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Os jornais evangélicos e a formação da mentalidade protestante no Brasil
The evangelical journals and the development of the protestant mentality in Brazil
Os jornais evangélicos e a formação da mentalidade protestante no Brasil
Reflexão, vol. 41, núm. 2, pp. 165-178, 2016
Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Recepção: 29 Julho 2016
Revised document received: 07 Novembro 2016
Aprovação: 13 Dezembro 2016
Resumo: Se é recente a implantação da imprensa no Brasil, em 1808, mais recente ainda é a atuação da imprensa protestante no país, iniciada em 1864 com a fundação do jornal Imprensa Evangélica pelo pioneiro presbiteriano Asbhel Green Simonton. A partir de então, vários outros jornais evangélicos circularam no país, como o 'Norte Evangélico' e 'O Puritano', órgãos oficiais da Igreja Presbiteriana do Brasil. Em 1958, esses dois jornais se fundiram para formar o 'Brasil Presbiteriano'. Após tal processo, também a mentalidade jornalística presbiteriana mudou. De 1958 a 1964, o 'Brasil Presbiteriano' foi um jornal pluralista e aberto a questionamentos sócio-políticos. Em 1964, acompanhando as mudanças políticas do país, transformou-se num jornal conservador, com tendência ao fundamentalismo. Em 1978, houve novo cisma na Igreja, quando a linha adotada pelo jornal vinha sofrendo grande oposição. Finalmente, em 1986, o jornal começou a mostrar certa abertura político--eclesiástica. O percurso dos periódicos de 1864 a 1986 mostra que eles espelham os avanços e retrocessos da nação também na caminhada eclesiástico-institucional da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Palavras-chave: Ideologia, Igreja Presbiteriana, Imprensa evangélica, Protestantismo no Brasil.
Abstract: If the press has recent tradition in Brazil, beginning in 1808, the Brazilian Protestant press is even more recent and began in 1864 with the pioneer work of Presbyterian Asbhel Green Simonton and the foundation of the newspaper the 'Evangelical Press'. After that, several other evangelical newspapers circulated in the country such as the journals 'Northern Evangelical' and 'The Puritan', official organs of the Presbyterian Church in Brazil. In 1958, those two newspapers merged into the 'Presbyterian Brazil'. After this process, the Presbyterian journalistic mindset also changed. From 1958 to 1964, the 'Presbyterian Brazil' was a pluralistic newspaper and open to socio-political issues. In 1964, following political changes in Brazil, the 'Presbyterian Brazil' became a conservative newspaper, prone to fundamentalism. In 1978, after a new schism in the Church occurred, the approach of the newspaper began suffering great opposition. Finally, in 1986, the newspaper began to show some political and ecclesiastical opening. From 1864 to 1986 the newspapers mirrored the advances and setbacks of the nation as well as those occurring in the ecclesiastical institution of the Presbyterian Church in Brazil.
Keywords: Ideology, Presbyterian Church, Evangelical press, Protestantism in .
Introdução
Desde os seus primórdios, a imprensa se impôs como força política numa trama de múltiplas personagens no Brasil. Os governos e os poderosos a utilizaram e a temeram, seja adulando, seja vigiando, controlando ou punindo os jornais. Os que manejaram a "máquina" (jornal) tiveram uma variada gama de opções entre o domínio das consciências e a liberdade. Os alvos que procuravam atingir eram definidos antes da luta, mas o próprio movimento da história levou-os, muitas vezes, a mudar de rumo. Desse modo, acompanhar a sinuosa trajetória da produção jornalística é uma tarefa muito complexa.
Para compreender a participação de um jornal na história, o pesquisador tem de fazer algumas indagações, logo de início: Quando se deu a sua fundação? Qual a sua função? A quem se dirige? O que busca? Quais resultados pretende obter? Com quais recursos circula e quais são os seus objetivos? Quem são os seus proprietários, editores, redatores e leitores? Quais são os seus opositores? Qual a sua postura ou linha política adotada? Com esses questionamentos preliminares, é possível delinear um perfil provisório dos periódicos eleitos como objeto de estudo, para fornecer pistas que apontem os caminhos trilhados pelo protestantismo presbiteriano no país, considerando que a imprensa protestante brasileira constitui farto manancial para o conhecimento do passado e possibilita o acompanhamento do crescimento das igrejas até os tempos atuais.
Aspectos metodológicos
Tendo em vista as considerações acima, o presente trabalho elegeu como objeto de estudo os jornais protestantes publicados no Brasil. O estudo se principia com a análise dos números iniciais do primeiro periódico editado no país, a Imprensa Evangélica, publicados entre 1864, ano de sua fundação, e 1867, ano da morte de seu fundador. Também foi realizado um estudo sequencial de vários outros representantes da imprensa protestante nacional, de forma panorâmica, com maior atenção aos precursores 'O Puritano' e 'Norte Evangélico'. Como principal objeto deste estudo, foram analisadas 450 edições do jornal 'Brasil Presbiteriano', publicadas de setembro de 1958 a julho de 1986. Foram ainda pesquisados quarenta exemplares de outro periódico, o 'Jornal Presbiteriano', gentilmente emprestados pelo seu idealizador, Dr. Eduardo Lane.
Quanto aos referenciais teóricos, tomou-se, entre outros trabalhos, a dissertação de Aguilera (1988), "Um povo chamado batista: um jornal (O Jornal Batista) a serviço da formação de uma mentalidade religiosa (1960-1985)", que toma por base o órgão oficial da Convenção Batista Brasileira para analisar sua mensagem religiosa e os fatos sociais, políticos, culturais e religiosos que atingiam a sociedade brasileira, como a luta contra o catolicismo por meio de uma ética de "separação" puritano-pietista e a oferta de um modelo de sociedade para o Brasil. Foram também analisadas a dissertação de Streck (1986), em que o autor pesquisa as questões de comunicação, poder, censura e seleção de notícias no Brasil dos anos 1970; e a tese de doutoramento de Beda (1993), que traz um resumo histórico da editoração cristã, dos periódicos protestantes e das gráficas e editoras evangélicas no país.
O presente estudo baseou-se, ainda, nas reflexões desenvolvidas por Schünemann (1992) em sua tese, que pesquisou esse período de profundas mudanças experimentadas pelo Brasil. O autor tematiza a sociopolitização no interior da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), com base na leitura de documentos históricos e entrevistas, sob influência da discussão contemporânea sobre fé e política. Aborda o contexto de crise sócio-político-econômica no país, bem como o contexto eclesial de igrejas desafiadas pela crise social e o contexto teológico de reflexão sobre essa crise brasileira.
Considerando tal quadro de pesquisa acerca da imprensa protestante no Brasil, a extensão deste artigo é abrangente, com um estudo substancial dos jornais evangélicos desde o século XIX até meados dos anos 1980. Conforme mencionado, a pesquisa abrange desde o primeiro periódico protestante brasileiro, o jornal 'Imprensa Evangélica', fundado pelo pioneiro pres-biteriano Asbhel Green Simonton, percorrendo, ainda que panoramicamente, os principais periódicos evangélicos dos séculos XIX e XX. Detém-se nos jornais que foram órgãos oficiais da Igreja Presbiteriana do Brasil: 'O Estandarte', 'Revista das Missões Nacionais', 'O Século, Norte Evangélico', 'O Puritano' e, por fim, 'Brasil Presbiteriano', criado a partir da fusão dos dois últimos citados, em 1958.
O surgimento da Imprensa e o desenvolvimento da Imprensa Evangélica no Brasil
A tradição jornalística é recente no Brasil, onde a imprensa foi inaugurada apenas em 1808, sob o signo do oficialismo e com um atraso de três séculos. A tipografia e o jornalismo estavam impedidos pela administração colonial portuguesa, o que durou até a chegada de D. João VI.
Entretanto, antes mesmo da descoberta do Brasil, Portugal já convivia com a tipografia, pois desde 1487 existiam livros e textos impressos em suas províncias (BAHIA, 1990, p.10). Entre esse material impresso, incluía-se (embora não tivesse uma circulação própria de periódicos) o texto da "Confissão de fé dos protomártires da Guanabara", que fazia parte do livro Arquivo Histórico Português (BAHIA, 1990, p.143). Tratava-se de um abaixo-assinado de 1558, endereçado a Nicolas Durand de Villegaignon e elaborado pelos protestantes Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon e Andrè la Fon (CRESPIN, 1917).
Já no Brasil, durante essa época, a arte gráfica foi clandestina. Por isso, a autoridade colonial bloqueou, em Pernambuco, a tentativa de fazer funcionar um prelo, em 1706 (BAHIA, 1990, p.9). Em 1746, foi aberta a tipografia de Antônio Isidoro da Fonseca, no Rio de Janeiro, porém foi fechada no ano seguinte, pela Carta Régia de 10/5/1747, que proibia a impressão de livros ou papéis avulsos. Por ter publicado 'O Exame de Bombeiros', Antônio Isidoro "foi preso e severamente punido", conforme registra Affonso Ruy (BAHIA, 1990, p.10). Toda e qualquer manifestação livre do pensamento era asfixiada no Brasil colonial.
Com a vinda da família real, a sede do poder mudou-se para o Brasil. A bordo da Meduza, uma das naus da família real, veio a tipografia, sob as ordens de Dom Antônio de Araújo de Azevedo, depois conde da Barca. Especificamente para a edição da Gazeta do Rio de Janeiro, ficou designado Dom Rodrigo de Souza Coutinho, depois conde de Bahia (1990, p.9). As oficinas da Impressão Régia foram instaladas em maio daquele ano e, no dia 10 de setembro passou a circular a 'Gazeta' do Rio de Janeiro. Porém, Hipólito da Costa se antecipou à corte e publicou, no dia 1° de junho de 1808, o Correio Brasiliense ou Armazém Literário; publicou--o em Londres, onde se encontrava exilado, foragido dos cárceres da Inquisição. Diferentemente da Gazeta, o Correio era um jornal mensal, moderno, dinâmico, crítico e que se impunha pela informação política e pela opinião corajosa. Dessa forma, Hipólito da Costa tornou-se o patrono da imprensa brasileira (BAHIA, 1990, p.9).
Quanto à imprensa protestante, aqui se traça uma linha histórica começando com o primeiro jornal protestante brasileiro, 'Imprensa Evangélica', e acompanhando a trajetória de vários outros jornais protestantes até a fusão de dois deles para a formação do 'Brasil Presbiteriano'.
Segundo Ribeiro (1981), o primeiro número de a 'Imprensa Evangélica', com 450 exem-plares, foi levado ao Rev. Robert Kalley ainda com a tinta fresca. Kalley foi um dos pioneiros do protestantismo brasileiro, médico e compositor, marido de Sarah Kalley, autores do primeiro hinário nacional, o Salmos e Hinos. Foi distribuído a endereços de pontos diferentes do Império, entre os quais os de sacerdotes católicos romanos. Era subvencionado pela missão, sob administração de Domingos Manoel de Oliveira Quintana, não muito tempo depois substituído por Camilo José Cardoso na função de gerente, contador e administrador da livraria até morrer. Na direção revezavam-se os missionários Rev. Simonton, Rev. Alexander Blackford e Rev. George Chamberlain (RIBEIRO, 1981, p.97).
Durante vinte e oito anos a 'Imprensa Evangélica' teve um significativo valor para a implantação do presbiterianismo brasileiro. Foi o seu órgão oficial, sendo um documento que abordou, mesmo que superficialmente, as mudanças sociais e seu relacionamento com os movimentos reformistas seculares que nessa época agitaram a história do país. Em seus artigos sobre a vida cristã, usou a expressão "O Pharol", em analogia com o Rio de Janeiro, para ilustrar verdades evangélicas. Dessa forma, sabiamente trazia traços nitidamente protestantes. Travou sua primeira polêmica ao publicar, em série de artigos consecutivos, o debate "Esteve Pedro em Roma?". Também foi publicada uma série de artigos do ex-padre Antonio Teixeira d'Albuquerque: "Três razões por que deixei a igreja de Roma". Em relação ao dever de educar corretamente os filhos nas doutrinas cristãs, publicou artigos com dados históricos e advertências aos pais. Comentou, na tentativa de tangenciar a realidade social brasileira, que "O Projeto Saraiva não satisfez às aspirações do país: pelo contrário, só satisfez aos fazendeiros". Afirmou ainda que a escravidão, "essa praga", gradualmente desapareceria do país.
Essas foram suas pequenas contribuições, com mostras de consciência social. Mas, em geral, o jornal foi muito contido e até um pouco distante da realidade nacional, tanto que, no curto período analisado (do primeiro número, de 1864, à edição de 20/12/1867, quando da morte de seu fundador), há mais notícias estrangeiras do que sobre a realidade brasileira. Em seus editoriais, o jornal combateu o uso de força policial contra os protestantes e contra a xenofobia da época, o que considerava incoerente com as ideias de progresso, usando a Constituição para defender a liberdade de culto e de imprensa.
Após a morte de Simonton, seu cunhado Rev. Alexander Blackford sucedeu-o na direção do jornal. O último número saiu no dia 2 de julho de 1892, tendo como redator J. A. Corrêa. As tentativas de reeditar a 'Imprensa Evangélica' não alcançaram pleno êxito.
A Igreja Presbiteriana ficou sem órgão oficial até 1893, quando assumiu a direção da Revista das Missões Nacionais, a qual passou a ser seu órgão oficial. O diretor da Revista era o Rev. Eduardo Carlos Pereira, renomado professor e ilustre gramático da língua portuguesa. O primeiro número da Revista havia surgido em 31 de janeiro de 1887, como órgão da "Sociedade de Tratados". Ela foi o primeiro periódico a ser distribuído por assinatura anual no meio evangélico e teve perto de trinta anos de duração.
A partir de 7/1/1893, a Revista passou a publicar, como encarte de duas páginas, um boletim denominado O Estandarte, lançado em São Paulo. O boletim teve como redatores Eduardo Carlos Pereira, Bento Ferraz e João Alves Correia, líderes da ala antimaçônica da Igreja que tinham sido afastados da Revista um ano antes, quando esta passou a exercer a função de órgão oficial, publicando as resoluções dos concílios e atos de direção da Igreja Presbiteriana (BEDA, 1993, p.32). Assim, os mesmos redatores que compunham a equipe afastada da Revista acabaram formando esse órgão dos dissidentes.
Foram publicados vários outros jornais evangélicos que é mister citar, na linha de sucessão que vai da 'Imprensa Evangélica até o Brasil Presbiteriano'.
Uma década depois da publicação da 'Imprensa Evangélica, em janeiro de 1874, foi lançada a segunda publicação presbiteriana, 'O Púlpito Evangélico', periódico mensal com sermões, editado por Emanuel Vanorden e George Chamberlain (fundador do Mackenzie). Foram publicados 24 números (1874 a 1875), a princípio em São Paulo e depois no Rio de Janeiro. Posteriormente, o periódico ressurgiu em Campinas-SP, sob a direção do Rev. Eduardo Lane e companheiros e, numa terceira fase, passou a ser editado em Lavras (MG), encerrando sua carreira em 1970 (BEDA, 1993, p.43). Em 1889, foi lançado no Rio 'O Christão' (BEDA, 1993, p.46). No Nordeste, a primeira revista data de outubro de 1875: 'Salvação da Graça', por iniciativa do Dr. John Rockwell Smith, o primeiro missionário a chegar ao Recife, em 15 de janeiro de 1873. A publicação foi iniciada 54 anos depois do primeiro jornal pernambucano, 'Aurora Pernambucana', de 1821. Assim, 'Salvação de Graça' foi a pioneira da imprensa evangélica no Nordeste (LESSA, 1975, p.2), e o terceiro periódico evangélico no Brasil, após a 'Imprensa Evangélica' (1864) e o 'Púlpito Evangélico' (1874) (EDIÇÃO ESPECIAL COME-MORATIVA AO PERIÓDICO, 1975, p.8). As gráficas recusavam-se a publicá-la por ser presbiteriana, e então foi editada em Lisboa. Do Sul, o Rev. Willian Le Conte foi ao Recife ajudar Smith. Mas, adoecido, desistiu da revista ainda no primeiro ano de sua fundação (PIERRE, 1978, p.3).
Themudo Lessa afirmou que também foram presbiterianas as iniciativas em vários outros Estados. No Rio Grande do Sul, em 1877, o Rev. Vanorden lançou 'O Pregador Cristão'. Em Alagoas, em 1885, foi lançado 'O Evangelista'. Em Minas Gerais, na cidade de Bagagem, em 1889, foi publicado o homônimo 'O Evangelista', a cargo do missionário Rev. John Boyle. No Rio Grande do Norte, em 1893, saiu 'O Pastor', publicado pelo Prof. Lourival. Também no Ceará, os primeiros jornais evangélicos, publicados a partir de 1894 na cidade de Baturité, tinham presbiterianos como redatores. No Paraná, saiu em 1898, na cidade de Castro, a 'Aurora do Evangelho'. Também em Sergipe, Paraíba e Santa Catarina, os primeiros jornais evangélicos foram de procedência presbiteriana (LESSA, 1975, p.2).
Quanto aos batistas, o historiador José Reis Pereira afirma: "os missionários batistas norte--americanos, pioneiros de nossa obra, acreditavam no valor da página impressa" (PEREIRA, 1981, p.3). Assim, em 1886, na Bahia, foi publicado o primeiro jornal batista brasileiro, denominado 'O Eco da Verdade'. Seu nome foi mudado várias vezes: 'A Verdade, A Nova Vida'. Na cidade de Campos-RJ, a partir de 1894, publicou-se outro jornal batista com o nome 'As Boas Novas'. Os primeiros jornais foram editados por Zacarias Taylor, na Bahia, e o último por Salomão Ginsburg. Em 1900 decidiu-se unificar os jornais: no dia 10/1/1901 nasceu 'O Jornal Batista', que, a partir de 1909, passou a ser o órgão oficial da Convenção Batista Brasileira (AGUILERA, 1988, p.34).
O órgão da Igreja Episcopal surgiu em 1892, em Porto Alegre, e perdura até hoje. Seu nome é O Estandarte Cristão. Seus fundadores foram os Rev. Morris e Brown. No mesmo ano, a Igreja Congregacional, no Rio de Janeiro, fundou o seu órgão oficial com o nome 'O Bíblia', depois alterado para 'O Christão'. Seu fundador foi Salomão Ginsburg, que depois passou a ser batista e dirigiu o jornal daquela igreja. Os metodistas têm fornecido valiosa contribuição à lista de periódicos evangélicos. No dia 1/1/1886 começou a circular, como órgão oficial da Missão Metodista, o jornal O 'Methodista Cathólico', fundado pelo Rev. John James Ransom e publicado regularmente sob sua direção até julho de 1887. Assumiu então a direção do jornal o Rev. J. L. Kennedy, que lhe mudou o nome para 'Expositor Cristão', o qual conserva até hoje, sendo o mais antigo jornal evangélico em circulação no Brasil. Os metodistas foram pioneiros, em 1890, no Pará, onde o Rev. J. H. Nélson publicou 'O Apologista Cristão', que durou 21 anos. No Amazonas, a primeira folha publicada foi A Paz, fruto do Rev. Carver, em 1898.
Atravessando fases de transições, o interesse da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) era não deixar suas comunidades sem órgão oficial. Um jornal de grande importância nesta pesquisa e que se estabeleceu desde cedo foi 'O Puritano'. Tendo como redator chefe o Rev. Antonio Trajano, sob os auspícios da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, o primeiro número do jornal foi publicado no dia 8/6/1899. O editorial explicava sua missão, em um longo artigo de Trajano. A publicação estendeu-se até 25/7/1958, tendo como último diretor o Rev. Domício Pereira de Mattos e como diretor-redator o Rev. Zaqueu Ribeiro. Durante décadas o seu principal redator foi o Rev. Galdino Moreira. O último número, 2.154, trazia como editorial "O Puritano Despede-se da Igreja". Na sequência trazia a resolução do Supremo Concílio 58 - 3ª Sessão - documento 318, folha 84 - Imprensa e Literatura, que extinguia 'O Puritano e o Norte Evangélico' para fundi-los num só jornal nacional.
Umas notas a mais sobre 'O Puritano são necessárias: nasceu da necessidade vital para a Igreja Presbiteriana de ter na capital federal um órgão de imprensa. Foi fruto do entusiasmo de moços de então, liderados pelo Rev. Álvaro Reis. O presbítero Myron Clark teve em 'O Puritano' o porta-voz de "sua" Associação Cristã de Moços (ACM); em sua esposa, d. Chiquita, a bandeira da Sociedade Auxiliadora de Senhoras (SAS); e em Erasmo Braga, o "boletim" de Niterói. O número inaugural tem o Rev. Antônio Trajano como diretor, por escolha dos moços e do Rev. Álvaro Reis. O dia de fundação de 'O Puritano' serve até hoje como data comemorativa do aniversário do Brasil Presbiteriano: 8 de junho, data que assinala o surgimento do seu antecessor, O Puritano, órgão oficial da IPB (PIERRE, 1978, p.1). O jornal carioca, ao lado do paulista 'O Estandarte' e de órgãos de outros centros, iniciou uma campanha de difusão metódica das verdades do Evangelho, assim servindo às igrejas irmãs, bem como liderando movimentos de grande alcance e esclarecendo a opinião pública2.
Na cidade de Natal, o Rev. Willian Calvin Porter, no dia 11/5/1895, lançou o primeiro número do jornal 'O Século', sob os auspícios da Associação Evangélica de Natal. Para Pierre (1978), isso se deu em 1897. Era publicado um número a cada dez dias, totalizando três exemplares mensais. Além dos assuntos religiosos, o jornal se envolvia em política, pendendo para a causa republicana. Foi muito apreciado e bem administrado financeiramente, a ponto de adquirir uma tipografia própria. Tinha assinantes em todo o Brasil, e até no exterior: Espanha e Portugal. O casal Porter mudou-se para o Sul, em 1907. O último número foi publicado em novembro de 1908, tendo como redator Jerônimo Gueiros, responsável pelo jornal desde 1902. Em 1909 ele se mudou para Garunhuns-PE, onde fundou o 'Norte Evangélico', sucessor de 'O Século'.
O 'Norte Evangélico' teve como redatores Juventino Marinho, Ageu Vieira, Rev. Thompson, Davi, Mendonça e Maurício Wanderley. Além de redator do jornal, o Rev. Willian Thompson publicou comentários das lições de Escola Dominical preparadas pelo Rev. Antonio Almeida. Em 1928, durante as férias de Thompson, assumiu a responsabilidade pela gráfica o Rev. Willian G. Neville. Em 1943, suas publicações circulavam por todo o Brasil, além de Açores, África, Argentina, Portugal e Estados Unidos. As publicações eram: 'As Lições da Escola Dominical', para adultos, jovens e crianças; 'O Expositor', com notícias para as várias organizações da Igreja; 'Norte Evangélico', jornal semanal com notícias das igrejas e presbitérios; e 'Anotações Diárias', para uso devocional. Em 1949, um milhão e meio de páginas de literatura cristã saiu daquela gráfica de Garanhuns, fornecendo material didático à Confederação Evangélica do Brasil, aos missionários e aos evangelistas. Em 1951, a Missão resolveu mudar a gráfica para o Recife, para a rua da Saudade, 299, cujo prédio ficou pronto totalmente em 1957.
Em 1958, a IPB pediu à Missão Presbiteriana no Brasil que considerasse a ideia de fundir o 'Norte Evangélico e O Puritano', órgão oficial da Igreja em um só jornal, denominado "O Brasil Presbiteriano" (BRASIL PRESBITERIANO, 1958, p.3), que neste artigo receberá a sigla BP. Em setembro do mesmo ano foi lançado nacionalmente o novo jornal da Igreja Presbiteriana do Brasil, o 'Brasil Presbiteriano'. A capa do jornal ostentava: "Órgão Oficial da IPB" - Ano I - Recife, setembro de 1958 - número 1". Trazia no cabeçalho o calendário presbiteriano para setembro, o pensamento do mês, a logomarca "Brasil Presbiteriano" com o mapa do país entre as duas palavras e sobre ele a sarça ardente, símbolo da Igreja, com a inscrição latina Nec tamen consumebatur ("E [a sarça] não se consumia"). Trazia também a transcrição de Atos 4.32: "Da multidão dos que creram era um o coração e a alma". Logo à primeira página destacava-se o artigo de J. Maurício Wanderley, "No Limiar do 100° Aniversário", acerca da 23ª reunião do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, hospedada no Instituto Gammon, em Lavras-MG. Nessa magna assembleia da igreja nacional decidiu-se pela fusão de O Puritano e do Norte Evangélico em um só jornal nacional. Na ocasião, o presidente do Supremo Concílio da Igreja era o Rev. Dr. José Borges dos Santos, e o presidente da Aliança Presbiteriana Mundial era o Rev. Dr. John Mackay, que esteve presente. Fez-se menção disso na foto central da capa do primeiro número do 'Brasil Presbiteriano'.
A aceitação foi gradual e seu deu após muitos debates, culminando com a aprovação unânime na vigésima terceira reunião do Supremo Concílio. O estilo do artigo do Rev. José Borges estampava uma pequena resistência dos que desaprovavam mudanças e eram contrários à própria dinâmica da vida, presos a formas de vida, para eles, imutáveis. Suspeita-se que havia ainda os defensores saudosistas do 'Norte Evangélico e de O Puritano'. O artigo de despedida de 'O Puritano' deixava transparecer certa incompreensão quanto às medidas tomadas, certa cautela com os novos rumos da imprensa evangélica nacional, aqui representada pelo jornal de uma de suas denominações, de um dos "protestantismos brasileiros". A insistência com que se fala em renúncia, boa vontade e sacrifício, levanta a hipótese de resistência frente ao novo jornal que surgia. Os dizeres "sucessor de O Puritano e Norte Evangélico" acompanham até hoje as edições do 'Brasil Presbiteriano'.
Para Mendonça e Velasques (1990, p.11), o que se chama "protestantismo brasileiro", na verdade são vários protestantismos (luterano, calvinista, metodista etc.). Mais adequado então seria falar em "protestantismos", pois, ao contrário da tradição católica, o protestantismo que surgiu da Reforma do século XVI foi muito mais longe na variedade de tendências e instituições que gerou, e desde cedo mostrou-se incapaz de conservar-se unido. A tentativa de inserção do protestantismo no Brasil se deu primeiramente com os protestantes franceses que se estabeleceram no Rio de Janeiro, entre 1555 e 1560. A segunda tentativa, também fracassada, deu-se com o estabelecimento dos protestantes holandeses no Nordeste, entre 1630 e 1654. Quando os historiadores do Brasil se referem a essas invasões, nunca tratam do caráter religioso desses invasores e silenciam-se quanto às tentativas de inserção do protestantismo no país. Por outro lado, para Mendonça e Velasques (1990, p.13), os histo-riadores protestantes produzem textos desvinculados da realidade social. Depois das duas primeiras tentativas fracassadas, por fim o protestantismo inseriu-se no Brasil no começo do século XIX. Mas o protestantismo histórico, como é o caso do presbiterianismo, continuou sendo "corpo estranho na sociedade brasileira".
O surgimento da imprensa protestante no Brasil ocorreu durante a chamada "era missionária", que compreende desde a segunda metade do século XIX até a I Guerra Mundial. Esse período corresponde econômica e politicamente à expansão do capitalismo mundial (MENDONÇA e VELASQUES, 1990). Entre suas principais preocupações, esse capitalismo expansionista procurava recuperar e preservar a força das Igrejas da Reforma, já enfraquecidas pelos efeitos do racionalismo e de suas divisões e antagonismos. Isso as tornava vulneráveis diante da reação católico-romana, cujo momento mais importante foi o Concílio Vaticano I. Em segundo lugar, procurava unificar sua mensagem religiosa de modo a não causar confusão denominacional nas áreas missionárias. Assim, alguns princípios doutrinários comuns e uma identificação única foram o mecanismo preparado para atender a essas necessidades.
Análise: o Brasil Presbiteria no n a luta pela formação da mentalidade e definição do perfil de uma Igreja
O jornal Brasil Presbiteriano tinha como principais objetivos a "edificação espiritual do povo presbiteriano", o fornecimento de "informação sobre o trabalho presbiteriano" e a "formação de uma mentalidade presbiteriana" - com o espírito de crescimento denominacional, chamado "sarça ardente". Era uma alusão ao antigo símbolo dessa denominação protestante, o que caracteriza bem o espírito das notícias veiculadas. Suspeita-se que esse órgão oficial tenha sido usado não somente como meio de informação, mas também como um canal de transmissão e sedimentação de relações de poder no seio da Igreja, conforme objetiva este artigo ao expressar essa ambivalência.
Nesta pesquisa foi utilizada uma periodização peculiar para o jornal 'Brasil Presbiteriano'. A sua primeira fase vai de 1958 a 1964, caracterizando o período de maior abertura eclesiástica e bipolarização de tendências antagônicas dentro da Igreja Presbiteriana do Brasil. Em 1964, inicia-se uma nova fase, com o "expurgo" do editor do jornal; com sua substituição, o periódico passa a adotar uma linha conservadora, condizente com o espírito da "guerra fria" reinante no mundo, e da "linha-dura" presente na realidade nacional. Essa fase se estende até 1978, quando ocorre novo cisma na Igreja Presbiteriana do Brasil, com o nascimento da Federação Nacional de Igrejas Presbiterianas, em protesto aos desmandos políticos reinantes na-quele longo período de conservadorismo. Com a ruptura, abre-se a terceira fase do 'Brasil Presbiteriano', a encerrar-se em 1986, data em que ocorre certa abertura ou descompressão política.
Analisando o primeiro número do jornal, observa-se que ele declara o objetivo de propagar o Evangelho e vivificar a devoção doméstica. Coloca-se como uma publicação particularmente a isso consagrada, sem nenhuma ingerência em política, sem outros interesses que não aqueles exclusivamente religiosos da sociedade e do indivíduo, e sem trair o "dom mais precioso de Deus - a liberdade de consciência perante o Evangelho" (Ano I, n° 1, capa). Tinha, portanto, uma visão menos abrangente que a 'Imprensa Evangélica' de Simonton, que visava tornar-se um informativo no mesmo nível dos jornais seculares da época. No entanto, esses objetivos do 'Brasil Presbiteriano' duraram pouco tempo, tendo sido logo trocados por outros interesses.
A situação interna da Igreja Presbiteriana do Brasil, espelhada em seu órgão oficial, pode ser comparada com a vida "lá fora", usando-se a análise realizada por Edson Streck ("Igreja em tempo de repressão: IECLB, 1970, à luz de alguns de seus meios de comunicação") ao lembrar os fatos ocorridos no Brasil de 1968 (STRECK, 1986, p.131), governado pelo general Costa e Silva, segundo governante militar "linha dura" após o golpe de 64. O "ano que não terminou" (VENTURA, 1988), 1968, foi agitado por inquietações e greves estudantis e tra-balhistas, os setores que o sistema ditatorial marginalizava. Foi criado o Conselho Superior de Censura, a Lei de Segurança Nacional, o Ato Institucional número 5 (AI-5) que fechou o Congresso etc. Assim, o poder foi concentrado nas mãos de um militar que assumiu "o controle integral sobre a realidade civil brasileira" (VENTURA, 1988, p.122). Costa e Silva adoeceu e, em setembro de 1969, uma junta militar assumiu o governo para não deixar que um civil, o vice-presidente, assumisse - estava criada uma das mais sérias crises político--institucionais da nação.
Alguns dados do país do "milagre econômico" não condiziam com a imagem criada pelo governo, que lutava acirradamente para deter o terrorismo. Havia focos de guerrilha no interior do país e a violência urbana aumentava; a tortura foi institucionalizada; ocorreram sequestros de diplomatas estrangeiros, que foram trocados por presos políticos; discutiu-se a aplicação da pena de morte; o Esquadrão da Morte agiu impunemente e sumariamente executou pessoas que considerava "indignas para a vida". Alguns setores da Igreja Católica estiveram em atrito com o governo, padres e freiras foram presos, outros assassinados. Pessoas do próprio clero acusaram colegas de favorecerem a "infiltração comunista" em seu meio. O pobre, embora trabalhasse mais horas, teve seu poder aquisitivo diminuído (GUARESCHI,1985), assim como os sindicatos "que nunca tinham sido livres e eram menos livres do que nunca" (LOPEZ, 1983, p.127).
De outro lado, para angariar popularidade, o governo investia em agências de publicidade, para que sua imagem fosse popular, humana e paterna (CAPARELLI, 1982). Os temas do "mais violento período de repressão na história brasileira" (ALVES, 1985, p.160) foram: Carnaval, Copa do Mundo, Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), liberdade, vesti-bular, segurança nacional, duzentas mil milhas submarinas, soberania nacional, união, dentre outros. A Assessoria Especial de Relações Públicas da Presidência da República determinava às agências publicitárias a criação de uma imagem positiva, do "Brasil grande potência", do "milagre econômico brasileiro" que beneficiava as exportações e as empresas multinacionais. Foi o tempo de músicas como "Este mar é meu, leva teu barco pra lá deste mar", "Noventa milhões em ação, pra frente, Brasil", "Eu te amo, meu Brasil, eu te amo. Meu coração é verde, amarelo, branco, azul-anil"3. Isso ajudava a encobrir a distorção na distribuição de renda, as injustiças do período, o severo controle estatal, a concentração de renda e a dependência estrita do capital estrangeiro (LOPEZ, 1983, p.118).
A mídia desempenhava um importante papel na aceitação do sistema implantado, uma vez que os meios de comunicação de massa, controlados pelo governo, incentivavam o brasileiro a consumir bens supérfluos e esquecer bens sociais básicos, como saúde, educação, salário, direito à greve etc. A oposição foi silenciada. Millôr Fernandes passou vários dias preso porque escreveu: "Vocês aí que sempre economizaram tanto para os dias piores, podem começar a gastar o dinheiro: os dias piores já chegaram". O mesmo ocorreu com os redatores do jornal 'O Pasquim', assim como com escritores e jornalistas, estudantes e professores, pastores e padres, e outros que infringiram a Lei de Segurança Nacional. A Aliança Renovadora Nacional era o partido do governo, e o impotente movimento democrático brasileiro, criado pelo próprio governo, era a chamada oposição. O movimento democrático brasileiro foi massacrado ver-gonhosamente nas urnas e desmoralizado, numa eleição em que os votos nulos chegaram a 30% (CIVITA, 1982, p.181).
Não havia mais vozes críticas: ou elas estavam no exílio, ou na prisão ou cassadas. Esse é o poder da comunicação, por meio da (in)formação: informação aliada à formação de uma mentalidade, mediante orientação opinativa, censura e seleção de notícias, dentre outros recursos. É próprio da comunicação contribuir para a modificação de significados que as pes-soas atribuem às coisas. E, "através da modificação de significados, a comunicação colabora na transformação das crenças, dos valores e dos comportamentos" (BORDENAVE, 1982, p.92). No sentido inverso, a não modificação de significados, ou a manipulação deles, colabora para a estabilidade, confirmação e permanência de valores, crenças e comportamentos, o que também se aplica ao caso da imprensa evangélica nacional. Conclui-se, do episódio, "o imenso poder da comunicação. Daí o uso que o poder faz da comunicação" (GUARESCHI, 1985, p.16).
O Brasil Presbiteriano estava inserido no tecido histórico desse período, sendo por ele influenciado e sofrendo suas consequências. Desse modo, com referência às funções de um jornal, vale lembrar o jornalista Scott: "Os fatos são sagrados. A opinião é livre" (CAPELATTO, 1980, p.42).
Para melhorar a compreensão e evolução do jornal, foram feitos "cortes" que correspondem às suas três fases, nos quase trinta anos do periódico4. A fim de observar o papel de informação e também de orientação assumido pelo jornal - para expressar a opinião (BELTRÃO, 1980, p.13) -, passa-se agora a analisar como ele, por meio da informação, visou edificar o povo presbiteriano, seu público-alvo. Na capa do primeiro jornal já era publicada uma estilização da sarça ardente, símbolo da Igreja, com a inscrição latina Nec tamen consumebatur ("E [a sarça] não se consumia"). No número 5, em 1959, surgiu a expressão "sarça" para referir-se ao trabalho da Igreja Presbiteriana do Brasil (BRASIL PRESBITERIANO, ano II, n° 5, jan. 1959, p.5) esse é o símbolo adotado pela IPB, com referência à vocação divina, extraída do texto bíblico em Êxodo 3, quando, numa teofania, Deus fala a Moisés. A partir do número 90, houve uma série de notícias e artigos sobre o crescimento da Igreja, usando-se a expressão "sarça ardente" para ilustrar esse crescimento (BRASIL PRESBITERIANO, Ano VI, n° 90, jun. 1995. Trata-se do jornal tema deste artigo. Após a reunião da Comissão Executiva da IPB, realizada em março de 1996, passou a ser adotada a nova marca da IPB, que ainda é a sarça, agora melhor estilizada e com algumas alterações, conforme amplamente divulgado pelo próprio Brasil Presbiteriano (BRASIL PRESBITERIANO, Ano XXVII, n° 499, abr. 1996 ): Trata--se do jornal tema deste artigo a adoção do subtítulo "Sarça Ardente" exemplifica uma análise das informações acerca do trabalho da Igreja Presbiteriana do Brasil.
O Brasil Presbiteriano foi formador da mentalidade presbiteriana conforme se nota em cartas à redação, enviadas em reação aos editoriais em todos os períodos estudados. Inevitavelmente, ao formar uma mentalidade religiosa, o tom polêmico aparece, pois em toda religião há um traço polêmico-apologético. É próprio do homem ter ideias e opiniões que tem de justificar e defender. Ao defender suas ideias, as opiniões contrárias terão que ser con-frontadas, e virão outros rebatê-las, formando-se a discussão, o que faz parte da própria dialética do pensamento. A contradição faz parte da pregação religiosa, mormente no cris-tianismo, e muitas vezes a página escrita estampa isso (BEDA, 1993, p.104). Em "Imprensa e história do Brasil", Weffort comenta: "Jornais não são partidos. Mas, como se parecem às vezes" (CAPELATTO, 1984, p.37).
Como jornal religioso, ao cumprir as funções de informação e orientação, o Brasil Pres-biteriano manteve um discurso utilitário, no qual o emissor transmitia uma mensagem esperando a reação do receptor conforme as diretrizes apontadas ou desejadas pelo editor. Dessa forma, o editor não desconhecia o aspecto da carga histórico-cultural-ideológica que o levou a publicar determinados fatos. Eles foram valorizados ao serem escolhidos e não ficaram isentos de subjetivismos e disfunções impostos pela ideologia, pelo tempo e pela cultura em geral. No Brasil Presbiteriano viu-se um pouco de cada um desses ingredientes, compondo cada qual a característica deste ou daquele período político da IPB. Começou como uma república do pensamento, propôs-se a ser a locomotiva denominacional em viagem pelos "Brasis" desconhecidos; pecou por não ser literatura comum, universal, nem altamente demo-crática; foi por vezes oligárquico, conforme os interesses de grupos contra outros grupos oponentes, nos embates das tendências dentro de uma mesma denominação; não houve nele muito da frescura das ideias, mas muito do jogo das convicções. Como literatura religiosa e polêmica, não poderia fugir a isso.
O 'Brasil Presbiteriano' serviu não apenas para a edificação espiritual do povo presbiteriano, mas também para fornecer a informação sobre os trabalhos presbiterianos, mantendo acesa a "sarça ardente". Foi, por isso, instrumento de formação da mentalidade denominacional. Distinguiu-se das demais publicações por sua submissão às leis e doutrinas emanadas dos Concílios da Igreja, refletindo o pensamento da Igreja e de suas resoluções conciliares, porém sempre agasalhou o partidarismo de facções que detiveram o poder na Igreja Presbiteriana do Brasil. Em nome de uma "tradição presbiteriana", silenciou, selecionou, expulsou e expurgou os que considerava infiéis, falsos, insubmissos, rebeldes ou "subversivos". O poderoso dom evangelístico de um jornal evangélico (segundo o sonho de Asbhel Green Simonton na Imprensa Evangélica, ou conforme a oração de Álvaro Reis acerca dos destinos de O Puritano) parecia se desvanecer em meio às refregas próprias das disputas políticas no seio da IPB. Faltava muito da eloquência do testemunho para alcançar um "Brasil Presbiteriano", para se projetar uma IPB reconhecida e admirada pela grandeza de seu nome e firmeza de princípios.
Conclusão
A imprensa teve um papel fundamental desde os primórdios da inserção definitiva do protestantismo no Brasil, no século XIX. Em 1864 foi lançado o primeiro periódico, num país cuja tradição jornalística começara pouco antes, em 1808. O jornal Imprensa Evangélica foi lançado pelo pioneiro presbiteriano Asbhel Green Simonton e serviu como veículo de evan-gelização e integração da Igreja que começava a crescer, sendo respeitado até pelos seus oponentes. Sendo lançado num país católico, não deixou de ser polêmico, anticatólico e também se postou contrariamente à cultura nacional, não absorvendo os seus usos e costumes. Antes, criticava-os. Também havia nesse jornal um comprometimento com o ideário liberal e uma abertura à discussão de questões relevantes à época, como escravidão, educação, liberdade religiosa, igualdade de tratamento, Constituição brasileira, república etc.
Na sua sequência vieram vários outros periódicos. Dentre os periódicos oficiais da Igreja Presbiteriana do Brasil, foram publicados 'Revista das Missões Nacionais', 'O Estandarte', 'O Século', 'Norte Evangélico' e 'O Puritano'. Estes dois últimos foram os precursores do 'Brasil Presbiteriano', fundindo-se para formar um único periódico nacional que servisse à Igreja Presbiteriana do Brasil. A fusão ocorreu em 1958, preparando a Igreja para as comemorações de seu primeiro centenário no Brasil.
O novo jornal cumpriu suas funções de informar o povo presbiteriano, publicando estudos bíblicos, artigos inspirativos e muitas instruções sobre o campo de trabalho, suas entidades e organizações internas, seu crescimento - no espírito da sarça ardente que não se consumia. Além de informar, também orientou a mente presbiteriana, isto é, lutou por formá-la. Seu foco foi sendo mudado. De jornal aberto às questões nacionais, como era o caso da 'Imprensa Evangélica' e de outros, como 'O Puritano', centrou sua atenção na vida interna da própria denominação. Verificou-se um caminho que se estreitava, que deixava a participação na vida nacional para assumir a atitude de "gueto". A divulgação de fatos ou a informação, com objetivo de formação de uma mentalidade presbiteriana, pôde ser caracterizada como o uso do poder da (in)formação. De informativo para instrumento de projeção política, foi muito tênue a separação.
Enquanto a primeira fase do jornal 'Brasil Presbiteriano' (1958-1964) se caracterizou pela abertura (1958-1964), a segunda fase pendeu para o lado político conservador, usando o mesmo modelo aplicado à vida política nacional da época: "expurgo". Também ocorreram dissoluções de concílios dissidentes e o fechamento de portas para que a oposição não se expressasse.
A outra tendência dentro da Igreja articulou-se por meio de uma "oposição construtiva". Porém, dentre os oposicionistas, havia um grupo que foi mais adiante e acabou formando uma nova denominação, separada da Igreja Presbiteriana do Brasil. Assim, a oposição à administração da Igreja foi expressa em jornais paralelos, fossem eles de "oposição construtiva" dentro da mesma denominação, fossem eles de declarada oposição, com a cisão do grupo e a formação de outra Igreja. O jornal também mostrou clara oposição ao catolicismo romano predominante no país. Como consequência disso, não exerceu abertura ecumênica, por considerar o ecumenismo como uma forma de romanismo, logo, uma forma de apostasia. Aos da própria casa que penderam para o diálogo com esses "inimigos", foram também desferidos golpes, o que este estudo considera como combate a inimigos domésticos, ou "fogo amigo". Com isso o 'Brasil Presbiteriano' definiu sua posição prioritariamente anticatólica, depois antiecumênica e, ainda, contrária aos próprios inimigos domésticos.
Com relação ao Brasil, o jornal mostrou-se pouco expressivo quanto às suas reviravoltas sociais, pronunciando-se apenas superficialmente a respeito das profundas mudanças que o país experimentou. Mesmo inserido no tecido nacional e sofrendo com suas crises, apenas soube pronunciar-se na esteira dos acontecimentos. Não serviu como instrumento de transformação, apenas acompanhando de longe as manobras no cenário nacional, pendendo sempre para o oficialismo político. Quanto às crises e mudanças sócio-político-econômicas ocorridas no Brasil entre as décadas de 1950 e 1980, por seu posicionamento e consciência social, o Brasil Presbiteriano foi pouco crítico e pouco engajado. Por um lado, comportou-se de modo "diferente" da cultura nacional, não aceitando seus costumes e não aderindo aos seus vícios, lazeres e festas populares. Configurou-se como ilha, como "diferente", parecendo não se relacionar frontalmente com a realidade social brasileira. Por outro lado, sentia-se que era o povo presbiteriano e não se familiarizava com a cultura nacional, com seus usos e costumes. Muitas vezes, desde a sua fundação, mostrou-se pouco familiarizado com a cultura do povo brasileiro. Essa dicotomia entre fé e cultura acabou não permitindo que a denominação tivesse em sua história qualquer grande influência, sendo ínfima a sua presença no cenário nacional.
Dessa forma, a imprensa protestante presbiteriana no Brasil iniciou-se de forma mais participativa e influente, e depois foi afunilando suas perspectivas aos limites da própria denominação. Sua função acabou limitando seus próprios horizontes e servindo para a formação de uma mentalidade conservadora na Igreja Presbiteriana do Brasil. Essa mentalidade - que encontrou oposição de variadas formas - definiu uma postura de consciência social pouco profunda diante da realidade nacional e de sua cultura.
De outro lado, o final do período pesquisado acenou certa descompressão política no país e, consequentemente, na Igreja, trazendo indícios de novos ares, novas metas e novos horizontes a serem descortinados. São indícios de volta à tolerância que já existira em outros períodos na caminhada denominacional, numa trajetória que vem de 1864 a 1986, desde a 'Imprensa Evangélica' até o 'Brasil Presbiteriano', com o papel (in)formativo dos jornais da Igreja Presbiteriana do Brasil.
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Notas
Autor notes
* R. Pedro Vicente, 625, Canindé, 01109-010, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: <profarmandosilvestre@gmail.com>.