Artigos: Temática Livre

A beata Maria de Araújo nos simpósios internacionais sobre o Padre Cícero: traços de uma protagonista invisibilizada

Maria de Araújo in the international symposiums on Father Cícero: Traces of an invisible protagonist

Ercília Maria Braga OLINDA *
Universidade Federal do Ceará, Brasil
Maria Paula Jacinto CORDEIRO
Universidade Regional do Cariri, Brasil

A beata Maria de Araújo nos simpósios internacionais sobre o Padre Cícero: traços de uma protagonista invisibilizada

Revista Reflexão, vol. 43, núm. 1, pp. 137-153, 2018

Pontifícia Universiade Católica de Campinas

Recepção: 18 Fevereiro 2018

Aprovação: 03 Maio 2018

RESUMO: O artigo analisa o tratamento dado à beata Maria de Araújo nos trabalhos apresentados nos simpósios internacionais sobre o Padre Cícero, ocorridos entre 1989 e 2014. Descreve o contexto geral de discussão nesses eventos e a inserção da beata na história local. A partir do evento que ficou conhecido como “Milagre da Hóstia”, que fora transformada em sangue na boca da beata, após receber o sacramento da comunhão pelas mãos do Padre Cícero, edificou-se, com o passar dos anos, uma espécie de invisibilização de Maria de Araújo nas interpretações e concepções de santidade que envolveram os fatos. O tratamento do material, entre conferências, painéis e comunicações, foi estruturado por meio da análise textual discursiva de 24 trabalhos que fizeram menção direta à beata. Da análise resultou uma percepção de que, embora a presença da beata nos estudos se caracterize, principalmente, pela referência histórica à sua participação no milagre, com pouquíssimos aprofundamentos no que diz respeito às condições de gênero, raça e outros marcadores de sua condição naquela sociedade, há um fluxo consistente de demandas pela valorização de seu lugar na história de Juazeiro do Norte e nos eventos que transformaram esta cidade em um dos maiores centros de peregrinação popular da América Latina. É possível evidenciar que os simpósios ofereceram avanços sobre a compreensão da beata Maria de Araújo e de outros personagens envolvidos nos fenômenos e que a abertura para a compreensão da complexidade de fatores causais pode contribuir para lançar luzes a novas interpretações e desdobramentos sobre os fatos.

Palavras-chave: Beata Maria de Araújo, Milagre, Simpósios Internacionais do Padre Cícero.

ABSTRACT: The aim of this article was to analyze the treatment given to the pious woman, Maria de Araújo, in the papers presented at the international symposiums on Father Cícero held between 1989 and 2014. The article will describe the general context of discussion at these events and the inclusion of the pious woman in local history. After the event, which became known as the “Miracle of the Host”, the Host that transformed into blood in the mouth of the pious woman after receiving the sacrament of Communion from the hands of Father Cicero, Maria de Araújo became an invisible party over the years in the interpretations and conception of holiness that surrounded the facts. Of the material from the conferences, panels and communications, 24 studies that directly mentioned the pious woman were analyzed using discourse and textual analysis. From the analysis, we perceived that although the presence of the pious woman in the studies is mainly characterized by the historical reference to her participation in the miracle, very few aspects regarding her gender, ethnicity and other characteristics of her condition in that society are addressed. There has been an increasing demand for the appreciation of her place in the history of Juazeiro do Norte (Brazil) as the events have transformed this city into one of the greatest centers of popular pilgrimage in Latin America. It was found that the symposiums advanced the understanding of Maria de Araújo and the other characters involved in the phenomena and provided an openness to the understanding of the complexity of causal factors that may shed light on new interpretations and developments about the facts.

Keywords: Pious Maria de Araújo, Miracle, International Symposiums on Father Cícero.

Introdução

Este artigo descreve e analisa o modo como a beata Maria de Araújo foi tratada nos quatro simpósios internacionais sobre o padre Cícero, realizados na cidade de Juazeiro do Norte (CE), nos anos de 1988, 1989, 2004 e 2014. Examinou-se um total de 165 trabalhos, desses 24 faziam menção direta à referida beata. Orientou-se pelas seguintes perguntas: Que relevância é atribuída à beata Maria de Araújo nos fenômenos sociorreligiosos locais? Como pesquisadores interpretam o fenômeno do sangramento da Hóstia Consagrada e o martírio vivido pela beata em decorrência das sanções que lhe foram impostas? Como explicam as razões para o silenciamento/isolamento da beata?

O tema deste estudo se insere na discussão que aponta possibilidades de compreensão do campo a partir de um olhar multidisciplinar e plural paras as Ciências da Religião, de um lado, considerando um aspecto de estabilidade epistêmica ainda em construção no Brasil e que determina certa predominância dessa abordagem, de outro, pelas características dos trabalhos analisados, cujo corpo é multifacetado em diversas perspectivas: sociológica, histórica, filosófica, psicológica e teológica. Não se perdem de vista as crises e redimensionamentos das abordagens metodológicas neste campo, ora ampliando o escopo de estratégias, ora buscando constituir uma autonomia pela unificação metodológica, o que é potencialmente desafiador num campo tão complexo, que exige uma formação multifacetada e resistente a simplificações ( DREHER, 2001).

Os referidos simpósios foram promovidos pela Universidade Regional do Cariri (URCA) em parceria com instituições culturais, religiosas e de pesquisas, locais, nacionais e internacionais. As reflexões aqui sistematizadas representam um balanço de vinte e seis anos de produção acadêmica nestes eventos 3, entre conferências, palestras, mesas redondas, painéis e comunicações sobre o fenômeno sociorreligioso iniciado com o chamado “milagre de Juazeiro”, quando em 1º de março de 1889 a hóstia ministrada pelo padre Cícero Romão Batista à beata Maria Magdalena do Espírito Santo Araújo se transformou em sangue vivo. Há uma ampla bibliografia a este respeito, envolvendo distintas interpretações: Della Cava (1976), Barros (1988), Paz (1998), Forti (1999), Nobre (2016) e Dumoulin (2017).

Desde já, deixa-se claro que não se tem a pretensão de entrar no mérito da Teologia Dogmática para discutir sobre a existência de um verdadeiro milagre, segundo a doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana. Concordando com Forti (1999), o termo milagre, sem aspas, é assumido por nós em respeito à conotação dada ao fenômeno pelos romeiros e romeiras, para designar algo extraordinário, em que a mão de Deus está presente.

Para a análise do conjunto de textos publicados, seja em anais escritos ou na forma de vídeos, utilizou-se a proposta metodológica intitulada de “Análise Textual Discursiva”. Segundo essa abordagem, o processo analítico qualitativo desenvolve-se num ciclo constituído de três elementos – unitarização, categorização e comunicação que possibilita “a emergência de novas compreensões com base na auto-organização” ( MORAES, 2003, p.191). A análise teve início com uma leitura atenta de todos os textos disponíveis e audição de vídeos. Após esta visão de totalidade, partiu-se para um processo de fragmentação – a unitarização –, quando as ideias centrais foram destacadas, para, em seguida, estabelecer relações entre estas unidades de base, num processo que foi da classificação à formação de categorias. Essa dinâmica levou a uma “impregnação” de sentido, fazendo emergir compreensões que, por sua vez, passaram por uma crítica e validação, propiciando a comunicação, último elemento da análise.

O ciclo de elementos adotado permitiu, na escrita, deslocamentos não lineares entre empiria e abstração teórica que os aproximaram das respostas às questões inicialmente traçadas. O rico material analisado fez levar a novas questões, abrindo pistas para futuras pesquisas.

Importante destacar que o recorte do texto, ou sua pulverização/desconstrução, foi realizado a partir da ótica das pesquisadoras, estando presentes marcas autorais, assim como certas limitações. Moraes e Galiazzi (2006, p.6) lembram que outro pesquisador faria “[...] outras seleções, estabeleceria outros argumentos, faria outras tessituras”. Na mesma direção, Moraes (2003, p.192) afirma que “todo texto possibilita uma multiplicidade de leituras, tanto em função das intenções dos autores, como dos referenciais teóricos dos leitores e dos campos semânticos em que se inserem”. Assim, explicita-se que o interesse deste artigo teve uma dupla perspectiva: realçar os movimentos para a manutenção da invisibilidade da protagonista do milagre e, por outro lado, identificar os argumentos para que lhe seja dado o devido valor histórico, reconhecendo-a como uma mulher pobre, analfabeta, mestiça de duas raças perseguidas (negro e índio), que ousou assumir sua intimidade com Deus e colaborar na missão assumida pelo padre Cícero de socorro aos “náufragos da vida”.

Para que se entenda o significado da missão assumida pelo patriarca de Juazeiro, Barbosa (2007) reproduz o sonho profético que o referido padre teve após um dia de atendimento aos fiéis:

[...] lhe aparecia Jesus, acompanhado dos doze apóstolos, como no painel famoso da Santa Ceia de Leonardo da Vinci. O Cristo deixava entrever também o seu coração [...] o mestre recrimina a ingratidão dos homens e reafirma sua disposição de dar mais uma chance de salvação à humanidade pecadora. O quadro se completa com um grupo de flagelados, maltrapilhos e esfomeados. O Coração de Jesus volta-se então para o padre Cícero e diz: ‘E tu, Cícero, cuida deles!’

( BARBOSA, 2007, p.17).

Como bem alertou Oliveira (1990, p.162), nos comentários conclusivos do I Simpósio, a religião tem uma significação estruturante na vida humana “[...] de tal modo que seu recalque só pode ter consequências destrutivas para a vida intelectual e coletiva do homem”. Pretende-se compreender o fenômeno de Juazeiro do Norte numa perspectiva de caráter mais interdisciplinar que caracteriza as abordagens das Ciências da Religião que buscam alternativas ao paradigma fenomenológico clássico, procurando métodos e teorias de outras áreas para subsidiar as análises e, neste caso, identificando o lugar de uma das mulheres protagonistas de sua história, não para manter intermináveis contendas históricas, mas para ser compreendida a partir das obras que se deixou enquanto humanidade. Obras que marcam nosso modo de ser e de pensar na atualidade e ajudam a entender como a religião á vivenciada:

Então o homem é aquele que se faz historicamente. Se ele é, em primeiro lugar, possibilidade, a interpretação de suas obras históricas, isto é, religiosas, culturais, políticas e econômicas, deve mostrar o que se efetivou e que se abre como futuro, como alternativa histórica. Portanto, uma pesquisa sobre o Pe. Cícero e Juazeiro não vai perder tempo em eternas discussões sobre o que foi. Ela não é uma pesquisa arqueológica, mas é, em primeiro plano, praxiológica; trata-se de mediar a práxis do homem de hoje e a dos homens do futuro. Mediar uma práxis que seja capaz de emancipar os homens. Acho que esta é a questão de cunho principal

( OLIVEIRA, 1990, p.163).

A beata, o padre e o curso dos eventos

No início, os “fatos extraordinários” ocorridos em Juazeiro do Norte, tiveram repercussão apenas local. No entanto, rapidamente mobilizaram levas de romeiros que vinham adorar os paninhos ensanguentados expostos numa urna. Eles acreditavam tratar-se do “sangue precioso de Jesus”, mais uma vez derramado para alertar os homens que estavam se distanciando da religião, assim como para indicar a cidade de Juazeiro do Norte como terra de salvação. No primeiro inquérito sobre o milagre, a própria beata Maria de Araújo, em resposta à décima-sexta pergunta, afirmou ter tido colóquio com Nosso Senhor Jesus Cristo e que algumas destas revelações indicavam que Ele queria “[...] fazer deste lugar uma porta do céu e um lugar de salvação para as almas” ( GUIMARÃES; DUMOULIN, 2003, p.10).

Em 1890, o bispo de Fortaleza, capital do Ceará, Dom Joaquim Vieira, recebeu do padre Cícero uma carta em que este reconheceu o sangramento da hóstia como fato milagroso. A seguir um trecho significativo da mesma, reproduzido por T eixeira (2013, p.49):

O fato extraordinário, de que V. Excia. já teve alguma informação não só por Monsenhor Monteiro como por mais alguém, para maior honra e glória de Deus, eu sou obrigado a dizer que é verdade, porque fui testemunha muitas vezes. Ainda que exceda a pouca fé minha e de outros, que não sabemos o excesso de amor do Sagrado Coração de Jesus fazendo esforços para salvar os homens, não posso duvidar porque vi muitas vezes.

Maria de Araújo passou a ser o centro de uma controvertida “questão religiosa”, a mobilizar o clero regional, levando as discussões sobre os fatos até Roma. Dois inquéritos foram instaurados para averiguar os episódios: o primeiro em 1891, o segundo no ano seguinte. Antes do início dos trabalhos da primeira comissão inquisitorial, Dom Joaquim publicou uma “Decisão Interlocutória” proibindo o culto aos panos ensanguentados e exigindo que o padre Cícero se retratasse no púlpito sobre sua afirmação de que o sangue vertido na boca da beata era o sangue de Cristo, adiantando sua posição sobre o tema, ao firmar que, de acordo com a Teologia Católica, “não o é nem pode ser” ( NOBRE, 2016, p.72) o sangue de Jesus Cristo. Como praticamente já havia uma definição prévia da cúpula da igreja, representada pelo bispo Dom Joaquim, o relatório da primeira comissão de inquérito que atestava a veracidade do fenômeno foi sumariamente rejeitado. Uma segunda comissão foi formada com a tarefa de provar que o fenômeno ocorrido com a beata não era obra divina, mas embuste, endossado por pessoas fanatizadas. Essa atitude dos dirigentes da igreja local era justificada pela doutrina da impossibilidade de uma segunda redenção, porém circulava uma noção eurocêntrica, ilustrada pela afirmação atribuída ao padre lazarista francês, Chevalier: “Nosso Senhor não deixa a França para obrar milagres no Brasil” ( AZZI, 1990, p.125).

A literatura especializada registra todas as interdições impostas ao padre Cícero Romão Batista, aos padres que declararam crer no milagre, às beatas em geral e ao povo romeiro ( DUMOULIN, 2017). O medo da excomunhão calou a muitos e a determinação da hierarquia superior da igreja local de abafar as manifestações de devoção à beata e aos paninhos ensanguentados tiveram outros desdobramentos: Maria de Araújo foi enclausurada na Casa de Caridade do Crato e, posteriormente, em Barbalha; as romarias ao Juazeiro, iniciadas em julho de 1889, por iniciativa do então reitor do Seminário do Crato, Monsenhor Francisco Rodrigues Monteiro, contando com cerca de três mil pessoas ( NOBRE, 2016), logo após ter se tornado público o fenômeno eucarístico, foram proibidas; a Capela de Nossa Senhora das Dores, onde ocorreu o sangramento pela primeira vez, foi fechada durante 20 anos e os padres foram obrigados a silenciar diante dos acontecimentos; em 1892, padre Cícero foi suspenso das ordens sacerdotais; em 1893, Dom Joaquim Vieira proibiu que qualquer padre benzesse as medalhas referentes ao milagre ( AZZI, 1990); em 1932, o corpo da beata foi roubado, seu túmulo demolido e seu nome condenado ao esquecimento; os panos ensanguentados foram incinerados em 1949.

Por ordem do padre Cícero, o corpo de Maria de Araújo fora sepultado no interior da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Até o início da década de 1930 havia intensa visitação de romeiros naquele local, considerado sagrado. Hoje, resta apenas uma tímida placa numa parede lateral da igreja, fazendo alusão ao local original do seu sepultamento.

Apesar de todas as perseguições e proibições, as romarias continuaram e se avolumaram, ancoradas no reconhecimento popular da santidade do “padim Ciço” e na devoção à Nossa Senhora das Dores. Sobre a beata do milagre restou o apagamento, além de calúnias e difamações, muitas delas propaladas pelos próprios padres. Um deles demonstra repugnância pela pessoa da beata, descrevendo-a com sua pena racista: é o caso do padre Alencar Peixoto, no livro “Joazeiro do Cariry”, publicado em 1913. Após tecer comentários grosseiros e depreciativos sobre o Juazeiro e sobre os genitores de Maria de Araújo, passa a referir-se, com asco, sobre a mesma: “[...] é um produto, um cruzamento das duas raças mais detestáveis, não pode deixar de ser, em todos os sentidos, uma hibridez horrível” ( PEIXOTO, 2011, p.41). Afirma, ainda, que ela é uma “monstruosidade feita mulher” e “cacodemoníaca criatura que deve ser mulher [...]”. Após expor o fenótipo de um verdadeiro monstro, passa-se a descrever o que ele chamou de “monstro por dentro”:

Quanto à hibridez moral dessa candorça diabólica a quem se ligara pela lei das moléculas afins e com quem consertara o padre Cícero aquele supersatânico embuste iterativo da hóstia em sangue transformada, quem poderá debuxá-la? Quem poderá delinear o perfil dessa alma soberanamente execrável? Quem poderá relatar as suas misérias e as suas torpezas? Quem poderá enumerar todos os males que ela, de mãos dadas com o padre Cícero, tem causado à religião, à pátria e à humanidade?

( PEIXOTO, 2011, p.42).

Mas quem era esta mulher capaz de inspirar amor, devoção, desprezo e ódio? O que ela ameaçava para sofrer tão ardilosa perseguição, a ponto de levá-la ao quase esquecimento? Não se trata de vitimá-la, mas de reconhecer seu martírio em vida e mesmo após sua morte com a profanação de seu túmulo e a disseminação de narrativas orais e escritas que a reduziam a uma histérica, demoníaca ou embusteira.

Maria nasceu em Juazeiro do Norte em 24 de maio de 1862 e faleceu em 1914. De acordo com Oliveira (2001), na época não houve como dar um diagnóstico preciso sobre a causa de sua morte. Mesmo assim, alguns memorialistas afirmam que a beata morreu de câncer. Segundo relato de Maria de Araújo na primeira comissão de inquérito ( GUIMARÃES; DUMOULIN, 2003), com nove anos de idade, quando fez a primeira comunhão, celebrou um consórcio espiritual com Jesus Cristo. A partir daí, fez votos de castidade e consagrou-se plenamente ao Sagrado Coração de Jesus, tornando-se, mais tarde, zeladora do Apostolado da Oração, associação leiga nascida na França em 1844 e aprovada pelo Papa Pio IX, cinco anos depois ( NOBRE, 2016). Ela também vivenciou as seguintes experiências: êxtases, crucificações, visões do mundo espiritual, colóquios diretos com Cristo, com o menino Jesus e a Virgem Maria, visitas ao inferno e ao purgatório para salvação de espíritos em sofrimento, transportes ou deslocamentos espirituais e estigmas.

Na história da Igreja Católica algumas pessoas manifestaram, em parte ou no todo, os mesmos fenômenos “extraordinários”, “paranormais” ou “sobrenaturais” e foram reconhecidos como santos e santas. Forti (1999) cita os seguintes casos: de Bolsena, ocorrido em 1263 e que deu origem à comemoração de Corpus Christi e de Lanciano, por volta do ano 700. Mulheres europeias tiveram experiências místicas semelhantes às da beata Maria de Araújo: Santa Catarina de Siena, Santa Inês, Santa Gemma Galgani e Santa Teresa D’Ávila.

Filha de um casal muito humilde, ajudou no sustento dos seus sete irmãos fazendo trabalhos de costura ( NOBRE, 2016). Ela vestiu o hábito negro de beata, mantendo uma tradição estimulada pelo mestre padre Ibiapina de formar irmandades leigas de mulheres. Sobre a participação feminina no movimento sociorreligioso de Juazeiro do Norte, a antropóloga Renata Paz (1998) inaugurou um novo olhar sobre o papel das beatas na tensão entre catolicismo popular e catolicismo romanizado.

Maria de Araújo era uma mística, ou seja, aquela pessoa que conhece Deus por uma experiência pessoal, profunda e contínua. O místico mergulha na ousadia de experimentar o “totalmente outro”. O Concílio Vaticano II na Gaudium et Spes proclamou que “o aspecto mais sublime da dignidade humana consiste em sua vocação para a comunhão com Deus. Desde o nascimento o homem é convidado ao diálogo com Deus” ( PAPA PAULO VI, 1997, n.19). A experiência mística foi vivida, e ainda o é, em todas as culturas e épocas históricas, demonstrando a perenidade do desejo humano do “rosto de Deus” e o potencial humano para a santidade ( BORRIELLO et al., 2003 ).

Essa personagem viveu com simplicidade e no anonimato até tornar-se conhecida em todo o Brasil, depois dos episódios ocorridos, repetidas vezes, ao longo de dois anos e presenciados por centenas de pessoas. Esses fatos foram amplamente divulgados na imprensa local e nacional.

Há, na atualidade, uma disputa em torno da memória de Maria de Araújo: muitas pessoas a confundem com a beata Mocinha (Joana Tertulina de Jesus), administradora da casa e dos bens do padre Cícero; alguns a têm como santa; outros repetem, sem buscar qualquer fundamento na história, o discurso de seus detratores 4. E como a veem os pesquisadores que apresentaram suas produções acadêmicas nos simpósios internacionais sobre o padre Cícero? Ver-se-á a seguir.

Movimentos de rupturas e continuidades no processo de invisibilização da beata

O “I Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero e os Romeiros de Juazeiro do Norte” ocorreu entre os dias 17 e 20 de abril de 1988. Apesar de corresponder ao anseio da Universidade Regional do Cariri de se firmar como polo fomentador de ação cultural e de produção de conhecimentos sobre a religiosidade do Cariri, o evento só ocorreu graças aos esforços incansáveis de duas pesquisadoras do campo da Psicologia da Religião, as freiras agostinianas Annette Dumoulin e Therezinha Stella Guimarães. Nos anais do evento, encontrou-se oito palestras e cinco sínteses conclusivas. No primeiro grupo Maria de Araújo é tratada uma vez, no trabalho de Riolando Azzi, intitulado “As Romarias de Juazeiro: Catolicismo Luso-Brasileiro Versus Catolicismo Romanizado”; no segundo grupo, Maria de Araújo aparece em um comentário.

O simpósio em pauta caracterizou-se por um tratamento disciplinar do fenômeno religioso de Juazeiro: os três primeiros trabalhos foram abordagens psicológicas, apresentadas por professores da Universidade de Louvain na Bélgica; o quarto foi do campo das Ciências Sociais; os três seguintes trouxeram uma abordagem histórica e o último fez um ensaio filosófico e poético.

O único trabalho a fazer menção à Maria de Araújo trouxe excelentes contribuições para entendermos o contexto histórico em que aconteceu o milagre. A Igreja via nas práticas religiosas populares eivadas de hibridismos um afastamento da ortodoxia doutrinária, daí a urgência em aprofundar o processo de romanização do catolicismo, buscando trazer os fiéis para as práticas sacramentais regidas pelos sacerdotes. Assim, foi disseminada a devoção ao Sagrado Coração de Jesus 5. O aspecto sacramental dessa devoção restringia a autonomia leiga em termos de culto, estando diretamente vinculada ao poder clerical. De acordo com Azzi (1990), os sertanejos transformaram o culto numa “devoção milagreira”, conforme os típicos padrões culturais do catolicismo luso-brasileiro: “Quando a devota Maria de Araújo recebeu a comunhão, um pedaço de hóstia caiu inadvertidamente por terra tingida de sangue. Com o ‘milagre’, o povo se apropriava da devoção ao Sagrado Coração de Jesus e imprimia-lhe um novo significado” ( AZZI, 1990, p.116). Esta foi uma das formas de acomodação das estratégias de romanização aos ritos da religiosidade popular.

Este conferencista traz o milagre da hóstia consagrada à tona para mostrar a resistência popular às estratégias romanizantes. Mas Azzi (1990, p.129) também vai mostrar que em Juazeiro “o catolicismo romanizado teve sua ponta de lança nas mulheres do Apostolado da Oração, frequentadoras da confissão e da comunhão e submissas, de início, à autoridade clerical”.

Ele relata fatos que mostram o reconhecimento que havia entre os populares em relação a dois aspectos: a importância da participação das mulheres nos rituais da igreja e a santidade da beata Maria de Araújo. Um deles ocorreu em 1894, quando o bispo ordenou a remoção de Maria para a Casa de Caridade de Barbalha. Aí fica patente a reação popular à repressão da autoridade eclesiástica:

Em 1894, de fato, Monsenhor Alexandrino fora enviado pelo bispo de Fortaleza a fim de fazer a remoção de Maria de Araújo para Barbalha, afastando-se assim de Juazeiro, conforme determinações da Santa Sé. É bem expressiva a narração deixada pelo clérigo sobre a visita feita à casa da beata: ‘lá chegando, encontrei a casa repleta de mulheres, talvez umas duzentas, e no terreiro e imediações – quinhentos e tantos homens, entre os quais, alguns armados’

( AZZI, 1990, p.118).

Ele cita Della Cava para ilustrar mais uma vez a dimensão da resistência popular:

Tratado como se fosse uma seita e privado de comemorar suas festas religiosas, o povo logo encontrou outras práticas para manifestar a sua lealdade. Enfeitava as casas com retratos do Pe. Cícero e de Maria de Araújo, que eram tidos e estimados como novos santos, os descobridores dos novos mistérios; usavam em volta do pescoço correntes com medalhas cunhadas na Europa, portando a efígie de seus heróis. Na medida em que esses costumes eram também condenados, ‘superstições grosseiras!’ constituíam de fato, atos de desafio

( DELLA CAVA, 1976, p.80).

O autor segue sua argumentação mostrando como o povo restabeleceu a importância do santo como “protetor”, junto de Deus, o que só pode ser evidenciado através de milagres:

O centro devocional vai se deslocando do Coração de Jesus e da eucaristia, eixos da devoção romanizada, para as figuras do Pe. Cícero e da própria Maria de Araújo, os novos ‘santos’, cujos ‘milagres’ evidenciam a proteção divina

( AZZI, 1990, p.119).

[...] Fora Deus quem escolhera Juazeiro, para aí multiplicar suas graças e prodígios. Contra essa escolha divina, nem o Papa tinha poder ou autoridade [...]

( AZZI, 1990, p.131).

Azzi articula suas reflexões sobre as dimensões religiosas, culturais e políticas, envolvendo as romarias de Juazeiro para trazer elementos que nos fazem entender que a estrutura nas relações de trabalho da ordem tradicional foi preservada: “[...] o amparo por ele [padre Cícero] oferecido aos deserdados da sorte naquela região castigada pelas secas, transformou-o também em padrinho, reavivando as relações de tipo paternalista da antiga sociedade patriarcal” ( AZZI, 1990, p.135).

Nos comentários conclusivos do simpósio, o padre José Oscar Beozzo chamou a atenção para a necessidade de dar maior visibilidade à história da mulher no Juazeiro. Ele ainda lamentou que: “[...] uma figura como Marrocos não tivesse ocupado um espaço maior aqui, porque ele é desses intelectuais do povo que fazem a história da cidade de Juazeiro. Não se pode pensar em padre Cícero sem Marrocos, de um lado, e sem as beatas e Floro de outro” ( BEOZZO, 1990, p.166).

O Padre Élcio Ribeiro comentou sobre o dogmatismo científico e a disciplinaridade no trato do fenômeno de Juazeiro visto no simpósio, e disse que era necessário superar as dicotomias presentes nas análises e interpretações apresentadas convidando a “[...] entender o padre Cícero como uma síntese ambígua entre catolicismo popular e catolicismo romanizado” ( RIBEIRO, 1990, p.176).

No ano de 1989, em alusão ao centenário do milagre da hóstia, ocorreu, entre os dias 15 e 18 de setembro, o “II Simpósio sobre o Padre Cícero e a Beata Maria de Araújo: um Contexto de Milagre”. Os trabalhos deste simpósio não foram publicados, de início por entraves institucionais e, depois, porque alguns autores não deram as necessárias autorizações. Acessou-se 12 trabalhos apresentados e discutidos naquela ocasião, arquivados no Instituto José Marrocos de Pesquisas e Estudos Sócio-Culturais (IPESC). Destes, quatro trataram diretamente da figura que é focada neste artigo. Por não se ter autorização dos autores para fazer referências diretas aos seus textos, restringe-se aqui a apresentar uma caracterização geral da discussão, apontando os enfoques dados à Maria de Araújo.

Surpreendentemente a beata não foi mencionada nas falas de abertura do evento. O então reitor da URCA, professor Dr. Teodoro Soares, limitou-se a afirmar que o simpósio deve ensejar rigorosa investigação científica interdisciplinar, visando explicar os fundamentos de certas condutas individuais e coletivas.

Ficou claro que o tempo das produções elitistas, sejam religiosas ou laicas, que tratavam o fenômeno do Juazeiro como alienação, farsa, embuste ou manipulação, estava superado. Assim como não havia mais espaço para teorias baseadas nas ideias de sub-raça e de higienismo que animaram positivistas no início do século passado. A nação romeira exigia respeito e seus símbolos e rituais deveriam ser entendidos num quadro científico de abertura à alteridade. Vários trabalhos de cunho histórico e/ou sócio-antropológico abordaram as seguintes temáticas: penitentes, Canudos, Caldeirão, papel de José Marrocos na história do Juazeiro e na luta abolicionista; papel de liderança política do padre Cícero em diferentes momentos históricos; religiosidade popular e a igreja dos beatos e das beatas. Outros trabalhos trouxeram uma visão filosófica e/ou teológica sobre o episódio da hóstia transformada em sangue. Apesar da maioria dos trabalhos não fazerem menção direta à beata Maria de Araújo, trouxeram reflexões e elucidaram fatos históricos fundamentais para entender o contexto social, cultural, religioso e político da época em que ocorreram os fatos “extraordinários de Juazeiro”.

Houve um reconhecimento de que ainda era cedo para falas conclusivas, pois muitos documentos relativos aos fenômenos investigados ainda eram desconhecidos. Importante lembrar que só recentemente parte dos documentos foi disponibilizada pela Diocese do Crato 6.

O que se manifestou hegemônico em relação à beata, foi a abordagem da Parapsicologia. Recusadas as teses do embuste, da ação demoníaca e da histeria, e ainda não enfrentada a questão teológica sobre o milagre, as teorias da Parapsicologia apareciam como uma possibilidade explicativa, pelo menos de parte dos fenômenos. Um padre se posicionou sobre o milagre, dizendo que um dia a igreja teria que se pronunciar sobre os fatos de Juazeiro, mas ainda não era hora de dar respostas, senão seriam respostas imaturas, pois não existiam subsídios suficientes. No entanto, lembrando-se dos médicos, farmacêuticos, padres e populares que presenciaram e deram testemunhos orais e escritos sobre a veracidade do fenômeno, indagou: por que não pode ter sido milagre?

No evento também foram socializadas reflexões psicanalíticas sobre as experiências de êxtase da beata e sobre a própria noção de milagre, além de ter ocorrido um interessante debate sobre o significado de santidade para a igreja e para o povo. No entanto, o ponto alto do simpósio foi a discussão, no formato de painel, feita por quatro especialistas em Parapsicologia, após o conteúdo central dos dois inquéritos abertos por Dom Joaquim em 1891 e 1892, terem sido apresentados pela pesquisadora Maria do Carmo Pagan Forti. Houve, ainda, uma esclarecedora discussão sobre a trajetória dos paninhos ensanguentados. A apresentação de um dos panos, datados e assinados pelo padre Cícero, gerou grande interesse do público presente.

Por fim, destaca-se a mudança de atitude dos pesquisadores em relação ao envolvimento pessoal de cada um com a temática. A dimensão da afecção foi explicitada e já não se concebia que a trajetória de vida dos pesquisadores fosse indissociável de seus interesses de pesquisa.

O III Simpósio Internacional sobre o Padre Cícero, intitulado “Padre Cícero do Juazeiro. E... Quem é ele?” aconteceu de 18 a 22 de julho de 2004, quinze anos depois de sua segunda edição, e foi marcado pela celebração de 70 anos de falecimento do patriarca de Juazeiro. A parceria entre a Diocese do Crato e a Universidade Regional do Cariri na organização do evento diferenciou esse simpósio dos anteriores, na medida em que se instaurou um movimento que apontava novos rumos e desdobramentos acerca da relação entre padre Cícero e Igreja. A Diocese do Crato, dirigida por Dom Fernando Panico, nomeado em março de 2001, seguia, apesar de resistências internas, um rumo de abertura às discussões sobre os fatos extraordinários envolvendo o padre Cícero e a beata Maria de Araújo. Iniciaram-se com Dom Fernando, que se apresentava como um “bispo romeiro”, os trabalhos pela reabilitação do padre Cícero.

Durante o simpósio ficou claro que a Diocese local estava disposta a abrir mão de reducionismos simplistas que caracterizaram as polarizações de versões sobre os fatos que mantiveram padre Cicero no patamar de santo do povo e reconhecer que as respostas se dariam em meio à complexidade e entercruzamento de diferentes domínios da ciência. Na fala do então reitor da URCA, André Herzog Cardoso, os caminhos dessa articulação são definidos por meio de referência a uma fala do Papa João Paulo II: “A ciência pode purificar a religião, livrando-a do erro e da superstição; a religião pode purificar a ciência, livrando-a da idolatria e dos falsos absolutos” ( CARDOSO, 2004, p.17). Complementa sua fala referindo-se à localização do padre Cícero que estaria “entre o rigor da ciência e o luminoso da fé” ( CARDOSO, 2004, p.18).

A ideia de que uma nova percepção sobre o padre Cícero em suas múltiplas dimensões de atuação, sobre os diversos atores que orbitaram ao seu redor e sobre os próprios romeiros se fazia necessária, semeou as análises dos conferencistas e os intensos debates que ocorreram não só no Memorial Padre Cícero, onde foi sediado o evento, mas também nas rádios e jornais locais. Buscava-se uma verdade que se desocultasse da opacidade do mundo vivido, como afirmou Dom Fernando em sua fala na abertura do evento. Na conferência de Monsenhor Murilo as perguntas desafiadoras feitas pelo povo foram levantadas; questões sobre as dimensões ainda obscurecidas a respeito da vida de padre Cícero e sobre os seus seguidores, inclusive sobre os romeiros de hoje. Sobre a hóstia ele perguntou: foi milagre ou embuste? E se foi milagre, foi do padre ou da beata?

Nos Anais foram apresentadas seis conferências, quatro mesas redondas, três painéis e quatro sínteses, além de conteúdo principal de três minicursos e resumos de 28 comunicações. Os eixos temáticos foram definidos do seguinte modo: “O contexto”, com trabalhos focados na configuração do padre Cicero e nos atores de seu tempo; “A vivência”, com enfoque nos relatos de experiência de pesquisadores, devotos e personalidades da Igreja sobre diversos tipos de contato com o fenômeno religioso de Juazeiro do Norte; “O Fenômeno”, com apresentações mais dirigidas à dimensão analítica da questão central do evento; e “O Contemporâneo e o futuro”, cujos debates estiveram voltados para a reflexão sobre perspectivas de diversas apropriações que articulam padre Cícero à igreja, ao turismo religioso, às dicotomias entre tradição e modernidade, ao patrimônio cultural, à religião na pós-modernidade e à educação.

Certa efervescência caracterizou os ânimos naquele evento, pois fontes documentais até então pouco acessíveis tornaram-se disponíveis para novas investigações e análises, como foi o caso da intensa correspondência entre o padre Alexandrino Alencar e Dom Joaquim Vieira, que fundamentou significativamente as discussões do primeiro dia do simpósio. Esses documentos foram organizados pelo Centro de Psicologia da Religião e foram anexados aos Anais do evento.

De todos os trabalhos publicados, apenas três ofereceram pistas mais elaboradas a respeito de como interpretaram as razões para o silenciamento da beata Maria de Araújo. Beozzo, em sua conferência, discutiu o contexto geográfico, espacial, climático, social, econômico e de relações públicas e privadas a que esteve submetido o padre Cícero. Tomando o contexto social, descreveu como o padre reuniu jovens piedosas a partir de 1885, a quem mais tarde conferiu o manto de beatas, estando Maria de Araújo entre elas. Sobre isso apontou Beozzo (2004, p.34):

Em torno do padre Cícero essas pessoas que emergiam da escravidão encontraram espaço para partilhar de sua confiança e intimidade e para integrarem o seleto grupo daqueles e daquelas que faziam consagração religiosa de suas vidas na condição de beatas e beatos. Merecia uma investigação mais profunda este filão, pois certamente uma das atrações do Joazeiro foi esta ausência de discriminação nesta comunidade pobre onde os deserdados da fortuna, mas também os marcados por sua raça, cor e origem social puderam encontrar um espaço para serem gente e para serem respeitados como pessoas e como fiéis.

A seguir, Beozzo lançou a seguinte questão: num Brasil marcado por discriminação racial, teria a cor da beata influenciado os ânimos da segunda Comissão de Inquérito? Cercando-se da correspondência entre padre Alexandrino Alencar e Dom Joaquim Vieira, Beozzo apontou como Juazeiro, sob os auspícios de padre Cícero, foi se tornando, em meio à pobreza estrutural dos nordestinos e às secas inclementes, “um refúgio para os náufragos da vida”, que rapidamente passaram a produzir objetos religiosos ligados ao contexto do milagre da hóstia, como foi o caso de medalhas com a efígie do padre Cícero e da beata Maria de Araújo. Rapidamente se percebeu que não se tratava meramente de contextualizar os eventos, mas de provocar ilações entre fatos e relações sociais para revelar elementos e construir novas percepções e interpretações sobre as ações dos envolvidos.

No segundo trabalho, Slater, falando sobre as mudanças nas histórias contadas sobre o padre Cícero, apontou o efeito da inclusão de uma imagem da beata Maria de Araújo no Museu do Horto sobre as percepções dos romeiros a respeito desta personagem, muitas vezes confundida pelos devotos com a imagem de uma mulher branca em um hábito tradicional. Slater comentou a fala de uma jovem romeira negra que, ao ver a imagem, reportou-se imediatamente à beata Maria de Araújo como uma sofredora, injustiçada, “santa, igual a meu padim” ( SLATER, 2004, p.95).

Na comunicação de Nobre e Silva (2004, p.74), a intenção de dar visibilidade para Maria de Araújo é mais explícita, inclusive no título do estudo. O trabalho discutiu a atuação das beatas no fenômeno religioso de Juazeiro e na construção de papeis femininos naquela sociedade. Aqui, um claro marcador de gênero foi acionado, na medida em que as pesquisadoras recordaram que quase nada sobre a participação feminina nos eventos religiosos de Juazeiro do Norte fora produzido até então. Ao afirmar que as mulheres daquele contexto não foram tomadas como objeto da história, a não ser como coadjuvantes, o trabalho se definiu como um querer vê-las, elas, as mulheres invisibilizadas, apontando, dessa forma, um lugar para onde se olhar.

A beata Maria de Araújo foi evocada em mais quatro trabalhos, apenas como menção histórica de sua participação nos eventos extraordinários de Juazeiro do Norte.

Na síntese conclusiva, Lima Filho (2004, p.212) delineou novos pontos de partida, entre eles, o que colocou o padre Cícero como um homem de seu tempo, pastor de um rebanho de “homens e mulheres que queriam ao menos ser escutados com respeito e tratados com dignidade”.

Desse simpósio ficaram algumas dimensões de Maria de Araújo a provocar reflexões: Uma mulher negra, numa sociedade racista e patriarcal, em meio aos panos ainda quentes do fim da escravidão no Brasil, poderia ter sido reconhecida como protagonista de um milagre autêntico, só antes validado pelos moldes das delgadas e afiladas faces brancas europeias? Uma nova Maria, representada em tamanho natural no Museu do Horto, desconstruindo o imagético enganoso de uma protagonista branca de hábito tradicional, poderia se estabelecer em termos de identificação entre os romeiros?

Apesar da fecundidade das ideias produzidas no III Simpósio Internacional e das questões provocadoras por ele suscitado, o próximo evento só aconteceu dez anos depois, movido pelas comemorações alusivas aos seguintes acontecimentos: centenário da Sedição de Juazeiro 7 e da criação da Diocese do Crato; celebração do centenário de morte da beata Maria de Araújo, dos 170 anos de nascimento do patriarca de Juazeiro e 80 anos de sua morte. Dando continuidade às interrogações iniciadas em 2004, o “IV Simpósio Internacional do Padre Cícero – E... Onde está ele?” aconteceu entre 17 e 21 de novembro de 2014. Os eixos temáticos foram: “Contexto histórico”, voltado para a discussão da questão religiosa a partir de novos documentos tornados públicos; “Os personagens”, com o objetivo de discutir a articulação de diversos sujeitos sociais com o padre Cícero, dentre eles romeiros, beatos e moradores locais; “Padre Cícero e o Cariri”, voltado para a análise da relação do padre Cícero com o contexto regional e a discussão sobre sua influência em diferentes linguagens artísticas e culturais; e “Beata Maria de Araújo”, com o intuito de “compreender a relevância dessa figura na história, e desvelar as novas interpretações acerca do milagre, do martírio e de seu papel político na formação do movimento sociorreligioso de Juazeiro do Norte” (SIMPÓSIO..., 2017, p.12). A provocação com o tema central era tanto aprofundar a compreensão dos lugares ocupados pelo padre Cicero e pelos personagens que o cercavam outrora, quanto hoje, tomando as mais diversas dimensões geográficas, religiosas, educacionais, econômicas, históricas, políticas e culturais.

Do ponto de vista temático, este simpósio se caracterizou pela diversidade de assuntos tratados entre dez mesas redondas e oito conferências que determinaram a elasticidade do alcance e influência do padre Cicero tanto na religiosidade e na cultura local, quanto nos saberes e fazeres de diversas instituições. Uma espécie de pano de fundo que parecia dizer de uma qualidade de onipresença do padre Cícero se desenhou. Ele se mostrou em todos os lugares: mistificado e defendido no cordel; influente e articulador na Sedição de Juazeiro; irradiado em diversos contextos de pluralidade religiosa; como defensor da educação; no envolvimento dos pesquisadores com seu ofício; nas romarias e contextos diversos de devoção popular; nas práticas de cura em diversas denominações religiosas e espirituais; na concepção de mitos; na mística popular; nas apropriações turísticas; nas políticas de proteção ao patrimônio; nos movimentos sociais do campo e da cidade.

Os anais do IV Simpósio têm uma característica distinta dos anteriores. Neste caso, só as comunicações submetidas como resumos ou trabalhos completos foram publicadas. As conferências, mesas redondas e sínteses conclusivas foram registradas em DVD, disponíveis para consulta no Instituto José Marrocos de Pesquisa e Estudos Sócio-culturais. Foram 65 resumos inscritos, destes, apenas 4 mencionaram a beata Maria de Araújo; 24 autores enviaram trabalhos completos e apenas 8 apresentam alguma menção à beata Maria de Araújo.

Nos resumos, a principal evocação foi da beata como personagem histórica, cuja representação, nos textos, a define como participante do milagre e personagem pouco explorada. Dois trabalhos apontaram uma estruturação em perguntas que visavam colocar foco na beata, tirando-a do esquecimento. Tolovi e Lima (2017) fizeram pequena menção à beata, onde destacaram, em nota de rodapé, suas habilidades narrativas, comparando sua estratégia de fala à do padre Cícero, quando recorria às mensagens divinas recebidas para se defender de seus inquisidores. Silva (2017) argumentou que a beata se destacou, não permanecendo invisível, pois ofereceu resistência sutil ou explícita contra os mecanismos de poder da época. Segundo o autor, após os milagres ela foi paulatinamente apagada.

A mesa-redonda “A Beata Maria de Araújo e a Repercussão do Milagre da Hóstia na Imprensa Brasileira” foi composta pelos seguintes pesquisadores: Maria do Carmo Pagan Forti, Maria de Fátima Morais Pinho e Antônio Renato Casimiro. Os dois últimos apresentaram um amplo levantamento feito em jornais locais e nacionais. Em síntese, a imprensa divulgava atestados de médicos e farmacêuticos, representando a palavra da ciência sobre o fato religioso; por outro lado militares, juízes e padres se revezavam com opiniões as mais variadas sobre o fenômeno. Houve um destaque para a participação de José Marrocos e do Monsenhor Monteiro como entusiastas divulgadores e defensores dos eventos extraordinários tratados.

A pesquisadora Maria do Carmo Pagan Forti trouxe sua própria trajetória de 25 anos de estudos sobre a beata de Juazeiro, mostrando como sua visão sobre os fatos extraordinários que tiveram Maria de Araújo como protagonista foram se transformando à medida que ela assumia novos referenciais teóricos e ia tendo acesso à documentação. De uma perspectiva que vislumbrava o fenômeno apenas no campo do simbólico, passando pela tese parapsicológica do aporte, no doutorado ela enfrentou a questão do milagre como sinal da presença de Deus no mundo. Segundo ela, quem faz milagre é Deus e, para tanto, é preciso considerar fatos, ambientes, autores, destinatários e motivações. Para entender o Juazeiro do Norte como local sagrado é mister pensar no tripé: padre Cícero, beata Maria de Araújo e romeiros. Assim, a autora rompeu com teses dicotômicas que ora privilegiaram a beata, ora ressaltaram, apenas, o padre Cícero. A beata Maria de Araújo foi apontada como um instrumento privilegiado de Deus para chamar a atenção sobre o Juazeiro do Norte e os romeiros como testemunhos da ação especial e gratuita de Deus naquela localidade.

No conjunto, as reflexões desenvolvidas no eixo aqui considerado enfocaram questões fundamentais sobre a religiosidade popular e sobre o sentido do sagrado nos dias de hoje, trazendo novas possibilidades para a pesquisa sobre a protagonista do milagre.

Conclusão

O conjunto dos textos analisados abrem perspectivas para se dar forma a novos horizontes na convivência humana, em que se fortaleça e se consolide uma cultura de respeito e reconhecimento ao direito do outro viver sua relação com o sagrado da forma que escolher e considerar justa. Nesse sentido, viu-se avançar as reflexões sobre os eventos fundantes das romarias a Juazeiro do Norte, de uma posição inicial disciplinar, quase dogmática, para um tratamento abrangente com aportes de vários campos científicos e filosóficos.

Identificou-se uma tendência de superação de dicotomias, alimentada ao longo dos anos e uma paulatina apreensão da complexidade do fenômeno religioso em Juazeiro, além do reconhecimento do papel de diferentes personagens que orbitaram em torno do padre Cicero e contribuíram para o desdobramento dos fatos da maneira como ocorreram. Foi a partir da transmissão de crenças religiosas entre gerações de romeiros que se perpetuaram as romarias. Sobre eles, em específico aqueles marcadamente devotos, cabe destacar que foram sustentadores, portadores de uma fé inabalável que resistiu a todas as interdições dogmáticas e permaneceu como força latente à espera de justo reexame dos fatos, à luz de uma nova Igreja, apartada de visões depreciativas sobre o que é a fé de homens e mulheres simples.

Ao longo das análises, viu-se o alargamento da compreensão entre pesquisadores sobre a relevância da beata Maria de Araújo como personagem histórica na origem dos fenômenos sociorreligiosos locais e o crescimento consistente de uma reivindicação de que seu nome deve sair da obscuridade. Parte significativa das interpretações sobre o significado do fenômeno do sangramento da Hóstia Consagrada ainda estão limitadas a uma focalização disciplinar que deixa de apreender o fenômeno em toda a sua complexidade. Sobre o martírio vivido pela beata, em decorrência das sanções que lhe foram impostas por uma sociedade patriarcal e desigual e por uma hierarquia eclesiástica branca, masculina e excludente, pouco se caminhou. Não se trata de santificá-la ou de vitimá-la, mas de reconhecer os processos subalternizantes engendrados pelas classes dominantes e por pessoas em posição de poder dentro da Igreja Católica.

Nesta linha de raciocínio, um dos desafios para os próximos simpósios é a incorporação de uma epistemologia feminista que trabalhe com o pressuposto central do “conhecimento situado” ou “perspectiva parcial”, para mostrar que as definições de neutralidade, racionalidade e universalidade da ciência representam a visão de mundo elaborada por homens, brancos, ocidentais, membros ou representantes das classes dominantes, conforme se pode encontrar ao longo das obras da teóloga Ivone Gebara. Os futuros estudos sobre a beata Maria de Araújo ganharão muito ao incorporar a categoria da “interseccionalidade”, pois ela pode servir de chave de interpretação das múltiplas razões para o silenciamento da personagem central aqui tratada, fugindo, assim, de enfoques simplistas, que isolam fatores e abstraem o contexto histórico. Esta categoria foi popularizada pela professora universitária e advoga afro-americana Kimberlé W. Creushaw para designar a interdependência das relações de poder, de raça, de gênero e de classe. Há uma urgência de superar o simples reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão a operar a partir das chamadas “categorias master” já consagradas. A abordagem interseccional postula a interação de diferentes categorias para a compreensão da produção e da reprodução de processos subalternizantes.

Entende-se que as teorizações feministas, incluindo a interseccionalidade, e pós-coloniais são suportes indispensáveis para a explicação das razões que geraram e que perpetuaram o silenciamento/isolamento da beata. Também é fundamental aprofundar a compreensão sobre os traços psicológicos característicos da religiosidade popular. Por exemplo, só se entenderá a eficácia dos esforços empreendidos para excluir qualquer rastro material, memorialístico e afetivo da beata, se houver a clareza sobre a necessidade, para os romeiros, da representação da presença espiritual, que se materializa no símbolo, que pode ser um túmulo, uma estátua ou uma medalha.

Os trabalhos analisados operaram no sentido de fazer ver os meandros da “questão religiosa” de Juazeiro do Norte a envolver diferentes personagens, instituições e visões de mundo. Lançaram luzes sobre a religiosidade popular e, paulatinamente, foram tirando a beata Maria de Araújo do isolamento e da obscuridade. As análises históricas destacaram a resistência popular com a devoção ao “milagre eucarístico”, de início, e, em seguida, com a manutenção e ampliação das romarias dentro dos padrões típicos dos tradicionais centros populares.

Foram desvelados vários aspectos que circundavam os preconceitos elitistas do clero e da classe dominante regional, que viam na religiosidade popular, profundamente marcada por uma cosmovisão mítica, fruto da hibridização entre as tradições indígenas, africanas e luso, um sinal de atraso e de fanatismo. As reflexões apresentadas nos simpósios sobre a implantação autoritária do processo de romanização no Brasil do século XIX também esclareceram muitas facetas da “questão religiosa do Juazeiro do Norte”.

No entanto, é necessário que se diga que o esforço para condenar as práticas populares é bem antigo. A este respeito, vale a pena ler e meditar sobre o um texto do século VI escrito pelo então bispo de Braga e de Dume, hoje santo da Igreja Católica, Martinho da Panónia, com o sugestivo título “Da Correção dos Rústicos (pagãos)” 8, disponibilizado na Internet.

Colaboradores

Todas as autoras contribuíram de forma equivalente em todas as etapas de elaboração do artigo

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Notas

3 Em 2017 realizou-se o “V Simpósio Internacional do Padre Cícero: Reconciliação... E agora?”. O evento aconteceu de 20 a 24 de março e foi fomentado pela reconciliação da Igreja com o padre Cícero, ocorrida com a divulgação da carta do Cardeal Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, em dezembro de 2015. Ainda não houve publicação dos anais deste evento, por isso, a análise dos trabalhos ali apresentados ficou fora do escopo deste estudo. Os motivos dos quais decorreram o longo espaçamento entre as edições do Simpósio relacionam-se, em parte e de forma superficial, às dificuldades de planejamento de longo prazo e obtenção de recursos pela universidade para realização de eventos desse porte. Os significados e implicações desse desenho temporal remetem, contudo, a outros fatores, principalmente relacionados às tensões entre Igreja, movimentos religiosos populares e ciência sobre o domínio da narrativa dos eventos fundadores da história de Juazeiro do Norte e seus personagens.
4 Em “ Trial of miracles” de Slater (1986) podem ser encontradas falas de romeiros que viveram no Horto na década de 1970 e que vão reproduzir os discursos negativos em relação à beata, inclusive afirmando que ela fora amante do bispo Dom Joaquim e que tivera um filho dele. Na mesma obra, também serão encontradas manifestações profundas de devoção à beata.
5 O padre Cícero incorporou essa estratégia romanizante, disseminando a prática de entronização do Sagrado Coração de Jesus nos lares e a renovação anual do ato devocional com um ritual festivo comandado por leigos e rezadeiras.
6 Os documentos que dizem respeito à chamada “questão religiosa do Juazeiro” encontram-se dispersos entre dezenas de arquivos públicos e privados. Casimiro (2004) deu uma excelente contribuição sobre este tema ao apresentar o trabalho “Arquivos e Pesquisas sobre o Padre Cícero: uma ‘Cronogenealogia’ para o Grande Acervo”.
7 A sedição de 1914 caracterizou-se pela insatisfação das oligarquias do Cariri e sertão cearense a respeito da intervenção do governo federal na política estadual e culminou com a destituição de Nogueira Acyoli, a favor de Franco Rabelo. Com apoio de padre Cícero, Juazeiro se definiu como epicentro de uma revolta violenta, onde moradores, cangaceiros e sertanejos do entorno lutaram contra as forças do governo central, derrotando-as e restituindo o poder dos Acyoli, o que resultou no fim da intervenção federal, que visava enfraquecer as oligarquias locais ( CAMURÇA, 1994).
Como citar este artigo/How to cite this article OLINDA, E.M.B.; CORDEIRO, M.P.J. A beata Maria de Araújo nos simpósios internacionais sobre o PadreCícero: traços de uma protagonista invisibilizada. Reflexão, v.43, n.1, p.137-153, 2018. http://dx.doi.org/10.24220/2447-6803v43n1a4171

Autor notes

*Correspondência para/Correspondence to: E.M.B. OLINDA. E-mail: bragadeolinda@yahoo.com.br.

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