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Escritas que cruzam o tempo: dos diários de classe aos cadernos de anotações da Professora Maria Franca Pires (Juazeiro, 1957-1985)
Iracema Campos Cusati; Mário Ribeiro dos Santos; Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Iracema Campos Cusati; Mário Ribeiro dos Santos; Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Escritas que cruzam o tempo: dos diários de classe aos cadernos de anotações da Professora Maria Franca Pires (Juazeiro, 1957-1985)
Written crossing time: class daily to notebooks of Teacher Maria Franca Pires (Juazeiro, 1957-1985)
Los escritos que cruzan el tiempo: de los registros de clase y los cuadernos de apuntes de la Maestra María Franca Pires (Juazeiro, 1957-1985)
Revista Brasileira de História da Educação, vol. 17, núm. 4, pp. 256-289, 2017
Sociedade Brasileira de História da Educação
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Resumo: Neste artigo, analisam-se aspectos das memórias educativa, cultural e social do município de Juazeiro-BA, tomando como fontes de pesquisa dois cadernos e um diário de classe produzidos pela professora Franca Pires e alunos no período entre as décadas de 1950 e 1980. Com base em tais documentos,podem-se construir interpretações acerca da educação em diferentes momentos históricos, bem como apreender um conjunto de situações, fatos e experiências singulares do cotidiano escolar. O estudo suscita discussões teórico-metodológicas que transitam nas áreas de história da educação e história cultural e põe em evidência a multiplicidade de temas e de possibilidades de pesquisa e produção de conhecimento no âmbito dos arquivos pessoais.

Palavras-chave: Maria Franca PiresMaria Franca Pires,história da educaçãohistória da educação,história culturalhistória cultural,cadernos de anotaçõescadernos de anotações,diários de classediários de classe.

Abstract: In this article, we analyze aspects of educational memory, cultural and social development of the municipality of Juazeiro-BA, taking as a source of research two notebooks and a class journal produced by Professor Franca Pires and students, in the period that includes the 1950s and 1980. These documents allow you to build interpretations about education in different historical moments and seize them a number of situations, facts and unique experiences of everyday school life. The study raises theoretical and methodological discussions transiting in the areas of education history and cultural history, putting in evidence the multiplicity of themes and possibilities of research and knowledge production in the framework of personal files.

Keywords: Maria Franca Pires, history of education, cultural history, notebooks, diaries class.

Resumen: En este artículo, se analizan aspectos de las memorias educativa, cultural y social del municipio de Juazeiro-BA, teniendo como fuente de investigación dos cuadernos y un registro de clase producidos por la maestra Franca Pires y los alumnos, en el período que comprende las décadas de 1950 y 1980. Estos documentos permiten construir interpretaciones acerca de la educación en diferentes momentos históricos, así como comprender una serie de situaciones, hechos y experiencias únicos del cotidiano escolar. El estudio plantea discusiones teórico-metodológicas que transitan en las áreas de historia de la educación e historia cultural y pone en evidencia la multiplicidad de temas y posibilidades de investigación y producción de conocimiento en el ámbito de los archivos personales.

Palabras clave: Maria Franca Pires, historia de la educación, historia de la cultura, cuadernos, registro de clase.

Carátula del artículo

ARTIGOS

Escritas que cruzam o tempo: dos diários de classe aos cadernos de anotações da Professora Maria Franca Pires (Juazeiro, 1957-1985)

Written crossing time: class daily to notebooks of Teacher Maria Franca Pires (Juazeiro, 1957-1985)

Los escritos que cruzan el tiempo: de los registros de clase y los cuadernos de apuntes de la Maestra María Franca Pires (Juazeiro, 1957-1985)

Iracema Campos Cusati
Universidade de Pernambuco, Brazil
Mário Ribeiro dos Santos
Universidade de Pernambuco, Brazil
Virgínia Pereira da Silva de Ávila
Universidade de Pernambuco, Brazil
Revista Brasileira de História da Educação, vol. 17, núm. 4, pp. 256-289, 2017
Sociedade Brasileira de História da Educação

Recepção: 28 Outubro 2016

Aprovação: 12 Junho 2017

Introdução

A escrita de um texto envolve várias passagens do autor pelo mundo. No caso deste artigo, três autores - com vivências diferentes - compartilham de experiências de trabalho e refletem sobre a necessidade de os arquivos serem pensados como lugares de pesquisa e de produção de conhecimentos. Dessa forma, podem se aproximar de outras formas de saber e fazer, de outras histórias, de contextos socioeconômicos, políticos, culturais e educacionais gestados em temporalidades diversas.

Por que visitar arquivos? Quais suas implicações na formação dos estudantes dos cursos de licenciatura, em especial os de História, Matemática e Pedagogia? Se partirmos do pressuposto de que os arquivos são lugares guardiões de memórias, mediadores de múltiplos sentidos na história, muitos serão os caminhos para as possíveis respostas a tais provocações. Em contato com o acervo, dialogando com as fontes,os estudantes/pesquisadores têm a possibilidade de questionar e criar novos saberes, bem como de romper com a visão linear e etapista da história, relativizar suas verdades e problematizar conceitos na maioria das vezes naturalizados nos livros e em outros suportes didáticos.

Nas próximas páginas, refletiremos sobre o Acervo Maria Franca Pires (AMFP),1 localizado no Departamento de Ciências Humanas III, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB) - campus Juazeiro. O intuito é de tornar públicas as potencialidades de fontes que existem no local, sobretudo nas áreas de história da educação e história cultural. O acervo guarda um conjunto expressivo de fontes (cadernos, jornais, fotografias, certificados, entre outras), reunidas desde a década de 1950, quando do ingresso da professora Maria Franca Pires2 na carreira do magistério, até 1988, ano de sua morte.

A delimitação temporal compreende as décadas 1950 e 1980, período que marca o retorno de Maria Pires para Juazeiro, depois de quase uma década em Salvador, onde lecionou como professora primária da rede pública e atuou como diretora do Departamento Municipal de Cultura e Turismo e ainda como voluntária no Instituto Histórico e Geográfico em Juazeiro.

No Brasil, a década de 1950 representou um momento de avanços na área da educação, a exemplo da criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), por iniciativa de Anísio Teixeira, entre 1955 e 1956, e dos Centros Regionais3, instalados em São Paulo, Recife, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. Tais iniciativas governamentais possibilitaram, como chamam atenção Xavier (1999) e Cunha (2004), o surgimento de um debate sobre o sentido da pesquisa científica no campo da educação, com repercussão nos estados e municípios e, consequentemente, na implementação de políticas públicas para o setor.

Passados 30 anos, o país se distanciou dos ideais forjados na década de 1950. O início dos anos 1980 foi marcado por intensa agitação social. A situação educacional resultante das reformas instituídas pela ditadura militar (1964-1985) logo se tornou alvo da crítica dos educadores, que se organizavam cada vez mais em associações de diferentes tipos. Vários movimentos sociais e políticos reivindicavam novos rumos para o país exigindo melhores condições de trabalho e de salário, mas, sobretudo, eleições livres e diretas.

É nesse entrecruzamento de diferentes tempos, nos quais o Brasil foi marcado por contextos históricos singulares, que inserimos a escolha de 3 dos 27 cadernos de anotações e diários de classe encontrados no Arquivo Maria Franca Pires.4Nos cadernos estão registradas experiências diversas da professora: memórias da infância, morte prematura da mãe, trajetória no colégio de freiras Maria Auxiliadora, período de magistério em Salvador, pautas de reuniões, planos de aula, registros de atividades, perseguições políticas em Remanso (BA), observações de suas andanças em cidades ribeirinhas, entrevistas com integrantes e lideranças de grupos culturais, entre outros relatos colhidos entre os diversos personagens dos municípios do semiárido brasileiro, especialmente de Juazeiro (BA).5 Tais anotações contêm indícios que nos aproximam de diferentes contextos (político, sociocultural) da cidade de Juazeiro e regiões circunvizinhas e possibilitam a produção de novos saberes pautados nas vivências de Maria Pires nos campos da educação, da política e da cultura. Para a análise, foram selecionados especialmente três cadernos.

O de número 6, porque contém os registros da professora referentes à implantação do Instituto Histórico e Geográfico de Juazeiro em 1984, além de relatos de festas religiosas, expressões culturais populares, trechos de músicas e entrevistas com integrantes de grupos culturais, entre outras anotações que nos possibilitamentender as festas populares em Juazeiro em sua complexidade, contrariando padrões culturais hegemônicos disseminados no Brasil a partir dos acontecimentos pós-64.6

O caderno número 8, datado de 1971, porque nos oferece a possibilidade de compreender as concepções de ensino e as estratégias adotadas em relação à matemática escolar e às orientações veiculadas por obras e autores influenciados pelo ideário do Movimento da Escola Nova.

Por fim, o caderno Diário de Classe número 15, de 1957, porque nos oferece a possibilidade de refletirmossobre os modos de organização das atividades escolares e do controle do tempo nele evidenciados.

Ternos, batuques e sambas: a polissemia do festejar nos manuscritos de Franca Pires

As práticas festivas em Juazeiro e cidades da vizinhança no século XX atravessam as 293 páginas do caderno de número 6, escrito pela professora Maria Franca Pires entre 28 de novembro de 1984 e 26 de fevereiro de 1985. O Carnaval, o Samba de Véio, os Ternos de Reis e as práticas ritualísticas ligadas à cultura afro-brasileira chamam nossa atenção para esse caderno, que contém informações minuciosamente narradas pela professora.

Os assuntos neles abordados não são encontrados nos textos jornalísticos e nos materiais didáticos do período em análise. São particularidades que fazem sentido somente para os integrantes dos grupos entrevistados que protagonizam tais práticas e os estudiosos no assunto. Maria Pires foi uma dessas pessoas que se interessam pelo registro de temas não visibilizados pela história oficial, ‘que dormem nas ruas’, para utilizar uma expressão de Certeau (2008), nos becos e nas praças de centenárias cidades brasileiras, a exemplo de Juazeiro.

Nos anos 1980, Maria Pires assistia às mudanças aceleradas do tempo sobre a cidade e os hábitos dos seus moradores. Os passeios pelas ruas do centro histórico, o Carnaval de rua, as conversas nas portas das casas ficaram apenas nas lembranças dos mais velhos. Os momentos de reinvidicações protagonizados pelas entidades de classe, pelos sindicatos e por outros representantes da sociedade civil movimentavam a vida urbana do país, que lutava pela liberdade de expressão política e cultural depois de um longo período de censura oficial.

Foi nesse contexto de efervescentes mudançasque o prefeito e seu ex-aluno, Jorge Khoury,a convidaram para coordenar os trabalhos de implementação de um espaço de memória em Juazeiro, o Instituto Histórico e Geográfico7. As anotações de Franca Pires seriam a base da documentação do Instituto, que abrigaria um acervo diversificado com temas que transitavam entre as áreas de educação, história, geografia e cultura.

Entre os registros de autoria da professora, selecionamos as anotações referentes ao Carnaval, por aparecerem com mais frequência nas páginas do caderno em análise. A impressão é de que os registros eram feitos à medida que as informações chegavam, haja vista que não encontramos sessões sobre temas específicos nos cadernos. O Carnaval emerge junto a conteúdos de aulas ministradas, informações sobre o cotidiano escolar e outras festividades vivenciadas na cidade, a exemplo das procissões dos santos católicos.

Desse modo, entre um registro e outro sobre as festividades de Momo8, mesmo considerando que “[...] o gozo e a risada fugazes que provocou em sucessivas gerações sejam irrecuperáveis” (Cunha, 2001, p. 14-15), destacamos três passagens para problematizar.

Na primeira, a autora faz referência às comemorações de 1914, certamente porque leu as informações em alguma fonte ou ouviu dos seus entrevistados, identificando que naquele ano os estandartes9 das agremiações Filhos do Sol e Embaixadores de Veneza se encontraram na frente da igreja de Nossa Senhora das Grotas, em Juazeiro-BA (Caderno, 1984-1985, p. 11). Embora o enredo pareça familiar (o encontro de agremiações carnavalescas), esse acontecimento ainda pode revelar muitas surpresas. É preciso investigar com mais afinco o que há embaixo das camadas de confetes grudadas no chão que o varredor das ruas, em sua ressaca momesca, deixou como vestígios de um tempo de folia.

Informações adicionais sobre esse acontecimento não aparecem no caderno, mas seus indícios podem ser encontrados no cruzamento com outras fontes, a exemplo dos periódicos da época e dos escritos dos memorialistas da região. Independentemente do que encontramos nos relatos, o lugar citado pela professora diz respeito ao largo da Igreja Matriz, principal lugar de sociabilidade da região no tempo em análise, quando as interações sociais se intensificaram e foram ativadas pelos diferentes usos dos espaços em uma mesma celebração. Era o momento de teatralização das coisas, quando os grupos, por meio de suas práticas, atribuíam significados singulares, particulares,à forma de se relacionar com o lugar.10

O segundo registro que nos chamou a atenção diz respeito à prática da brincadeira do entrudo em Juazeiro quando era comum ‘carregar as pessoas para dar banho no rio’ nos dias de folia. O entrudo é uma brincadeira de origem lusitana vivenciada no Carnaval: importada para o Brasil nos tempos de Colônia, foi aqui apropriada e resignificada.11Chegou a ser proibida no período Imperial, mas os sujeitos, contrários aos mandos da Coroa, criaram mecanismos para driblar o controle. São as táticas ou ‘as mil maneiras de caça não autorizadas’ das quais nos fala Certau (1994). Com isso, a brincadeira se espalhou pelo país e, consequentemente, foi minando as ordens e transgredindo o cotidiano. Ainda hoje é praticada nos subúrbios de algumas cidades brasileiras com outros sentidos, outros ‘ingredientes’ e com o nome de mela-mela.12

Um terceiro aspecto que merece destaque nos escritos sobre o Carnaval é uma cena de traição que ocorreu durante a festa nos anos 1960:

[...] no auge da animação, uma senhora casada percebeu que seu marido estava com um novo amor. E quando dançavam no salão, ele percebeu que sua mulher estava em suas costas para melhor se certificar sobre o romance e a namorada, na sua frente, totalmente entregue às alegrias carnavalescas. Afim de evitar o escândalo, ele começou a cantar para ela no ritmo da música tocada no momento: não olha não, meu bem, / pra que olhar / se eu não posso contigo me casar, / mas se, contudo, assim você quiser, / tome cuidado, que aí vem minha mulher (Caderno, 1984-1985, p. 216).

Tal fato é curioso para problematizar porque foge da maneira harmônica, alegre e lúdica com que a celebração é tratada pelos estudos assinados por folcloristas nos anos 1980. Em geral, as produções desses estudiosos apresentam o Carnaval sem uma reflexão sobre as diferentes funcionalidades que a festa desempenha entre os grupos sociais ou as relações que se estabelecem no seu interior, entre outros sentidos que movimentam sua existência. São trabalhos que necessitam de problematização diante da complexidade que o assunto agrega.

Trazer para o debate uma cena de traição no interior da festa no sertão baiano fugia aos conceitos e valores conservadores vivenciados pelas mulheres do tempo em que Franca Pires fez o registro. Trata-se da possibilidade de contar a história de outra perspectiva, trazendo à tona situações em desacordo com os códigos que definiam o universo cultural dominante na literatura sobre festas nos anos 1980.

Uma particularidade nos escritos da professora pode proporcionar outros contornos à história da região e revelar novos sujeitos e experiências: trata-se da referência à “[...] festada Jurema, realizada no dia 4 de agosto, e à dos Pretos Velhos, em maio, ambas organizadas por seu Didi - membro do Centro Espírita Amor, União e Caridade, na Santa Clara - Piranga” (Caderno, 1984-1985, p. 26-27). Essas comemorações estavam inseridas no calendário de comemorações religiosas dos seguidores da Umbanda e da Jurema Sagrada - práticas devocionais de matriz africana com significativas contribuições culturais indígenas e católicas, cultuadas em diversas cidades brasileiras, entre elas, Juazeiro - BA.

Mais uma vez, Maria Pires quebrou paradigmas, saindo do nível de generalidades com que a temática das festas e da cultura negra é tratada pelos pesquisadores. Não identificamos em nenhuma passagem do caderno expressões pejorativas que reduzissem as manifestações religiosas de matriz africana a práticas contrárias à ordem e à segurança do Estado, haja vista que analisamos uma época muito próxima de um período de intensas perseguições políticas e de proibições às práticas culturais populares; ao contrário, os sinais deixados pela pesquisadora revelam que, por meio das festas, novas possibilidades de relacionamento e de ordenamento social eram identificadas, o que amplia as possibilidades de produção historiográfica e - consequentemente - e de emergência de novos métodos de estudo e ensino.

Como exemplo desse campo fecundo de estudo da sociedade por meio do fenômeno da festa, destacamos outra referência da autora à cultura negra da região, dessa vez com informações sobre a forma de expressão característica da prática ‘Samba de Véio’ que acontece em diferentes épocas do ano, sobretudo nas festividades de Reis, em janeiro, e de Santo Antônio, em junho.13Chamam atenção nas anotações da pesquisadora versos dos sambas cantados nas apresentações, nomes de músicos, instrumentos utilizados, breves descrições das performances dos participantes, entre outras questões relevantes para inventariar tal prática. Segundo Maria Pires,

em 1933 começaram a organizar o Samba de Véio em Pilão. Não há número limitado de dançadores. As mulheres ficam em fila e os homens formam uma fila em frente. Quando começa a música, a fila dos homens dirige-se para a das mulheres, dá a umbigada e aí começa o sapateado. De início, as músicas começam a cantar e o pessoal entra em fila e se divide depois em duas filas. Os instrumentos: viola, cavaquinho, pandeiro, caixa, duas cabaças (maracás), maracachás (um cilindro de flandres cheio de pedrinhas), triângulo, tamborete. Hoje, viola e cavaquinho são elétricos. Na última apresentação, cobraram $10.000,00 (Caderno, 1984-1985, p. 90-91).

O depoimento da professora possibilita-nos entender o Samba de Véio para além dos momentos de dança e percussão: trata-se de uma forma de expressão viva, transmitida entre as gerações como uma prática do cotidiano, vivenciada em comemorações de aniversários, festas de padroeiros e outros santos do calendário católico. Tais manifestações ‘híbridas’ remetem ao pensamento de Nestor Canclini, sendo comumente encontradas na cultura da região, formada por diferentes contribuições étnicas, sobretudo africanas e ameríndias.

A inserção de instrumentos musicais elétricos na manifestação, conforme citado, é um indício de que as expressões culturais são dinâmicas. É preciso mudar para atender às necessidades dos atores, as quais mudam de uma geração para outra. Se não fizer sentido para quem dela participa, a manifestação cai no esquecimento e desaparece.

Nesse sentido, as anotações da professora abrem novas possibilidades de abordagem e reforçam o pensamento de que as representações festivas estão conectadas ao seu contexto histórico e social e sintetizam “[...] a totalidade da vida de cada comunidade, a sua organização econômica e as suas estruturas culturais, as suas relações políticas e as propostas de mudança” (Canclini, 1983, p. 128).

As festas reproduzem as contradições da sociedade. São várias as formas encontradas pelos diferentes grupos para se expressar. Investir em uma única versão dos fatos é negligenciar as muitas outras histórias que atribuem sentidos de existência às comunidades: “[...] elas sintetizam, simbólica e materialmente, as mudanças dos povos que as fazem” (Canclini, 1983, p. 128);por isso, as celebrações têm um lugar e um tempo próprios.São um conjunto de experiências sociais com uma realidade e uma dinâmica próprias, o que nos impede de estudá-las sem antes definir sua esfera de abrangência.14

Os escritos de Maria Pires contribuem para a historicidade do estudo das festas populares na região, à medida que apresentam particularidades do assunto que a imprensa da época não registrava, a exemplo da tipologia variada dos instrumentos musicais, de nomes de lideranças de grupos de expressões populares, dos lugares em que aconteciam essas práticas, das negociações com o poder público, entre outras informações importantes para se compreender o Carnaval em sua complexidade.

Ao longo do caderno 6, encontramos uma quantidade significativa de grupos de Ternos de Reis que se apresentavam em Juazeiro nos anos 1980, no período dedicado aos festejos dos Santos Reis, durante o mês de dezembro até o dia 6 de janeiro. Segundo Câmara Cascudo, “[...] são grupos que saem visitando famílias amigas [...] e comparecem nas festas tradicionais da Bahia” (Cascudo, 2001, p. 675). Desfilam em cortejo, organizados em fileiras de homens e mulheres fantasiados, entoando cânticos ao som de instrumentos de percussão. Entre os nomes dos grupos registrados no caderno, destacamos: Laranjeiras, Republicanos, Boêmias, Cruz Vermelha, Velhas Alegres, Rosas, Camponesas, Mamãe Sacode, Marinheiros, Ciganas, Flores, Lírios ao Luar e Fuzileiros do Amor.

Percebemos que não há uma unidade nas informações a respeito dos grupos. Para alguns Ternos, eram oferecidos dados básicos de sua fundação: ano, nome do responsável e local; para outros, eram apresentados mais detalhes, a exemplo de conflitos entre integrantes e diretores, valores investidos pelos componentes nas fantasias, locais de apresentação, entre outros assuntos.

Observamos que cada grupo possuía dimensões particulares e mais diferenças que repetições, basta atentar para as práticas descritas e os contrastes se revelam. Talvez a distância do tempo e do lugar de fala nos beneficie na identificação de tais singularidades, as quais ultrapassam a forma lúdica simples de representar as festas. Uma letra de música, os personagens descritos, um acontecimento inusitado durante a apresentação são sempre indícios para o historiador, algo possível de ser problematizado.


Figura 1
Caderno nº 6, 1984-1985.

Fonte: Acervo Maria Franca Pires, UNEB/Juazeiro (2016).

O contato com tais registros, muitas vezes familiares, serve como motivação para rever conceitos e refletir sobre posturas engessadas de alguns pesquisadores do assunto no período em análise e, assim, suscita questionamentos novos, tão importantes e necessários para a construção de novos estudos sobre o tema. Desse modo, ao observar as informações sobre o Carnaval, refletimos sobre a vida em sociedade, cujo fluxo é sempre contínuo e com intensidades variadas, mas, por isso mesmo, oferece a possibilidade de se entender essa festa em seu desdobramento em outros acontecimentos e de se criar novos campos epistemológicos da História.

Indicativos da circulação e consolidação de referências na formação matemática do professor primário

Na primeira metade do século XX, no Brasil e em outras partes do mundo, como Europa e Estados Unidos, ocorria uma preocupação cada vez maior em atribuir ao saber pedagógico um estatuto científico; ou seja, em legitimar o discurso educacional baseado na ciência, na conformação de uma pedagogia chamada moderna, científica ou experimental. Como descreve Valente (2014, p.12), essa foi a pedagogia “[...] que se consolidou pela medida, pelos testes, pelos laboratórios onde estava presente a experimentação”.

O aumento crescente da discussão sobre a obrigatoriedade escolar e seus desdobramentos incidia diretamente sobre a formação de professores, especialmente quanto aos métodos de ensino15. A cientificização progressiva das práticas educativas tornava necessárias a crescente especialização do educador e a legitimação tanto do profissional quanto do campo educacional, estimulando a formação de professores em espaços concebidos para tal fim e a inspiração nos ideais renovadores. A necessidade da formação de professores em espaços específicos já se apresentava desde os tempos do Império,mas tornou-se mais forte nos primeiros tempos republicanos,quando se fortaleceu a tendência da formação de professores pela prática.

Esse cenário propiciou o surgimento,em vários países da Europa, do movimento da ‘Educação Nova’,que, ao se expandir, assumiu denominações diferentes conforme o país. Por exemplo, nos EUA, foi denominado ‘educação progressiva’ e, no Brasil, ‘Escola Nova’ ou ‘movimento escolanovista’.

No caso dos problemas relativos à educação brasileira, a ideia era enfrentá-los por intermédio da organização de uma cultura em que a educação era entendida nos moldes nacionalistas esegundo a noção de trabalho e em que eram defendidos os novos métodos de administração escolar, bem como a aplicação mais ampla dos métodos científicos aos problemas oriundos da educação no país.

Assinalam-se, portanto, algumas tendências gerais que deram o tom de uma cultura escolar escolanovista, ainda que esta estivesse sendo definida em termos muito genéricos e imprecisos. A escola propunha estimular o aluno a estar em tal ambiente, valorizando o cientificismo, a experimentação, a contextualização dos fatos, caso em que o meio se inseria na escola. Tais práticas podem ser classificadas como medidas oriundas da Escola Nova. De acordo com Monarcha (2009, p.61):

É denotar o modo pelo qual engendrou-seum mito de origem da Escola Nova situado nas nascentes de um extenso rio luminoso que trazia nas águas uma educação branda centrada no contato com a natureza, no trabalho coletivo, na autonomia individual e no princípio de interesse.

A valorização dos processos de ensino-aprendizagem era elemento significativo para a definição da escola renovada que se projetava por meio das reformas. Ao se atribuir centralidade ao aluno e utilizar, por exemplo, os métodos ativos, contemplava-se a produção de conhecimento por meio da experimentação e do enfrentamento de desafios. No caso dessa temática, a memória construída com base no escolanovismo e parcialmente cristalizada na historiografia confere destaque à renovação experimentada.

Assim, é possível notar que as ideias abarcadas pelos termos‘escola Nova’ e ‘educação Progressiva’, respectivamente no Brasil e nos EUA, guardavam aproximações, apesar dos múltiplos significados e das distintas apropriações traduzidas na negação da pedagogia clássica ena preocupação com o ensino em bases científicas e com maior foco na criança. Um conceito essencial desse movimento foi expresso por John Dewey, que enfatizouque as escolas, em vez de meros locais de transmissão de conhecimento, deveriam se tornar pequenas comunidades (Dewey, 1959).

Lourenço Filho (1978, p. 133), ao comentar a escola que Dewey dirigia no final do século passado na Universidade de Chicago, afirma:

As classes deixavam de ser locais onde os alunos estivessem sempre em silêncio, ou sem qualquer comunicação entre si, para se tornarem pequenas sociedades imprimissem nos alunos atitudes favoráveis ao trabalho em comunidade.

De fato, na teoria de John Dewey, o interesse do aluno era um componente fundamental para que ocorressea aprendizagem e a experiência, as quais podiam ser vistas como um processo investigativo sobre problemas reais, ou seja, sobre situações concretas.

A preocupação com métodos de ensino que possibilitassem dirimir as dificuldades no ensino e na aprendizagem em escolas primárias, embora tema recorrente na literatura, encontra indícios de recepção, circulação e apropriação de concepções pedagógicas de seu tempo no acervo em análise.

Para Valente (2006), é necessário que sejam construídos os referenciais da Educação Matemática - levada a cabo em grande parte da segunda metade do século XX no Brasil. Seria imprescindível intensificar as pesquisas a fim dese atingir a maior proximidade possível do que efetivamente representou o Movimento da Matemática Moderna (MMM) na referida época e cujas influências, porventura, ainda se exerçam nas ações pedagógicas dos professores de Matemática. O MMM ocorreu em um momento histórico em que o mundo passava por grandes mudanças culturais, políticas, sociais e econômicas. A construção desses referenciais é fundamental para que se tenha uma ideia mais elaborada da abrangência dos fatos produzidos por esse movimento, bem comode suas implicações nas práticas escolares.

Com o objetivo de entender o currículo e as práticas dos professores do século passado, em relação às aproximações, aos distanciamentos e aos entrecruzamentos com a cultura escolar vigente, buscaram-se, no acervo de Maria Franca Pires, vestígios de regras e práticas da matemática que se formalizaram na escola primária de então.

A década de 1960 foi marcada por grandes mudanças no ensino de matemática em todo o Brasil. O Movimento da Matemática Moderna (MMM)16, que surgiu na Europa e nos Estados Unidos na década anterior, pretendia aproximar a matemática trabalhada na escola básica à matemática produzida pelos pesquisadores da área.Caracterizando-se como um movimento surgido da base que se propunha a preparar pessoas que pudessem acompanhar e lidar com a tecnologia que estava emergindo, o MMMdefendia a modernização do ensino, o que significa que este deveria ser permeado por um novo roteiro de conteúdos e metodologias. Grupos de estudo e pesquisa foram criados em alguns países, com o objetivo de estudar, divulgar e implantar as propostas veiculadas pelo MMM nas escolas, inserindo no currículo conteúdos matemáticos que até aquela época não faziam parte do programa escolar, como, por exemplo, estruturas algébricas, teoria dos conjuntos, topologia e transformações geométricas.

No ideário do MMM, desencadeado pela insatisfação com o ensino de matemática vigente na época, consta a valorização do uso de materiais pedagógicos, sem, no entanto, se desconsiderar o conteúdo. Com a reforma no currículo, pretendia-se colocar o aluno no centro do processo de aprendizagem e delegar ao professor o papel de guia dasdescobertas do aluno.

Almejava-se vincular mais o conteúdo matemático escolar ao avanço tecnológico e contribuir,assim, para os progressos científicos da sociedade, que estava em pleno desenvolvimento. A principal particularidade, manifestada pelos representantes do MMM, era que a discussãoda nova proposta e das formas de sua implementação nas escolasseria feita nos grupos. Nesse período, em diversas regiões do Brasil, formaram-se vários grupos, nos quais os professores tinham o objetivo de conhecer, estudar e aplicar a nova proposta. No entanto, prevaleceram a memorização e a ênfase na linguagem, sem que aparecessem mudanças quanto à concepção de matemática entre alunos e professores.

Esses novos ares pairaram sobre a cidade de Juazeiro e, em 1954, tendo Franca Pires como presidente, surgiu a Associação de Pais e Mestres, que viria a funcionar na cidade por 20 anos. Fruto de um aprendizado da época da Escola Normal, a professora primava pela ideia de que o relacionamento escola-família era indispensável ao bom andamento dos trabalhos escolares e à formação da criança. Com a Associação de Pais e Mestres, ela teve a oportunidade real de pôr em prática esse ensinamento e tornar possível sua identificação, como podemosconstatar nas fontes desta pesquisa e nos vestígios encontrados na história da matemática escolar.

Dentre os vestígios para a escrita dessa trajetória histórica, os cadernos de anotações da professora, constitutivos da cultura escolar, ampliam a possibilidade de compreender a história da educação matemática na região do submédio São Francisco.

Como presidente da Associação de Pais e Mestres, Franca Pires promoveu cursos de renovação do professorado, como o de maio de 1968, quando levou a professora Wanda Knüpfer de Paiva, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, para coordenar o Curso de Matemática Modernaem Juazeiro. Dentre os conteúdos trabalhados no referido curso constam: teoria dos conjuntos, conjunto dos naturais e dos racionais e suas operações, sistema métrico-decimal, perímetro, área, volume, sólidos geométricos, planificações, classificação de figuras planas, resolução de problemas e avaliação em matemática. Notadamente, a proposta enfatizava a necessidade de habilitar os alunos no rigor do raciocínio lógico e na linguagem clara e precisa, bem como a do domínio da terminologia e da conceituação, que eram prerrogativas da teoria dos conjuntos e das medidas em geometria.


Figura 2:
Capa do caderno de anotações nº 8, 1971.

Fonte: Acervo Maria Franca Pires, UNEB/Juazeiro (2016).

O Cadernonúmero 8do AMFP (Imagem 2, acima) é pequeno (mede 21,7 cm x 15,5 cm), aramado, contém 77 folhas e capa quadriculada de cores azul, cinza e branco. No centro da capa, como se fosse um título, está escrito ‘Lendas e outros’; ainda na capa, no espaço destinado à identificação, está escrito ‘Planejamentos diversos - Maria Franca Pires - 1971’. Nas contracapas, além de um endereço, encontram-se pensamentos e lembretes escritos à mão.

Esse caderno, que foi precedido por outros referentes aos primeiros trimestres de 1971, contém anotações quanto ao planejamento dos conteúdos do 1ºao 4ºanos do Ensino Primário e pautas de reuniões de diretoras e vice-diretoras, desde outubro de 1971. Contém também o planejamento de trabalho da disciplina Matemática para o4º e o 5º anos de 1972. Os conteúdos elencados são, inicialmente, frações ordinárias, operações, simplificações, problemas e comparação de frações. Depreende-se dos apontamentos um ensino processual, cujas etapas enfatizam a compreensão como condição fundamental para a aprendizagem. Além disso, apresentaa sequência de tópicos de conteúdo referentes a medidas.

Nas anotações, percebe-se a preocupação em explorar as diversas áreas de conhecimento nos projetos de trabalho propostos, bem como uma concepção pedagógica condizente com um discurso no qual a compreensão da criança é um de seus pontos cruciais.


Figura 3:
Caderno de anotações nº 8, 1971: planejamento de matemática para 1972.

Fonte: Acervo Maria Franca Pires, UNEB/Juazeiro (2016).

Nesse caderno, é interessante observar a bibliografia-base para o planejamento de matemática para o ano de 1972 (Imagem 3): o livro intitulado Ensino moderno da matemática, de Luiz G. Cavalcante, publicado em 1968. Essa obra, destinada aos primeiros anos do ensino primário, era um importante instrumento para a solução de problemas da vida prática e para uma conceituação atualizada da antiga matemática. Seu propósito era intervir na formação científica da população, como pretendia o MMM.

O livro contém exercícios e problemas sobre teoria dos conjuntos, sistema de numeração decimal, as quatro operações, sistema monetário brasileiro, números fracionários, números decimais, medidas de tempo e geometria aplicada à aritmética.

Por esse pequeno histórico, pode-se observar que a formação de professores de matemática na região era norteada pelos ideais do MMM, tanto pela linguagem da teoria dos conjuntos e da estrutura algébrica que subjaz a toda a matemática quanto pela representação da matemática como o suporte necessário ao desenvolvimento tecnológico, necessário à industrialização da sociedade da época. Ainda que os educadores insistissem em um modelo de ensino estático e fundamentado na memorização e desconsiderassem a criatividade individual do educando, os registros do caderno analisado expressamas transformações ocorridas na cultura escolar e nas ações para a formação dos professoresna época do referido movimento.

Franca Pires, já aposentada, refletiu:

Realizei-me como professora primária. Gosto de olhar para o passado e rever aqueles meninos, que me ajudaram nesta realização; hoje, minha alma vibra de entusiasmo ao vê-los adultos organizando suas vidas, cooperando no progresso das comunidades onde vivem, como médicos, engenheiros, advogados, agrônomos, professoras, bancários, funcionários públicos, domésticas, freiras e, principalmente, mães de família. Todos brilhando como as estrelas do céu e me enchendo de alegria, no outono da vida, por meio dos convites de formatura, de casamento, nos encontros públicos. Deus que os guie nas estradas tortuosas da vida[...] (Machado, 2009, p. 62-63)17.

A visita ao passado da professora e, particularmente, a leitura de sua reconstrução biográfica aproximam-nos da realidade e do ato educativo de uma perspectiva historiográfica contextualizada das práticas e pautas escolares.

Marcas do tempo no Diário de Classe de Franca Pires (1957): primeiras aproximações

A utilização das fontes provenientes dos arquivos nem sempre é tarefa fácil, seja pela inexistência dos registros, seja pelo desconhecimento dos acervos existentes, dificultando a tarefa do pesquisador. Tema recorrente entre aqueles que se dedicam à pesquisa histórica em educação, a preservação de arquivos com documentos escolares tem-se constituído como um problema que reflete não somente a ausência de politicas públicas para esse setor, como também um traço cultural por parte de dirigentes e educadores de não valorização da documentação escolar como repositório da memória educativa.

Em artigo sobre arquivos escolares e novas tecnologias, Werle (2002, p. 78) salienta que o “[...] documento traz inscrita uma tecnologia a qual nele incide manifestando o momento histórico em que foi criado [...]”, possibilitando descrever e também interpretar, com base em sua materialidade, o ideário disseminado e apropriado pela escola. Na documentação escrita estão registradas as concepções e finalidades das instituições escolares ao longo do tempo, bem como os fatos relativos à vida escolar dos alunos, desde os de identificação, admissão, matrícula, reprovação, até os de frequência e programas de ensino.

Contendo uma variedade de documentos, dentre os quais os diários de classe e cadernos de anotações - ao todo são 27 exemplares catalogados e digitalizados18-,o AMFP oferece um leque de possibilidades para o campo das pesquisas em história da educação.Como destaca Fischer (2005) ao se referir aos materiais históricos de pesquisa, tais documentos permitem entrecruzar dados, decompor tramas e dinâmicas de um tempo não tão distante, o que amplia, como afirma Carvalho (2001), o campo dessa modalidade de história cultural da educação.

Com uma vida dedicada ao magistério, a professora Maria Franca Pires arregimentou, ao longo de trinta anos, um conjunto de documentos que permite, como propõe Fernandes (2005)19, descrever o universo escolar e toda sua teia de significações, além de fornecer pistas para a compreensão da cultura da época, sobretudo em um país em que a preservação desse tipo de documentação, conforme observa Cunha (2008), ainda é escassa.

Datado de 1957, o Caderno Diário de Classe (DC) número 15, objeto deste estudo, além de permitir o estudo das práticas e dos saberes escolares, guarda e constrói a memória de um tempo escolar. Por essa via, é possível problematizar, tal qual sugere Cordova (2016), desde os aspectos pedagógicos e a marca pessoal da prática docente até a transmissão de modelos, valores, hábitos e atitudes. No caso específico, centramo-nos na organização dos conteúdos e do tempo escolar para uma turma do 3º ano do Curso Primáriosob a regência da professora Maria Piresna Escola Prof. Airton de Sales20, localizada no município de Juazeiro-BA.

A produção do DC dialoga com um período marcado por rápidas transformações no campo educacional; entre elas, a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), por iniciativa de Anísio Teixeira, entre 1955 e 1956, e dos Centros Regionais, instalados nos anos seguintes em São Paulo, Recife, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. Ao mesmo tempo em que criava os centros regionais e os destinava à pesquisa, Anísio Teixeira não perdia de vista o aperfeiçoamento do magistério. A preocupação com a qualificação dos professores ocupava um lugar central no projeto do CBPE21.

Moreira (1957), influente educador catarinense com atuação no INEP22, afirmava que esse período não foi apenas de renovação, mas também de realização extensiva e interativa no Brasil. Ele creditava os avanços na área educacional, principalmente no ensino rural, aos vários secretários de educação nos estados que procuraram ver a educação de um ponto de vista realista, mas, sobretudo, a Anísio Teixeira quando na direção do INEP (1952-1964). De fato, esse período foi profícuo na implementação de políticas educacionais, com destaque para a expansão do ensino primário.

Quanto às suas características, o referido DC, fabricado pela De Luxe Indústria Brasileira, contém capa dura de papelão cinza e 69 folhas, tendo sido produzido entre os meses de abril e agosto de 1957. Sua particularidade estáem sua utilização pelosalunos - para fins de registro das atividades diárias-, pois se trata de um documento de registro utilizado normalmente apenas pelo professor. Aliás, esse foio único DC encontrado entre os 27 exemplares disponibilizados para consulta no AMFP. Nele constam, no centro da capa, informações como o nome da escola, a turma, o nome da professora, a cidade e o estado, o que confere identidade ao documento, conforme mostra a imagem a seguir:


Figura 4:
Capa do Diário de Classe nº 15, 1957.

Fonte: Acervo Franca Pires, UNEB/Juazeiro (2016).

Escritos de próprio punho por meninos e meninas do curso primário, os registros no DC guardam marcas e modos de educação de um tempo e de uma época. Nos escritos, cada um com uma média de 5 a 10 linhas, os alunos descreviam as atividades realizadas no dia anterior, com linguagem clara e objetiva, evidenciando não somente o zelo no cumprimento da tarefa, mas um modo muito particular de realizar a memória da aula. Nota-se, assim, o empenho da professora em orientar os registros segundo um ordenamento temporal, não só incluindo a sequência das atividades escolares como tambémmostrando o cuidado com a caligrafia. Tal afirmativa encontra respaldo na organização uniforme e homogênea dos registros dos alunos.

No dia 22 de abril de 1957, Carlos Morga, aluno do 3º ano do Curso Primário, organizou aquele que seria o primeiro relato do DC. Na primeira linha da página, no centro, pôs a data, ‘pulou’ a linha seguinte e deu inicio à descrição do rol de atividades executada pela turma. De acordo com o relato, observa-se uma aula bem planejada no tempo e no espaço. Inicialmente, a professora fez um ditado e contou a história do índio Banagé. Na sequência, passou os exercícios e problemas de matemáticae solicitou a cópia da poesia ‘Acruz da estrada’, de Castro Alves.

Com relação à concepção de ensino utilizada pela professora Maria Pires, havia uma gama de conhecimentos a transmitir, daí a necessidade de se equacionar o tempo para fazê-lo, uma vez que as aulas tinham uma duração específica e uma distribuição, em geral, fragmentada no quadro de horários. Correia (2008) aponta o horário e o calendário escolar como referências simbólicas da construção do tempo. Adverte, porém, que há toda uma multiplicidade de procedimentos e interações quotidianas, de estruturação de atividades que envolvem desde a consciência subjetiva individual do tempo à organização coletiva dos ritmos e durações.

Desse modo, o tempo escolar é um elemento constitutivo da cultura escolar. Como atenta Julia (2001), o modelo escolar, com vistas ao controle regulado das atividades, estabelece as práticas de aprendizagem com base em uma programação com duração limitada, sequências temporais razoáveis e/ou responsáveis ao longo dos dias, das semanas e dos meses e com tempo determinado de início e término. Assim, ao mesmo tempo em que se fixa o tempo para as diversas atividades escolares, é preciso considerar elementos externos que afetam e por vezes redimensionam a organização temporal da escola.

Embora os registros no DC apontem para uma prática regulada e acompanhada pela professora, fica implícita a observância do senso de responsabilidade e de organização espaço-temporal, bem como a atenção à prática da escrita, por meio da qual ela punha em evidênciaoprotagonismo dos alunos. No DC não constam apontamentos da professora quanto ao objetivo dos registros de autoria dos alunos. Encontramos apenas esse diário de classe cuja finalidade exclusiva parece ter sido a de servir de registro dos alunos, e não da professora. Parece-nos, pelo curto espaço de tempo dos registros (de abril a agosto), que se tratou mais de uma prática pontual do que algo incorporado ao planejamento da professora Franca Pires. Segue um desses registros:


Figura 5:
Diário de Classe nº 15.

Fonte: Acervo Franca Pires, UNEB/Juazeiro (2016).

Com efeito, ao entrar na escola, a criança sofre uma alteração brutal de ritmos, horários e regras minuciosas de trabalho e convivência. Como assinala Gallego (2003), as ideias sobre o tempo não são inatas, mas fruto do processo de socialização, ou seja, são aprendidas, internalizadas pelos indivíduos e grupos sociais e se transformam em normas e condutas transmitidas e vivenciadas de determinadas maneiras. Já Frago (1998), compreende a arquitetura temporal como uma construção social e histórica permeada pela cultura e pelos sujeitos que a produzem, sendo o tempo escolar condicionante e condicionado por outros tempos sociais.

No registro do dia 14 de agosto de 1957, a aluna descreveu as disciplinas ministradas naquele dia. Linguagem oral e escrita, cálculo matemático (aritmética), geografia, ciência e conhecimentos gerais compuseram o repertório de conhecimentos selecionados pela professora. Com relação ao ensino de leitura, percebe-se um ritual de tempo, conforme demonstra a imagem abaixo:


Figura 6:
Diário de Classe nº 15.

Fonte: Acervo Franca Pires, UNEB/Juazeiro (2016).

No desenho, a posição altiva, o livro na mão e a vestimenta marcada pela sobriedade indicam uma postura corporal apropriada para a leitura em voz alta. Com ênfase na linguagem verbal (oral e escrita) e no cálculo matemático, trabalhados diariamente com os alunos, as outras disciplinas obedeciam a uma sequência aleatória no quadro de horários. Esse fato demonstra a necessidade do cumprimento dos conteúdos e indica que a organização temporal - com seus quadros de horários e tempos específicos para o desenvolvimento das atividades escolares - foi apropriada e desenvolvida pela professora Maria Pires.

A esse respeito, Escolano (2008) afirma que a dimensão do tempo na escola constitui um dos elementos estruturais e estruturantes da cultura escolar: estrutural, porque fixa o ordenamento da instituição por meio de horários e calendários;estruturante, porque influencia outros elementos que formam a vida escolar - como o espaço, o currículo, a conduta dos sujeitos, etc. - e interage com eles.O tempo escolar revela-se, assim, uma dimensão do ensino perpassada por aprendizagens, pela interiorização de comportamentos e por representações sociais que atuam como elementos significativos na construção social e histórica da realidade.

Como oportunamente assinalado por Mogarro (2005), a conservação de determinados documentos ao longo de uma vida evidencia a importância que as pessoas atribuem aos processos escolares e formativos em suas histórias de vida, assim como aos seus percursos profissionais, no caso dos professores. Ao guardar os cadernos por mais de 30 anos, a professora Maria Franca Pires nos brindou com o testemunho de uma época.

Considerações finais

A análise dos cadernos coloca-nos em contato com uma história construída com base nas experiências de vida protagonizadas pelos sujeitos na dimensão tempo-espaço. É nesse sentido que nos aproximamos da concepção defendida por Le Goff (2003), para quem o documento é ‘tudo aquilo que exprime a presença humana’.

No caso do arquivo Maria Franca Pires, com base nos conteúdos das fontes reunidas, identificamos o lugar de fala da professora, conhecemos passagens de sua trajetória de vida, suas redes de relacionamento, os lugares que frequentava, o que costumava ler e fazer. Esses deslocamentos são indícios dos motivos que a levaram a guardar documentos, registrar os acontecimentos nos cadernos, selecionar o que seria anotado, bem como do que pretendia deixar para o futuro.

A leitura crítica do que foi pensado e registrado tem relação com a seleção no conjunto da memória que mereceu ser documentada. Nesse ponto, percebemos como os arquivos, na condição de lugar de memória, não são neutros; pelo contrário, são intencionais e, por isso, é importante que sejam problematizados, e não tomados como naturais.

Ao selecionar acontecimentos para registro nos cadernos, Franca Pires deixou de lado outros tantos acontecimentos pouco relevantes para ela. Isso não diminui a importância do acervo; contrariamente, singulariza a documentação porque esta reúne sua forma de pensar e de interpretar o mundo em um único espaço. A trajetória de vida dessa mulher à frente de seu tempo merece ser estudada com mais inquietude, podendo o pesquisador buscar saliências, desentocar acontecimentos, que, em rede, formarão novos repertórios.

A documentação reunida permite-nos observar as fissuras da vida cotidiana, descobrir aquilo que não está em evidência, que é irregular e nem por isso menos importante para se tornar um campo de estudo e apreciação. Ou seja, trata-se de uma memória que - em face da necessidade do lembrar - foi registrada pela professora e preservada, no intuito de impedir seu esquecimento. Talvez a tônica do trabalho com a memória esteja justamente na forma como os acontecimentos lembrados chegam até o presente, em um jogo constante de continuidades e descontinuidades.

Desse modo, os escritos da professora Franca Pires constituem legados que foram interiorizados e que - operados pela memória - tornam possível o surgimento de questões que ampliam e modificam os rumos dos estudos e das pesquisas nas áreas de Educação,Matemática,História e Patrimônio Cultural, entre outros campos científicosque se interessam pela heterogeneidade de acontecimentos que nos põem diante de contextos singulares, não homogêneos, não desconectados do seu tempo e com significados variados.

Material suplementar
Fontes
Caderno, Juazeiro, nº 6, 1984-1985.
Caderno, Juazeiro, nº 8, 1971.
Caderno, Juazeiro, nº 15, 1957.
Referências
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Notas
Notas
1 Neste trabalho será utilizada a nomenclatura AMFP para referir o Acervo Maria Franca Pires.
2 A professora, popularmente conhecida como Franca Pires, nasceu em 05 de novembro de 1921, na cidade de Remanso, no Sertão da Bahia. Diplomou-se professora em 03.12.1939, na Escola Rural N. S. Maria Auxiliadora, em Petrolina-PE. Em 1943, foi aprovada no concurso para o Magistério Primário da rede estadual de ensino da Bahia, na capital Salvador. Sua nomeação somente se efetivou em 1947. Em 1950, voltou para Remanso, sua terra natal. Em 1951, solicitou transferência para Juazeiro. Faleceu em 1988 (Machado, 2009).
3 Em artigo sobre ciência e educação na década de 1950, Cunha (2004) destaca o avanço da pesquisa científica na área de educação no Brasil, a partir da criação, em 1955, do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e dos Centros Regionais, instalados em São Paulo, Recife, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. O CBPE era subordinado ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), órgão do Ministério da Educação e Cultura. Desde 1952, o INEP vinha sendo dirigido por Anísio Teixeira, que foi também o primeiro diretor do CBPE.
4 A numeração de 1 a 27, atribuída aos cadernos, é um registro posterior ao falecimento de Maria Pires (1988) e foi adicionada ao Arquivo Maria Franca Pires para fins de catalogação do acervo.
5 Sobre a trajetória de Maria Franca Pires, veja-se Carvalho (2017).
6 Para maior aprofundamento acerca do contexto cultural do período pós-64 em Pernambuco, veja-se Santos (2015).
7 Jorge Khoury foi eleito para a Prefeitura de Juazeiro (BA)em dois mandatos não consecutivos: o primeiro com início em 1982 e o segundo, em 1987.
8 Expressão utilizada pelos estudiosos do tema do Carnaval para designar a celebração em análise, sobretudo nos campos da História e da Antropologia. Sobre o assunto, consultar Santos (2010a).
9 Estandartes são espécies de bandeiras utilizadas por algumas modalidades de agremiações carnavalescas, em geral, clubes, troças, maracatus, caboclinhos, tribos de índios e bois, apropriadas e ressignificadas pelos organizadores das festas das procissões católicas do século XIX (Santos, 2010b).
10 Sobre os diferentes sentidos e significados atribuídos aos espaços, consultar estudo de Certeau (2008).
11 Para maior aprofundamento, ver Araújo (1996).
12 No tempo presente, é possível encontrar no Carnaval a brincadeira do mela-mela em alguns bairros afastados do centro de algumas cidades, a exemplo de Recife, Olinda, Salvador, entre outras. Nos tempos de Colônia era comum encontrar relatos de escravos que jogavam entre os membros da corte pedaços de verduras e frutas podres; alguns atiravam urina e fezes. Nos subúrbios de algumas cidades brasileiras, encontramos relatos de casos em que os foliões atiravam ovos podres, graxa de sapato, batom e água suja.
13 Para maiores informações, ver estudo de Oliveira (2013). As anotações sobre o Samba de Véio aparecem soltas no caderno 6, junto a informações sobre planos de aula, relatos de moradores sobre procissões, assombrações e outras atividades cotidianas de Juazeiro.
14 Para maior aprofundamento, consultar o trabalho de um dos primeiros pesquisadores que se dedicaram aos estudos da teoria da festa: Callois (1989).
15 Para maior aprofundamento, ver o estudo de Valdemarin (2009).
16 Vários autores pesquisaram a repercussão do Movimento da Matemática Moderna no Brasil e em Portugal. Entre eles, Búrigo (2006), Duarte (2007), Lima (2006), Oliveira (2007) e Valente (2006, 2014).
17 Autobiografia escrita no ano de 1981 e preservada no acervo de Maria Franca Pires.
18 Esse material foi cuidadosamente organizado pela professora e pesquisadora Odomaria Rosa Bandeira Macedo, responsável pelo acervo.
19 Jornalista, ensaísta e figura marcante no desenvolvimento do sistema educativo em Portugal no pós-25 de abril, Rogério Fernandes (1933-2010) foi professor catedrático da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. A convite de Vitorino Magalhães Godinho, assumiu o cargo de Diretor Geral de Ensino Básico (1974), ocasião em que procedeu a uma verdadeira reforma do plano de estudos para as Escolas do Magistério Primário. A ele se devem a criação e o aparelhamento de bibliotecas escolares, a introdução de novos manuais e a modificação dos tempos escolares. Tais alterações propiciaram a introdução de um trabalho pedagógico inovador no ensino primário (Caldas & Reis, 2016).
20 Não foram localizados dados sobre a escola.
21 Para Cunha (2004), tais iniciativas governamentais possibilitaram o surgimento de um debate quanto ao sentido da pesquisa científica no campo da educação, com repercussões no âmbito dos estados e municípios, a fim de subsidiar, como lembra Xavier (1999), as políticas públicas do setor implementadas no País.
22 Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, órgão do Ministério da Educação e Cultura.
Autor notes
Iracema Campos Cusati é doutora em Didática, Teorias de Ensino e Práticas Escolares pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP, 2013). Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR, 1999) e graduada em Matemática pela Universidade Federal de Viçosa (UFV, 1992). Professora do Colegiado de Matemática da Universidade de Pernambuco e do Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares (UPE). E-mail: iracema.cusati@upe.br orcid.org/0000-0002-4812-8412
Mário Ribeiro dos Santos é doutor em Históriapela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, 2015), mestre em História Social da Cultura Regional pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE, 2010), especializou-se em Ensino de História das Artes e das Religiões(UFRPE, 2008) e graduou-se em História(UFRPE, 2006).Professor do Colegiado de História da Universidade de Pernambuco e vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Festas e Religiosidades(GEFRE). E-mail: mario.santos@upe.br orcid.org/0000-0002-9951-3150
Virgínia Pereira da Silva de Ávila é doutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP, 2013), mestre em Educação pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC, 2008) e licenciada em Pedagogia pela Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras (FAPA,1997). Professora do quadro permanente da Universidade de Pernambuco, campus Petrolina, atua no curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares. É líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação no sertão do São Francisco (GEPHESF). E-mail: virginia.avila@upe.br orcid.org/0000-0002-2634-1474
1 I.C. Cusati, M.R. dos Santos e V.P.S. de Ávila foram responsáveis pela concepção, delineamento, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito, revisão crítica do conteúdo e aprovação da versão final a ser publicada.

Figura 1
Caderno nº 6, 1984-1985.

Figura 2:
Capa do caderno de anotações nº 8, 1971.

Figura 3:
Caderno de anotações nº 8, 1971: planejamento de matemática para 1972.

Figura 4:
Capa do Diário de Classe nº 15, 1957.

Figura 5:
Diário de Classe nº 15.

Figura 6:
Diário de Classe nº 15.
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