Artigos
Recepção: 30 Abril 2019
Aprovação: 14 Agosto 2019
DOI: https://doi.org/10.31977/grirfi.v20i1.1250
Resumo:
:
As questões religiosas permeiam o conjunto da obra rawlsiana. O problema é saber como pessoas com diferentes doutrinas compreensivas religiosas podem chegar a um consenso sobreposto. A solução para o problema de como a legitimidade política pode ser alcançada, apesar do conflito religioso, e de como, entre cidadãos de diferentes crenças, a justificação política pode prosseguir sem referência à convicção religiosa é relacionada com a ideia de razão pública.
Palavras-chave: Razão pública, Doutrinas abrangentes religiosas, Consenso sobreposto, RAWLS, Questões políticas.
Abstract: Religious issues permeate the whole Rawlsian work. The problem is to know how people with different religious understandings can come to overlapping consensus. The solution to the problem of how political legitimacy can be achieved, despite religious conflict, and how, between citizens of different faiths, political justification can be pursued without reference to religious conviction is related to the idea of public reason.
Keywords: Public reason, Comprehensive religious doctrines, Overlapping consensus, Rawls, Political issues.
Introdução
A grande questão que permeia todo O Liberalismo Político é saber como pessoas com diferentes doutrinas compreensivas tais como as filosóficas, morais e religiosas, podem chegar a um acordo sobre questões políticas fundamentais.
Can religious argument be a part of public political debate in a modern liberal democracy? Can religious believers genuinely affirm the rules of liberal democracy without losing their own identity and moral integrity? Is there a justification for “privatizing” religion for the sake of political values such as public peace or stability, or for advocating a law on the basis of an appeal to strictly religious reasons, in spite of the modern differentiation of politics from religion? (DAŃKOWSKI, 2013, p. 13).
Nesse sentido, observando a questão religiosa, nota-se como é complexo um consenso em se tratando de pessoas que têm as mais variadas crenças. Referente à tal preocupação, observa-se que as questões religiosas permeiam o conjunto da obra rawlsiana como, por exemplo, quando John Rawls morreu, em 2002, foi encontrado entre seus arquivos um texto intitulado On My Religion. Nele Rawls descreve a história de suas crenças, referindo-se ao um período como aluno de graduação em Princeton (1941-1942).
Em dezembro de 1942, ele escreve Uma breve investigação sobre o significado de pecado e fé: uma interpretação Baseado no Conceito de Comunidade. Esta é a tese de Rawls, submetida para o departamento de filosofia. A tese foi escrita no meio da guerra que Rawls estava prestes a se juntar como um combatente. Ela tem uma certa relevância no sentido de tornar compreensível o desenvolvimento de seu pensamento.
What will be most striking to many about this undergraduate essay by one who is widely regarded as the most significant moral philosopher of his generation is the unmistakably theological character of the ethical theory it presents. It states flatly that there can be no separation between religion and ethics. (ADAMS, 2009, p.25).
No entanto:
The cultural and intellectual background of the thesis Rawls wrote in 1942 was quite different from that of the moral and political philosophy he published in later years. Indeed, some of the authors mentioned in the thesis may be unfamiliar to readers of the later work. The index of A Theory of Justice (1971) contains no entries for any of the authors that the bibliography of the undergraduate thesis lists as “chief sources” for Rawls’s own view. One of them, Philip Leon, who seems to me to have had as much influence on the thesis as any other, is all but forgotten now. (ADAMS, 2009, p.25).
Contudo, as crencas religiosas, ainda, são importantes como temas recorrentes na filosofia política de Rawls como, por exemplo, o princípio de igual liberdade. Nele é apontadoi a solução para o problema de como a legitimidade política pode ser alcançada, apesar do conflito religioso, e de como, entre cidadãos de diferentes crenças, a justificação política pode prosseguir sem referência à convicção religiosa. E essas preocupações estão no cerne do liberalismo político de Rawls, cuja pergunta fundamental é feita da seguinte forma: como é possível para aqueles que comungam de uma doutrina baseada na autoridade religiosa, por exemplo, a Igreja ou a Bíblia, que eles,também, mesmo assim, possam chegar a um consenso de cunho político?
Para responder a tal pergunta, no ensaio A ideia de razão pública revisitada, 1997, Rawls afirma ser esse texto o melhor escrito para apontar à compatibilidade entre razões públicas e doutrinas religiosas
Enfatizo a relação entre a razão pública e o liberalismo político com as principais religiões que se baseiam na autoridade da igreja e do texto sagrado. [...] A despeito disso, sustento que, exceto no caso do fundamentalismo essas religiões podem dar apoio a um regime democrático constitucional. (RAWLS, 2016, p. 520).
No texto de 1997, ele procura responder às dificuldades que alguns movimentos ocasionaram, porquanto impuseram ao conceito de razão pública fundamentos relativos às razões religiosas. No entanto Rawls afirma:
Doutrinas abrangentes razoáveis religiosas ou não religiosas podem ser introduzidas na discussão política pública contanto que apresentadas, no devido tempo, razões públicas adequadas- e não dadas unicamente por doutrinas abrangentes- para sustentar seja o que for que se diga que as doutrinas abrangentes apoiam. (RAWLS, 2016, p. 549).
E Rawls continua: “Pode haver razões positivas para introduzir doutrinas abrangentes na discussão política pública”. (RAWLS, 2016, p. 549). Uma das razões, plausivelmente, poderia ocorrer por causa do procedimentalismo da justiça como equidade.
O procedimentalismo da justiça como eqüidade.
Posição Original e o Véu de Ignorância.
O recurso que Rawls faz da posição original é um procedimento em que as partes são representadas como pessoas morais. Esta é uma postura abstrata, imparcial e hipotética. Ela é um recurso heurístico para que as questões de justiça sejam pensadas. Sobre as razões de tal artifício, Rawls afirma que:
Partimos da linha organizadora de sociedade como um sistema eqüitativo de cooperação entre pessoas livres e iguais. Surge de imediato a questão de como determinar os termos eqüitativos de cooperação. [...] eles são estabelecidos por meio de um acordo entre cidadãos livres e iguais unidos pela cooperação, à luz do que eles considerem ser suas vantagens recíprocas, ou seu bem? [...] os termos eqüitativos de cooperação social provêm de um acordo celebrado por aqueles comprometidos com ela. (RAWLS, 2003, p.20).
A posição original faz parte das condições de elegibilidade dos princípios de justiça. As partes que escolhem os princípios de justiça são indivíduos racionais, razoáveis, são pessoas singulares que tem sentimentos familiares.
Justiça procedimental pura.
O que vai interessar na justiça como equidade é apresentar um modelo procedimental de representação; no caso, a posição original, onde os princípios de justiça, escolhidos sob o véu da ignorância, são equitativos. Este artifício rawlsiano é definido como procedimentalismo puro; aquele mecanismo onde os procedimentos justos garantem os resultados, também, justos.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que:
Na justiça procedimental pura os procedimentos oferecem mais do que uma legitimação apenas subsidiária, pois aqui a justiça é ínsita ao próprio procedimento, ao passo que não se pode falar de uma medida independente de procedimentos, quando se objetiva um resultado justo. Assim que se aplica um procedimento honesto, que trata de maneira igual todos os implicados, como no jogo de sorte o lance de dados ou o sorteio, ou, em votações, a contagem dos votos, assim os resultados são justos, não apenas subsidiariamente, mas até originalmente. (HÖFFE, 2003, p. 54).
Nesta perspectiva, Rawls, durante o percurso da sua obra, mantém o recurso ao procedimentalismo puro, embora com mudanças e revisões em relação ao conteúdo do mesmo.
Isso significa que em TJ os princípios de justiça são tomados como imperativos categóricos e, em suas obras posteriores, apesar de mantê-los, esses são corroborados pela concepção de pessoa e de sociedade e: “...Rawls retoma a concepção de pessoa autônoma como um fim procedimental a ser modelado por uma situação contratual de justiça política...”. (OLIVEIRA, 1999, p.182).
Para Rawls, uma estrutura básica justa da sociedade garante o background da justiça. Embora este termo não tenha aparecido em TJ, a ideia de justiça procedimental pura continua, essencialmente, a mesma. Isso significa que há um procedimento justo gerando um resultado, também, justo.
Nesse sentido, a posição original é um caso de justiça procedimental pura, porquanto o artifício que ela significa garante que os princípios de justiça sejam justos. Assim sendo: “...Esse modelo procedimental, formal, de articulação entre regras (procedimentos) e práticas (instituições) caracteriza o trabalho conceitual de John Rawls e o aproxima da filosofia prática de Immanuel Kant...” (OLIVEIRA, 2003, p.13).
No entanto, na medida em que Rawls reabilita os elementos do seu construtivismo da justiça, isto faz com que ele dê uma nova interpretação ao seu procedimentalismo.
Rawls então:
Revisou o texto de 1971 [...] culminando com a publicação do seu liberalismo político em 1993. Além da questão do self [...] a exposição da justiça como eqüidade não deveria ser tomada como uma concepção filosófica [...] e sim em sua especificidade política, partindo não mais da perspectiva da Posição Original mas da perspectiva da cultura política pública, onde se opera o consenso sobreposto [...], dado o fato do pluralismo razoável [...] o que se observa é uma inversão na ordem da exposição da justiça como eqüidade, na medida em que se parte da concepção normativa de pessoa em direção à sociedade bem-ordenada e à posição original para a aplicação dos princípios de justiça através de reformas constitucionais, plebiscitos, assembléia legislativa e revisão judicial. (OLIVEIRA, 2003, p.23).
Dessa forma, o objetivo da posição original, em TJ, é atingir a um modelo de sociedade, uma proposta que, aos poucos, vai sendo relacionada às sociedades existentes. Em LP, por exemplo, Rawls vê nas sociedades plurais democráticas elementos de uma cultura pública, preocupando-se, assim, com o desenvolvimento de uma concepção política de justiça apoiada em um consenso sobreposto obtido por meio da razão prática pública. No entanto:
From the perspective of the original position, no particular comprehensive doctrines can bind the citizens generally, not can one religious authority be cited who will settle theological disputes.Therefore each persons must be given an equal right to decide which, if any, religious obligations will be binding. And each should be free to change her faith (DOMBROWSKI, 2001, p. 101).
Nessa perspectiva, Um cidadão, enquanto pessoa religiosa, tem várias razões para rejeitar ou endossar uma posição política, ao passo que um indivíduo religioso, enquanto cidadão, deve ter razões públicas. Consequentemente, as pessoas devem ter uma defesa bilateral de seus pontos de vista, mutuamente independentes uns do outro. Os cidadãos atuam em consonância com o dever de civilidade quando agem como se fossem legisladores, justificando suas crenças sobre assuntos em termos passíveis de razão pública (YATES, 2007, p.33).
A ideia de uma razão pratica publica
O tema da razão pública apareceu, explicitamente, nos escritos de Rawls após Uma Teoria da Justiça:
and the pursuit of a common ground on which people can stand despite their deep ethical and religious differences. But the concept itself has always been at the heart of his philosophy. It runs through his first book in the guise of the idea of publicity, playing an indispensable part in the theory of justice as fairness. The notion of fairness itself, so central to Rawls’s thought, denotes that mutual acknowledgement of principles which public reason demands and which forms the real import of the language of social contract he has used to articulate his conception of justice (LARMORE, 2003, p. 368).
Tal fato não era visto, claramente, em Uma Teoria da Justiça. No entanto, a ideia em si sempre esteve presente nos escritos rawlsianos como, por exemplo, em TJ era vista como ideia de publicidade desempenhando um papel, em tal texto, fundamental. Entretanto, nos mais recentes textos de Rawls:
In several essays published after A Theory of Justice, the notion of publicity receives more systematic attention, and not by accident. Its greater prominence reflects the new direction in Rawls’s thinking that leads to Political Liberalism. In the course of this transformation the ideal of publicity grows into his doctrine of “public reason. ( LARMORE, 2003, p. 375).
Em outras palavras, após Uma Teoria da Justiça, principalmente em O Liberalismo Político, a pergunta norteadora é aquela que diz como ter um consenso político sobre algo, se existem diferenças éticas e religiosas. A resposta para isso é relacionada, diretamente, à razão pública. No entanto:
On basis political matters the reason cited in favor of a point of view ought not to be given explicitly and exclusivery in terms of a comprehensive religious doctrine. The public reason such a doctrine supports are to be strongly encourage ( for this is the root of overlapping consensus), but not the supporting itself Or against, in certain situations citizens may introduce their comprehensives religiuos doctrines into the political , but this is permissible only if such an introduction strengthens the ideal of public reason itself. So although Rawls was initially inclined to defend the pure exclusivist view, he really is a partial inclusivist (DOMBROWSKI, 2001, p.117).
Então, para Rawls, conforme a citação acima, observa-se que a razão pública não é um valor político qualquer. Ela envolve todos os diferentes elementos que compõem o ideal de um democracia constitucional, pois articula a relação política que devemos ter uns com os outros. Em outras palavras:
But Rawls strategy is really one of partial avoidance because citizens are allowed to introduce their comprehensive religious doctrines so long as they are also articulated in properly political terms. That is , religious speech is not necessarily inappropiate in politcs as long as it is tried to reasonable political discourse. As before, the comprehensives doctrines of most people are not fully comprehensive , hence there is a certain latitude available for phrasing one’s political views in reasonable, rather than sectarian , terms. (DOMBROWSKI, 2001, p.112).
Nessa perspectiva, convém mencionar que na razão pública reside o fundamento de nossas decisões coletivamente, defendendo um ponto de vista comum para resolver os termos da nossa vida política. No entanto, a decrrência dessa tese, pora Rawls, nem sempre foi a mesma. Em TJ, por exemplo, o objetivo era fornecer uma base moral para uma sociedade democrática, isso a torna uma doutrina liberal abrangente, onde todos os membros de uma sociedade afirmam uma mesma doutrina. Portanto há uma diferença substancial entre TJ e LP, porquanto nessa obra tardia de Rawls torna-se impossível uma doutrina universalista para a sociedade. Assim, no O Liberalismo Político,o objetivo da justiça como equidade: “não é nem metafísico nem epistemológico, mas prático [...] é um acordo político informado e totalmente voluntário entre cidadãos que são considerados como pessoas livres e iguais...” (RAWLS, 1998, p.210).
Contudo, Rawls afirma que “negar certas doutrinas metafísicas é afirmar outra doutrina do mesmo tipo” (RAWLS, 1996, p. 60, 664). Ele diz que as diversas doutrinas como as religiosas razoáveis, por exemplo, que são encontradas como características de uma cultura pública, não podem ser consideradas como condições históricas que logo desaparecerão. Assim:
In several essays published after A Theory of Justice, the notion of publicity receives more systematic attention, and not by accident. Its greater prominence reflects the new directionin Rawls’s thinking that leads to Political Liberalism.In the course of this transformation the ideal of publicity grows into his doctrine of “public reason.” (LARMORE, 2003, p. 375)10
Portanto, a razão prática não faz críticas às doutrinas abrangentes como as religiosas. Contudo, essas não devem ser incompatíveis com os elementos essenciais de uma sociedade política democrática. De tal modo:
Rawls calls this "the proviso". That is, comprehensive doctrines can be introduced into the political realm provided that they are eventually supported by proper doctrines reasons. The details regarding when and by whom must be worked out in practice by people of good sense (DOMBROWSKI, 2001, p.108)11
No entanto, faz-se necessário questionar como é possível que múltiplas doutrinas religiosas, baseadas na autoridade da Igreja ou da Bíblia, podem chegar a um consenso em relação à um regime democrático constitucional? Para tanto, Rawls responde que não é suficiente que determinadas doutrinas aceitem um governo democrático como um modus vivendi. E Rawls continua:
Para formular a pergunta de forma mais incisiva: como é possível – ou será possível - que os fiéis, assim como os não religiosos (seculares), endossem um regime constitucional, mesmo quando suas próprias doutrinas abrangentes podem ou não prosperar sob ele e, com efeito, podem mesmo declinar?. (RAWLS, 1996, p.544)
Então, Rawls, para responder a questão, cita dois exemplos:
1) católicos e protestantes nos séculos XVI e XVII, utilizavam a razão prática, somente, com o fito de acalmarem as divergências para atingirem a estabilidade social. Nesse sentido, a tolerância era utilizada, somente, como um modus vivendi. Em outras palavras, isso significa afirmar que, se alguma doutrina prevalecesse, essa iria impor sua fé como a única admissível;
2) quando cidadãos não se dispõem a ver sua doutrina religiosa perder em influência e números para outras e, com isso, fiquem com a disposição para resistirem ou desobedecerem ás leis que julgarem prejudiciais desde que a sua doutrina esteja segura.
O professor de Harvard diz que os dois casos têm algo em comum: cada grupo defende seu interesse fundamental. No primeiro, o empenho encontra-se em estabelecer a sua hegemonia; no segundo, tentam assegurar certo grau de sucesso e de influência para a sua visão. No entanto:
Uma democracia exige necessariamente que, como cidadão igual entre outros, cada um de nós aceite as obrigações da lei legítima. Embora não se espere que ninguém coloque em risco sua doutrina religiosa [...] é preciso que renunciemos para sempre a expectativa de mudar à Constituição para estabelecer a hegemonia de nossa religião ou à de qualificar nossas obrigações a fim de assegurar sua influência e seu sucesso. Conservar tais expectativas e objetivos seria incompatível com a ideia de liberdades fundamentais iguais para todos os cidadãos livres e iguais. (RAWLS, 2016, p.546).
Nessa perspectiva, tem-se que ter o princípio de tolerância e de liberdade de consciência como pontos centrais em uma democracia constitucional. Nesse aspecto, pode-se falar em duas ideias de tolerância:
1) política - protege a liberdade religiosa relacionada à concepção razoável de justiça;
2) não é política – quando se argumenta com conjecturas levando em consideração as doutrinas religiosas pessoais ou o que pensamos ser as das outras pessoas e, mesmo assim, mostrando que pode-se endossar uma concepção razoável de justiça.
Assim, é interessante ressaltar que ser tolerante significa que a ideia de razão pública não se relaciona com programas políticos específicos. Aqui cabe outro exemplo:
O famoso debate de 1784-85 entre Patrick Henry e James Madison quanto à oficialização da igreja anglicana na Virgínia e que envolvia a religião nas escolas [...] Henry não parecia argumentar a favor do conhecimento cristão como um bem em si mesmo, mas, antes, como uma maneira efetiva de realizar valores políticos básicos, a saber, a conduta boa e pacífica dos cidadãos . (RAWLS, 2016, p.564).
Madison, por sua vez, em relação ao projeto de lei de Henry, faz objeções e argumenta que:
Na questão de em que medida tornar a religião oficial como uma condição necessária para assegurar uma sociedade civil pacífica, ele conclui que isso não era assim. As objeções de Madison ao projeto de lei de Henry, também, se fundamentaram nos efeitos históricos da imposição de uma religião oficial tanto para a sociedade como para a integridade da própria religião. (RAWLS, 2016, p.546).
É nessa perspectiva que Rawls concorda com as objeções de Madison à lei de Henry e diz que a separação entre o Estado e a Igreja deve ser de tal modo que todos os cidadãos livres e iguais possam endossar em virtude do pluralismo razoável. Assim:” From a Rawlsian perspective, however, we should add that the freestanding nature of political liberalis can be, and usually is, algso supported (overdetermined) by na overlapping consensus out of the comprehensive religious doctrines of citizens”. 12 (DOMBROWSKI, 2001, p. 113)
Neste sentido, é que na justiça como equidade o razoável e o racional são ideias distintas e independentes, porquanto o justo não é derivado do bem. Contudo, na ideia de cooperação equitativa, essas duas noções são complementares; uma tem como significado o fato das pessoas terem a capacidade de senso de justiça e a outra encerra uma capacidade para terem uma concepção do bem. Desta forma, o razoável e o racional são inseparáveis enquanto ideias complementares em relação à cooperação equitativa.
Em contrapartida, tanto a ideia do razoável quanto à do racional ambas mantém características peculiares. Sendo assim, o razoável tem uma forma de público e o racional não a tem. Através do razoável os indivíduos são iguais no mundo público dos outros e podem propor, aceitar e dispor termos equitativos de cooperação entre eles. Contudo, o razoável não é sinônimo de altruísmo nem de egoísmo, pois:
A sociedade razoável não é uma sociedade de santos nem uma sociedade de egoístas. É a parte do nosso mundo humano comum, não de um mundo que julgamos de tanta virtude que acabamos por considerá-lo fora do nosso alcance. No entanto, a faculdade moral que está por trás da capacidade de propor, ou de aceitar, e, depois, de motivar-se a agir em conformidade com os termos eqüitativos de cooperação por seu próprio valor intrínseco é, mesmo assim, uma virtude social essencial. . (RAWLS, 2016, p.98)13
Para Rawls,
He holds a believe lief in the univocity of political reason [...]: our comprehensive religious doctrines may divide us, but wkhen we speak in public on political matters we have a moral duty to address ourselfes to fellow citizens in terms that any reasonable person could understand. (DOMBROWSKI, 2001, p. 113)14
Assim, Rawls parece que prescinde, de certa forma, de algumas doutrinas religiosas e suas interpretações. Destarte, pode-se, plausivelmente, supor que a sua filosofia política provém à parte de todas essas doutrinas, de forma autônoma. Conseqüentemente, supõe-se que não se pode argumentar invocando quaisquer doutrinas abrangentes, ou criticando ou rejeitando-as. E Apel afirma:
A bit later, Rawls offers a reformulation and elucidation of his conception of the relationship between the "freestanding" political theory of justice and the "comprehensive doctrines". This elucidation is especially interesting because it seems to suggest a sophisticated answer to the question on hand as to how the "freestanding" political conception of justice may be grounded independently of the presupposition of a comprehensive philosophical doctrine.( (APEL, 2011, p. 3).15
A ideia do consenso sobreposto é a de que, para endossar uma concepção política de justiça, não se pode colocar obstáculos em relação às doutrinas razoáveis. No entanto, elimina-se dessa concepção qualquer ideia que vai além do político e que não são aceitáveis de resolver. Quando a concepção política encontra, em um consenso as doutrinas abrangentes religiosas razoáveis, afirmadas por cidadãos, ela terá a capacidade de modelar as doutrinas para si.
Após isso, é conveniente salientar em relação às definições sobre a visão exclusiva e a visão inclusiva da razão pública, tais como:
1- a visão exclusivista- as doutrinas abrangentes não devem fazer parte da razão pública;
2- a visão inclusiva- os cidadãos apresentam os valores políticos de doutrinas abrangentes em fóruns públicos, se isso servir pra fortalecer o próprio ideal de razão pública.
Entretanto, para Rawls, a visão inclusiva é mais interessante em relação à sociedade bem-ordenada, porquanto, por meio dela, pode-se levar em consideração os argumentos das doutrinas abrangentes em fórum público, apontando, assim, a razoabilidade dos argumentos elencados nas discussões e, convergindo as doutrinas abrangentes conflitantes para um consenso sobreposto, mas não para um simples modus vivendi. Nessa perspectiva, a razão pública permite, face a uma pluralidade, uma real democracia.
Considerações finais
As questões religiosas sempre estiveram presentes no conjunto da obra rawlsiana como, por exemplo, quando John Rawls morreu, em 2002, foi encontrado entre seus arquivos um texto intitulado On My Religion. Nele Rawls descreve a história de suas crenças, referindo-se ao um período como aluno de graduação em Princeton (1941-1942). Em dezembro de 1942, ele escreve Uma Breve Investigação sobre o Significado de Pecado e Fé: uma interpretação Baseado no Conceito de Comunidade. Nele Rawls elabora um tipo de Ética Teológica que diz que a verdadeira ética cristã centraliza-se na ideia de comunidade, enfatizando às relações apropriadas de pessoas entre si, onde essas formam um nexo, de modo que a relação com qualquer pessoa ressoa em na relação com os outros, incluindo Deus e o mundo. Este, em sua essência, é uma comunidade de criadores, de criados e tem Deus como sua fonte. No entanto, as relações pessoais podem ser positivas ou negativas: incluem o ódio, o amor, a inveja e o egoísmo, bem como a comunhão entre as pessoas da comunidade. É por causa disso que a ética e a religião devem estar preocupadas não com a busca do bem, mas com o estabelecimento da forma adequada de relações interpessoais. Nessa perspectiva, a ética adequada é aquela que enfatiza a relação de pessoa para pessoa e, finalmente, com Deus. Assim, Rawls acredita que as relações apropriadas de comunidade só podem emergir se o egoísmo for controlado. Nesse sentido,uma comunidade verdadeira é algo integrado na fé em Deus. Ao contrário, o pecado de um grupo, que procura dominar outro grupo, dá origem ao medo da penúria comunal; mas na comunidade como tal e na comunidade celestial, não se tem tal medo
No entanto, em 1971, Rawls já não é o jovem visto no texto de 1942. Agora a sua temática central é modificada: a questão central é a justiça. Para tanto, ele escreve Uma Teoria da Justiça, obra magna rawlsiana, e nela a questão religiosa é tratada sob a forma das doutrinas comprrensivas. Em 1993, corroborando e modificando alguns aspectos de Uma Teoria da Justiça, escreveO Liberalismo Político, neste a teoria rawlsiana enfatiza o político e tal aspecto ocorre nas sociedades democráticas onde múltiplas doutinas, inclusive as religiosas, convivem de forma razoável até atingirem um consenso sobreposto. Portanto, em toda teoria rawlsiana, fala-se em doutrinas abrangentes religiosas e da maneira de como compatibiliza-las com o ideal de uma sociedade justa, onde nessa não pode incorrer prioridades nem omissões.
É nessa perspectiva que Rawls afirma no texto A Ideia de Razão Pública Revisitada, 1996, que pode haver razões positivas para introduzir doutrinas abrangentes na discussão política pública. Plausivelmente, isso poderia ocorrer por causa do procedimentalismo puro da justiça como equidade A abordagem procedimental rawlsiana é relacionada à ideia da posição original. No interior de tal mecanismo, partes razoáveis e racionais expressam argumentos, por meio da razão prática, com o fito de chegarem a um consenso.
A ideia de razão pública inserida em uma cultura democrática, por sua vez, não era vista, claramente, em Uma Teoria da Justiça, tal ideia sempre esteve presente nos escritos rawlsianos por meio da ideia de publicidade. Contudo, nas obras tardias rawlsianas, principalmente, em O Liberalismo Político, a pergunta norteadora é aquela que diz como ter um consenso político sobre algo, se existem diferenças éticas e religiosas. A resposta para isso é relacionada, diretamente, à razão pública. No entanto, faz-se necessário questionar como é possível que múltiplas doutrinas religiosas, baseadas na autoridade da Igreja ou da Bíblia, podem chegar a um consenso em relação à um regime democrático constitucional? Para tanto, Rawls responde que não é suficiente que determinadas doutrinas religiosas aceitem um governo democrático como um modus vivendi.
Uma democracia exige, necessariamente, que, como cidadão igual e livre, cada um deve aceitar, razoavelmente, as leis. Embora, para isso, ninguém coloque em risco sua doutrina religiosa nem gere a expectativa de hegemonia em se tratando de suas crenças, porquanto isso é incompatível com a ideia de cidadãos livres e iguais. Nesse sentido, Rawls parece que escamoteia algumas doutrinas religiosas e suas interpretações. Destarte, pode-se, plausivelmente, supor que a filosofia política rawlsiana deixa de lado todas essas doutrinas, de forma autônoma. No entanto, os cidadãos podem ser definidos como protestantes, católicos, ateus e assim por diante, embora as pessoas livres podem ser capazes de assumir tais crenças, mesmo assim, podem optar por acreditar que é inútil coagir ou cooptar os outros a concordarem com as suas doutrinas religiosas16.
Conseqüentemente, supõe-se que não se pode argumentar invocando quaisquer doutrinas abrangentes mesmo que em forma de crítica ou rejeição. Dessa forma, as doutrinas abrangentes podem ser introduzidas na esfera política desde que sejam razoáveis e utilizadas por pessoas de bom senso. Para elucidar isso, Rawls clarifica a relação entre a teoria política autônoma da justiça e as doutrinas abrangentes. Isso parece responder a pergunta sobre como a concepção política da justiça pode ser fundamentada sem levar em consideração às doutrinas abrangentes.Para tanto, Rawls utiliza-se de uma evitação parcial, porque os cidadãos podem introduzir suas doutrinas religiosas relacionadas em termos propriamente políticos. Nessa perspectiva, os argumentos religiosos não são inadequados nas políticas, desde que seja um discurso político razoável. Como a maioria das doutrinas compreensivas não são totalmente abrangentes, há uma certa tendência para expressarem as visões políticas em termos razoáveis, em vez de sectários.
Portanto, em se tratando de questões políticas, a razão elencada não devem ser elencadas, exclusivamente, em termos de uma doutrina religiosa abrangente. A razão pública que tal doutrina apoia deve ser manifestar-se explicitamente, no momento da formação do consenso sobreposto, mas tal doutrina não deve ser o fundamento do acordo em si. Isso significa que, em certas situações, os cidadãos podem introduzir suas doutrinas religiosas no político, mas isto é somente permissível se tal fato fortalece o ideal da razão pública. Assim, em um primeiro momento, embora a teoria de Rawls pareça inclinada a ser uma visão exclusivista, ela, no entanto, pode ser, plausivelmente, considerada como inclusivista parcial.