ARTIGO ORIGINAL
Recepción: 10 Agosto 2024
Aprobación: 01 Diciembre 2024
Publicación: 03 Febrero 2025
DOI: https://doi.org/10.4025/rbhe.v25.2025.e357
Financiamiento
Fuente: Sociedade Brasileira de História da Educação
Fuente: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Nº de contrato: 30/2023
Descripción del financiamiento: A RBHE conta com apoio da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e do Programa Editorial (Chamada Nº 30/2023) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Resumo: Este artigo investiga a persistência da Educação Popular (EP) no Brasil durante o regime militar, evidenciando como educadores e movimentos sociais mantiveram práticas educativas mesmo sob repressão. O objetivo é compreender como essas práticas se mantiveram ativas e se transformaram em ferramentas de resistência política e social, perpetuando as ideias de Paulo Freire e outros educadores. A pesquisa, baseada especialmente em análise bibliográfica e documental, explora a atuação clandestina na EP. Além disso, os resultados destacam a importância da solidariedade internacional e a emergência de uma nova categoria: ‘Educação Popular como Rede de Resistência e Transformação Social’, que evidencia a interconexão entre sujeitos e instituições como uma rede de resistência e transformação social.
Palavras-chave: Educação popular, militância, clandestinidade, movimentos de resistência.
Abstract: This article investigates the persistence of Educação Popular (EP) in Brazil during the military regime, highlighting how educators and social movements maintained educational practices even under repression. The aim is to understand how these practices remained active and transformed into tools of political and social resistance, perpetuating the ideas of Paulo Freire and other educators. The research, primarily based on bibliographic and documentary analysis, explores the clandestine activity in Popular Education (EP). Additionally, the results highlight the importance of international solidarity and the emergence of a new category: ‘Educação Popular as a Network of Resistance and Social Transformation’, which underscores the interconnection between individuals and institutions as a network of resistance and social transformation.
Keywords: Popular education, militancy, clandestinity, resistance movements.
Resumen: Este artículo investiga la persistencia de la Educação Popular (EP) en Brasil durante el régimen militar, destacando cómo educadores y movimientos sociales mantuvieron prácticas educativas incluso bajo represión. El objetivo es comprender cómo estas prácticas se mantuvieron activas y se transformaron en herramientas de resistencia política y social, perpetuando las ideas de Paulo Freire y otros educadores. La investigación, basada especialmente en el análisis bibliográfico y documental, explora la actividad clandestina en la Educación Popular (EP). Además, los resultados destacan la importancia de la solidaridad internacional y la emergencia de una nueva categoría: ‘Educação Popular como Red de Resistencia y Transformación Social’, que evidencia la interconexión entre sujetos e instituciones como una red de resistencia y transformación social.
Palabras clave: Educación popular, militancia, clandestinidad, movimientos de resistencia.
Introdução
Este artigo busca apresentar registros da Educação Popular brasileira durante o período da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985), abordando como essa prática pedagógica1 manteve-se ativa e resiliente, apesar da repressão. O principal objetivo deste estudo é compreender como a Educação Popular permaneceu ativa e resiliente ao longo do regime militar no Brasil, transformando-se em uma ferramenta de resistência política e social. Além disso, busca identificar os principais sujeitos, movimentos e práticas educativas que sustentaram as ideias emancipadoras de Paulo Freire2 e de outros educadores, mesmo sob intensa repressão. A pergunta central que orienta esta pesquisa é: como a Educação Popular manteve-se resiliente e ativa durante a repressão intensa da ditadura civil-militar no Brasil?
Nesse contexto, a relevância deste estudo reside na necessidade de entender como as práticas educativas de Educação Popular mantiveram-se ativas em meio a um período de repressão, proporcionando uma compreensão mais profunda das teorias freirianas de educação crítica e emancipadora. O estudo busca aprofundar a discussão sobre como essas teorias não apenas contextualizam, mas também explicam a persistência das práticas de Educação Popular naquele momento.
A pesquisa desenvolvida sobre a Educação Popular durante a ditadura civil-militar (1964-1985) no Brasil teve como objetivo compreender as práticas de resistência e a continuidade dos movimentos populares, mesmo em um contexto de repressão. Para atingir esse objetivo, o estudo baseou-se em uma combinação de fontes bibliográficas, documentais e orais, proporcionando uma análise detalhada e rigorosa. As fontes bibliográficas incluíram livros e artigos de autores reconhecidos na área, como Carlos Rodrigues Brandão, Osmar Fávero e entrevistas3 realizadas por Paulo (2018) com pioneiros da Educação Popular, que ofereceram uma base teórica sólida e uma perspectiva crítica essencial sobre a Educação Popular. Esses autores foram fundamentais para contextualizar a organização dos movimentos e compreender as estratégias adotadas em resposta à repressão do regime militar.
Além das referências bibliográficas, foram consultados documentos organizados por Osmar Fávero e Elisa Motta (2015), que forneceram um panorama detalhado das atividades desenvolvidas pela Educação Popular no Brasil. Esses documentos, disponibilizados em três volumes, intitulados ‘Memória da Educação Popular I’, ‘Educação de Jovens e Adultos’ e ‘Nova fase da Educação Popular’, foram essenciais para compreender o contexto histórico e as práticas educativas da época.
A pesquisa também utilizou fontes orais, incluindo entrevistas com educadores que participaram ativamente das práticas de Educação Popular durante a ditadura. Dentre os entrevistados, destacam-se pioneiros da Educação Popular como Carlos Rodrigues Brandão, cujas experiências forneceram uma visão autêntica das práticas educativas desenvolvidas naquela época. As fontes orais foram selecionadas pela relevância dos participantes e pela contribuição direta às práticas do período, garantindo que as experiências fossem preservadas e analisadas de maneira contextualizada. Conforme Ferreira (1994), a utilização dessas fontes permite registrar e preservar memórias que poderiam ser esquecidas, funcionando como um instrumento de resistência e resgate da memória coletiva.
Para assegurar o rigor metodológico, foi adotada a triangulação de dados4, que consistiu na combinação de diferentes tipos de fontes: bibliográficas, documentais e orais. A triangulação, conforme discutido por De Sá e Henrique (2019), foi fundamental para validar as informações ao cruzar os relatos e as entrevistas com documentos históricos e outros estudos. Essa prática possibilitou mitigar possíveis distorções e enriquecer a análise, proporcionando uma compreensão mais abrangente e crítica do impacto da Educação Popular durante o regime militar.
Reconhecendo as limitações dos relatos orais5, como os vieses de memória, a análise foi conduzida de forma crítica e contextualizada. Os documentos foram cuidadosamente selecionados e analisados, considerando os critérios de organização e as intencionalidades envolvidas, o que foi fundamental para compreender tanto os limites quanto as possibilidades dessas fontes. Além disso, houve um esforço contínuo para evitar a idealização excessiva das práticas de Educação Popular, evidenciando as ambiguidades e diferentes níveis de resistência observados, especialmente no caso do Movimento de Educação de Base (MEB), que passou por adaptações em pleno regime militar. A análise buscou, assim, não apenas destacar a resistência explícita, mas também compreender as complexidades e os diferentes níveis de adaptação e enfrentamento das práticas educativas no contexto ditatorial.
Diante do exposto, o tema deste artigo foca a resistência e a continuidade da Educação Popular no Brasil durante o período da ditadura civil-militar (1964-1985). Examina-se como, em um contexto de intensa repressão política, essa prática pedagógica conseguiu manter-se ativa e resiliente, servindo como uma ferramenta de mobilização e conscientização social. Através da triangulação de dados, o estudo busca revelar como educadores adaptaram e sustentaram suas práticas educativas, muitas vezes de forma clandestina, enfrentando censura, perseguição e exílio. A pesquisa explora os desafios enfrentados e as estratégias adotadas para manter viva a Educação Popular, destacando sua importância como uma prática de emancipação e transformação social, mesmo em tempos de adversidade extrema.
A literatura sobre Educação Popular durante os períodos de repressão na América Latina evidencia a prática como uma forma de resistência coletiva e insurgência. Schlindwein e Catini (2021) destacam que, desde os anos 1960, a Educação Popular se consolidou em um contexto de efervescência de movimentos sociais, servindo, posteriormente, como um canal de resistência contra regimes ditatoriais e promovendo práticas emancipatórias via organização social. Saviani (2008) aponta que, no curso do regime militar no Brasil, a educação foi planejada por políticas que reforçavam o controle e a repressão, o que fez da Educação Popular um meio de contestação às práticas autoritárias e de busca pelo combate ao elitismo e à exclusão no sistema educacional. Além disso, as experiências da Campanha de Educação Popular na Paraíba exemplificam como a Educação Popular situou-se como uma resposta ao autoritarismo, conectando-se a movimentos camponeses e estudantis até ser alvo de perseguição logo após o golpe de 1964. Essa tradição de resistência e inovação pedagógica reflete o legado transformador de educadores como Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Osmar Fávero e Celso Beisiegel, por exemplo, que concebiam a Educação Popular como uma prática de conscientização crítica e de resistência político-pedagógica (Paulo, 2018).
A compreensão de Educação Popular é a de Paulo Freire (2008), que a define como um processo profundamente vinculado à transformação social e à libertação das classes populares. Freire concebe a Educação Popular como um meio de atender aos interesses das camadas populares, historicamente oprimidas, e como um caminho tanto no campo do conhecimento quanto no campo político. Ele destaca que a Educação Popular deve contribuir para a conscientização crítica dos oprimidos, capacitando-os para que ganhem poder popular político e se tornem protagonistas na criação de uma nova ordem social sem dominação e opressão. Ao contrário do discurso neoliberal, que reduz a educação à mera capacitação para o mercado de trabalho, Freire (2008) defende uma educação que forme trabalhadores competentes com consciência histórica, política e social, visando à transformação radical da sociedade a partir do seu contexto.
Por fim, este artigo está organizado da seguinte forma: i) Introdução: apresenta o tema, os objetivos, a justificativa da relevância do estudo, a questão problemática e a metodologia adotada; ii) Educação Popular na ditadura civil-militar: esta seção discute o contexto da ditadura civil-militar no Brasil e como a Educação Popular foi afetada, detalhando as práticas educativas que foram mantidas, alteradas ou interrompidas; iii) Movimentos e educadores de resistência: aqui são explorados os principais movimentos sociais e os educadores que desempenharam papéis fundamentais na manutenção da Educação Popular durante o regime militar; iv) Práticas clandestinas e resistência política: esta seção investiga as práticas educativas realizadas de forma clandestina, focando a resistência política e social através da Educação Popular, bem como o papel do apoio internacional para a continuidade dessas atividades; v) Conclusão: apresenta os principais achados da pesquisa, destacando a resiliência da Educação Popular e sua importância como prática de emancipação e transformação social, mesmo em tempos de intensa repressão.
Educação Popular na ditadura civil-militar
Durante a ditadura civil-militar no Brasil, entre 1964 e 1985, a Educação Popular enfrentou intensa repressão, entretanto também se destacou como uma forma de resistência e transformação social. No prefácio de Carlos Rodrigues Brandão para Paulo e Gaio (2021), ele reflete sobre os impactos do regime ditatorial, traçando paralelos com práticas totalitárias históricas, como a censura e a queima de livros subversivos. Brandão relembra o período de opressão, em que materiais educativos e pessoais foram destruídos por medo de represálias do governo e do Serviço Nacional de Informação (SNI). Ele destaca a importância da Educação Popular na América Latina, uma prática pedagógica que, apesar de perseguida, mostrou-se resiliente e transformadora.
Paulo Freire, uma das figuras centrais da Educação Popular, foi exilado por quase dezesseis anos devido ao seu envolvimento com a educação libertadora. Suas ideias e obras, como Pedagogia do oprimido, foram proibidas e censuradas em meio ao regime (Amoré, 2014; Andreola, 2015; Fávero, 2004; Gadotti, & Abrão, 2012). Brandão (2002, 2016) menciona que publicou seu primeiro livro sobre Educação Popular, Educación popular y proceso de conscientización, em Buenos Aires, com a assinatura do teólogo uruguaio Júlio Barreiro para proteger o autor brasileiro. Salete Valesan Camba reforça a relevância de Freire, afirmando que sua obra não poderia faltar nos tempos de ditadura (Gadotti, & Abrão, 2012). José Maria Coutinho também relata que, durante o movimento estudantil de 1967 e 1968, mencionar Freire ou o termo ‘conscientização’ era quase proibido, pois o regime associava essas ideias à subversão (Gadotti, 1996).
Por exemplo, o Movimento de Educação de Base (MEB) foi uma das iniciativas mais impactadas pela ditadura, contudo resistiu através de atividades clandestinas e apoio internacional. Antes do golpe de 1964, o MEB já havia instalado cerca de 8 mil escolas radiofônicas, promovendo a conscientização e a organização comunitária (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO] & Ministério da Educação [MEC], 2007). No entanto, após o golpe, o movimento enfrentou repressão intensa, com invasão de escolas, destruição de materiais e prisão de monitores e educadores (Wanderley, 1984). Mesmo assim, o MEB e outras iniciativas de Educação Popular continuaram suas atividades de forma clandestina, resistindo ao regime autoritário. A Figura 1 a seguir é uma mostra dos atos de perseguição de educadores e materiais de Educação Popular.

Carlos Rodrigues Brandão, em suas cartas6, relata que muitos educadores continuaram a trocar correspondências para manter viva a Educação Popular. Embora muitas dessas cartas tenham sido destruídas, pesquisas recentes têm resgatado parte desse patrimônio histórico. Mesmo sob repressão, instituições como o MEB e a ala progressista da Igreja Católica continuaram a atuar de forma discreta, subvertendo o modelo autoritário imposto pela ditadura. O papel fundamental da ala progressista7 do episcopado brasileiro foi reafirmado pelo Presidente João Goulart em 1963, que reconheceu a importância do MEB para a educação das populações subdesenvolvidas (Raposo, 1985).
No decorrer da ditadura, várias instituições e movimentos, além do MEB, desempenharam papéis fundamentais na Educação Popular. Dentre eles, destacam-se o Movimento de Cultura Popular (MCP), a campanha ‘De pé no chão também se aprende a ler’, o Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE e o Sistema Paulo Freire (Unesco & Mec, 2007). Essas iniciativas resistiram às adversidades, mantendo vivos os ideais de justiça social e educação crítica. Nas palavras de Brandão (2016), em entrevista com Paulo, relacionando a Educação Popular como Resistência:
Desenvolvíamos no MEB difíceis experiências em que todas as “coisas” estudadas, aprendidas, decididas deveriam ser vividas através de trocas tão igualitárias quanto possível entre todas as pessoas: entre nossos monitores-de-escola radiofônicas, entre as e os educadores de uma equipe; entre nós da equipe nacional e os integrantes das equipes regionais do Nordeste ou de Goiás com quem nos encontrávamos em reuniões e em treinamentos. Passei um tempo fora. De volta ao Brasil, Maria Alice e eu nos somamos a pessoas insurgentes que viviam desde 1964 um difícil momento de diferentes tentativas de resistência ao poder militar. Um obscuro e opressivo tempo de cuidados extremos; de denúncias e de fugas e ocultamentos das pessoas mais “procuradas”. Um tempo de prisões e de torturas; de exílios e também de mortes. A expressão “João caiu ontem em Goiânia” tendia a tornar-se corriqueira.
O relato de Carlos Rodrigues Brandão oferece uma perspectiva sobre a Educação Popular como forma de resistência durante a ditadura civil-militar no Brasil. Ele destaca como o Movimento de Educação de Base (MEB) tornou-se um espaço de partilha, resistência e de solidariedade entre educadores, apesar das condições adversas impostas pelo regime autoritário. Brandão reflete sobre a difícil realidade vivida por aqueles que se insurgiram contra o poder militar, enfrentando perseguições, prisões, torturas, exílios e até mortes. A resistência, nesse contexto, não era apenas uma ação política, mas também uma prática pedagógica, na qual a educação se transformava em um ato de coragem e subversão à ordem estabelecida. A frase “João caiu ontem em Goiânia” simboliza a constante ameaça e o medo vivido pelos educadores, que, mesmo sob o risco de repressão, mantinham viva a luta por justiça social e pela educação popular crítica. A Educação Popular nesse período, assim, emergiu como um ato de resistência coletiva, no qual o ensino e a aprendizagem eram ferramentas para desafiar e subverter o autoritarismo, promovendo a conscientização e a emancipação das classes populares.
Sérgio Haddad (2014) destaca que, nos anos 1970, em plena ditadura, surgiram novas formas de ação política, como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e as Organizações Não Governamentais (ONGs). Essas entidades, influenciadas pelo Concílio Vaticano II e pela Teologia da Libertação, aproximaram-se dos setores populares e promoveram a Educação Popular como prática social de resistência política e pedagógica. O financiamento internacional, principalmente via agências europeias, foi fundamental para o suporte a essas iniciativas, mesmo à distância, com Paulo Freire como figura central inspiradora (Haddad, 2014).
As reações conservadoras contra a Educação Popular são bem documentadas, como expõe Scocuglia (2018) em A educação popular nos arquivos da ditadura militar. A Justiça Militar atuou na tentativa de erradicar o método Paulo Freire, monitorando e reprimindo as práticas freirianas. No entanto, instituições como o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) continuaram a promover a Educação Popular e a pedagogia freiriana na América Latina, publicando materiais críticos e resistindo ao autoritarismo (Fávero & Motta, 2015).
O NOVA - Pesquisa, Assessoria e Avaliação em Educação, fundado em 1972, também desempenhou um papel central na produção de materiais e no apoio a grupos de base, mantendo viva a prática da Educação Popular mesmo sob repressão. Os Cadernos de Educação Popular, produzidos pelo NOVA, discutiam temas como metodologia de avaliação e a relação entre saber e poder, promovendo uma educação emancipadora (Haddad, 2014).
No contexto da Educação Popular, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) serviram como espaços de resistência e mobilização social, integrando fé e ação política. Inspiradas por iniciativas leigas e eclesiásticas, as CEBs articularam a prática religiosa com a luta por direitos sociais e econômicos, questionando a cumplicidade da Igreja com estruturas opressivas e promovendo uma pedagogia do trabalho e da participação ativa (Betto, 1981).
Por fim, o Pasquim, jornal alternativo fundado em 1969, utilizou o humor como forma de resistência, enfrentando a censura rígida do regime e persistindo como voz ativa contra o autoritarismo. Paulo Freire, no exílio, continuou a trabalhar pela justiça social e pela transformação revolucionária através da educação, alinhando sua prática pedagógica com a luta pela liberdade e dignidade humana (Paulo, 2018).
Através de esforços coletivos e clandestinos, a Educação Popular no Brasil conseguiu sobreviver e se fortalecer durante a ditadura, desempenhando um papel essencial no desenvolvimento educacional e político do país. Essas iniciativas, muitas vezes realizadas de maneira disfarçada, asseguraram a continuidade da conscientização e mobilização social, mantendo vivos os ideais de justiça social e educação libertadora.
Das atividades de Educação Popular que foram interrompidas
No contexto pré-golpe de 1964 no Brasil, a alfabetização de adultos emergiu como uma proposta educativa crítica, destinada a combater a exclusão política e fomentar a cidadania ativa e a educação para a democracia. Movimentos como o Movimento de Cultura Popular (MCP) em Recife e a Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler em Natal, junto ao envolvimento de Paulo Freire no Plano Nacional de Alfabetização, integraram educação e mobilização política, sendo percebidos como ameaças pelos setores conservadores. Essas iniciativas foram duramente reprimidas após o golpe de 1964, com muitos militantes e coordenadores presos e os programas interrompidos abruptamente. A ditadura militar redefiniu a alfabetização como uma atividade técnica apolítica, desligada dos movimentos sociais e controlada por ideologias de direita, estagnando os progressos significativos na Educação Popular e na luta contra o analfabetismo no país.
Diversas atividades de Educação Popular foram perseguidas ou interrompidas devido à ditadura civil-militar. O Movimento de Cultura Popular (MCP) em Recife, que utilizava o Método Paulo Freire, foi extinto em abril de 1964, afetando cerca de 4.000 alfabetizandos em 135 grupos (Scocuglia, 2018). A Campanha de Educação Popular (CEPLAR) na Paraíba, também baseada no Método Paulo Freire, foi encerrada abruptamente (Porto & Lage, 1994), e seus dirigentes foram perseguidos sob a acusação de subversão comunista (Scocuglia, 2003; 2018). As atividades educativas associadas às Ligas Camponesas, que envolviam alfabetização e formação política, foram fortemente reprimidas após o golpe, assim como os Círculos de Cultura, que promoviam a conscientização política por meio de discussões grupais (Scocuglia, 2018).
O Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à ala progressista da Igreja Católica, enfrentou severas dificuldades, com a prisão de muitos monitores e o fechamento de escolas radiofônicas (Teixeira, 2008). A Sociedade de Escolas Tele Radiofônicas (Seter), que utilizava rádios e monitores locais para promover a alfabetização e a conscientização, também foi interrompida após o golpe (Costa, 2010). O Plano Nacional de Alfabetização, liderado por Paulo Freire, que representava uma inovadora iniciativa para combater o analfabetismo através de métodos que incentivavam a consciência crítica, foi abruptamente interrompido pelo golpe militar, resultando na prisão e no exílio de Freire (Brandão, 2005; Gadotti, & Abrão, 2012).
A repressão severa aos movimentos de Educação Popular após o golpe de 1964 ilustra a clara percepção, por parte do regime militar, do potencial subversivo da Educação Popular como práxis de emancipação social e política. Programas como o Plano Nacional de Alfabetização, que empregavam métodos críticos e participativos para promover a conscientização e formação crítica dos cidadãos, foram vistos como ameaças diretas à estabilidade autoritária que os militares buscavam estabelecer. Esse ato de interrupção não apenas silenciou vozes progressistas e restringiu direitos civis, mas também redefiniu a trajetória da educação no Brasil, afastando-a de seu papel como instrumento de transformação social. A história desses programas e a brutalidade de sua supressão nos lembram da relevância política e pedagógica da Educação Popular na luta por justiça e democracia e do poder que o conhecimento tem de desafiar estruturas de opressão.
Das atividades de Educação Popular que persistiram ou foram iniciadas
Osmar Fávero, um destacado educador e referência da Educação Popular no Brasil, compartilha experiências, em entrevista com Paulo (2018), que marcaram sua trajetória e a história da Educação Popular no país. Sua formação inicial foi em Matemática na USP, mas, logo, ele percebeu que sua verdadeira vocação não era ser professor de matemática. A partir de seu envolvimento na Juventude Universitária Católica (JUC) e, posteriormente, na Ação Popular, Fávero participou ativamente de movimentos que buscavam um Brasil diferente, com uma forte ênfase na democratização da educação.
Nos anos 1950 e 1960, Fávero viveu intensamente o período de efervescência política e cultural, que culminou na criação de diversas iniciativas de cultura popular. Ele destaca o papel vital que o contexto social e político da época teve na formação de movimentos como o Movimento de Cultura Popular (MCP) em Recife, liderado por Miguel Arraes, e o Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE. Esses movimentos foram fundamentais para a promoção da educação e da cultura entre as classes populares, utilizando métodos inovadores e críticos, como a alfabetização de adultos proposta por Paulo Freire. Esses movimentos foram perseguidos durante a ditadura civil-militar no Brasil. Sua narrativa evidencia a interseção entre educação e política e como a Educação Popular emergiu como uma resposta à exclusão social e ao analfabetismo, oferecendo ferramentas para a emancipação e conscientização das pessoas. O conteúdo político dessas propostas foi considerado perigoso.
Durante a ditadura civil-militar no Brasil, instaurada em 1964, a persistência de movimentos de Educação Popular evidenciou a resistência e a adaptabilidade das iniciativas voltadas para a conscientização e emancipação das classes populares, mesmo em um contexto de intensa repressão política e cultural. Esse período marcou tanto a supressão de muitas atividades quanto a sobrevivência e transformação de outras, que se adaptaram para continuar a promover a educação crítica, muitas vezes sob vigilância ou controle do Estado.
O Movimento de Educação de Base (MEB) é um exemplo notável de resiliência em meio à ditadura. Conforme mencionado por Brandão (2006), o MEB representou uma das primeiras experiências de educação com as classes populares, emergindo no início da década de 1960. Composto principalmente por membros da Ação Católica e ex-membros da Juventude Universitária Católica (JUC), o MEB conseguiu sobreviver ao período autoritário devido ao seu vínculo com a Igreja Católica, mais especificamente com sua ala mais conservadora. Segundo Pinto (2021), essa sobrevivência se deu através de uma reestruturação que integrou o movimento à política do governo, distanciando-se parcialmente de seu projeto inicial. Em 1971, o MEB passou por uma transformação significativa, com a demissão de educadores críticos e a assinatura de um convênio entre o Ministério da Educação e o MEB, o que indicou tanto uma tentativa de controle estatal quanto a capacidade do movimento de se adaptar para continuar suas atividades. Embora sua essência de Educação Popular tenha sido diluída, não foi completamente erradicada.
Embora a Educação Popular durante a ditadura seja frequentemente apresentada como uma prática de resistência e emancipação, é importante reconhecer que nem todas as iniciativas foram unânimes em seus propósitos ou metodologias. Alguns movimentos, como o MEB, acima explicitado, passaram por fases de adaptação e até cooptação pelo regime militar, o que introduz uma complexidade que merece uma análise mais aprofundada. No entanto, muitos integrantes do MEB, especialmente aqueles da ala progressista, contrariando essa adaptação imposta, organizaram-se em outros coletivos, mantendo os princípios da Educação Popular e resistindo às pressões do regime (Paulo, 2018). Portanto, é fundamental examinar as ambiguidades e os diferentes níveis de resistência que ocorreram, evitando uma idealização simplista da atuação dos movimentos sociais. Dessa forma, torna-se possível compreender como essa resistência de fato se configurou, destacando o papel dos educadores e intelectuais que permaneceram firmes contra as práticas ditatoriais.
De forma similar ao MEB progressista, outro movimento que emergiu durante o período foi o Movimento de Alfabetização (Move). Inspirado pela pedagogia de Paulo Freire, o Move foi uma iniciativa autônoma de estudantes universitários que, entre 1964 e 1968, buscou alfabetizar adultos em bairros operários de São Paulo. Esse movimento destaca como a Educação Popular encontrou formas de resistência e atuação mesmo sob forte repressão. A iniciativa, liderada por figuras como Sílvia Maria Manfredi, reforça a importância da educação como uma prática de empoderamento e transformação social, permanecendo fiel aos princípios freirianos de conscientização e práxis.
O Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), que evoluiu a partir do Centro Ecumênico de Informações (CEI), também ilustra a adaptabilidade dos movimentos de Educação Popular. Inicialmente focado na alfabetização de adultos e na aplicação da pedagogia de Paulo Freire, o CEI teve que se adaptar para continuar suas atividades sem despertar a atenção dos órgãos repressivos da ditadura. Em 1974, transformou-se no CEDI, ampliando suas atividades para incluir pesquisas e assessorias com trabalhadores rurais e urbanos, além de seminários ecumênicos. Essa transição demonstra a flexibilidade dos movimentos de Educação Popular, que encontraram maneiras de manter viva a luta político-pedagógica, mesmo sob severa repressão.
A fundação do NOVA - Pesquisa, Assessoria e Avaliação em Educação em 1972 é outro exemplo significativo da resistência da Educação Popular durante a ditadura. Fundado por profissionais das Igrejas católica e protestante, o NOVA concentrou suas atividades inicialmente no Nordeste, oferecendo pesquisa e assessoria a grupos de base, com apoio financeiro de entidades internacionais. A produção dos Cadernos de Educação Popular pelo NOVA (1975) destaca a contribuição das Igrejas na mobilização popular e reforça a ideia de que a Educação Popular não apenas sobreviveu, mas também se diversificou e se fortaleceu, adaptando-se às novas realidades e continuando sua missão de emancipação e transformação social.

O mapa conceitual (figura 2) destaca a influência e os desdobramentos da pedagogia de Paulo Freire, evidenciando sua presença em programas de alfabetização e de Educação Popular, assim como as reações adversas como a repressão política, prisão e exílio de Freire. Esta imagem nos mostra a interconexão entre educação, política e movimentos sociais, sublinhando como as ideias freirianas se espalharam além das fronteiras brasileiras, apesar das tentativas de supressão.
A repressão instaurada pelo golpe de 1964 no Brasil teve impactos profundos e duradouros sobre a Educação Popular, silenciando vozes e interrompendo processos educativos que buscavam a emancipação das classes subalternas. Dentre os principais sujeitos afetados por essa repressão, destacam-se educadores, líderes comunitários e movimentos sociais que atuavam na promoção da alfabetização crítica e da conscientização política.
Paulo Freire, ícone da Educação Popular, foi um dos mais notórios alvos dessa perseguição. Seu método inovador de alfabetização, que transcendia a mera decodificação de palavras ao promover a reflexão crítica sobre a realidade, foi considerado subversivo pelo regime militar. Freire foi detido por 72 dias e posteriormente exilado, levando consigo uma pedagogia que encontraria solo fértil em outros países, mas que foi brutalmente interrompida em sua terra natal.
Outros educadores e líderes, como os integrantes do Movimento de Cultura Popular (MCP) em Recife e da Campanha de Educação Popular (CEPLAR) na Paraíba, também sentiram o peso da repressão. Essas organizações, que reuniam milhares de alfabetizandos e promoviam espaços de discussão e conscientização, foram desmanteladas. Seus membros enfrentaram prisões, exílios e a estigmatização como ‘subversivos’, conforme destacado por Scocuglia (2018).
As Ligas Camponesas, que aliavam a luta pela reforma agrária à educação política, viram suas atividades educativas serem sufocadas. Líderes camponeses e advogados que os representavam, como Ophélia Amorim, enfrentaram perseguições e violência, evidenciando o temor do regime diante de uma população rural consciente de seus direitos.
Entidades ligadas à Igreja Católica, como o Movimento de Educação de Base (MEB), também não escaparam da repressão. Monitores foram presos, escolas radiofônicas fechadas e líderes comunitários silenciados, apesar dos esforços de alguns membros da hierarquia eclesiástica em protegê-los.
A imagem da ‘Educação Popular interrompida’ simboliza não apenas o cerceamento de iniciativas educacionais, mas também a tentativa de sufocar sonhos e resistências. Contudo, mesmo diante da opressão, a chamada Educação Popular persistiu, encontrando novos caminhos e estratégias para manter viva a esperança de transformação social.
Dos sujeitos relacionados à Educação Popular
Quanto aos sujeitos relacionados à Educação Popular nas pesquisas realizadas, são incluídos diversos educadores, ativistas e instituições envolvidas em iniciativas significativas ao longo das décadas de 1960 e 1970.
O Movimento de Educação de Base (MEB), formado por membros da Juventude Universitária Católica (JUC) e Ação Católica, contou com o apoio de lideranças políticas, Igreja Católica e instituições internacionais. No MEB destaca-se Carlos R. Brandão e Osmar Fávero, que difundiram as propostas de Educação Popular desde os anos de 1960 (Paulo, 2018).
Paulo Freire, uma grande influência na pedagogia do MEB e na alfabetização crítica de adultos, foi uma referência para instituições de Educação Popular ao longo da ditadura civil-militar. Outro exemplo significativo é o Movimento de Alfabetização (Move), do qual Sílvia Maria Manfredi, inspirada pelo método de Freire, participou ativamente na alfabetização de adultos.
O Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), com Jether Ramalho como um dos líderes importantes, contribuiu significativamente para a Educação Popular e para o apoio aos perseguidos políticos durante a ditadura militar. Beatriz Costa, pedagoga e educadora, trabalhou em estreita colaboração com Jether Ramalho e foi uma das fundadoras do NOVA - Pesquisa, Assessoria e Avaliação em Educação. O NOVA prestava assessoria a programas educativos em diversas regiões do Brasil, refletindo e publicando suas práticas de Educação Popular. Dentre seus membros notáveis, estão José Peixoto (Peixoto Filho, 2003) José Inácio Parente, Carlos R. Brandão, Zilá Borges, Diana Cunha, Paulo Cesar e Beatriz Costa (NOVA, 1975). Esses sujeitos desempenharam papéis decisivos na promoção e implementação de práticas de Educação Popular, colaborando significativamente para a alfabetização e conscientização das camadas populares.
A adaptabilidade e persistência desses movimentos e organizações revelam a capacidade da Educação Popular de resistir a contextos adversos e reinventar-se, sublinhando a importância da solidariedade e da colaboração na luta pela educação e justiça social.

A imagem fornecida (Figura 3) representa um Fávero diagrama de redes que conecta diversos sujeitos e instituições relevantes na história da Educação Popular no Brasil, especialmente entre as décadas de 1960 e 1970. O diagrama é dividido em diferentes grupos de influência, destacando figuras centrais como Carlos R. Brandão, Paulo Freire e Osmar Fávero, além de instituições-chave como o Movimento de Educação de Base (MEB), o NOVA e o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI). A análise crítica desse diagrama revela as interconexões entre sujeitos e instituições em torno da Educação Popular.
Esses sujeitos e instituições desempenharam papéis políticos e educativos relevantes na promoção e implementação de práticas de Educação Popular no Brasil, contribuindo, principalmente, para a alfabetização e conscientização das camadas populares. Os movimentos e organizações a que pertenciam demonstraram a capacidade de adaptação e persistência da Educação Popular, revelando sua força em contextos adversos. A interação e troca de apoio entre essas iniciativas sublinham a importância da solidariedade e colaboração na luta pela educação e justiça social, reforçando a relevância contínua dessas práticas. Ainda, na análise crítica e interpretativa, identificou-se:
a) Observando a figura, resultante da pesquisa bibliográfica e documental, destaca-se a Educação Popular como o núcleo central a partir do qual se irradiam diferentes movimentos e sujeitos. Isso reflete a importância desse conceito como um eixo estruturante na formação de práticas pedagógicas que não apenas visam à alfabetização, mas também à conscientização política e social. A presença de Paulo Freire, Beatriz B. Costa e outros confirma a influência desses educadores na difusão de uma pedagogia que busca transformar as realidades sociais através da educação crítica.
b) O diagrama sugere a interconexão entre diferentes movimentos e instituições, como o MEB, NOVA e CEDI. Essas conexões ilustram a natureza colaborativa e solidária das iniciativas de Educação Popular, as quais, apesar de operarem em diferentes frentes (religiosa, política, educacional), convergem em objetivos comuns de emancipação social e luta contra a opressão. A inclusão de pessoas, como Pedro Gondim e Pelópidas Silveira, destaca a relação entre as esferas política e educacional no avanço dessas práticas.
c) A participação de movimentos e instituições que operavam em contextos de repressão, como durante a ditadura militar, demonstra a capacidade de adaptação e resistência da Educação Popular. O envolvimento de organizações como o CEDI, que apoiava perseguidos políticos, revela como a educação entrelaçava-se com a luta pelos direitos humanos e pela justiça social, configurando-se como um ato de resistência cultural e política.
Uma nova categoria que pode emergir dessa análise é a de ‘Educação Popular como Rede de Resistência e Transformação Social’. Essa categoria enfatizaria a natureza interconectada dos sujeitos e instituições representados no diagrama, ressaltando como a Educação Popular funcionou não apenas como um movimento pedagógico, mas também como uma rede de resistência contra a opressão política e social. Essa rede, composta por educadores, ativistas e políticos, operava em múltiplas frentes para promover a transformação social através da conscientização e educação crítica.
A ‘Educação Popular como Rede de Resistência e Transformação Social’, segundo a pedagogia crítica, é uma prática política que visa à conscientização e à transformação social. Nesse contexto, ela se transformou em uma rede de resistência contra as opressões estruturais. Esse tipo de resistência política e pedagógica foi fundamentalmente dialógico, baseando-se na partilha de experiências e conhecimentos ao longo do período da ditadura civil-militar no Brasil, seja nas instituições que resistiram à perseguição política, seja por meio da troca de cartas, como fazia Carlos Rodrigues Brandão (Paulo & Gaio, 2021). Freire (1979, 1982, 1992, 1994, 2008) argumenta que a educação deve ser um ato de liberdade, e não de dominação; nesse sentido, a Educação Popular se estabeleceu como uma prática de resistência política, cultural, pedagógica e social, buscando transformar as estruturas que perpetuavam a opressão.
Freire (1980) introduz conceitos centrais, como a conscientização, que é o processo pelo qual as pessoas percebem as injustiças sociais e desenvolvem o desejo e a capacidade de lutar contra elas. Ele também aborda a práxis, a união entre ação e reflexão, como um caminho para a transformação social. A Educação Popular, portanto, foi um ato político de encontros, solidariedade, conexão e transformação, buscando promover uma nova consciência crítica que leva à ação transformadora. Essa nova categoria, emergida desta pesquisa, reforça a ideia de que a Educação Popular, em seu âmago, não se restringe a uma prática pedagógica, mas é, fundamentalmente, um movimento social que busca transformar estruturas de poder através da educação. As conexões entre os diferentes elementos do diagrama (Figura 3) sustentam essa interpretação, revelando a força coletiva dessas redes na luta por uma sociedade mais justa e igualitária.
Considerações finais
Concluindo, a pesquisa bibliográfica e documental sobre a ‘Educação Popular na ditadura civil-militar’ evidenciou a resistência política e a coragem de educadores populares e de instituições progressistas que, apesar da intensa repressão, continuaram a promover práticas educativas de conscientização e a mobilização social. Esse período foi marcado por censura, perseguições e exílios, que dificultaram enormemente as iniciativas educativas voltadas para a emancipação das classes oprimidas. No entanto, a persistência de movimentos como o Movimento de Educação de Base (MEB), as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e os movimentos ecumênicos, além de educadores que continuaram a difundir as ideias de Paulo Freire, ilustra o papel político-pedagógico da Educação Popular como prática social e ferramenta de resistência política e transformação social.
Movimentos como o MEB e as CEBs desempenharam papéis fundamentais ao oferecer espaços de Educação Popular e ao promover a conscientização política e social. Essas instituições funcionaram como polos de resistência cultural e educacional, utilizando metodologias críticas para subverter o modelo autoritário imposto pela ditadura. A atuação clandestina e o apoio internacional, especialmente de redes ecumênicas e agências europeias, foram cruciais para a continuidade dessas atividades, destacando a importância da solidariedade internacional na luta por direitos humanos e justiça social. Assim, a Educação Popular não só sobreviveu à ditadura, mas também se consolidou como um movimento pedagógico latino-americano essencial para a promoção de uma sociedade mais justa e democrática.
A análise das atividades de Educação Popular durante a ditadura civil-militar no Brasil revelou que movimentos como o MEB e o Movimento de Alfabetização (Move), apesar dos tempos de repressão, conseguiram se manter ativos e relevantes graças a apoios institucionais e à coragem de seus educadores. Educadores como Paulo Freire (1978) e instituições como o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) e o NOVA foram determinantes na promoção de práticas educativas transformadoras. A pesquisa revelou que a Educação Popular no Brasil manteve-se resiliente e ativa na vigência da ditadura civil-militar (1964-1985) graças à coragem e resistência de educadores e instituições progressistas. Mesmo sob intensa repressão, educadores como Carlos Rodrigues Brandão, Osmar Fávero, Beatriz Costa e Aida Bezerra continuaram a promover práticas de Educação Popular transformadoras, muitas vezes na clandestinidade.
O apoio internacional foi essencial para a continuidade das iniciativas de Educação Popular, fornecendo recursos que permitiram a sobrevivência e operação dos movimentos educativos e destacando a importância da solidariedade internacional na luta por direitos humanos e justiça social. Muitas atividades de Educação Popular precisaram ser realizadas de maneira encoberta devido à repressão. A atuação clandestina foi uma estratégia fundamental para a continuidade da Educação Popular, permitindo que educadores disseminassem ideias transformadoras e críticas, mesmo sob ameaça de perseguição.
A recuperação e preservação da memória das práticas de Educação Popular durante a ditadura são essenciais para entender o papel transformador da educação em contextos de repressão. Documentos organizados por Osmar Fávero e Elisa Motta, bem como entrevistas com pioneiros da Educação Popular, fornecem um registro histórico valioso de estratégias e resistências desenvolvidas ao longo desse período crítico. Essas memórias são fundamentais para compreender a importância da Educação Popular como prática social de resistência política e transformação social. A triangulação de dados fortaleceu a interpretação ao cruzar depoimentos com documentos históricos e análises de fontes acadêmicas, garantindo uma compreensão mais robusta do fenômeno estudado.
Assim, podemos caracterizar uma Educação Popular clandestina, no contexto da ditadura civil-militar no Brasil, referindo-se às práticas educativas que foram desenvolvidas e mantidas secretamente (ou discretamente) por educadores e instituições progressistas como forma de resistência ao regime autoritário. Essas práticas tinham como objetivo principal a continuidade de trabalhos educativos com as classes populares, mesmo em um ambiente de intensa repressão política, censura, perseguições e ameaças. A Educação Popular clandestina utilizou estratégias de ocultação e disfarce, com atividades realizadas em locais seguros e em horários não convencionais, a fim de evitar a detecção pelas forças repressoras. Esse movimento não apenas preservou a essência da educação emancipadora e crítica, mas também fortaleceu a solidariedade entre educadores e comunidades, criando uma rede de apoio para a sobrevivência dessas iniciativas em tempos de grande adversidade. A clandestinidade, portanto, foi uma resposta necessária e estratégica para garantir a continuidade da luta por justiça social e transformação política em um período de opressão extrema.
Ou seja, a Educação Popular clandestina durante a ditadura civil-militar no Brasil foi uma resposta necessária à repressão do regime autoritário. Educadores e instituições progressistas desenvolveram e mantiveram práticas educativas na clandestinidade para garantir a continuidade da alfabetização e da conscientização das classes populares. A atuação clandestina, especialmente de educadores vinculados aos movimentos e instituições de Educação Popular que foram interrompidos nesse contexto, permitiu a disseminação de ideias transformadoras e críticas, fundamentais para a resistência política e social.
A prática de Educação Popular clandestina manteve viva a essência da educação popular emancipadora, fortalecendo a solidariedade entre educadores e comunidades até hoje (Paulo & Gaio, 2021). Dessa forma, a história da Educação Popular clandestina é um poderoso testemunho da resistência popular e da capacidade de adaptação diante da opressão, demonstrando que, mesmo em tempos de grande adversidade, a educação pode ser uma prática social com metodologias político-pedagógicas voltadas para a transformação social.
Assim sendo, é de suma relevância apresentar algumas recomendações para que pesquisas posteriores incluam a preservação e divulgação da memória das práticas de Educação Popular desenvolvidas durante a ditadura, garantindo que documentos, relatos e entrevistas com pioneiros sejam amplamente acessíveis para futuras gerações. Além disso, é decisivo fortalecer e expandir as redes de solidariedade internacionais que foram fundamentais no curso do regime militar, estabelecendo parcerias que possam apoiar a Educação Popular em contextos contemporâneos de repressão.
A inovação metodológica, a partir do uso de cartas que comunicam e transgridem as ordens de silenciamento, também é destacada, sugerindo que as experiências de educadores populares durante a ditadura sejam incorporadas em novas práticas pedagógicas, ampliando as possibilidades de educação crítica e emancipadora. Igualmente importante é a integração dessas experiências históricas no currículo educacional brasileiro, já que a Educação Popular é parcamente trabalhada nos cursos de licenciaturas. Por fim, recomenda-se a continuidade das pesquisas sobre a Educação Popular no período da ditadura, visando ampliar o conhecimento sobre as estratégias de resistência e explorar a relevância dessas experiências no contexto educacional atual, além de investigar as conexões entre a Educação Popular, sujeitos organizados em movimentos sociais e instituições educativas escolares e não escolares, oferecendo novas perspectivas para a prática pedagógica.
Por fim, a Educação Popular manteve-se resiliente e ativa durante a repressão intensa da ditadura civil-militar no Brasil devido à combinação de estratégias de resistência, apoio internacional e adaptação metodológica. Esta pesquisa baseou-se em uma análise criteriosa de fontes bibliográficas e documentais, incluindo arquivos históricos e entrevistas com educadores que vivenciaram o período. Essas fontes revelaram que, apesar das condições adversas, movimentos como o Movimento de Educação de Base (MEB) e o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) continuaram suas atividades, muitas vezes de forma clandestina, utilizando metodologias críticas inspiradas por Paulo Freire. O apoio de redes ecumênicas internacionais também foi primordial, fornecendo amparo necessário para a sobrevivência dessas práticas educativas. A resistência da Educação Popular, portanto, foi resultado de uma rede de solidariedade e da capacidade dos educadores de adaptar suas práticas pedagógicas para enfrentar a repressão, mantendo viva a luta pela emancipação social e política.
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Notas
R2: dois convites; dois pareceres recebidos.
Notas
Notas de autor
E-mail: cevieira9@gmail.com
*Autora correspondente.