes bibliográficas, procuramoscontextualizar o período analisado e entender como foi estruturada a educação rural em Pelotas na época e por que nem todos os prédios dos grupos escolares rurais seguiram a orientação.
Palavras-chave: grupo escolar rural, educação rural, Pelotas.
Abstract: This study addresses rural schools established in the municipality of Pelotas, State of Rio Grande do Sul, during the 1920's, which were then called rural school groups by public authorities. In view of this timeline, the physical structures shown in pictures of rural schools built in this municipality, as well as floor plans that guided the construction of these schools, were analyzed. Since these images were published in Municipality Reports between 1925 and 1930, these pictures, as well as newspapers of the time, were considered research sources. Based on these sources and on the bibliography available, the analyzed period was contextualized so as to understand how rural education in Pelotas was structured at the time and why not all rural school group buildings followed the guidelines established.
Keywords: rural school group, rural education, Pelotas.
Resumen: El artículo tiene como objetivo tratar sobre las escuelas rurales de la ciudad de Pelotas (RS-Brasil) creadas durante la década de 1920, las cuales son nombradas por el poder público como grupos escolares rurales. El análisis fue realizado a partir de las imágenes publicadas en los Informes de la Intendencia Municipal enfocando la orientación por parte del poder público para la construcción y, por lo tanto, presentando aspectos de la estructura física de las escuelas. Durante el período de tiempo analizado, fueron encontradas imágenes de escuelas rurales construidas en la ciudad. Con base en los documentos, buscamos comprender cómo fue estructurada la educación rural en la ciudad de Pelotas en esta época durante los años 20 del siglo XX, con el fin de contextualizar el período analizado. Observamos que ni todos los edificios de los grupos escolares rurales siguieron la orientación.
Palabras clave: grupo escolar rural, educación rural, Pelotas.
Introdução
Neste artigo, abordamos as escolas rurais criadas no município de Pelotas, Rio Grande do Sul, nos anos 20 do século passado, as quais foram nomeadas pelo poder público municipal de grupos escolares rurais. Analisamos imagens de escolas rurais construídas entre os anos de 1925 e 1930, além de uma planta baixa elaborada em 1925e destinada a orientar a construção dessas escolas1.Focalizamos as características materiais do prédio das instituições com base nas informações e imagens publicadas nos relatórios da Intendência Municipal2 escritos pelos administradores municipais, na época configurados como intendentes municipais, e em jornais locais, a saber,os periódicos Diário Popular (1939a) e A Opinião Pública (1929a).
A finalidade da pesquisa é tentar compreender, ainda que de forma parcial, como foi orientada a educação em Pelotas e, sobretudo, o ensino rural público no início do século XX, no período denominado politicamente de Primeira República ou República Velha.Por esse motivo, procuramos analisar as imagens encontradas nos relatórios da Intendência de Augusto Simões Lopes.
Tais relatórios foram produzidos com o fim de registrar o que havia sido realizado durante sua administração. Cada intendente ficava por quatro anos no governo municipal e, a cada ano, produzia um relatório. É importante termos em mente que os intendentes produziam seus relatórios para apresentar ao Conselho Municipal, sendo, de certa forma, ‘natural’ que fizessem comentários a respeito da importância da educação, bem como que descrevessem as escolas criadas no município, sobretudo na área rural.
Em relação às fontes, ressaltamos que, como afirma Bencostta (2011), a utilização de imagens em pesquisas relativas à história das instituições educativas pode ser estendida para a análise e compreensão das manifestações da cultura escolar. Assim, ao mesmo tempo em que temos em vista a potencialidade das imagens para a investigação no âmbito do campo da história da educação, percebemos a dificuldade e a necessidade de um aprofundamento teórico para que elas não sejam tratadas apenas de forma ilustrativa ou descritiva.
Organizamos o artigo em dois tópicos. O primeiro trata da educação nas primeiras décadas do século XX, com destaque para o município de Pelotas e para o que a Intendência Municipal prescrevia para a educação naquele contexto. No segundo tópico, discorremos especificamente sobre as características físicas das instituições educativas, analisando as imagens contidas nos relatórios e discutindo teoricamente essa fonte histórica.
As primeiras décadas do século XX: educação em Pelotas
No município de Pelotas, durante os anos de 1920, foram construídos alguns grupos escolares na área urbana, assim como escolas isoladas no interior. Nos relatórios da Intendência Municipal desse período, aparece um eloquente discurso em relação à importância de se construírem escolas, sobretudo na zona rural, onde essa necessidade era mais acentuada.
Tal discurso sobre a educação nesse período não era uma especificidade do município de Pelotas, já que a educação e o ensino eram discutidos em nível nacional sob uma lógica republicana. De acordo com Souza (1998), ainda no período imperial, o ensino das escolas de primeiras letras já era criticado e considerado insuficiente, pois a formação do homem moderno exigia conhecimentos mais avançados. Segundo os ideais republicanos, a escola, além de instruir, cumpriria o papel de civilizar: a educação moral e cívica, por exemplo, tinha como intuito civilizar as massas.
Nesse sentido, precisamos considerar que, na época da criação dos grupos escolares rurais, havia, por parte dos governos nacional e municipal, a intencionalidade do investimento na área da educação. Por essa razão, foram estruturadas políticas para a educação, permeadas pelo discurso a respeito de sua importância.
O município de Pelotas, entre os anos de 1924 e 1928, estava sob a administração do intendente Augusto Simões Lopes. Nesse período, os relatórios produzidos eram mais volumosos e apresentavam maior número de informações do que aqueles escritos por seus antecessores. Oliveira (2005), em sua dissertação de mestrado, analisa a gestão educacional desse intendente e percebe que a propaganda de seu governo e a inserção de imagens foram diferenciais importantes nos documentos criados.
De acordo com os relatórios de Augusto Simões Lopes, durante os anos de 1924 a 1928, foram construídos 17 prédios para grupos escolares rurais, o que nos leva a depreender que existia, nessa época, um investimento ou, ao menos, a preocupação em investir na criação de escolas para atender às comunidades locais. Isso mostra, também, que havia carência de escolas especialmente no meio rural. Conforme informação encontrada nos relatórios:
[...] na cidade só serão creados doravante grupos escolares, pelo menos um em cada período governamental, e na zona rural fica assegurada a continuidade da phase de construcções iniciada pelo actual governo com a creação do fundo escolar orçamentário, o que possibilita a installação, mínima, de 2 casas de ensino por anno, sempre com moradia annexa para o professor; os edifícios deverão obedecer às prescripções estatuídas no capítulo respectivo do Regulamento sobressaindo entre os itens ali enumerados os requisitos de natureza hygienica3 (Relatório da Intendência..., 1928, p. 85).
Nesse trecho, podemos observar a recomendação e/ou a intenção da administração de construir grupos escolares na cidade e ‘casas de ensino’ no interior. Consideramos relevante destacar que, para a zona rural, juntamente com a criação da escola, especificava-se onde seria a residência do professor. Essa prática - de o docente das instituições educativas rurais residir junto ou próximo à escola - era comum nesse período. Na planta baixa encontrada no relatório de 1925háprevisão de um espaço destinado à casa do professor. Porém, na prática, talvez isso não se efetivasse em todos os estabelecimentos educacionais. Outro aspecto do relatório citado refere-se aos ‘requisitos de natureza higiênica’, tema bastante discutido na época. Conforme Souza (1998), alguns profissionais, como médicos higienistas, educadores e arquitetos, prescreviam condições consideradas ideais de ar e iluminação, bem como outros requisitos higienistas.
De acordo com Saviani (2007, p. 308), “[no] Brasil das primeiras décadas do século XX, em especial nos anos de 1920, agitava-se a questão da expansão das escolas primárias tendo em vista livrar o país da chaga do analfabetismo, considerado vergonha nacional”. Nesse contexto, os anos iniciais da República foram marcados por discursos em prol da educação. No município de Pelotas, esse discurso foi bastante intenso na administração do Intendente Augusto Simões Lopes:
Não escapa ao menos sagaz dos analystas da nossa situação que o mais grave dos aspectos collectivos da sociedade brasileira é essa esmagadora maioria de cerca de 24 milhões de cidadãos que nunca frequentaram uma escola.Em Pelotas, muito embóra largos sejam, em verdade, os resultados obtidos para a educação popular pela conjugação das actividades públicas e privadas, resta um longo caminho a percorrer até que alcancemos o logar a que podemos e devemos aspirar (Relatório da Intendência..., 1925, p. 27).
Nesse excerto do relatório, está contida a ideia de que era necessário um investimento na educação popular4 do município. Conforme Souza (1998, p. 27), a educação popular “[...] foi ressaltada como uma necessidade política e social [...]”, o que se aliava à exigência da alfabetização para a participação nas eleições, exigência essa que tornava a instrução primária importante no período republicano - a educação do povo estava no interior do projeto civilizatório da nação brasileira.
Sobre a década de 1920 e a educação, encontramos vários estudos. Por exemplo:
A década de 1920, no Brasil, deu continuidade à luta contra o analfabetismo. Os dados levantados pelo recenseamento de 1920, as discussões e os estudos resultantes da conferência sobre o ensino primário de 1921 e o constrangimento de possuir uma quota de 80% de analfabetos no país, transformaram o analfabetismo na grande vergonha do século (Oliveira, Tambara & Amaral, 2010, p. 510).
Percebemos, assim, que os anos iniciais da Primeira República foram marcados por um discurso em prol da educação primária. O município de Pelotas não estava recuado desse cenário, fato que pode ser observado por meio da recorrência de assuntos educacionais nos relatórios analisados.
O relatório de 1928, por exemplo, contém um mapa comparativo do número de matrículas de escolas municipais e estaduais, assim como das aulas subvencionadas. Os dados estão sistematizados na Tabela 1.
| Ano: | 1925 | 1927 |
|---|---|---|
| Matrícula no estado | 11714 | 11749 |
| Frequência no estado | 11329 | 11299 |
| Ano: | 1925 | 1927 |
| Matrícula no município | 11102 | 11556 |
| Frequência no município | 9908 | 11318 |
| Ano: | 1925 | 1927 |
| Matrícula nas aulas subvencionadas | -- | 8888 |
| Frequência nas aulas subvencionadas | -- | 7729 |
Com base nos números retirados dos relatórios da Intendência, podemos fazer algumas considerações. Primeiramente, o fato de o número de frequência não corresponder ao de matrícula mostra algo comum na história da educação: a não frequência dos alunos matriculados. Embora os motivos para isso possam estar ligados a uma série de fatores, por ora, consideramos apenas que, nesse período, as noções de educação não eram as mesmas da atualidade, nem mesmo a obrigatoriedade da frequência escolar. Ao refletir sobre a estatística e os números presentes nos relatórios da Intendência Municipal, concorda-se com Gil (2007), que considera que esses documentos da escrituração escolar são produzidos para determinadas finalidades e mostram aspectos parciais da sociedade. Gil (2008) reforça que erros e omissões afetam as informações presentes nos documentos. Assim, os números encontrados nos relatórios da Intendência Municipal mostram a matrícula e a frequência nas escolas municipais e estaduais em Pelotas no período estudado, mas precisamos observar que as estatísticas foram produzidas pelo poder público, podendo sofrer distorções de acordo com os objetivos dos Intendentes, especialmente no que se refere ao que se desejava propagandear.
Com base nesses números, podemos pensar ainda sobre o fato de o estado ter um índice de matrículas superior ao do município, o que denota pelo menos a necessidade de criação de escolas pelo município. Outro ponto de suma relevância são as aulas subvencionadas, nas quais os números de matrícula e de frequência são bem significativos, o que pode apontar também para a falta de escolas no município. Ainda quanto às aulas subvencionadas, de acordo com o relatório, notamos que não há tanta discrepância entre a matrícula e a frequência escolar. Ademais, fica evidenciado que, do ano de 1925 para o de 1927, os números de matrícula e de frequência foram crescentes. Possivelmente, esse é o motivo pelo qual o intendente registrou tais informações, já que estas serviam como uma forma de propagandear o seu governo e mostrar que a educação foi pensada e planejada durante sua administração.
Contudo, conforme Oliveira (2005), os dados presentes nesses relatórios eram enviados pelas pessoas que administravam as instituições, de modo que poderiam ser alterados. Os dados dos relatórios das intendências mostram o aumento do número de matrículas, conforme ilustra a Tabela 2, exposta a seguir.
| Ano: | 1925 | 1928 |
| Estado: | 11714 | 11740 |
| Município: | 11142 | 22440 |
Com base nessa tabela, que compara as matrículas do ano de 1925 e 1928, podemos fazer algumas observações. Cruzando-a com a Tabela 1, notamos, em um primeiro momento, uma distorção no número de matrículas municipais para o ano de 1925: na Tabela 1, esse número é de 1102 e, na Tabela 2, é de1142. Sem a pretensão de análise mais aprofundada, consideramos possível que esse seja um indício da falta de precisão e de distorção dos dados. Segundo Gil (2008), o erro é um dos itens a se considerar quando se trabalha com estatísticas. O que queremos mostrar com essa tabela é que, entre 1927 e 1928, o número de matrículas municipais aumentou consideravelmente, tendo em vista que, de 1925 para 1927, o crescimento não foi tão expressivo. Esse aumento pode ser reflexo da implantação tanto das escolas no meio rural quanto dos grupos escolares na cidade.
Entretanto, de acordo com o que encontramos nos jornais locais, a quantidade de escolas ainda era considerada insuficiente.Como exemplo, podemos citar uma matéria sobre o analfabetismo no município publicada no periódico A Opinião Pública:
‘A opinião pública’ iniciará veemente campanha, para que em 1930 não haja no município de Pelotas nem mais um analphabeto. Appelamos para todas as agremiações sociaes, ao povo em geral, aos médicos, advogados, engenheiros, à classe intelectual, ao operariado, a todos emfim, sem distinção de classes, nem credos políticos ou religiosos de espécie alguma, para a grande obra de alphabetização popular, instituindo escolas nocturnas e diurnas, para creanças pobres e o operariado adulto analfabeto (A Opinião Pública, 1929b, p. 1, grifo do autor).
Essa reportagem, datada do ano de 1929, apresenta o quanto era necessário criar escolas e expandir o ensino no município. Outra matéria no mesmo periódico aborda a falta de escolas em todo o estado do Rio Grande do Sul nesse período (Castro, 2016).
Como mencionado, durante os anos de 1924 a 1928, foram construídos prédios para escolas rurais e criados grupos escolares urbanos. A criação desses grupos ocorreu logo após o início do período republicano no estado de São Paulo (especificamente em 1893) e se disseminou para o restante do país, com a ideia de que eles seriam os templos do saber (Souza, 1998) e da civilização, na expectativa de que, com isso, ficaria para trás o atraso do período imperial. Assim,
A moderna organização da escola primária tornou-se um modelo cultural em circulação adotado por vários países, resguardadas as peculiaridades locais. A generalização desse modelo foi rápida e sua universalização situa a escola elementar no centro dos processos de transformação social e cultural que atingiram todo o Ocidente nos séculos XIX e XX (Souza, 1998, p. 22).
Compreendemos que esse discurso da Intendência Municipal estava incorporado a um pensamento nacional de que eram necessárias escolas para civilizar a população. Entretanto, na zona rural, as escolas instaladas não seguiam os mesmos modelos dos grupos escolares constituídos no meio urbano. Isso revela a concepção de educação nessa época: as cidades se configuravam comoo espaço por excelência para a criação de instituições educativas modelares, mesmo que a maioria da população estivesse situada no meio rural (Souza, 1998). A modernização da escola primária envolveu muitos aspectos, entre eles a construção de prédios monumentais para as instituições escolares. As políticas privilegiaram as cidades, de forma que a zona rural esteve relegada a segundo plano. Ainda nessa direção, a escola no meio rural serviu para civilizar, nacionalizar, mas também tinha como intenção a fixação do homem no campo (Souza & Ávila, 2014). Ávila (2013) também considera que havia diferença entre as escolas do ensino rural e do urbano, sendo o espaço das cidades considerado de maior importância.
Por conseguinte, as instituições do meio urbano e as do meio rural tinham uma arquitetura diferenciada. Não possuindo várias salas de aula, os grupos escolares rurais eram organizados na modalidade multisseriada. Recebiam geralmente menos alunos do que as instituições escolares urbanas e eram fisicamente menores, estando, normalmente, sob a regência de um único professor. Conforme Cardoso e Jacomeli (2010), as escolas multisseriadas eram (ou são) organizadas somente em uma sala, com um professor para as turmas de todas as séries, e se concentravam na zona rural e periférica.
Faria Filho (2000) diferencia as escolas de improviso, as escolas funcionais e as escolas monumento e afirma que estas últimas, também denominadas de grupos escolares, necessitam de investimento governamental. Nas imagens das escolas rurais de Pelotas, poderia estar imbuída a preocupação do poder local em demonstrar o investimento em construir escolas, até mesmo pelo fato de algumas destas estarem situadas em áreas de imigração. De acordo com a lógica da época, era preciso nacionalizar essas populações. Souza (1998), por sua vez, afirma que as escolas rurais viviam à sombra das urbanas e, apesar de sua necessidade, foram relegadas a segundo plano, sofrendo com a carência de materiais e recursos pedagógicos.
No que tange ao estado do RS, “[...] a instrução pública do Rio Grande do Sul não havia ainda identificado e diferenciado, com positividade e clareza, a escola rural” (Werle, 2005, p. 6). No município de Pelotas, percebemos uma divisão entre as escolas, em razão dos níveis diversificados de ensino. As escolas primárias estiveram divididas em três níveis: o básico, nas escolas isoladas; o médio, nas escolas ‘Piratinino de Almeida’ e ‘Barões de Santa Tecla’, ambas localizadas na zona periférica da cidade; o integral, nos dois grupos escolares urbanos: ‘Dr. Joaquim Assumpção’ e ‘Dona Maria Antônia’.
Nos discursos acerca das escolas no município, o intendente mencionava a ‘coexistência de diferentes tipos de escolas’, bem como a diferenciação nas séries ofertadas em cada um desses estabelecimentos educacionais. De acordo com os relatórios, os grupos escolares ministrariam o ensino em quatro séries e as aulas isoladas, em duas séries; somente um grupo escolar urbano desenvolveria todo o programa em cinco séries. Diante disso, restam algumas dúvidas quanto ao que era realizado na prática e quanto ao modo como as escolas estruturavam o ensino na época. No entanto, o que fica claro é a distinção entre os tipos de escolas, com destaque para o fato de que as seriadas estariam em melhores condições do que as multisseriadas.
É perceptível e identificável a diferença do ensino nos grupos escolares rurais e nos grupos escolares urbanos, diferença essa que também se refletia no espaço físico. Os grupos escolares rurais eram construídos de modo mais simples que os grupos escolares urbanos. A esse respeito, é importante registrar que cada município do estado do Rio Grande do Sul orientou a criação e a construção dessas escolas de acordo com as características e peculiaridades locais e regionais, não se tratando, portanto, de um movimento uniforme no que tange à arquitetura escolar das escolas rurais. Ávila (2013) salienta que, ao longo da Primeira República, as instituições escolares do meio rural receberam diversas denominações nos diferentes estados brasileiros.
Na próxima seção, analisaremos as imagens e a planta baixa à luz das reflexões teóricas sobre cultura e instituição escolar bem como o papel desempenhado pela arquitetura escolar na história das instituições educativas. Apresentaremos as imagens das escolas e problematizaremos esses espaços denominados pela administração municipal de grupo escolar rural.
A arquitetura das escolas rurais: análise das fotografias
Para refletirmos sobre o uso de fotografias em pesquisas históricas, buscamos apoio em Burke (2004), para quem “[...] historiadores, da mesma forma que fotógrafos, selecionam que aspectos do mundo real vão retratar [...]” (Burke, 2004, p. 27). É possível perceber, assim, que a fotografia é uma representação, já que quem fotografou escolheu uma maneira para fazer isso. No caso das imagens divulgadas pelo poder público municipal ora analisadas, nota-se uma intenção ao fotografar essas edificações rurais. Por exemplo, não se encontram imagens internas das escolas.
De acordo com Abdala (2013, p. 113), “[...] a produção de imagens fotográficas escolares é ampla e em profusão, acumulam-se muitas imagens e diversificam-se as possibilidades temáticas acompanhando a diversificação da cultura escolar e de suas práticas”. Nas imagens analisadas neste artigo, a temática ressaltada é a da arquitetura escolar.
Para Mauad (1996, p. 8), “[...] a fotografia é uma fonte histórica que demanda por parte do historiador um novo tipo de crítica. O testemunho é válido, não importando se o registro fotográfico foi feito para documentar um fato ou representar um estilo de vida”. Assim como nas outras tipologias de fontes, é necessário problematizar esses documentos, entendendo que as imagens representam algo:
[...] A fotografia - para ser utilizada como fonte histórica, ultrapassando seu mero aspecto ilustrativo - deve compor uma série extensa e homogênea no sentido de dar conta das semelhanças e diferenças próprias ao conjunto de imagens que se escolheu analisar. Nesse sentido o corpus fotográfico pode ser organizado em função de um tema [...] (Mauad, 1996, p. 10).
Conforme mencionamos, as características físicas dos prédios escolares são o tema do conjunto de imagens que iremos analisar e, com base nelas, faremos uma comparação entre as edificações urbanas e as rurais. Na medida do possível, também discutiremos a nomenclatura das instituições escolares situadas no meio rural. Consideramos importante ainda pensar nas denominações dessas instituições escolares nas áreas rurais: escolas multisseriadas, escolas isoladas, grupo escolar rural e escolas rurais. A variação das nomenclaturas pode ser uma característica local das diferentes regiões do país ou pode representar os diferentes tipos de instituição - o que percebemos, entretanto, é que esses nomes são utilizados como sinônimos na referência às escolas não localizadas na área urbana.
As escolas isoladas, situadas no meio rural, receberam diversas denominações, conforme os setores a que estiveram ligadas: escolas religiosas, escolas étnicas, escolas nas fazendas, escolas nas casas dos professores e escolas públicas. Todas eram escolas isoladas que ministravam o ensino na modalidade multisseriada.
No Rio Grande do Sul, em razão da imigração, surgiram várias escolas étnicas ligadas a esses grupos, as quais, durante muito tempo, atenderam as populações locais. Onde o poder público não instalava escolas, a comunidade cumpria essa função.
Luchese e Kreutz (2012, p. 69), ao tratar das escolas na área de imigração italiana na região serrana do estado, também afirmam que as escolas situadas na zona rural eram diferenciadas das urbanas.
Portanto, podemos reiterar que o ensino pensado para a área rural e urbana foi diversificado e que essa diferença pode ser notada nos espaços físicos e na arquitetura escolar.
Sobre a formação histórica do município de Pelotas, é importante destacar que a área foi destinada à pecuária e ao latifúndio. Nesse espaço, foram recebidos os imigrantes que formaram as colônias do município, nas quais foi necessária a criação de escolas. Algumas delas são analisadas neste artigo.
Em sua constituição histórica e econômica, em um primeiro momento, a cidade de Pelotas esteve centrada na economia saladeril (produção de charque), o que favoreceu a formação de uma aristocracia urbana. As estâncias localizavam-se próximo ao Arroio Pelotas, de forma que, em outras regiões do município, algumas terras ficaram ociosas por não serem, muitas vezes, apropriadas à pecuária (Ullrich, 1999)5. Dessa forma, a fim de lhes dar um destino, os proprietários demarcaram lotes para ser vendidos. Essas terras estavam situadas majoritariamente na chamada Serra dos Tapes (Anjos, 2000).
Assim, no final do século XIX, Pelotas recebeu imigrantes de diversas etnias, de forma que algumas das escolas criadas na zona rural estavam localizadas em regiões de colonização imigratória. De forma geral, esses grupos oriundos da imigração ocorrida em fins do século XIX valorizavam os assuntos educacionais, o que torna possível que a criação de escolas pelo poder público municipal se devesse a certa cobrança por parte dos grupos rurais de imigrantes.
Conforme exposto, as escolas rurais eram construídas com um modelo diferenciado do das escolas urbanas e, assim, os aspectos arquitetônicos eram diversos para cada um dos tipos de instituição. De nosso ponto de vista, analisar a história das instituições educativas implica compreender o ciclo vital das instituições, do qual fazem parte a arquitetura, os agentes- docentes, alunos e pessoal destinado ao apoio - e as questões pedagógicas. Consideramos que as formas de organização arquitetônica auxiliam a entender a constituição das instituições escolares, como propõem Werle, Brito e Colau (2007).
De acordo com Magalhães,
Conhecer o processo histórico de uma instituição educativa é analisar a genealogia da sua materialidade, organização, funcionamento, quadros imagéticos e projetivo, representações, tradição e memórias, práticas, envolvimento, apropriação [...](2004, p. 58).
Ou seja, para analisar a história das instituições educativas, é necessário observar a arquitetura, a materialidade e o espaço escolar. Magalhães (1999, p. 37) indica três direcionamentos para se analisar a história das instituições educativas e um deles é a materialidade, que abrange: “[...] condições materiais, espaços, tempos, meios didácticos e pedagógicos [...]”.
Analisando as escolas isoladas do estado do Rio Grande do Sul, Gil (2015) afirma que, além de ser numerosas, elas existiram por um longo período de tempo. Ao averiguar a documentação oficial do estado, a autora lembra que as escolas isoladas eram defendidas como aquelas que iriam dar educação à população da zona rural.
Segundo Faria Filho e Vidal (2000), o planejamento das escolas rurais era de construções simples, sem que houvesse um padrão definido que as orientasse. Existiam apenas alguns requisitos básicos um exemplo é que, além da escola, houvesse um espaço para a residência do professor.
Retomando a discussão acerca do uso de imagens como fonte para a pesquisa, mencionamos Mauad e Lopes (2014, p. 283), para os quais “[...] as imagens são ricas e, por vezes, podem parecer comunicar mais do que se quer mostrar”.
As imagens despertam julgamentos estéticos e críticas filosóficas, sempre articulados com as culturas dos que as produzem e de seus leitores, seja no processo histórico que caracterizou o tempo de sua criação e circulação, seja no tempo em que elas se tornam fontes e documentos para os estudos dos autores aqui reunidos. Os meios pelos quais elas circulam redefinem seus usos, funções e significados (Mauad & Lopes, 2014, p. 283).
De acordo com Bencostta (2011), nas pesquisas, é bastante comum o uso de fotografias meramente ilustrativas. Para o autor, as imagens das instituições escolares constituem um testemunho das escolas e revelam como essas instituições eram concebidas.
Enfim, entendendo o potencial do uso de imagens como fonte de pesquisa, analisamos, neste artigo, aspectos da arquitetura dos prédios escolares rurais públicos, relacionando-os com as orientações contidas nos relatórios da Intendência para a construção de tais instituições. Ressaltamos que não se trata, contudo, de uma análise específica dos aspectos arquitetônicos que aparecem nas imagens escolares; pretendemos também verificar a planta baixa que consta nesses mesmos documentos, devendo servir de orientação para a construção dos referidos prédios.
Reiteramos que, nos relatórios do intendente Augusto Simões Lopes, foram reproduzidas muitas imagens como propaganda de sua administração, tais como pontes e prédios públicos.Destacamos, ao mesmo tempo, que o grupo de fotografias referentes aos grupos escolares rurais constituía maior parte dessas imagens(Oliveira, Tambara & Amaral, 2009).
Percebeu-se que a propaganda foi um dos marcos principais dessa gestão, centrada principalmente no ensino primário e que o grupo de fotografias que envolviam temas referentes a esse era uma característica bastante inovadora entre os governantes municipais (Oliveira, Tambara & Amaral, 2009, p. 110).
Essas fotografias escolares podem ter sido inseridas nos relatórios para demonstrar a arquitetura da escola, bem como o seu entorno, tendo em vista que, nesse período, fazia-se uma relação entre a arquitetura escolar e as condições de higiene (Oliveira, Tambara & Amaral, 2009). Além disso, serviam para propagandear o governo e a administração do intendente.
Com base na leitura dos relatórios da Intendência, foram encontradas 17imagens6. No relatório do ano de 1925, foi publicada a imagem da fachada e da planta baixa sugerida para servir de modelo à construção das escolas rurais (Figura 1).

Fonte: Relatório da Intendência... (1925).
Nessa imagem, consta uma referência ao grupo escolar rural. Diante disso, começamos a interrogar essa expressão, visando compreender o que seriam essas instituições. Teriam as mesmas características dos grupos escolares urbanos? De que modo se diferenciavam das nominadas escolas isoladas? Eram uma especificidade do município? Todas as escolas eram construídas nesse modelo? O que orientava a construção e a característica física desses espaços? Tais foram algumas das indagações que apresentamos para esta discussão, pois, conforme Mauad (1996, p. 10), “[...] a imagem não fala por si só; é necessário que as perguntas sejam feitas”.
Como procuramos mostrar, essas escolas, construídas após o ano de 1925 no meio rural, não eram similares às edificações da área urbana. Em matéria divulgada pelo jornal Diário Popular (1941),foi noticiado um desfile escolar em homenagem ao presidente Getúlio Vargas, sendo mencionadas algumas dessas escolas, dentre as quais a ‘Piratinino de Almeida’ e a ‘Bibiano de Almeida’, referidas como Grupo Escolar.
Em outra reportagem, foi noticiada a exposição dos trabalhos realizados por diversos grupos escolares (Diário Popular, 1939b). É significativo que, nessa matéria, as escolas ‘Dona Maria Antônia’, ‘Ministro Fernando Osório’ e ‘Jacob Brod’ foram identificadas como grupos escolares, embora fossem escolas isoladas. “O Intendente Municipal Augusto Simões Lopes, durante sua gestão (1924 a 1928), utiliza a expressão grupo escolar rural para se referir às escolas isoladas no interior, termo reproduzido pelo jornal” (Castro, 2016, p. 7).
Na figura presente no relatório de 1925 (Figura 1), descrita como modelo para a construção dos grupos escolares rurais, percebemos a diferença entre essas construções e as dos grupos escolares localizados na área urbana, já que os últimos se destacavam pela suntuosidade do edifício bem como por suas instalações internas. Notamos, também, que, na planta baixa contida na imagem, está previsto o espaço para uma casa, destinada provavelmente a ser a residência do professor, já que, na época,este residia na escola rural ou próximo a ela.
Como não existem imagens internas das edificações construídas durante o governo do intendente Augusto Simões Lopes, não é possível observar se, em todas as construções, havia espaço para a residência do professor. Entretanto, uma delas, a ‘Escola Garibaldi’, possuía essas instalações (perto da escola e não no mesmo prédio), nas quais o professor residia com sua família, o que garantiu sua permanência7 na instituição por muitos anos. Werle (2005) afirma que o espaço externo do prédio das escolas rurais deveria ser dotado de um local para a residência do professor, contribuindo, assim, para a estabilidade, a permanência e o desenvolvimento da educação rural.
Com base nisso, buscamos estabelecer uma comparação entre a imagem encontrada no relatório de 1925 e as fotografias de escolas encontradas nos relatórios dos anos seguintes. As 17 imagens estão distribuídas da seguinte maneira nos relatórios: quatro no Relatório da Intendência de 1926 (‘15ª escola isolada’, ‘Barão de Santa Tecla’, ‘17ª escola isolada’ e ‘Piratinino de Almeida’); uma imagem no Relatório da Intendência de 1927 (‘Mauá’) e doze imagens no relatório de 1928 (‘Alvaro Berchon’,‘Dona Maria Antônia’,‘Jacob Brod’,‘Bernardo Taveira Júnior’,‘Garibaldi’,‘Ministro Fernando Osório’,‘Barão do Arroio Grande’,‘Bibiano de Almeida’,‘Rafael Brusque’ e‘João da Silva Silveira’).
Observamos que essas instituições educativas receberam algumas denominações: ‘typo rural’, ‘typo de escola rural’, ‘typo challet rural’, ‘typocolonial’ e ‘escola isolada’. Tais denominações foram utilizadas pelo intendente para diferenciar os tipos de instituições - com base nelas guiaremos a análise.
Primeiramente, é importante reiterar que, na imagem de 1925, consta uma planta baixa de como deveriam ser construídas as escolas rurais. Nesse sentido, um de nossos objetivos é analisar se essas escolas foram construídas conforme esse modelo ou não, bem como problematizar os motivos para isso. A respeito do conjunto de 17 imagens, podemos afirmar que cinco desses estabelecimentos educacionais situavam-se em bairros afastados do centro urbano e, com isso, suas edificações ganhavam alguns elementos não presentes nas escolas rurais. Dessas cinco escolas, três foram construídas com uma arquitetura próxima à do modelo de 1925.
Portanto, algumas escolas rurais foram construídas de acordo com o modelo presente no relatório de 1925, mas outras não. Nesse sentido, fica a indagação sobre o motivo de apenas algumas escolas terem sido construídas de acordo com essa orientação e sobre os fatores que influenciaram essa diferenciação.
Analisemos primeiramente as cinco escolas cuja arquitetura é semelhante à prevista na planta baixa. Algumas recorrências podem ser observadas nas imagens: todas as cinco instituições escolares construídas conforme o modelo são do mesmo ano (1928), e, na descrição do tipo escolar, o intendente refere-se a ‘typo rural’ ou ‘typo de escola rural’. Nas demais imagens, em que as escolas não seguem o modelo previsto, estas são chamadas pelas nomenclaturas de ‘typo colonial’, ‘typochallet rural’ e ‘escola isolada’. Dessa forma, permanece a interrogação acerca do que orientava esse processo de construção das escolas rurais no que diz respeito às suas edificações. Oliveira (2005) esclarece que algumas delas foram instaladas em prédios adaptados, o que poderia explicar a diferença na arquitetura: os prédios criados para outras finalidades e depois adaptados para escolas naturalmente não seguiriam o modelo previsto.
Em face desses ‘typos’ de escolas rurais, podemos abordar alguns aspectos da arquitetura escolar. Em primeiro lugar, existe um elemento constante em todas as imagens analisadas: os prédios apresentam um grande número de janelas, o que corresponde à tentativa de criar espaços arejados, conforme uma preocupação característica da época republicana, já mencionada: o higienismo nas construções escolares. Esse assunto é frequente nos discursos do intendente Augusto Simões Lopes, a exemplo do que consta em um deseus relatórios: “Desde o primeiro anno de administração cuidei de estudar e agir no sentido de disseminar a construcção de prédios escolares com installações adequadas, sob o ponto de vista pedagógico e hygienico” (Relatório da Intendência..., 1928, p. 13).
Outra recorrência é o privilégio dado pelas fotografias (ou pelos fotógrafos) à fachada dos prédios escolares. Como não existem imagens que mostrem o interior desses espaços, nem alunos e professores, deduz-se que o objetivo era destacar a parte externa dos prédios escolares rurais e um dos motivos disso estaria relacionado à intenção subjacente à colocação de tais imagens nos relatórios: mais do que as instalações internas, o que se queria demonstrar era que, naquela intendência, tinham sido criadas tais instituições.
Como já foi mencionado, cinco escolas estavam situadas em áreas periféricas da cidade, isto é, em bairros afastados do núcleo (centro) urbano, razão pela qual eram consideradas rurais e atuavam na modalidade multisseriada.Hoje, em razão da expansão da cidade, essas instituições escolares estão no meio urbano; porém, quando foram construídas, caracterizavam-se como um meio-termo entre o urbano e o rural. Assim, as edificações se caracterizavam da mesma forma: não eram iguais aos grupos escolares urbanos, mas eram maiores que as escolas localizadas no meio rural e distantes da cidade. Essas edificações eram cercadas por muros, algo que quase não ocorria no meio rural, e, conforme podemos inferir pelas imagens, eram maiores que as escolas rurais, sendo construídas, entretanto, com apenas o andar térreo. O tamanho da edificação de uma das escolas (‘Piratinino de Almeida’, situada no Bairro Areal) permite pensar que o ensino não ocorria na modalidade multisseriada. Outras duas (‘Barão do Arroio Grande’ e ‘Alvaro Berchon’)- hoje situadas na cidade de Capão do Leão, município emancipado de Pelotas - também apresentamos aspectos das escolas localizadas em bairros periféricos da cidade.
Ao observar os vários tipos escolares, percebemos, além das similaridades descritas, algumas diferenciações; por exemplo, as escolas construídas semelhantemente ao modelo contido no relatório de 1925, denominadas de ‘typo de escola rural’ e ‘typo rural’, apresentavam mais detalhes arquitetônicos na fachada do que as escolas chamadas de ‘isoladas’ e ‘typo challet rural’.Entretanto,notamos que as escolas denominadas de ‘typo challet rural’ eram maiores do que as construídas conforme o modelo de 1925. Nestas, observamos que na fachada há algo escrito e, embora não seja possível identificar do que se trata, inferimos que seja o nome da instituição.Em alguns casos, as instituições recebiam o nome de algum membro destacado da elite pelotense da época que tinha contribuído financeiramente para sua construção, ou seja, essa era uma forma de homenageá-lo.
A seguir, a Figura 2 mostra a diferença arquitetônica de cada um dos tipos de escolas construídos. A Escola ‘Alvaro Berchon’ aparece nos relatórios como ‘typo de escola rural’, a Escola ‘Ministro Fernando Osório’ é denominada como ‘typo de challet rural’ e as escolas ‘João da Silva Silveira’ e ‘15ª Escola Isolada’ aparecem como ‘escolas isoladas’. Assim, a Figura 2A refere-se ao ‘typo de escola rural’, a Figura 2B registra a ‘escola isolada’, a Figura 2C representa o ‘typo challet rural’ e a Figura 2Dfaz referência à ‘escola isolada’.

Fonte: Relatórios da Intendência... (1927, 1928).
Podemos identificar que as escolas construídas segundo o modelo de 1925 eram as do ‘typo rural’ e ‘typo de escola rural’, todas possuindo um aspecto muito similar, tal como aparece na Figura 2A. A escola da foto 2A - ‘Alvaro Berchon’ -, por estar situada em um bairro da cidade, é acrescida de muro, elemento que não aparece nas escolas da zona rural.
Outro aspecto interessante a ser observado nas imagens é a presença de mastros para colocação de bandeiras em algumas das edificações. Esses símbolos são característicos do projeto de nacionalização, já se fazendo presentes nessa época, embora o período mais forte da nacionalização tenha sido nos anos 1930. Tendo em vista que algumas dessas instituições estavam situadas em regiões de imigração, onde as políticas nacionalistas tiveram maior impacto, era necessário que as escolas possuíssem esses símbolos, a fim de demonstrar o cumprimento de tais políticas.
Nesse sentido, podemos pensar que a funcionalidade das construções das instituições educativas estava relacionada com o que se pensava para o ensino na época. As escolas rurais eram construídas em um modelo menor e mais simples do que as urbanas, em razão da menor importância conferida às regiões rurais.
Entendemos, assim, que as edificações escolares, especialmente as destinadas às escolas rurais, conformavam-se ao que se pensava para o ensino nessas áreas e, consequentemente, para cada uma das instituições: urbanas ou rurais. Essa diferença manifestava-se materialmente nos prédios e na suntuosidade dos grupos escolares urbanos, que diferiam dos ‘pardieiros’8 rurais, conforme pode ser percebido nas imagens a seguir (Figura 3) relativas a um grupo escolar urbano (‘Grupo Escolar Dr. Joaquim Assumpção’) e a um grupo escolar rural (‘Escola Garibaldi’).

Fonte: Relatório da Intendência... (1927, 1928).
Com base nessas imagens, percebemos nitidamente a divergência entre esses dois tipos de instituições de ensino tanto no tamanho quanto na forma. Os grupos escolares localizados no espaço urbano possuíam um espaço físico maior, os prédios eram mais suntuosos e as fachadas apresentavam mais ornamentos do que nas escolas rurais. A diferença na arquitetura mostra, também, uma diferenciação na modalidade de ensino. As escolas rurais ocorriam na modalidade multisseriada, possuindo, em alguns casos, dois turnos, um pela manhã e outro pela tarde, de modo que os alunos ficavam na mesma sala de aula e eram atendidos por um único professor. Já, na cidade, o ensino ocorria na modalidade seriada, requerendo um espaço físico maior. No que diz respeito às instalações sanitárias das instituições rurais, de acordo com o modelo proposto pela intendência, estas ficariam no espaço destinado para a casa do professor e não no ambiente da escola; já, no meio urbano, obviamente, a escola era provida dessas instalações. Tais considerações denotam o que já foi mencionado sobre a valorização do ensino no meio urbano em comparação ao meio rural: coexistiam dois tipos de escolas primárias, os grupos escolares urbanos, dotados de melhores instalações e condições para o ensino, e as escolas isoladas, cuja precariedade era maior (Souza, 1998).
No que se refere à expressão grupo escolar rural, encontrada nos relatórios, percebemos como uma forma de propaganda do intendente municipal. Ademais, as escolas construídas nesse modelo eram chamadas de ‘typo rural’ e ‘typo de escola rural’, apresentando em suas fachadas um maior número de elementos arquitetônicos em relação aos demais modelos, o que poderia ser uma tentativa de aproximação com os conhecidos grupos escolares urbanos.
Considerações finais
Este artigo teve como objetivos analisar e discutir aspectos da arquitetura dos grupos escolares rurais construídas no município de Pelotas durante a década de 1920. A análise foi realizada com base em um conjunto de 17 imagens, presentes nos relatórios municipais do intendente Augusto Simões Lopes sobre a construção dos prédios escolares rurais.
No relatório de 1925, onde consta o modelo para a construção de escolas rurais, o intendente refere-se ao grupo escolar rural. De nossa perspectiva, essa referência foi uma forma de propaganda de sua administração, visto que tais escolas não foram construídas no mesmo modelo que os grupos escolares urbanos. Estes tinham o ensino organizado na modalidade seriada, de forma que suas edificações eram maiores e mais suntuosas do que das escolas rurais, que ocorriam na modalidade multisseriada.
Conforme procuramos demonstrar, no final do período monárquico e início do republicano, a escola pública primária passou a ser pensada com base em princípios civilizatórios, higienistas, políticos e sociais, ou seja, correspondia à necessidade de instruir o povo. Nesse contexto, os grupos escolares apresentavam-se como lugares com as condições ideais para a execução dessa nova concepção de educação, e as cidades, como o espaço privilegiado para a instalação desses grupos. Entretanto, nos termos de Souza (1998), no meio rural, não foram implantados esses ‘templos do saber’; havia, portanto, um descompasso entre a construção dos estabelecimentos educacionais do meio rural e as dos do meio urbano.
O município de Pelotas não se encontrava dissociado desse cenário. No período de tempo analisado, década de 1920, conforme podemos observar nos relatórios da Intendência Municipal, as instituições educativas construídas pelo poder público distinguiam-se de acordo como meio. Inferimos, assim, que o intendente Augusto Simões Lopes, ao utilizar a expressão grupo escolar rural, fizesse isso como uma maneira de propagandear o seu governo, sendo esta uma de suas características políticas, como afirma Oliveira (2005).
Ao analisar as imagens presentes nos demais relatórios, comparando-as com a imagem da planta baixa contida no relatório de 1925 com o fim de orientar a elaboração das escolas rurais, sinalizamos que a maioria dessas instituições não foram construídas conforme o padrão denominado de grupo escolar rural. Além disso, havia os ‘tipos escolares’ - como demarcamos, as escolas concebidas de acordo com o modelo proposto no relatório de 1925eram nominadas de ‘typo rural’ ou ‘typo de escola rural’, enquanto que os demais tipos escolares não seguiam o modelo. Não existia, assim, uma diferença marcante quanto ao modelo que serviria para as escolas da zona rural propriamente dita e para as escolas estabelecidas em bairros afastados no centro da cidade: em ambos os lugares, havia instituições que seguiam e que não seguiam a orientação do relatório de 1925. A esse respeito, percebemos apenas alguns itens nas escolas suburbanas não existentes nas rurais, como, por exemplo, a presença de muros cercando as instituições situadas nos bairros.
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Notas
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