Religião e Descolonilidade
Inadequados: um movimento de decolonização, o evangelho para a sociedade brasileira
Inadequados: a decolonization movement, the gospel for Brazilian society
Inadequados: um movimento de decolonização, o evangelho para a sociedade brasileira
Revista Reflexão, vol. 45, e204929, 2020
Pontifícia Universiade Católica de Campinas
Recepção: 07 Maio 2020
Revised document received: 08 Outubro 2020
Aprovação: 21 Outubro 2020
Financiamento
Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
Número do contrato: 88882.435431/2019-0
Descrição completa: Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Processo nº 88882.435431/2019-0).
Resumo: A colonização europeia levou às suas colônias americanas e africanas transformações substanciais nos diversos âmbitos sociais. Quanto às religiões, o impacto das transformações apagou muito das manifestações primitivas das colônias. A bênção de formar homens civilizados, em detrimento do apagamento do homem da selva, veio embrulhada em um presente que se chamava religião cristã. Segundo Analzira Nascimento, referindo-se mais propriamente à América do Sul, primeiramente foi inserida a religião europeia, dos primeiros colonizadores. Posteriormente, e, agora, falando sobre o Brasil, os colonizados foram forjados aos moldes da religião norte-americana, protestante, fundamentalista, evangélica, pentecostal, neopentecostal, worship, e o que mais ainda há de vir. Pensando no movimento da Terceira Igreja, no qual se verificariam manifestações de novos modos de ser cristão, calcados principalmente no fomento e na luta pela justiça social na América Latina, observa-se o movimento Inadequados, iniciado na cidade de Mogi das Cruzes (SP), em 2018. O engajamento político e a ação comunitária, bem como o incentivo ao diálogo de diferentes classes e grupos sociais acompanha esse projeto, fonte de conhecimento e de boas práticas para um evangelho inclusivo em tempos difíceis.
Palavras-chave: Decolonização, Igreja evangélica, Justiça social, Protestantismo.
Abstract: European colonization led to substantial changes in their American and African colonies in the various social spheres. As for religions, the impact of the transformations erased much of the primitive manifestations of the colonies. The blessing of becoming civilized, at the expense of erasing the wild man, came wrapped in a gift called the Christian religion. According to Analzira Nascimento, we received a European religion from our first colonizers. Subsequently, we were forged along the lines of North American, Protestant, fundamentalist, evangelical, Pentecostal, Neopentecostal, worship, and what else is yet to come. However, in our times there is a process of elaborating a theology for the Third Church movement, in which we can already see manifestations of new ways of being a Christian, calculated mainly in the promotion and in the struggle for social justice in Latin America. Among these movements is the Inadequados Movement, which started in the city of Mogi das Cruzes (SP), in 2018. Political engagement and community action, as well as encouraging dialogue between different classes and social groups go along with this project, a source of knowledge and good practices for a healthy Christian doctrine in difficult times.
Keywords: Decolonization, Evangelical church, Social justice, Protestantism.
Introdução
A colonização no Brasil foi marcada, entre outras coisas, pela convivência de culturas (brancos europeus, africanos e indígenas) e suas religiosidades. A colonização, porém, é um processo de inserção no espaço do outro, também por um processo de imposições e apagamentos naquele a quem domina. Em análise mais ampla sobre as religiões de maioria, o Brasil “civilizado” é produto do catolicismo e, mais tarde, do protestantismo dos imigrantes e, até 1980, o Brasil ainda se declarava de maioria católica. Em 1991, o número de brasileiros que se definiam evangélicos aumenta e os sem religião também aparecem nas pesquisas. Já em 2000, confirmou-se a tendência à diminuição do número de católicos praticantes e os evangélicos, em sua maioria pentecostais, cresceram em torno de 6,6% (JACOB et al., 2004).
Vejamos a análise desses dados: católicos e evangélicos sempre presentes nas pesquisas. Apesar disso, religiões afro-brasileiras são presentes desde os tempos de escravidão e os povos indígenas (cada vez em menor número) sempre mantiveram suas tradições, cuja religião é intrínseca às suas culturas. Os dados que interessam ao civilizado por muito tempo não incluíam as religiões nativas do colonizado.
Apesar dessa constrangedora constatação, até mesmo teólogos brasileiros, por décadas, continuaram reproduzindo o modelo do colonizador, no objetivo óbvio de inserir nessas terras o modelo do grupo cristão de prestígio, a igreja com a arquitetura, a música, os móveis, as roupas o comportamento do dominador (europeus e norte-americanos, nessa ordem de domínio). Ainda hoje, evangelistas missionários costumam ir ao exterior para receber cursos de treinamento missionário, muitos de forma totalmente descontextualizada da cultura do seu público-alvo. Esse tipo de dominação equivale-se ao conceito de “colonialidade do poder”, desenvolvido por Aníbal Quijano, em 1989, no qual defende que as relações de colonialidade econômica e política não terminaram com o fim do colonialismo, mas apresentam-se nas estruturas do sistema capitalista global, atualizando processos de domínio supostamente apagados pela modernidade (BALLESTRIN, 2013). O conceito de colonialidade estende-se para “uma tripla dimensão: a do poder, do saber e do ser” (BALLESTRIN, 2013, p. 100), subdivididas em controle da economia, controle da autoridade, controle da natureza e dos recursos naturais, controle do gênero e da sexualidade, controle da subjetividade e do conhecimento, estabelecendo, portanto, a cultura de prestígio como aquela do detentor de todo esse poder (BALLESTRIN, 2013). Analzira Nascimento coloca essa cultura de prestígio como um elemento produzido pelo “etnocentrismo”, termo cunhado por Tzvetan Todorov, que é compreendido como uma maneira de instituir como valores universais aqueles valores próprios da sociedade a que o indivíduo pertence – do europeu, neste caso (NASCIMENTO, 2015).
Analzira Nascimento, enfermeira de formação e missionária por convicção, com base em sua tese de doutorado sobre “Missão e Alteridade”, faz um estudo crítico sobre os desfavores e equívocos das missões cristãs ao longo da história, mostrando essa colonialidade do poder também no âmbito religioso, travestida de missão para salvação da alma. O ato de evangelizar é uma ação para salvação ou para colonização? Se na intenção do evangelista está o desejo de transformar a vida do outro, na crença de que a própria vida é melhor que a vida alheia, crendo que a religião é a melhor forma de progredir para o topo da escalada cultural e social, o missionário já se perdeu em sua função e objetivo. Para Nascimento (2015, p. 45),
Analisando a cosmovisão cristã no transcorrer dos séculos, lamentavelmente podemos ver que a igreja, com sua prática missionária, em determinados períodos da sua caminhada, não exerceu seu papel profético, mas foi parceira de projetos imperialistas. Passou a ter uma cumplicidade com esses projetos hegemônicos que incentivaram o processo de coisificação do ‘outro’.
Como se desprender, então, desse modelo missionário dominante? A resposta pode estar em movimentos de decolonização, e não são novos. Cappelletti (2019) sugere que já na Teologia da Libertação (teologia inicialmente gerada por Rubem Alves, depois propagada pelos irmãos Boff) e na Missão Integral (com René Padilla como um de seus expoentes) já estavam os pontos cruciais do estabelecimento de uma teologia para o outro, com olhares nas necessidades sociais, procurando contextos produtivos no tratamento com o próximo e na busca pela justiça aqui mesmo, ainda nesta Terra.
Dentre outros movimentos com propostas libertadoras do modelo religioso colonialista, encontra-se o movimento Inadequados, surgido em 2018, com alta cobertura nas redes sociais e com um diálogo bem estabelecido com sociedades diversificadas e líderes progressistas. O movimento posiciona-se declaradamente ao lado de modelos políticos da esquerda brasileira, e não se nega em assumir a luta por uma possibilidade de governabilidade popular e democrática.
Com base em bibliografia e em relatos do fundador do movimento Inadequados, produzimos uma reflexão sobre a identificação desse movimento com uma proposta decolonizadora. Preceitos da teologia do Inadequados podem ser um vislumbre de uma teologia libertadora para diversidades sociais.
Questão de colonização religiosa – uma crítica à missão evangélica
O sistema econômico e cultural do hemisfério Sul foi formado com base na premissa de que há um modelo de civilização a ser copiado: divinos europeus, povo “esclarecido”, a fazer um favor ao restante dos habitantes do mundo, povos submetidos à ignorância (KRENAK, 2019). Essa ideia (falsa) de cultura dominante é um conceito nebuloso ainda nas relações latinas e europeias, pois a dominação pelas grandes potências econômicas é um conceito dissolvido na inevitável aceitação do mundo globalizado. Há uma continuidade na produção do mesmo ciclo de dominação, tanto concordando com os efeitos indesejáveis desse domínio quanto na submissão aos mesmos sistemas de exploração (NASCIMENTO, 2015). Um dos efeitos maléficos gerados pela exploração sobre os colonizados, a escravidão, ainda encontra eco em nossa sociedade, com comportamentos subliminares que defendem a ideia de uma igualdade social que nunca existiu, prejudicada ainda pela ausência de oportunidades para todos. É resultado da síndrome do colonizado – o desejo de não ser, querendo ter sido o colonizador.
Krenak (2019, p. 8) diz que os brancos europeus foram os heróis a trazerem a luz do conhecimento, sendo que “Esse chamado para o seio da civilização sempre foi justificado pela noção de que existe um jeito correto de estar aqui na Terra, uma certa verdade, ou uma concepção de verdade, que guiou muitas das escolhas feitas em diferentes períodos da história”. Krenak ainda diz que foi dada aos nativos da terra a oportunidade de fazer parte de um “clube da humanidade”, desde que se ajustem às regras, mesmo que sejam limitadoras da capacidade de invenção, criação e de liberdade.
Seria assim quanto à religião também? Colonizados vivem sob uma servidão voluntária aos saberes alheios? E se religião e cultura estão ligadas ao comportamento social, quais os cerceamentos a que os homens se dispõem, arcando com o débito irreparável do apagamento da personalidade?
A missão catequizadora esteve de mãos dadas com a missão colonialista – impossível até mesmo desvencilhar uma da outra –, desde os tempos dos descobrimentos, fato que se repete na missão imperialista do século XX. De forma semelhante, o modelo de missão evangélica que predomina é o mesmo da Europa dominadora, que injetando uma influência vertical, na qual somente um “superior” determina a ação do outro, este outro é tratado como objeto, depositório de regras e comportamentos a serem seguidos (NASCIMENTO, 2015). O projeto norte-americano de missão, resultado do projeto europeu, é aquele a que o Brasil está exposto – fundamentalista, é inflexível, pois não considera a possibilidade de aproveitar a riqueza de outras culturas como forma de proclamar a glória de Deus por meio da sua suprema criatividade. Mesmo a Reforma Protestante, que deu começo a um novo modelo, desenrolou-se, com o passar do tempo, com a institucionalização de suas igrejas e seus projetos missionários, em um modelo missionário também imperialista e monocultural, somado posteriormente ao puritanismo e ao pietismo norte-americano (NASCIMENTO, 2013).
Desde o despertamento missionário protestante do século XIX, difundiu-se a ideia da necessidade de perfeccionismo na conduta, no trabalho, na família do cristão. Além disso, estabeleceram-se as dualidades cristão e mundo, espiritual e temporal, ideias que colaboraram para o afastamento do protestante das questões sociais, do escravismo, da política etc., levando-o a uma vida individualista, no máximo, dedicada apenas à sua comunidade cristã e a sua própria família, se também conversa. Levou ao fundamentalismo – inerrância bíblica, literalidade, rigidez doutrinária (PANASIEWICZ, 2008). Somado a esse ideal doutrinário, depois da Segunda Guerra Mundial, surgiu o ideal do “Destino Manifesto” (Manifest Destiny), termo creditado ao jornalista norte-americano John O’Sullivan, em 1845, que teria sido o primeiro a descrever os fundamentos do pensamento norte-americano pelo qual os Estados Unidos seriam a nação “responsável” pela transformação das sociedades, o ideal puritano de implantar o reino de Deus no mundo (NASCIMENTO, 2015). As justificativas norte-americanas para incentivar a colonização e a expansão eram de que a sua organização político-social era a mais adequada, portanto, a melhor inclusive para os territórios anexados, por isso Deus estaria sempre a favor das incursões estadunidenses (SIMÃO; MOTA, 2018).
O expansionismo econômico americano contou com a colaboração do protestantismo, com sua empresa educacional e religiosa, que via como missão dada por Deus cristianizar o mundo, movido por uma necessidade de conversão com vistas a enfrentar o fim do mundo (crenças milenaristas, sempre difundidas ao final dos séculos) (MENDONÇA, 2008). Os missionários estadunidenses viam-se como os salvadores do mundo desde então. Os ocidentais “superiores” sentiam-se responsáveis em cuidar dos “não civilizados” (NASCIMENTO, 2015, p. 85). Confundia-se ocidentalização com conversão, pregava-se a universalização de uma religião, não a salvação universal. A visão social norte-americana, com seu povo protestante, passou a ser o modelo de consumo latino-americano protestante. Colonizados herdaram dos norte-americanos o sentimento de superioridade sobre não cristãos e sobre confissões diferentes, postura replicada em muitas igrejas protestantes tradicionais brasileiras, desde seus edifícios, seus móveis, a decoração, os modelos familiares, os hinos, os instrumentos musicais destinados aos cultos, o volume massivo de obras literárias traduzidas (muitas sem contextualização adequada para a sociedade brasileira) entre tantos outros objetos.
Sobre o modelo de missão que a igreja evangélica, em geral, continua seguindo, é aquele que permanece postergando a necessidade de se aproximar do outro. O desejo missionário da igreja estaria em transformar o comportamento do outro para o seu, normatizando uma sociedade segundo suas regras e seus preceitos. Antes, a evangelização era para escravizar. Nascimento (2015, p. 95) ressalta que, hoje, “é preciso resistir à tentação da avaliação quantitativa [quanto mais convertidos, melhor], que pode desviar o foco da verdadeira motivação, que deveria ser qualitativa”. A evangelização não pode ser um instrumento para aumentar as estatísticas, e continuar refletindo a característica escravizante moderna. Confunde-se evangelização com divulgação de um estilo de vida “evangélico” (NASCIMENTO, 2015).
Não há evangelho bíblico nessa intenção evangelística moderna, mas há um desejo de sobreposição da vontade dominante sobre o dominado, pois que o missionário ainda é considerado sujeito dominante na relação. A crença evangélica de que a vitória missionária é alcançar e transformar a cultura do outro, com base no seu estilo de vida, afirmando que essa seria a solução para os problemas do mundo, é a derrocada da credibilidade do evangelho. Temos que admitir que “a missão deve ser retirada do vocabulário cristão, pois compromete o diálogo” (NASCIMENTO, 2015, p. 34). A missão evangelística protestante, em geral, não tem demonstrado cuidado com a natureza local, a exemplo dos muitos missionários estrangeiros que se infiltraram por comunidades indígenas do Amazonas, cativando-os, aprendendo sua língua e, por vezes, com o financiamento de seus países de origem, explorando as riquezas da fauna e da flora. A missão continua similar à expansão colonial – um erro interpretativo da época das conquistas de novas terras. As comunidades evangélicas tradicionais, em geral, mantêm uma estrutura ainda pouco contextualizada às realidades sociais da atualidade, estão trancadas em seus grupos, clubes de estudos bíblicos, respondendo a questões individuais de pouca relevância à sociedade externa.
Problematizar o padrão missionário arcaico faz-se importante na medida em que se percebe a necessidade de adaptações a novos modelos sociais que priorizem o outro, reconhecendo-o como sujeito de características e valores próprios para, então, apresentar um evangelho à realidade desse indivíduo.
O desencantamento com instituições e valores da cultura ocidental está trazendo uma nova sensibilidade em relação ao mundo. Dussel (1993) propõe uma mudança de perspectiva missionária, um projeto mundial de libertação, em um processo de transmodernidade, que se baseia em ações solidárias do centro para com a periferia. Dussel afirma que, hoje, qualquer triunfalismo eclesial que comemore a “conquista espiritual” dominadora, “que mais se assemelha a uma obrigatória (ou irrecusável) dominação religiosa” (DUSSEL, 1993, p. 63), deveria entender melhor a história real da conquista sobre os conquistados. Entender a “relação assimétrica” da colonização é importante para que se valorize o “encontro de culturas como uma ‘comunidade argumentativa’, onde os membros fossem respeitados como pessoas iguais” (DUSSEL, 1993, p. 64), o princípio para um modelo mundial decolonial. Para Escobar (2003), o grupo de estudos Modernidade/Colonialidade, organizado a partir de vários seminários, discussões e publicações, na década de 1990, com a representação de importantes nomes da sociologia, filosofia, semiótica, antropologia, linguística e direito das Américas, conseguiu definir caminhos para um modelo decolonial. O grupo compartilha noções, raciocínios e conceitos que lhe conferem uma identidade e um vocabulário próprio, contribuindo para a renovação analítica e utópica das ciências sociais latino-americanas do século XXI.
O grupo modernidade/colonialidade encontrou inspiração em um amplo número de fontes, desde as teorias críticas europeias e norte-americanas da modernidade até o grupo sul-asiático de estudos subalternos, a teoria feminista chicana, a teoria pós-colonial e a filosofia africana; assim mesmo, muitos de seus membros operaram em uma perspectiva modificada de sistema-mundo. Sua principal força orientadora, no entanto, é uma reflexão continuada sobre a realidade cultural e política latino-americana, incluindo o conhecimento subalternizado dos grupos explorados e oprimidos
(ESCOBAR, 2003, p. 53).Com um modelo que se baseie na solidariedade em relação ao outro, a igreja teria seu foco não na instituição, mas no público, produzindo uma teologia pública. Cunha (2017, p. 703) explica que:
A teologia pública está identificada com uma comunidade religiosa, mas não se restringe a ela e, muito menos, busca interesses particulares. Ela milita pelos direitos de todas e todos, independente da tradição religiosa, em busca de condições de vida melhor para os seres humanos e toda criação.
Uma teologia que busque a decolonialidade deve fomentar o discurso a respeito da colonialidade e o seu poder embutido nos diversos âmbitos sociais, a fim de conscientizar seus seguidores para uma mudança de interpretação e de comportamento que leve a uma ação efetiva.
Tamayo (2006) pontua elementos para a elaboração de uma teologia decolonial: ela deve ser intercultural, de forma que estabeleça um diálogo entre ambas as culturas; inter-religiosa, livre do discurso religioso fundamentalista; que seja contextualizada e cheia de sentidos para a atualidade; feminista e libertadora, engajada na luta pela igualdade de direitos; ecológica, enquanto afirme a igualdade na criação de Deus, bem como o cuidado, preservação e restauração da natureza; ética-moral, de forma a transparecer pensamentos e atitudes coerentemente; da esperança, a fim de renovar esforços políticos em ações concretas; no levantamento constante de questionamentos acerca da impropriedade do despotismo religioso e político; da sexualidade, a fim de que promova libertação das amarras da interpretação heterossexual, patriarcal e machista, levando a teologia cristã a outras possibilidades (TAMAYO, 2006).
A teologia cristã necessita se afastar do seu passado colonial e assumir seu papel ao lado do desfavorecido. O Deus do cristianismo decolonizado não é um Deus de conquistadores, mas um Deus dos marginalizados (social, cultural, comportamental, economicamente) (SANTOS, 2014). Para Escobar (2001, p. 49), podemos estar “no limiar de uma nova era do cristianismo” – a terceira igreja, formada a partir do hemisfério Sul. Seria, então, o tempo de formação de uma igreja emergente, do terceiro milênio, aquela que proporá projetos socioeconômicos e ações sustentáveis, com a obrigação de se preocupar com a agenda do dia.
Podemos afirmar que já vimos os precursores desse novo momento da cristandade com o surgimento da Teologia da Libertação e da Teologia da Missão Integral. Na Teologia da Libertação o reino de Deus está expresso no movimento pela libertação dos pobres; na Teologia da Missão Integral o reino de Deus se expressa na luta da igreja contra a injustiça. “Duas teologias distintas, entretanto, estas nasceram do mesmo solo, da realidade histórica marcada pelos escombros da colonização e da dependência política e econômica que marcaram esse continente” (CAPPELLETTI, 2019, p. 20).
Já se pode verificar novos grupos e movimentos de formação de opinião de um cristianismo decolonizado. Queremos relatar, de forma particularizada, a formação do movimento Inadequados como expoente no discurso contraventor do fundamentalismo evangélico, um movimento que tem extrapolado paradigmas preestabelecidos para atender a uma sociedade que clama por mudança.
Inadequados adequados
A insatisfação com o modelo tradicional evangélico tem levado pessoas à busca de modelos mais próprios às necessidades sociais brasileiras. Como já mencionamos, a possibilidade de uma igreja latino-americana, com características teológicas contextualizadas para a realidade social do colonizado já é sinalizada desde a organização da Teologia da Libertação e da Teologia da Missão Integral.
Ao final de 2018, em meio à disputa pelas eleições presidenciais, surgiu o movimento Inadequados, por iniciativa do Pastor João Paulo Berlofa.
Berlofa, 34 anos, casado, duas filhas, foi tradicionalmente formado dentro do catolicismo na cidade de Mogi das Cruzes (SP), até seus 10 anos de idade, período também em que participava de trabalhos infantis em uma igreja evangélica próxima à casa da família. Seus pais, então, decidem por uma “re-conversão”, e rumam para a Igreja Batista em sua cidade, um trabalho de características conservadoras e tradicionais. Já na década de 1990, Berlofa decide ir para uma igreja neopentecostal, motivado pelos movimentos intensos de cura e libertação que surgiam em massa naquela época, uma versão oposta àquela que tradicionalmente seguia nos trabalhos batistas. Aos 20 anos, decide ir para uma igreja pentecostal, mais tradicional, mas, por volta de 2010, retoma os trabalhos no neopentecostalismo, em que é ordenado pastor na Vineyard Church. Essa igreja segue um modelo neopentecostal moderno, com eventos para públicos específicos – empresários, jovens, mulheres etc. –, e suas bases são no modelo americanizado.
Com formação em Filosofia e especialização em estudos da Teologia Latino-Americana, Berlofa conheceu mais recentemente o movimento Missão na Íntegra, liderado pelo pastor Ariovaldo Ramos, entre outros, com um modelo de teologia para a América-latina ainda pouco conhecido, apesar de muito apropriado como instrumento decolonizador religioso. O Missão na Íntegra é também um movimento ligado à Missão Integral, este sob ensino e liderança de pastores e teólogos protestantes (como René Padilla e Samuel Escobar), desde os anos 1960.
O incômodo em participar de uma igreja baseada na cultura americanizada, com estilo worship3, e o anseio por respostas à sociedade brasileira, que se somaram ao problema do envolvimento de boa parte das igrejas evangélicas com a disputa presidencial nas eleições de 2018 no Brasil, fez com que Berlofa rompesse com a Vineyard.
A partir de então, apenas por meio das redes sociais, Berlofa passou a expor sua opinião sobre as tradições eclesiásticas evangélicas e protestantes, elaborando pregações com base em temas pertinentes à sociedade brasileira atual, gerando polêmicas entre seguidores e não seguidores, mas criando um grupo que se identificava com seus pensamentos de forma positiva e apoiadora. Percebeu-se um número grande de “desigrejados”, cristãos sem comunidade que, insatisfeitos com os modelos tradicionais e cansados de lutar por mudanças, sem obter sucesso, recolheram-se e afastaram-se de suas igrejas. Cristãos inadequados para um modelo que lhes era imposto há anos.
Assim, surge o movimento Inadequados que, posteriormente criou a Garagem – uma igreja que se reúne em Mogi das Cruzes – e também um movimento social de acolhimento aos necessitados em bairros da periferia da cidade, mas sem ligação institucional com a igreja. Ao trabalho, somou-se o Pastor John Souza, que deu andamento ao Inadequados na cidade do Rio de Janeiro.
No ano de 2019, o movimento fez eventos na cidade do Rio de Janeiro e em Campinas, a fim de reunir pessoas com o mesmo intuito, de discutir a necessidade de uma teologia voltada para a realidade brasileira, promover um discurso libertário e fomentar projetos de transformação social.
O movimento denomina-se progressista, por projetar como objetivo primordial defender os direitos humanos.
Até o momento, não há publicação acadêmica sobre o Inadequados, ou mesmo literaturas dedicadas a esse movimento. Suas publicações ocorrem exclusivamente nas redes sociais. Em seu site, Inadequados chama o público para conhecer o movimento:
O MANIFESTO
O Inadequados é uma resposta ao sistema religioso tradicional e fundamentalista. Uma resposta a um cansaço de vermos a discrepância que há entre a igreja de Cristo e o Cristo da Igreja.
Cansados de vermos um “evangelho” resumido a questões morais que exclui aqueles que não se adequam aos padrões do sistema.
Cansados principalmente de vermos que a igreja não vem cumprindo o papel designado por Cristo. Mas percebemos que todo esse cansaço pode e deve ser transformado em combustível para sairmos do campo apenas crítico, a colocarmos em prática o real propósito da igreja.
O PROJETO
Um espaço de construção coletiva, para criar e utilizar ferramentas e metodologias inovadoras com propostas e soluções para problemas políticos, sociais e urbanos.
A ideia central do INADEQUADOS é democratizar a informação a fim de transformar realidades. Para isso, levamos em conta a realidade de muitas pessoas que possuem grande potencial produtivo para a sociedade, mas que o desperdiça por não terem informações e orientação adequadas para colocá-las em prática
(BERLOFA, 2019a, online).O movimento está presente em todas as redes sociais (Twitter, Facebook, Instagram) nas quais são divulgados posts, vídeos, lives, podcasts, entrevistas, entre outros, sobre diversos assuntos e com a colaboração de outros teólogos ou representantes de movimentos sociais. O questionamento sobre a função da igreja na sociedade é sempre a força motriz do seu discurso, que se emoldura conforme o tema a ser abordado. Questões sobre a homoafetividade, o divórcio, o marxismo, o racismo, o feminismo – questões sempre delicadas e evitadas (ou apagadas) pelas igrejas mais tradicionais – bem como o papel da igreja em cada um desses contextos, além do não posicionamento frente à política do país são frequentemente levantadas, para as quais são trazidas interpretações bíblicas e teológicas.
O movimento organizou cursos online de aprofundamento teológico, entre os quais um recebeu o nome de “Vocação Inadequada”. O curso expõe a forma “inadequados” de interpretação bíblica, propondo um olhar não literalista sobre o texto. Entre os módulos, estão a relação do homem com Deus, a diversidade da criação, engajamento social, sacralidade vs profanação, política, missão, dinheiro, sexualidade, cidade, comunitarismo, entre outros.
Para os líderes do movimento, a interpretação do texto bíblico sobre o Éden e a habitação do homem (descrita no livro de Gênesis, capítulo 2.8,15), por exemplo, demonstra não literalidade, e já enfatiza a ideia de diversidade em uma sociedade de direitos igualitários. A contextualização se dá na medida em que o trecho bíblico, que remete à formação do homem e seu habitat, é relacionado ao Éden aqui e agora, pois no céu ou no paraíso não haveria motivos para falar em igualdade de acesso aos direitos sociais.
Percebe-se a proclamação de um princípio de doutrinação pela inclusão social e da busca de direitos civis e sociais, colocando o evangelho como uma constatação social de âmbito cooperativo, pois o homem deveria replicar o feito divino de oferecer um lugar de delícias ao seu próximo.
A visão “inadequados” de igreja é de militância política e social, na defesa dos direitos humanos e nas cidades, já que esse é o lugar de presença do movimento. O discurso não enfatiza a formação de instituições eclesiásticas, mas a Ekklesia (chamamento para fora, convocação para atuação), na busca de pessoas que se solidarizem com os objetivos comunitários e desejem se reunir nesse tipo de “igreja”. Postagens nas redes sociais indicam uma postura antipatriarcal, feminista e progressista, entre outras.
Quanto à diversidade de gêneros, o Inadequados mantém certa regularidade de chamadas em redes sociais para eventos de exposição e discussão sobre os diversos assuntos que acampam esse universo. Em publicação no Facebook, de 28 de junho de 2019, encontramos a seguinte chamada:
No dia do orgulho LGBTQIA+ queremos lembrar que Homossexualidade NÃO é pecado! A tradução da bíblia em português foi feita de forma preconceituosa por alguns de seus tradutores. A BÍBLIA, em suas escritas originais, não trata esse assunto! (BERLOFA, 2019b, online)
Já na postagem no Facebook, do dia 17 de maio de 2019, consta o convite para acesso ao podcast:
Nós não adoraríamos um Deus homofóbico
Em especial, no dia do combate à homofobia, nós Inadequados queremos ressaltar que o evangelho não é homofóbico.
Cristo não pregou que devíamos privar pessoas de orientação sexual diversa da comunhão com os irmãos.
Cristo não pregou que talvez pudéssemos tolerar um gay ou outro, desde que eles não tivessem vida romântica e sexual ativas.
Cristo não pregou o ódio, o desprezo diário, ou chacotas banalizadas à homossexuais.
Essas foram todas DECISÕES que PESSOAS tomaram.
Líderes procuram desesperadamente respaldar seus preconceitos na palavra de Deus, mas nós sabemos, Jesus nunca mencionou nada sobre homossexualidade.
Cristo é amor, e nós queremos ser reflexo dEle.
Ouça o podcast HOMOSSEXUALIDADE NÃO É PECADO, nas maiores plataformas de streaming de música. Link de acesso no nosso perfil.
(BERLOFA, 2019b, online)Verifica-se a postura de promoção do direito à liberdade sexual e de gênero, corroborada por interpretação bíblica de que o evangelho é um chamamento para a prática do amor ao próximo, não à acepção e exclusão, inclusive pelo fato de não constarem nas palavras de Jesus orientações específicas quanto à diversidade sexual. Essa posição radical do movimento pode representar sua participação naquilo que citamos anteriormente, sobre a igreja do Terceiro Milênio, um conjunto de organizações que fizesse sentido a uma face da sociedade que grita por acolhimento e cuidado, rompendo com as mais duras críticas fundamentalistas e conservadoras sobre a sexualidade e o comportamento humano.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2018, no Brasil, havia cerca de 4 milhões de desigrejados (SANTOS, 2018), e nesse público encontrava-se boa parcela daqueles que se sentiam em inadequação ao status quo da igreja evangélica, pois a diferença de pensamento tomou proporções tais que já não era mais possível insistir no diálogo. A igreja cristã, seja protestante, evangélica, católica, vem há tempos sob uma alegação de isenção de seu dever social e político – usando a premissa de que religião e política não se misturam (inverdade reconhecida) –, abrindo espaço para que outros movimentos, constituindo novas formas de ser igreja, surgissem para dar andamento à propagação do evangelho, segundo sua visão, segundo seus propósitos, como tem feito o Inadequados.
Conclusão
A necessidade de expor e conscientizar a Igreja sobre o problema da colonização é fundamental para uma possível transformação do “modo de fazer” igreja. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, há mais de 4 milhões de brasileiros desigrejados, parte destes desencantados com as promessas de felicidade e satisfação que não foram cumpridas por sistemas que não podem suprir os anseios humanos, principalmente aqueles que se referem a coisas deste mundo, pois há igrejas que, ao não poderem responder à injustiça do presente, apegam-se à promessa do paraíso perfeito, o futuro celestial.
Não é justo aquele que não luta pela justiça, pois essa é a causa da igreja, a sua missão primordial. Em tempos remotos, a missão era focada na justiça da igreja para a própria igreja, em busca de um povo para si, que sustentasse sistemas religiosos independentemente do pesado jugo imposto sobre seus fiéis. Os fiéis deveriam existir para a igreja. Hoje, a possibilidade de uma igreja renovada em conceitos, em conhecimento, aquela que emerge no hemisfério Sul, é uma esperança para o cristianismo, um vislumbre para que ele seja uma possibilidade de resposta aos clamores sociais. É a proposta de uma igreja que viva não só para seus fiéis, mas para a sociedade.
A eficácia de um movimento religioso pode ser medida com base naquilo que representaria a falta dele no local onde atua. Não faz diferença o que não deixa saudade. Para o carente, o necessitado e o excluído, movimentos que conseguem enxergá-los são fundamentais. Grupos sociais e pessoas marginalizadas pela igreja encontram referência em movimentos que se mostrem semelhantes – inadequados – aos padrões dos colonizadores.
Segue a esperança de que uma nova consciência tome conta da teologia, bem como que as Ciências da Religião vejam outros inadequados (e são muitos)4 lutando por uma forma coerente de fazer religião.
Quanto à pesquisa, há um amplo espectro de investigações a serem feitas sobre esse e outros movimentos em tentativas de decolonização. Quanto ao Inadequados, principalmente, deve-se acompanhar os trabalhos para verificar se as bases são sólidas, frente à conhecida oposição conservadora cristã, e se seus projetos sobreviverão em meio às crises políticas e econômicas desta década.
Agradecimentos
Ao pastor e teólogo João P. Berlofa pela disponibilização de informações e plena colaboração a esta pesquisa.
Referências
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Notas
Autor notes
* Correspondência para/Correspondence to: M.A. GUIMARÃES. E-mail: marciaguice@gmail.com.