ARTIGO ORIGINAL
Recepción: 01 Julio 2024
Aprobación: 30 Noviembre 2024
Publicación: 27 Enero 2025
DOI: https://doi.org/10.4025/rbhe.v25.2025.e356
Financiamiento
Fuente: Sociedade Brasileira de História da Educação
Fuente: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Nº de contrato: 30/2023
Descripción del financiamiento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 30/2023) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar o ensino da disciplina de língua inglesa, por meio de livros didáticos da década de 1970, utilizados no Colégio Estadual do Paraná, quanto aos saberes veiculados e suas finalidades. Trata-se de um período de relevância política e ideológica em nosso país, em que foi promulgada a Lei nº 5.692/71, e marcado por estreitas articulações internacionais do Brasil com os Estados Unidos da América. A análise com viés da História Cultural, fundamentada em Chartier (1998, 2002) e Choppin (2002, 2004) para embasar a questão dos livros didáticos, mostrou que os livros adotados seguiam o sistema de instrução programada e o método audiovisual, tratando-se da instauração do ensino tecnocrático.
Palavras-chave: Disciplina escolar, educação tecnicista, material didático.
Abstract: The objective of this article is to analyze the teaching of the discipline of the English language, through textbooks from the 1970s, used at Colégio Estadual do Paraná, regarding the knowledge conveyed and its purposes. This was a period of political and ideological relevance in our country, in which the Law No. 5.692/71 was enacted and marked by close international articulations between Brazil and the United States of America. The analysis with bias of Cultural History, based on Chartier (1998, 2002) and Choppin (2002, 2004) to support the issue of textbooks, showed that the books adopted followed the system of programmed instruction and the audiovisual method, being the establishment of technocratic education.
Keywords: School subject, technocratic education, textbook.
Resumen: El objetivo de este artículo es analizar la enseñanza de la asignatura de lengua inglesa, a través de libros de texto de la década de 1970, utilizados en el Colégio Estadual do Paraná, en cuanto a los conocimientos transmitidos y sus finalidades. Este es un período de relevancia política e ideológica en nuestro país, en el que fue promulgada la Ley n. 5.692/71 y marcada por estrechas articulaciones internacionales entre Brasil y los Estados Unidos de América. El análisis con sesgo de la Historia Cultural, basado en Chartier (1998, 2002) y Choppin (2002, 2004) para sustentar la cuestión de los libros de texto, mostró que los libros adoptados siguieron el sistema de instrucción programada y el método audiovisual, en el caso del establecimiento de enseñanza tecnocrática.
Palabras clave: Asignatura escolar, educación tecnocrática, libro de texto.
Introdução
Nosso interesse é pelo ensino de língua inglesa implementado na década de 1970. A opção por esse período, governado pelos militares (1964-1985), ocorre especialmente por dois motivos. Primeiro, por ser um período relacionado a profundas mudanças políticas e ideológicas. Segundo, pelo fato de estar marcado por estreitas relações internacionais entre Brasil e Estados Unidos da América, como o acordo entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), o qual exerceu grandes influências em nossas políticas educacionais.
Para explorar a temática da língua inglesa nesse período, tomaremos o Colégio Estadual do Paraná (CEP) como lócus, pois é um dos colégios mais tradicionais do estado, desde sua fundação em 1846, denominado Licêo de Coritiba, até os dias atuais. Portanto, investigar historicamente o processo de ensino desenvolvido em seu interior tem repercussão no entendimento de parte significativa da rede paranaense de educação.
No CEP, a consolidação do ensino de língua inglesa, em detrimento do ensino da língua francesa, se deu na década de 1970, conforme pudemos verificar em pesquisa anterior (Bocca, 2020). Agora, nosso estudo sobre esse ensino será focado nos livros didáticos.
Segundo Alain Choppin (2002), o livro didático foi consagrado como uma fonte para os historiadores da educação a partir da década de 1980, pois, além de ser depositário de saberes e habilidades julgadas necessárias, veicula uma ideologia, participando do processo de aculturação. Por conta disso, “[...] direcionando seu olhar aos manuais, o historiador pode, assim, observar, a longo prazo, a aparição e as transformações de uma noção científica, as inflexões de um método pedagógico ou as representações de um comportamento social” (Choppin, 2002, p. 15).
Nessa direção, pautamo-nos na História Cultural pelo fato de esta corrente teórica levar em consideração diversos objetos históricos, como a cultura popular, a cultura letrada, as representações, as práticas discursivas e sociais, valorizando, com isso, as particularidades culturais dos objetos analisados.
Em relação à História Cultural, Chartier (2002, p. 27) aponta que
[...] é preciso pensá-la como a análise do trabalho de representação, isto é, das classificações e das exclusões que constituem, na sua diferença radical, as configurações sociais e conceptuais próprias de um tempo ou de um espaço. As estruturas do mundo social não são um dado objetivo, tal como o não são as categorias intelectuais e psicológicas: todas elas são historicamente produzidas pelas práticas articuladas (políticas, sociais, discursivas) que constroem as suas figuras.
Assim, ela tem como objetivo principal identificar como, em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade foi pensada, construída e interpretada. Desse modo, estamos concebendo os livros didáticos como objetos importantes para compreendermos aspectos inerentes às disciplinas escolares, como os conteúdos, as abordagens utilizadas e as perspectivas sociais, uma vez que são elementos “[...] reveladores de representações e valores predominantes num certo período de uma sociedade que, simultaneamente à historiografia da educação e da teoria da história, permitem rediscutir intenções e projetos de construção e de formação social” (Correa, 2000, p. 12). Portanto, trata-se de um material norteador dos conhecimentos a serem transmitidos, que seleciona e categoriza o saber.
A partir desses apontamentos, temos por objetivo analisar, nos livros didáticos de língua inglesa, utilizados no Colégio Estadual do Paraná na década de 1970, seus elementos pré-textuais e textuais quanto à metodologia e às atividades realizadas, para problematizar as finalidades visadas com este ensino mediante a legislação vigente no período.
Para tanto, julgamos ser importante a análise dos textos, das imagens e dos exercícios propostos nos livros, a fim de compreender algumas intenções por parte do projeto de Estado para com a sociedade, por meio dos sujeitos em formação. Outra contribuição deste estudo é a de colaborar com a área da História das Disciplinas Escolares, ao trazer um recorte do ensino de língua inglesa no Brasil, expandindo o período já pesquisado por Oliveira (1999), que traça o histórico deste ensino dos anos 1809 a 1951, e por Casimiro (2005), que, focando os livros didáticos de inglês utilizados no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, analisa o período de 1938 a 1958.
A História das Disciplinas Escolares busca compreender o que ocorre no espaço escolar por meio das práticas de ensino realizadas na sala de aula e por meio dos objetivos que levaram à constituição das disciplinas. Para Chervel (1990), é tarefa desta área identificar, classificar e organizar as finalidades que uma disciplina assume em determinada época, que podem ser de ordem religiosa, sociopolítica, psicológica, cultural, dentre outras. No entanto, o autor afirma que grande parte das finalidades impostas à escola está por ser desvelada. Nessa direção, é o que pretendemos compreender neste estudo em relação à língua inglesa nos anos 70.
Algumas considerações sobre a década de 1970
O modelo econômico que se configurou no regime militar estava pautado no desenvolvimento e na modernização do capitalismo brasileiro e visava consolidar a sociedade urbano-industrial, tendo, para isso, que excluir as classes trabalhadoras das tomadas de decisão política. Era um modelo baseado na racionalidade técnica, em que os tecnocratas1 assumiram o lugar dos políticos. O lema ‘Brasil Grande Potência’, uma propaganda nacionalista gerada pela ‘eficiência técnica’ aplicada à forma de administrar o Estado e suas empresas, também teve seus seguimentos ideológicos na política educacional e foi levada a cabo na reforma dos ensinos de 1º e 2º graus, aprovada sob a Lei nº 5.6922, de 11 de agosto de 1971 (Ferreira Jr & Bittar, 2008).
Trata-se de uma reforma apoiada na “[...] ideologia tecnocrática, que propunha uma concepção pedagógica autoritária e produtivista na relação entre educação e mundo do trabalho” (Ferreira Jr & Bittar, 2008, p. 333) e influenciada pela teoria do Capital Humano. Segundo essa teoria, a educação é o maior investimento para a aquisição de habilidades que repercutem na capacidade produtiva do trabalho; portanto, os ‘recursos humanos’ são consequência de investimentos na instrução das pessoas. Desse modo, a educação acabaria elevando a renda desses futuros trabalhadores (Faheina, 2014).
A Lei nº 5.692 disseminou a tendência produtivista às escolas do país por meio da pedagogia tecnicista, adotada como pedagogia oficial, baseada na técnica, na racionalidade e na eficiência. A preocupação das reformas do 1º e 2º graus era ajustar a formação de mão de obra qualificada à lógica da sociedade capitalista. Para isso, as técnicas, metodologias e instrumentos de ensino deveriam estar “[...] pautados nos princípios da racionalidade, da eficiência e da produtividade, a fim de garantir a qualificação e a inserção das pessoas no mercado de trabalho” (Faheina, 2014, p. 274).
A pedagogia tecnicista, visando a uma educação eficiente, acreditava que aparelhos tecnológicos, como a televisão e outros recursos audiovisuais, levariam os alunos à apreensão da própria realidade, antes ensinada apenas por meio dos livros escritos, revolucionando, assim, as práticas educativas. A teoria comportamental de Skinner ofereceu as bases psicológicas para essa pedagogia, tendo na instrução programada uma proposta pedagógica mediada pela tecnologia e pautada na relação aprendizagem-mudança de comportamento por meio do reforço (Faheina, 2014).
As principais alterações provocadas por essa lei foram a junção dos cursos primário e ginasial - eliminando o exame de admissão que antes separava os dois níveis, com o objetivo de expandir a escolarização - e a constituição do ensino de 1º grau com duração de oito anos. Além disso, o ensino de 2º grau transformou o curso colegial, antes dividido entre clássico e científico, em ensino profissionalizante. Foram incluídas as seguintes disciplinas: Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde.
O ensino de 1º e 2º graus tinha um núcleo comum (Comunicação e Expressão, Ciências e Estudos Sociais), obrigatório em âmbito nacional, além de uma parte diversificada, de acordo com as necessidades e peculiaridades locais. Essa parte diversificada ensejava a terminalidade dos estudos, habilitando o jovem ao trabalho (Castro, 1983). O ensino de línguas estrangeiras fazia parte da lista diversificada, ou seja, não era obrigatório no 1º grau, mas deveria ter uma carga mínima no 2º grau.
Veremos, então, nas análises mais adiante, como essa legislação repercute nos livros didáticos de língua inglesa.
Sobre os livros didáticos
Para Choppin (2004), o livro didático atende a quatro funções: referencial, instrumental, ideológica/cultural e documental.
A função referencial se dá pelo fato de o livro didático ser “[...] suporte privilegiado dos conteúdos educativos, o depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações” (Choppin, 2004, p. 553). É dita instrumental a função por colocar em prática métodos de aprendizagem, ao propor atividades que visam à aquisição de habilidades. Já sua função ideológica e cultural está no fato de ser considerado “[...] um dos vetores essenciais da língua, da cultura e dos valores das classes dirigentes. Instrumento privilegiado de construção de identidade” (Choppin, 2004, p. 553). A função documental se explica pelo fato de que o livro didático pode fornecer um conjunto de documentos (textuais ou icônicos) que contribuem para desenvolver o espírito crítico do aluno.
Sobre a influência dos livros didáticos, ao silenciar ou exaltar vozes, Melo (2014, p. 31) reflete sobre o aprendizado dos saberes expostos nesses materiais acontecer ao mesmo tempo que os alunos “[...] apreendem concepções de mundo e leituras da realidade inseridas no modo como estes mesmos saberes são postos. Por este motivo, é que pelas vias pedagógicas, o livro detém em si, uma incrível capacidade de influência social”. Em seu estudo sobre a difusão de estereótipos acerca do sexo feminino nos livros didáticos, a autora conclui que, para além de se prestar ao ensino, esses materiais são meio de difusão de valores e ideologia - no caso, o papel da mulher na sociedade, apresentado de forma explícita ou camuflada.
Em suma, o livro didático é portador de valores, ideologias e culturas estabelecidas, principalmente, pelos grupos dominantes, mas que estão sujeitas à reação e resistência dos que as recebem, por isso o professor tem um papel estratégico nesse processo.
Casimiro (2005, p. 55) relembra que “[...] os livros didáticos de Inglês surgiram devido à necessidade de um instrumento de trabalho para os professores, de um material de apoio para a fixação dos conteúdos, um meio para atingir os objetivos do ensino da Língua Inglesa [...]”, já que compila, organiza e disponibiliza o conhecimento, traz textos e fontes complementares do conteúdo, e pode “[...] ser uma poderosa ferramenta de orientação pedagógica, desenvolver melhor as aulas e deixar os professores (não-bilíngues) mais confiantes ao ensinar a matéria”. Devido a essas características, muitas vezes, o livro didático acaba funcionando como um uniformizador do ensino.
O ensino de língua inglesa
Temos aqui a pretensão de explorar o ensino de língua inglesa a partir de suas abordagens e métodos. Vale lembrar que há distinção entre esses dois termos. Abordagem está relacionada à teoria, aos pressupostos do ensinar e aprender, ou seja, é um tipo de filosofia; já o método tem natureza mais restrita, é a prática, a forma planejada de agir dessa filosofia, a qual deve seguir uma sequência de etapas (Borges, 2010).
Não focaremos essa diferenciação conceitual, pois nos interessa entender ‘como’ e ‘o que’ foi ensinado, bem como de que forma abordagem e método estão interligados aos objetivos de ensino traçados pelas políticas educacionais em função da configuração que se pretende para determinada sociedade em um período específico. Por exemplo, a abordagem pautada em gramática e tradução prescrevia a memorização de regras gramaticais e vocabulários para possibilitar a tradução de textos. Ou seja, o foco estava na linguagem escrita em detrimento da oralidade. Portanto, o objetivo não é formar um falante da língua estrangeira, mas, sim, alguém que apenas compreenda textos escritos.
Tal abordagem, preponderante no Brasil no fim do século XIX e início do século XX, tinha o intuito de contribuir para a formação intelectual e espiritual do aluno pertencente à elite, já que pequena parcela da população tinha acesso à educação. Não se esperava um domínio e uso prático do inglês, com a língua oral, mas era prezada a análise gramatical e a leitura e tradução de textos literários (Oliveira, 1999).
No século XX, as reformas do ensino da língua inglesa oscilaram entre avanços e retrocessos, ora retirando o tratamento literário, ora retomando seu aspecto pragmático. Na Era Vargas, em 1931, ocorreu mudança na estrutura do ensino, objetivando adaptá-lo à nova realidade do país: nacionalização e modernização. Assim, reduziu-se a carga horária do latim, enfatizando as línguas modernas, além de reforçar seu caráter cultural e literário, aderindo-se ao Método Direto, ou seja, a língua estrangeira deveria ser ensinada na própria língua estrangeira, sem recorrer à língua materna (Oliveira, 1999).
Em 1942, o inglês era ensinado no curso ginasial, da segunda à quarta série, e optativo no Colegial. O período de 1950 a 1960 foi de internacionalização da economia brasileira, cuja referência eram os Estados Unidos da América. Portanto, o Inglês, ao lado do Francês, era ensinado nas escolas, com fins práticos de formação para o trabalho, suprimindo o estudo de história e literatura inglesa (Oliveira, 1999).
Uphoff (2007, p. 11) aponta que nesse período ocorre a introdução do Método Audiolingual, cuja inovação está no fundamento teórico pautado no behaviorismo, que concebe “[...] a aprendizagem como um processo de imitação e repetição mecânica”. Nele, incentivava-se a reprodução daquilo que se ouvia sem se preocupar com o significado exato das palavras ou com a estrutura gramatical. A progressão gramatical dava-se de forma gradativa, de estruturas mais simples para as mais complexas - princípio influenciado pelo movimento estruturalista na linguística. O aluno deveria experimentar a língua inglesa somente com as estruturas que já dominava.
Em 1961, com a promulgação da Lei nº 4.024 (LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), o ensino de língua estrangeira moderna passou a ter obrigatoriedade parcial no 1º ciclo e recomendação de inclusão no 2º ciclo, ficando a critério dos estados, conforme as condições de cada estabelecimento, não prevendo nenhum método de ensino. Após a implantação do regime militar, tivemos a importação de técnicas de ensino modernizantes para as escolas que continuavam excluindo a maior parte da população. Eram técnicas que seguiam os princípios organizacionais das empresas e buscavam a racionalização, a eficiência e a produtividade, como mencionado anteriormente.
Em 1971, a Lei nº 5.692 dispõe o ensino entre disciplinas do núcleo comum e disciplinas da parte diversificada - as línguas estrangeiras pertenciam a este último. Eram ofertadas no 2º grau de acordo com as condições de cada escola.
No ano de 1978, segundo Uphoff (2007), chegou ao Brasil o método comunicativo, advindo das necessidades de uma reformulação no ensino de inglês pautada na pedagogia crítica e no movimento europeu, o qual defendia a teoria funcional da linguagem. Nesse método, a comunicação oral deveria se dar por meio de encenações feitas pelos alunos sobre situações da vida cotidiana, sendo aconselhado que se falasse em língua materna o mínimo necessário. A gramática estava subordinada à comunicação verbal. Também sugeria o trabalho com temas de interesse dos alunos, possibilitado pela introdução de textos adicionais, como jornal, histórias em quadrinhos, músicas etc.
Portanto, observa-se que o ensino de língua inglesa, no decorrer do tempo, apresentou semelhanças, permanências e diferenças, rupturas e particularidades.
Procedimentos metodológicos
Os livros didáticos aqui analisados foram selecionados a partir do que constava nos Relatórios Anuais dos professores do CEP, elaborados na década de 1970, disponíveis no Centro de Memória do CEP, aos quais tivemos acesso.
O livro intitulado English as it is in the U.S.A, produzido pelo Centro de Cultura Anglo Americana (C.C.A.A) e impresso pela Waldyr Lima Editora, foi utilizado por toda a década de 70. Os autores da coleção são: Waldyr Lima, Brian McComish e F. Bowen Evans.
A Waldyr Lima Editora3 está diretamente relacionada à rede de escolas de línguas C.C.A.A, cujo website aponta que, em 1961, no Rio de Janeiro, Waldyr Lima desenvolveu um método interativo de ensino, fruto de pesquisas feitas em cursos de vários países, com base nas necessidades do aluno brasileiro. Por conta da demanda, em 1970, surgiu a Waldyr Lima Editora, com o objetivo de produzir materiais didáticos. Em 1982, inovaram com a utilização de aparelhos de TV e videocassetes em salas de aula e, posteriormente, na década de 1990, a implementação das aulas com o auxílio de computadores.
Sobre os outros autores, temos as informações de que F. Bowen Evans era um diplomata e escritor americano, aposentado, que vivia no Brasil no final dos anos 1960. Antes de ingressar no Serviço de Relações Exteriores dos EUA, Evans era um administrador educacional e professor universitário, tendo ensinado na Universidade de North Caroline e na Universidade Columbia, em Nova York. Já sobre Brian McComish, nada é apresentado.
Averiguou-se, nesses Relatórios Docentes do CEP, que os livros Preparatory e Book I eram trabalhados no 1º grau; já nas 3 séries do 2º grau, eram empregados os Book II e III.
Para a análise aqui proposta, nos inspiramos em Coracini (1999), elencando os seguintes elementos:
a) pré-textuais: capa, folha ou página de rosto, prefácio (no qual editores dialogam com professores e leitores/consumidores, expõem seus objetivos e podem revelar seus caminhos teóricos) e índices (nos quais são mostradas as seções e suas disposições);
b) textuais: os textos e seus conteúdos; as seções de compreensão e expressão escrita; as seções de compreensão e expressão oral; os tipos de exercícios propostos (de repetição, de perguntas/respostas, de análise, de preencher lacunas, de reformulação, as operações cognitivas exigidas etc.); os jogos comunicativos; as atividades de reflexão.
Os livros verificados nessa pesquisa não apresentam elementos pós-textuais (apêndices e referências), impossibilitando, assim, sua análise. Passemos, então, à análise dos livros.
Livros didáticos de língua inglesa
Os livros didáticos de inglês adotados pelo CEP na década de 1970 fazem parte de uma coleção desenvolvida no Brasil por autores e editores brasileiros em parceria com americanos. A coleção ‘English as it is in the U.S.A’ fez parte de um curso de Inglês preparado para as escolas brasileiras de 1º e 2º graus. Trata-se de uma coleção composta por 7 livros (do Preparatory ao Book six), porém, nesta pesquisa, focaremos os quatro livros (Preparatory, Book one, Book two e Book three) adotados e trabalhados no CEP, conforme consta nos relatórios dos professores. Esclarecemos que não obtivemos os materiais audiovisuais complementares, como fitas gravadas e diafilmes; portanto, restringiremos a análise aos livros didáticos.
As 4 obras analisadas estão citadas, com suas respectivas referências, ao final deste texto. Vale dizer que os livros não fornecem informações acerca do ano de publicação e séries destinadas, mas indicam que podem ser utilizados no 1º ou 2º graus, o que pode representar uma estratégia de venda.
Elementos pré-textuais
Capa
Devemos observar que o título da obra English as it is in the USA (Inglês como ele é nos EUA) passa um sentimento de confiança para o leitor, produzindo a representação de um material didático eficiente, merecedor de crédito, dado seu caráter incontestável, uma vez que ele transporta para o Brasil o mesmo inglês americano - elemento textual que é reforçado com a marca de quem o produz, o Centro de Cultura Anglo Americana (C.C.A.A.).
As capas dos livros Preparatory e Book three contêm ilustrações (ver Figura 1 a seguir), já as capas dos livros Book one e Book two não apresentam essas imagens, restringindo-se a dar informações sobre o título e o método.

Como se observa, as capas dos livros contêm uma faixa simulando um rolo de filme, com cenas do cotidiano. No Preparatory book, observamos: duas crianças se conhecendo, uma mãe colocando a filha para dormir, duas meninas se questionando sobre alguns brinquedos e um homem vendo as horas. Na capa do livro Book three, as imagens no rolo de filme sãPAINTo: a compra de um tapete, uma visita ao zoológico, a busca por um endereço e a ida ao meio rural. Imagens que condizem com o que postula o método audiolingual vigente naquele momento, que, atrelado a materiais audiovisuais complementares, deveria privilegiar, conforme aponta Uphoff (2007), uma progressão de aprendizagem, indo do mais simples ao mais complexo.
Por enunciar a adoção do método audiovisual, acreditamos que tais ilustrações tenham a intenção de transportar o leitor para o mundo do cinema, ou pelo menos da fotografia, procurando causar um ‘efeito audiovisual’, pois nos faz pensar em um ‘rolo de filme’ (algo utilizado nos anos 1970), que contempla imagens, sons, ação. Portanto, ideias que remetem a um método ativo, dinâmico, pretensamente interessante, envolvente e eficiente.
Página de apresentação
Os 4 livros destinados às escolas de 1º e 2º graus iniciam com uma página de apresentação, conforme mostra a Figura 2 a seguir. Nela, encontramos a afirmação de que a coleção: “[...] conduz o aluno sem qualquer conhecimento de Inglês a um ótimo nível de domínio da língua, tanto para uso cotidiano como para o exame vestibular”. Observemos que a promessa dos livros é de ensinar a língua inglesa partindo do zero até o final do aprendizado escolar, cuja expectativa é a aprovação no vestibular.
Também destaca, nesta página, a proposta metodológica do livro, explicitando que “[...] a fase oral é audiovisual e a escrita é apresentada na forma de instrução programada”. Não há especificação ou detalhamento de nenhuma das duas metodologias, provavelmente por estar se dirigindo ao professor, que deve ter conhecimento a respeito.
Lembremos que a instrução programada, segundo Parra (1983), adveio dos Estados Unidos devido à chegada da tecnologia em suas escolas, como rádio, TV, projeções, mas que ainda exigiam a presença de um professor transmitindo informações aos alunos. Skinner, psicólogo norte americano, em 1954, pautado em seus estudos sobre análise experimental do comportamento, conseguiu subsidiar uma programação de ensino consistente para questionar práticas educacionais em voga naquele momento. Um dos pontos fundamentais é o reforço, visto como motor da aprendizagem. Resumindo, Parra (1983, p. 80) aponta que:
A Instrução programada pode ser caracterizada como uma forma auto-didática de ensino, na qual as informações são apresentadas em pequenas doses e de forma gradual, seguindo um encadeamento lógico, do mais simples ao mais complexo, do mais concreto ao mais abstrato, permitindo que o aluno assimile os conhecimentos, passo a passo, de acordo com seu próprio ritmo e velocidade.
Conforme exposto no início, essa proposta foi um dos pilares da educação tecnicista, já que tinha como base a padronização do processo de ensino, utilizando-se de estratégias para alcançar a eficiência do trabalho pedagógico.

Quanto ao método audiovisual utilizado pelos autores para a aprendizagem oral da língua, não poderemos analisá-lo, pois, como mencionado, não conseguimos obter esses recursos materiais.
Observa-se também nessa página inicial que o professor tinha acesso a vários complementos do livro, como: dispositivos didáticos (diafilmes coloridos e fitas gravadas), roteiros prontos (planos de aula e provas), apoio avaliativo (folhas para respostas e chaves de correção). Tais materiais apontam para um grau elevado de direcionamento das aulas, pois o professor recebia o pacote completo, desde o planejamento até a avaliação. Seu papel era aplicar as instruções recebidas.
Página dedicada ao aluno
Todos os livros iniciam com esta breve mensagem ao aluno:
Você é parte integrante de um país que está crescendo. Seu país é parte de um mundo que cada dia torna-se menor [...] À medida que o mundo torna-se menor, povos de todas as partes precisam se comunicar a fim de serem rápida e facilmente entendidos. A língua inglesa é, hoje, este instrumento de comunicação (Lima et al., n.d.a, n.d.b, n.d.c, n.d.d).
Esse excerto traz a ideia do inglês como língua franca, ao ser tratado como “[...] uma língua cada vez mais presente nas interações entre falantes de diferentes línguas maternas nas mais diversas situações comunicativas” (Bordini & Gimenez, 2014, p. 14), ou seja, o inglês para se comunicar, a língua como prática social que deve ser utilizada por falantes não nativos. No entanto, tal visão se contrapõe ao título, que, como enunciado anteriormente, é Inglês como ele é nos EUA, trazendo a promessa de que o aluno se apropriará da língua como um falante nativo.
A nota, conforme a Figura 3, destaca também o inglês como a língua do desenvolvimento e da globalização. Visão reafirmada no seguinte excerto: “[...] ela é a língua mais importante do mundo. Assim sendo, a aprendizagem do inglês é, sem dúvida, uma necessidade básica para você que se prepara para sua vida profissional futura”. Considera-se, desse modo, o inglês como um conhecimento essencial para o acesso e inserção na sociedade e no mercado de trabalho. Um idioma visto como uma língua superior e universalizada.
Esse entendimento da língua está em consonância com a função ideológica e cultural do livro didático destacada por Choppin (2004), apresentada anteriormente. Ou seja, configura-se como instrumento capaz de contribuir para a transmissão de valores, cultura e identidade das classes dirigentes.

O excerto a seguir está relacionado aos procedimentos de aprendizagem que o material didático acredita promover:
Como você sabe, falar e escrever são os dois principais modos de comunicação. Com o nosso ensino você aprenderá, inicialmente, a comunicar-se através da forma falada e, em seguida, num progresso natural, através da forma escrita (Lima et al., n.d.a, n.d.b, n.d.c, n.d.d).
Lembremos que, conforme mencionado, a oralidade será aprendida pelo audiovisual e a escrita pela instrução programada, sendo que, pela repetição, esta última vai acontecendo naturalmente. Para tanto, são apresentadas palavras de estímulo, na linha da psicologia comportamental, do ‘behaviorismo’: “[...] Fale, mesmo que seja com pronúncia errada no início, e você aprenderá rapidamente, porque só se aprende uma língua estrangeira falando-a”.
Novamente, as recomendações apontam para a direção metodológica assumida, conforme segue: “Faça sempre os exercícios em instrução programada e os demais exercícios, porque eles são o complemento de seu trabalho oral da sala de aula. Eles se destinam a fixar a forma escrita do que foi aprendido oralmente”. Tal recomendação segue um dos princípios da instrução programada, o da estimulação, conforme aponta Parra (1983). Ele se pauta na participação ativa do aluno na aprendizagem, que ocorre por meio de contínuas questões. Também expressa a apropriação da visão estruturalista americana da linguagem, ou seja, “[...] deve-se priorizar a linguagem oral em detrimento da escrita”, como destaca Uphoff (2008, p. 11).
Por fim, mais palavras de estímulo e exaltação à importância do idioma, afirmando que, ao término do curso, “[...] você estará capacitado a dominar a língua que é meio de comunicação em todo o mundo, colocando-se numa posição melhor para ser útil ao seu país que está em pleno desenvolvimento” (Lima et al., n.d.a, n.d.b, n.d.c, n.d.d, English as it is in the U.S.A - Nota ao aluno). Esse excerto destaca explicitamente a importância da língua inglesa para o projeto desenvolvimentista brasileiro e para a formação do capital humano.
Personagens
A coleção traz logo no início uma página introduzindo os personagens que farão parte das histórias que iniciam cada unidade. Alguns desses personagens mudam a cada livro, como se vê na Figura 4.
Os personagens do livro estão presentes no decorrer dos pequenos diálogos, em discurso direto, que introduzem as unidades. No livro Preparatory, são: um casal (o pai, Mr. Burton, e a mãe, Mrs. Jean Burton), seus filhos (Bill e Vicky), a vizinha (Miss Sally Adams), mais duas crianças (Mike e Peggy), o comentador e um gato. Diferentemente de todos os personagens, que falam em primeira pessoa, o comentador traz a possibilidade da construção das frases em terceira pessoa.
O livro Book one possui ilustrações um pouco mais maduras, contendo os seguintes personagens: a família Miller (o pai, Jim; a mãe, Dorothy; o filho, Robert; e a filha, Cathy - os dois são alunos do ensino médio). Ainda, Peter, Frank e Christine (também estudantes do ensino médio), a professora, Miss Oliver, uma mulher, denominada apenas Woman (Mulher), que aparece como caixa no cinema, e um garçom, além do comentador.
Seguem exemplos deles na sequência:

As ilustrações do livro Book two são semelhantes às do livro anterior. Além disso, os personagens também são os mesmos, exceto pela adição de Charles (engenheiro e pai de Frank e Christine) e um médico, Doctor Kennedy. São substituídos o garçom e a mulher que trabalhou como caixa no cinema.
Os personagens do livro Book three têm a ilustração feita com traços mais elaborados, dada a maior maturidade dos estudantes nessa fase. Apesar dos traços diferentes, os personagens são os mesmos do livro anterior, com exceção do estudante Peter e do médico, que foram substituídos por um garçom, uma comissária de bordo e uma empregada doméstica.
Devemos lembrar que Chartier (2002) aborda o livro e sua constituição como meio de comunicação de saberes, um suporte de conteúdos culturais, de representações. Assim, é interessante notar que os personagens dos livros trazem a representação da família tradicional, por exemplo, a família Miller: composta por um pai, cuja profissão carrega prestígio social - engenheiro; uma mãe, cuja profissão não é informada, mas que está sempre em casa cuidando dos filhos e marido; dois filhos, uma menina e um menino, sociáveis, obedientes aos pais e estudantes do ensino médio. Em consonância com o que mostra a pesquisa de Melo (2014), o livro didático de língua inglesa, além de ensinar o idioma, carrega valores, modelos de organização social e moral, fortalecendo e inculcando estereótipos. Para a autora, tais estereótipos podem estar sutilmente colocados no epicentro da cultura escolar, mas eles sinalizam o poder de captura dos alunos nas armadilhas da sedimentação de preconceitos (Melo, 2014).
Nos livros, as crianças são representadas com muitos brinquedos e estão sempre felizes brincando ao ar livre nas horas de lazer. Já os jovens frequentam cinema, tomam Coca-Cola e milk-shakes, comem hambúrgueres em lanchonetes, utilizam metrô, visitam a Disney, praticam esportes e tocam instrumentos. Os adultos viajam de avião; a professora utiliza-se de muitos recursos audiovisuais em suas aulas; o relógio é um objeto presente em diversas histórias, indicando a preocupação com o horário; o café é sempre servido com creme, um hábito incomum no Brasil. Também, as casas fogem do padrão brasileiro: elas são grandes, de dois andares, com jardins, decoradas, cheias de móveis e eletrodomésticos, com carros e bicicletas nas garagens. Ainda, os esportes praticados pelos estudantes, além do futebol, são o baseball e o futebol americano - esportes não praticados em nosso país.
Observamos nesses exemplos marcas da ideologia dominante, a americana, que exerce um efeito de que aprender uma língua estrangeira é apreender os hábitos e a cultura dessa sociedade. Elementos que, em sintonia com a importância destacada a essa língua, no início no texto endereçado ao aluno, contribuem para a formação de capital humano, uma vez que pode haver uma correlação entre melhoria da capacidade de trabalho, inovação e riqueza.
Caraterísticas gerais
Quanto às características físicas, todos os livros têm encadernação do tipo brochura, com capa em papel grosso. O corpo do livro é composto por folhas coladas, impressas em frente e verso em tinta de cor preta. Os desenhos dos diálogos que introduzem as unidades são coloridos, já as imagens apresentadas nos exercícios são de cor preta.
Sobre a constituição física do livro, Chartier (1998, pp. 7-8) descreve que
[...] um livro manuscrito (sobretudo nos seus últimos séculos, XIV e XV) e um livro pós-Gutenberg baseiam-se nas mesmas estruturas fundamentais - as do códex. Tanto um como outro são objetos compostos de folhas dobradas um certo número de vezes, o que determina o formato do livro e a sucessão dos cadernos. Estes cadernos são montados, costurados uns aos outros e protegidos por uma encadernação. A distribuição do texto na superfície da página, os instrumentos que lhe permitem as identificações (paginação, numerações), os índices e os sumários: tudo isto existe desde a época do manuscrito.
Além dessas características físicas que advêm de séculos, todos os livros seguem esta organização: lições, exercícios para aquisição de vocabulário seguidos de exercícios de gramática - ambos em instrução programada - e revisão para teste.
Observamos que tal organização segue dois princípios da instrução programada, como aponta Parra (1983): o da estruturação da matéria e o do controle ou verificação imediata. O primeiro refere-se aos pequenos passos que devem ser oferecidos para que o aluno não cometa erros; assim, a cada lição, seguem exercícios para a ‘fixação’ da aprendizagem. Já o princípio do controle funciona por meio desses exercícios e da revisão como estratégia para que o aluno vá acompanhando sua aprendizagem.
Elementos textuais
Conteúdo
A lista de conteúdo dos livros é composta de 10 a 15 lições, cada uma tem uma temática, contemplada por um título. Por exemplo, no Preparatory, temos: Let’s sing, A neighbor, In the yard etc. Elas iniciam com uma curta história envolvendo os personagens citados anteriormente, que se relacionam por meio de diálogos simples, compreendendo apenas vocabulário e gramática. Em seguida, há uma breve esquematização da parte gramatical e lexical abrangida na história.
As histórias não apresentam intenção explícita de ensinar valores ou costumes da cultura americana. No entanto, percebe-se, por meio das ocupações dos personagens e no decorrer das histórias, o American way of life, isto é, o estilo de vida americano - mediante a aquisição de bens de consumo materiais e tecnológicos, transmitem a ideia de felicidade e liberdade.
A parte gramatical contempla: verbos regulares e irregulares (formas afirmativas, negativas e interrogativas; tempo presente, passado, futuro, condicional); comandos (imperativos); adjetivos possessivos; pronomes (interrogativos, demonstrativos, possessivos, indefinidos); artigo indefinido; advérbios; comparativos de superioridade; superlativo.
A parte destinada ao vocabulário envolve: números; horas; cores; preposições; objetos escolares; brinquedos; roupas; cumprimentos; membros da família; cômodos da casa; comidas e bebidas; meses; estações do ano; datas; dias da semana; doenças; esportes; meios de transporte; endereços; locais/comércios; refeições; países; vocabulário usado no aeroporto, avião e no hotel; animais do campo e do zoológico.
Diante dessa lista de conteúdos, é possível observar que ela aborda as temáticas em uma sequência gradual, do simples para o mais complexo a cada livro, seguindo adequadamente a proposta da instrução programada, cujos conteúdos devem ser divididos seguindo um encadeamento lógico e suave (Parra, 1983), baseado em uma progressão que se apoia em critérios estruturais, ou seja, na correlação entre comunicação e gramática (Uphoff, 2008). Ao final dos 4 livros, tem-se contemplado o programa esperado para um nível intermediário de aprendizagem.
A seguir, tem-se a transcrição de um trecho de uma lição do Book two, intitulada A visit to California.
Cathy: Last year we visited our relatives in California
Commentator: The Millers visited California last year
Cathy: We arrived in Los Angeles on Christmas Eve
Frank: How did you travel to California?
Cathy: We traveled by train.
Frank: Did you stay with your uncle and aunt?
Cathy: No, we didn’t. We stayed at the Hilton (Lima et al., n.d.c., p. 111).
Esse é o tipo de diálogo que acontece em toda a coleção. Por esse excerto, é possível observar que são frases curtas com vocabulário simples; no caso, o objetivo é explorar o tempo passado.
Atividades
Os exercícios, na forma de instrução programada, têm por objetivo a aplicação dos conteúdos. Inicialmente, há uma explicação, em português, do funcionamento desse sistema de ensino: o aluno deve utilizar um pedaço de plástico com duas janelas, uma para mostrar o exercício em branco a ser completado, e outra para cobrir as respostas. Além da explicação, há recomendações de que o aluno não engane a si próprio copiando a resposta, no lugar de tentar resolvê-la. Assim, o aluno é guiado por comandos dados pelo próprio livro. São 26 etapas relativas ao vocabulário e 8 atividades da parte gramatical.
Além dessas, também há a proposta de exercícios do tipo ‘Marque o item correto com um X’, ‘Crie frases organizando as palavras na ordem correta’, ‘Complete as lacunas com as palavras dadas’, ‘Reescreva as frases afirmativas na sua forma negativa’, ‘Complete as lacunas com os verbos em parênteses no tempo adequado’, ‘Ditado’, ‘Rotule as imagens com as frases dadas’ e ‘Caça palavras’. São atividades cujas respostas se resumem a escrever algumas palavras nos espaços em branco.
As atividades seguem o que Parra (1983, p. 81) descreve como “[...] uma série ordenada de exercícios para comunicar conhecimentos, visando desenvolver a capacidade do aluno de comportar-se de um modo cada vez mais complexo”. Para tanto, faz-se necessário dividir o conteúdo em unidades elementares, articuladas em determinada sequência que direcione o aluno para a resposta esperada.
Nos livros Preparatory e Book three, há um ‘Modelo de Questões para Provas’, com a seguinte descrição: ‘Resolva estes exercícios na sala com o professor. Ele solverá suas dúvidas. Veja a seguir os tipos de questões que haverá em suas provas’. Os tipos de questões não diferem dos tipos já realizados anteriormente. Também, a cada duas ou três unidades, os livros trazem revisões para testes avaliativos. Ao final do livro Book one, há uma página com as respostas dos exercícios de revisão, que não está incluída nos demais livros. Dessa maneira, os alunos poderiam conferir suas respostas sem o auxílio do professor.
Também no Book one, encontra-se uma folha de respostas para provas do tipo múltipla escolha (ver Figura 5). As instruções de uso são dadas no enunciado, em português. Essa folha nos fornece indícios de como eram as provas: 70 questões de múltipla escolha, com quatro opções de resposta para cada questão.
Esse livro, por ser de um nível de maior complexidade, contém uma quantidade maior de atividades em instrução programada, mas com menos questões objetivas, dando mais oportunidade para a prática da escrita, ainda que guiadas e limitadas às questões gramaticais e lexicais estudadas na unidade. Para exemplificar a elaboração de frases solicitadas aos alunos, observe os exercícios a seguir:
1) In the story, how does Robert feel? ____ _ _ _ _ _ s_ _ _
2) Do you usually have headaches? (Lima et al., n.d.b., p. 77).
Perceba que o primeiro orienta a resposta esperada; já no segundo, a resposta pode ser de forma livre, no entanto ela pode ser apenas uma reposta afirmativa ou negativa.
No Book three, antes de iniciar sua primeira unidade, há quatro páginas destinadas à revisão intitulada General Review, com uma nota, em inglês, recomendando que aqueles exercícios deveriam ser feitos em sala com o professor. São exercícios objetivos, seguindo o padrão dos outros livros. Todavia, os exercícios desse livro apresentam maior complexidade, isto é, não oferecem as opções de respostas já nos enunciados, mas apresentam frases mais longas e complexas, além de conter perguntas de resposta livre. Ou seja, oferecem maior possibilidade para a subjetividade dos estudantes, não em relação à exposição de suas opiniões, mas, ao menos, para que possam colocar em prática as estruturas gramaticais e vocabulários aprendidos. Por exemplo, neste exercício: Is the street where you live narrow or wide?, o aluno deve escrever sobre a rua em que mora, utilizando vocabulário e gramática estudados.
Portanto, resumindo, as atividades propostas nos quatro livros são centradas em questões objetivas, cuja preocupação é puramente lexical e gramatical, em detrimento de questões discursivas. Dessa forma, elas não possibilitam a exposição das opiniões do aluno, além de não contextualizar os conhecimentos. Também, não há atividades de tradução, ao contrário, todo o conteúdo, salvo alguns enunciados nos anos iniciais, está em língua inglesa.
Em nenhum dos livros há textos longos ou complexos. O único gênero textual adotado se resume nos diálogos utilizados apenas para introduzir vocabulário e gramática. Segundo Uphoff (2008, p. 13), essa tendência de ensino centrado na gramática perdurou até o final da década de 1970; com a chegada do método comunicativo, nos anos 80, a dimensão interacional passa a ser mais significativa e, nela, “[...] falar com fluência é mais importante que falar de maneira gramaticalmente correta [...]”, além de o erro passar a ser considerado inevitável e necessário.

Considerações finais
Retomaremos as funções que Choppin (2004) aponta para os livros didáticos e as relacionaremos à legislação vigente. Quanto à função referencial, ou seja, os conhecimentos e habilidades a serem transmitidos, observamos, nas histórias apresentadas em forma de diálogos curtos e nas atividades sobre vocabulário e gramática, que o ensino de língua inglesa não teve seus conteúdos afetados pelos propósitos da ditadura militar, seja em termos de condutas ou valores. Porém, percebemos que foi por meio da metodologia e dos procedimentos em sala de aula que se efetivaram o tipo de educação e o modelo de cidadão a ser formado que o governo almejava naquele momento.
Assim, foi devido à função instrumental (Choppin, 2004), que concebe o material didático como ferramenta para praticar os métodos de aprendizagem, que, por meio da instrução programada, promoveu-se uma aprendizagem pautada na repetição e memorização. A instrução programada permite que o estudo aconteça individualmente e progrida na velocidade do aluno. No entanto, na mensagem ao aluno, afirma-se que o propósito é promover a comunicação do estudante com o mundo e em sua atuação futura para o desenvolvimento do país.
Como visto, o material concentra-se em treinar o aluno para reconhecer palavras e na visão de que ler é o mesmo que oralizar. Assim, apesar de ter a pretensão de promover a inovação no ensino da língua inglesa, ao trazer materiais complementares, como diafilmes e fitas gravadas (aos quais não tivemos acesso), que aparentam mais interação, dinamicidade e eficiência, as atividades dos livros pautam-se na memorização.
Já a função documental (Choppin, 2004), que se refere aos elementos textuais que contribuem para a criticidade no aluno, é bastante debilitada, pois são textos que não guardam relação com o cotidiano dos estudantes, nem mesmo as atividades abrem espaço para posicionamentos de suas ideias.
Nesse ponto, vale destacar que, na Lei nº 5.692/71, a língua estrangeira moderna perdeu sua característica de elemento formativo da cultura geral para se transformar em um instrumento de habilitação profissional de 2º grau, na área de formação especial. Em um excerto do projeto curricular do CEP, de 1973, consta que diversos cursos em variadas especificações (cursos técnicos, cursos nos ramos das indústrias ou serviços etc.) eram ofertados visando à ‘habilitação profissional’, sendo que o currículo de língua inglesa deveria carregar um aspecto essencialmente prático e até comercial, conforme vemos a seguir:
[...] ensinamento de termos técnicos, científicos ou comerciais para se alcançar, ao final, a especialização propriamente dita e o espírito de independência, de auto realização e uma reserva de potencial de conhecimentos no campo específico que permitam ao técnico de nível médio a possibilidade de consulta à bibliografia estrangeira e obtenção de bolsas de estudo, no exterior (Colégio Estadual do Paraná [CEP], 1973).
A declaração anterior nos indica o caráter cultural, ideológico, social e educativo proposto para aquele momento. Nessa direção, temos o livro com sua função ideológica/cultural (Choppin, 2004), que se refere aos valores veiculados para a construção de identidade; observamos seu foco no consumo, no bem-estar, na riqueza, nos pertences, no conforto, isto é, na valorização dos bens materiais.
Assim, podemos responder à nossa pergunta inicial, sobre a finalidade do ensino de língua inglesa naquele momento político. Como visto, o ensino tecnocrático foi intensificado e oficializado na década de 1970, os livros didáticos seguiam essa tendência com o sistema de instrução programada e um discurso de que o inglês era a língua de que o mercado precisava. No entanto, limitava o exercício da língua, do pensamento e da interação social.
Lembrando, ainda, que era um período de industrialização e urbanização, com crescente demanda de mão de obra, conduzido por um governo militar, ao qual não interessava despertar consciência crítica na população, então, um ensino limitado às estruturas gramaticais e lexicais era muito adequado; também, com a reduzida interação entre alunos, ao propor um material com ensino individualizado, a relação livro-aluno era providencial, cabendo ao professor um papel auxiliar, já que o ‘silenciamento docente’ era muito conveniente.
Portanto, se o livro didático carrega as funções referencial, instrumental, ideológica e cultural apontadas por Choppin (2004), podemos dizer que ele as transpõe ao ensino, seja por seus métodos pedagógicos, pelos conteúdos, exercícios ou atividades, favorecendo a aquisição de determinadas competências e habilidades. Como já afirmado, o livro didático é produto de determinadas concepções de mundo. Desse modo, o papel do professor é crucial para identificar e se posicionar diante dos valores que o livro veicula, seja por meio dos conteúdos que estão sendo priorizados, seja pelas abordagens e metodologias utilizadas.
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Notas
R2: um convite; um parecer recebido.
Notas de autor
E-mail: raqueldiscini@uol.com.br
*Autora correspondente.