Resumo:
: É crescente e plural o interesse filosófico em relação à dimensão afetiva da vida e da experiência humana. Dentre estes interesses destacam-se os recentes e variados esforços em compreender a natureza das emoções, especialmente em sua relação com diversas questões filosóficas envolvendo a agência humana. Na linha destes esforços soma-se a proposta de Goldie (2007) que consiste em um duplo movimento de, por um lado, apresentar um amplo e variado conjunto de fenômenos que precisam ser apreciados por quaisquer teorias da emoção, e, por outro, identificar em que medida as teorias da emoção mais prestigiadas fazem justiça àquela riqueza e complexidade fenomênica. O resultado deste duplo movimento é o diagnóstico crítico de que as teorias da emoção até então mais prestigiadas, a não-cognitivista, a cognitivista e a perceptual são deficitárias desde o ponto de vista explicativo. Curiosamente, apesar de ter reservado uma posição e função decisivas para a afetividade em meio ao projeto de elaboração da ontologia fundamental, o nome de Martin Heidegger não consta nas atas de boa parte dos atuais debates das filosofias da emoção, inclusive no já mencionado diagnóstico crítico de Goldie. O objetivo central deste trabalho consiste em apresentar em linhas gerais a fenomenologia da afetividade conforme desdobrada por Heidegger ao final da década de vinte. Mais especificamente, procura-se mostrar de que maneira a dimensão afetiva em geral, e o humor e as emoções em particular, possuem um caráter de abertura eminentemente revelador, o que inclusive justifica, desde uma perspectiva meta-filosófica, a sua inclusão junto ao programa da ontologia fundamental.
Palavras-chave:AfetividadeAfetividade,EmoçãoEmoção,HumorHumor,FenomenologiaFenomenologia,HeideggerHeidegger.
Abstract:
: The philosophical interest in relation to the affective dimension of human life and experience is growing and plural. Among these interests are the recent and varied efforts to understand the nature of emotions, especially in relation to various philosophical issues involving human agency. In line with these efforts, Goldie's (2007) proposal consists of a double movement of, on the one hand, presenting a wide and varied set of phenomena that need to be appreciated by any theories of emotion, and, on the other, identifying the extent to which the most prestigious theories of emotion do justice to that richness and phenomenal complexity. The result of this double movement is the critical diagnosis that the hitherto most prestigious theories of emotion, the non-cognitivist, the cognitivist, and the perceptual are deficient from an explanatory point of view. Interestingly, although Martin Heidegger has reserved a decisive position and function for affectivity amidst the project of elaborating fundamental ontology, it is not included in the minutes of much of the current debate on the philosophies of emotion, including the aforementioned critical diagnosis. from Goldie. The main objective of this paper is to present in general the phenomenology of affectivity as unfolded by Heidegger in the late twenties. More specifically, it seeks to show how the affective dimension in general, and mood and emotions in particular, have an eminently revealing openness, which even justifies, from a meta-philosophical perspective, their inclusion in the fundamental ontology program.
Keywords: Afectivity, Emotion, Mood, Phenomenology, Heidegger.
Artigos
A dimensão afetiva da existência humana à luz da fenomenologia hermenêutica: o caráter revelador das emoções em Ser e Tempo
The afective dimention of human existence in the light of hermeneutic-phenomneology: the disclosive character in Being and Time
Recepção: 17 Outubro 2019
Aprovação: 19 Janeiro 2020
É difícil superestimar a dimensão de profundidade e de alcance da afetividade para a vida e para a experiência humana. Parafraseando Aristóteles, poderíamos afirmar que o ser humano é, além de animal político e portador de logos, também um animal afetivo e que, outra vez parafraseando-o, a afetividade também se diz de diferentes modos.. De fato, sob a expressão “afetividade” são compreendidos e abarcados vários outros termos semanticamente próximos, como “paixão”, “disposição”, “perturbação”, “movimento”, “agitação”, “apetite”, “sentimento”, “humor” e “emoção” (SCARANTINO, A. & DE SOUSA, R., 2018). Desde um ponto de vista interno à história da filosofia, esta profusão terminológica pode ser indicativa dos diversos períodos e escolas de pensamento aos quais pertencem, bem como das diversas metodologias e compromissos teóricos tácitos a elas associados. Uma consequência filosoficamente importante desta possível indicação é a de que a adoção de uma das expressões mencionadas para se referir ao campo fenomênico como um todo teria implicações não-triviais.. Naturalmente, diante desta possibilidade e frente a esta profusão terminológica é razoável pressupor que há toda sorte de discordâncias e de abordagens teóricas, o que levanta as seguintes questões: diante desta multiplicidade de expressões que implicam compromissos teóricos tácitos, qual ponto de partida assumir? É indiferente optar por qualquer uma das expressões? Em não sendo esta opção indiferente, como justificar preferir uma determinada expressão em detrimento das demais?
Em certo sentido estas perguntas colocam dificuldades importantes e que não podem ser enfrentadas neste trabalho em toda sua extensão, pois elas dizem respeito à necessidade de distinguir cuidadosamente cada termo mencionado anteriormente e, assim, demarcar formalmente o âmbito de cada um e suas respectivas abordagens conceituais, o que provavelmente incluiria considerar também a história do conceito. Alternativamente, ao invés de adotar esta estratégia é possível inicialmente demarcar o campo fenomênico propriamente dito, apresentando o conjunto de fatos que o constitui e, a partir de aí, tomar um conceito que se refira a tal campo fenomênico.
Esta é justamente a estratégia de Peter Goldie (2007), que se desdobra em duas direções complementares: de um lado, toma-se um conjunto amplo e complexo de fenômenos que corresponde ao núcleo daquilo que é designado pelo termo “emoção”, e, por outro, considera-se de que maneira e em que medida as principais teorias da emoção articulam inteligivelmente em seu interior aqueles fatos e fenômenos. Dito de outro modo, assumindo como fio condutor terminológico a expressão “emoção”, Goldie apresenta um vasto e complexo conjunto de fenômenos ou fatos que precisa ser considerado por qualquer teoria ou filosofia da emoção que almeje adequação explicativa (GOLDIE, 2007, p. 923). Em linhas gerais, o primeiro traço dos fenômenos emocionais a se reconhecer é o traço da diversidade, que em um primeiro momento significa reconhecer a diferença das emoções frente a outros estados mentais, mas que, complementarmente, também implica diversidade multidimensional. Metaforicamente, talvez esta tese da diversidade pudesse ser apresentada em termos horizontais e verticais, nos quais no primeiro caso:
o Diversidade na duração: há emoções episódicas e disposicionais;
o Diversidade no foco: há emoções específicas ou gerais
o Diversidade na complexidade: há emoções simples e diretas ou complexas e indiretas
o Diversidade na manifestação física: há emoções que disparam o coração e nos fazem perder o fôlego, enquanto que há emoções que nos tranquilizam
o Diversidade em graus de consciência: diferentes emoções podem apresentar-se de modo mais ou menos transparente ou cintilante (ou opacas e foscas)
o Diversidade em graus de desenvolvimento: há emoções que surgem abruptamente e outras que aos poucos vão se intensificando;
o Diversidade em graus de conectividade à ação: há emoções que possuem um conteúdo ou força motivacional mais intensa ou direta do que outras;
Em relação ao que foi dito até aqui, muitos exemplos de emoções podem ser fornecidos para ilustrar as diferenças apenas mencionadas em cada um dos tópicos. Contudo, o propósito desta reconstrução é principalmente destacar as múltiplas dimensões por meio das quais as emoções se apresentam ou podem ser experimentadas. Embora o modo como Goldie apresenta cada uma das camadas seja tomando a cada vez duas ou mais emoções e então contrastando-as em cada dimensão, a título de exercício seria elucidativo considerar uma única emoção, por exemplo, o amor, e então descrever sua textura e complexidade, apresentar suas múltiplas diversidades conforme elas se desdobram em cada uma das dimensões.
Além da diversidade multidimensional característica das emoções, Goldi ainda apresenta outros fatos importantes que uma teoria das emoções precisaria incorporar para mostrar-se plenamente satisfatória desde o ponto de vista explicativo. Assim, sob o risco de se apresentar como epistemicamente deficitária, qualquer teoria ou filosofia da emoção deveria considerar os seguintes fatos adicionais:
Como é facilmente identificável com esta breve reconstrução, Goldie estabelece exigências que são bastante específicas e complexas, o que conduz à hipótese razoável de que não há filosofia ou teoria da emoção que consiga satisfazê-las todas. De fato, de acordo com Goldie, as três principais linhas filosóficas contemporâneas de abordagem à emoção, a saber, a teoria não-cognitivista, a teoria cognitivista e a teoria da percepção apenas parcialmente conseguem satisfazer tais exigências, e portanto são deficitárias (GOLDIE, 2007, p. 933).
O não-cognitivismo remonta à teoria de William James de que a emoção . o sentimento de alterações ou mudanças corpóreas decorrentes da percepção de um determinado fato. Nesse sentido, esta teoria poderia ser também qualificada como sentimentalista, uma vez que a emoção é identificada com sentimentos corporais (WEBERMAN, 1996, p. 380).. Por exemplo, desde esta perspectiva a reação corpórea ao ouvir um barulho na cozinha estando sozinho em casa é o que caracterizaria o medo: o coração disparado, a respiração ofegante e a tensão muscular e etc (ter medo seria ter e sentir estas reações). De acordo com Goldie, as teorias não-cognitivistas ou sentimentalistas enfrentam dificuldades em relação aos dimensão dos graus de consciência, pois nem toda emoção implica em reações fisiológicas percebidas imediatamente, além do que diferentes emoções podem suscitar reações fisiológicas muito parecidas, o que implica dificuldades quanto à individuação de diferentes emoções (GOLDIE, 2007, p. 934). Além disso, considerando a distinção entre emoções episódicas e disposicionais, o não-cognitivismo parece muito mais promissor em relação às primeiras do que em relação às últimas, o que levanta algumas suspeitas quanto à sua adequação explicativa.
O cognitivismo consiste, em linhas gerais, em entender a emoção não em termos do sentimento direto de reações corporais imediatas e automáticas, mas como, ao menos em parte, resultado de processos cognitivos mais complexos. Goldie apresenta uma posição cognitivista particular para exemplificar este tipo de teoria, a que reconhece nos juízos este papel cognitivo adicional a partir do qual a emoção se constitui (também conhecida como judgmentalism). Ou seja, ter uma determinada emoção é o resultado de uma avaliação, de julgar, por exemplo, em relação a algo que nos é dito como sendo injusto e que gera profunda indignação. Alternativamente ao não-cognitivismo, a dificuldade aqui é fazer justiça à imediaticidade da emoção episódica, como no susto ou no medo, e que não parece ser adequadamente descritível em termos fenomenológicos como o resultado de um determinado juízo, ao menos se for entendido como um ato reflexivo (GOLDIE, 2007, p. 934).
A terceira teoria da emoção, caracterizada por Goldie como perceptual, procura justamente contornar esta dificuldade do cognitivismo ao entender que ter uma determinada emoção envolve um elemento similar àquilo que seria perceber algo, e que isto seria diferente de julgar. Exatamente em relação a este ponto é que se abre a possibilidade para uma terceira via, a da teoria da emoção cognitivista não-comprometida com juízos à maneira da mencionada anteriormente, ou como sendo vinculada a processos cognitivos não tão comprometidos epistemicamente (WEBERMAN, 1996, p. 382). Em relação ao cognitivismo estas teorias têm a vantagem de conseguir explicar como é possível ter uma determinada emoção que contraria um juízo, inclusive explícito Por exemplo, ao olhar para uma cobra em um zoológico ficar aterrorizado, mesmo que se reconheça explicitamente que “não há o que temer”. Neste caso o medo decorreria da percepção de algo e não do juízo que se tem sobre algo (GOLDIE, 2007, 935). Em relação a esta terceira via, também é possível destacar que há o entendimento de que as emoções não apenas decorrem de processos cognitivos similares à percepção, mas também fornecemelementos desta ordem. Dito de outro modo, as emoções são informativas, elas mostram algo daquilo em relação a que estão vinculadas e nos permitem ver certos aspectos do mundo (WEBERMAN, 1996, p. 383). Como desvantagem do cognitivismo perceptual, Goldie menciona a necessidade de ter de apresentar o que há de específico em uma percepção emocional e que falta em uma percepção estrito senso, bem como a necessidade de se dizer algo sobre a fenomenologia da emoção, as mudanças corporais e motivações.
Em síntese, a conclusão de Goldie é a de que ainda resta muito trabalho a ser feito, uma vez que cada uma das teorias acomoda em seu interior apenas alguns dos fatos ou fenômenos listados anteriormente, e consegue elucida-los em graus variados de adequação (GOLDIE, 2007, p. 936). Esta conclusão aponta para a direção de que sejam procuradas outras formas de compreender as emoções e que sejam mais inclusivas e, portanto, teoricamente mais satisfatórias. Interessantemente, apesar de já no final dos anos vinte ter destacado a importância decisiva da dimensão afetiva para a compreensão da experiência humana e ter desdobrado uma fenomenologia dos afetos, o nome de Martin Heidegger sequer é mencionado neste contexto.. Deixando de lado o problema das razões que eventualmente justificariam esta omissão, a seguir será reconstruída em linhas gerais a fenomenologia da afetividade conforme desdobrada por Heidegger em Ser e Tempo, que segundo uma linha interpretativa permite destacar o reconhecimento da importância das emoções em termos de seu caráter revelador (WEBERMAN, 1996).
O ponto de partida da analítica da existência de Ser e Tempo é a elaboração de uma fenomenologia do modo cotidiano de ser-no-mundo (HEIDEGGER, 2009, p. 27). Apesar de este movimento parecer relativamente simples e de pouca monta, ele se efetua a partir de profundas mudanças e também implica importantes alterações em relação àquilo que poderíamos chamar de “cânone filosófico”.. Dentre estas mudanças a partir das quais emerge a analítica da existência é possível destacar a recusa de princípio de descrever a experiência humana em termos do par moderno sujeito e objeto, que para Heidegger não coincide com o “par” existente e mundo (heidegger, 2009, P. 81). Mas o que propriamente está em jogo nesta recusa? Quais são as vantagens de se adotar a estrutura do ser-no-mundo em lugar do par sujeito e objeto? E o que dizer das alterações não propriamente assumidas como ponto de partida, mas sim implicadas por estas orientações iniciais?
Em linhas gerais, o que está em jogo é descrever a experiência humana do modo como ela se dá sem impor previamente um determinado conjunto de premissas e orientações filosóficas prévias, especialmente as de matiz epistêmico e metafísico. Desse modo, Heidegger é especialmente cuidadoso na escolha terminológica, pois o mero uso descritivo de termos como “sujeito” ou “consciência” já traria consigo toda uma bagagem filosófica da tradição (HEIDEGGER, 2009, p. 43). Na cotidianidade, longe de se caracterizar como uma substância qua consciência isolada enredada em suas próprias representações, o existente humano apresenta-se como agente situado em meio a cenários práticos ou contextos intencionais com os quais já possui familiaridade e a partir dos quais os entes de seu entorno apresentam-se significativamente, com relevância e importância. Formalmente, esta familiaridade é constituída pelos três existenciais por meio dos quais o existente humano tem abertura para si, para o mundo e para os entes intramundanos. Como é bastante conhecido, estes existenciais são a compreensão de ser, o discurso e a tonalidade afetiva.
Não cabe aqui entrar nos detalhes desta reconceitualização da existência humana em termos de abertura, mas apenas destacar o componente afetivo que a constitui, pois é justamente a partir dele que se identificará em Heidegger uma filosofia das emoções para a qual elas possuem um caráter revelador. Tomando o fio condutor da cotidianidade, este traço afetivo que compõe a abertura pode ser identificado em qualquer situação, uma vez que não há comportamento intencional que não seja afetivamente matizado. Por exemplo, na lida fluída cotidiana com os entes intramundanos e convívio com os demais existentes, sempre há alguma atmosfera afetiva a partir da qual os entes do entorno se apresentam para o existente humano como entes aprazíveis, interessantes, detestáveis ou até mesmo indiferentes, pois a indiferença é também uma relação afetiva. Desse modo, é possível destacar este componente reformulando a estrutura do ser-no-mundo do seguinte modo: ser-no-mundo é ser-afetivamente-no-mundo. Mas o que propriamente são afetos para Heidegger? De que maneira é possível identificar em sua fenomenologia da afetividade da cotidianidade algo assim como uma filosofia da emoção? E, por fim, qual a relevância ontológica da dimensão afetiva do ser-no-mundo?
Formalmente, a dimensão afetiva da existência humana é interpretada por Heidegger como possuindo um caráter bidimensional: por um lado, por meio dela é demarcado o traço estrutural da existência humana que diz respeito ao seu caráter de ter sido jogada no mundo, de ter de ser em meio a contextos históricos, sociais e culturais já parcialmente previamente definidos, por outro lado, este traço existencial sempre se apresenta ou se fenomenaliza por meio de humores que justamente vinculam o existente humano com a sua situacionalidade.. Estas duas dimensões correspondem a uma distinção fundamental para Heidegger, a do âmbito ontológico, que diz respeito ao ser e as estruturas de ser, e a do âmbito ôntico, que diz respeito ao ente. Nesse sentido, afetos são para Heidegger a chave de acesso a uma dimensão ontológica estrutural da existência humana, são a ponte que permite passar do âmbito ôntico para o ontológico. Na verdade, a tese quanto ao papel ontológico dos afetos é significativamente mais forte, pois, como será visto logo adiante, há uma dimensão da existência humana, ou, para formular em termos mais próximos aos prediletos de Heidegger, há algo relativo ao ser da existência humana que só é propriamente exibido e acessado a partir de um afeto específico. Seja como for, aqui já é possível identificar que desde a perspectiva de Heidegger os afetos possuem um caráter de abertura a partir do qual algo se revela. Mas o que dizer das emoções?
Embora Heidegger não tenha elaborado uma filosofia especificamente das emoções, menos ainda sistemática à maneira como Goldie parece exigir, na literatura especializada costuma-se distinguir o que até aqui foi qualificado indistintamente como “dimensão afetiva” em termos de humores e emoções (WEBERMANN (1996), FREEMAN (2015), RATCLIFFE (2015), SACHA (2017)). O critério que justifica esta distinção é de ordem intencional: emoções possuem um correlato intencional definido, enquanto que o mesmo não se diz de humores.. Na formulação de Goldie, isso significaria dizer que Heidegger admitiria que emoções possuem objetos formais. Em sendo abertura reveladora, as emoções mostram ou apresentam algo de seus correlatos intencionais.
David Webermann foi quem propôs esta linha interpretativa, e segundo ele para Heidegger emoções são estados afetivos que têm uma função quase-cognitiva e informativa (1996, p. 384). No jargão heideggeriano, esta função informativa e quase-cognitiva é apresentada em termos de que emoções tornam algo manifesto, descobrem, abrem, desvelam ou revelam. De qualquer modo, cada um dos termos possui uma conotação informativa que sugere que Heidegger aproxima-se dos cognitivistas perceptualistas, o que terminologicamente é apresentado por Weberman como “desvelacionalismo”. Weberman elenca cinco tipos de desvelamentos possibilitados pelas emoções, mas, considerando o modo como Goldie apresenta as emoções, poderíamos dizer que emoções são multidimensionalmente reveladoras. Emoções são reveladoras em termos de:
Como é bastante conhecido, em Ser e Tempo Heidegger, por assim dizer, exercita sua fenomenologia da afetividade em uma longa e complexa análise do medo e da angústia, para a qual a seguir nos voltaremos. Segundo Weberman, o medo é interpretado por Heidegger como uma emoção e justamente o que o faz importante é seu caráter fenomenologicamente desvelador ou revelador: o medo mostra algo sobre um determinado ente, ele revela uma determinada dimensão do objeto (WEBERMAN, 1996, p. 391).. Não é de interesse aqui entrar nos detalhes da fenomenologia do medo de Ser e Tempo, suas variações como espanto, terror e horror, mas apenas destacar, em linhas gerais, o caráter revelador formal desta emoção, que é estendido por Weberman em duas direções: para toda e qualquer emoção como sendo à sua maneira reveladora e, adicionalmente, para os humores. 10
Tendo por base as cinco dimensões de desvelamento da emoção, e considerando que a dimensão fenomenológica é a que mais interessa a Heidegger, neste ponto é possível considerar o caráter fenomenologicamente revelador dos humores em geral e da angústia em particular. Comparativamente à emoção, o humor é aparentemente não-intencional, pois ele não teria um objeto específico, como seria o medo de uma aranha, que teria nela o seu correlato intencional. Se isto for assim, então a fenomenologia dos humores de Ser e Tempo enfrentaria algumas dificuldades significativas. Felizmente, a solução para o possível problema está bastante próxima de nós: o em relação a quê o humor se dá somos nós mesmos, e, na medida em que o existente humano é ser-no-mundo, o humor é algo assim como uma atmosfera afetiva que compreende os entes em sua totalidade. Do ponto de vista filosófico, o humor é a dimensão afetiva que possibilita justificar a tese existencial de que estamos jogados em um mundo e sempre relacionados afetivamente com entes, pois através do humor o mundo enquanto tal é aberto.
Especificamente em relação à angústia, é possível afirmar que o seu caráter revelador é especialmente importante filosoficamente, ao menos para uma filosofia que coloca para si a tarefa de elaborar uma analítica da existência, como é o caso de Ser e Tempo. A razão desta relevância é que por meio da angústia se abre e é possível mostrar ou revelar a dimensão finita e estruturalmente negativa da existência humana (que são longa e detidamente apresentadas no parágrafo §40 da primeira Divisão e na primeira parte segunda Divisão). Não cabe aqui reconstruir a longa e complexa fenomenologia da angústia elaborada por Heidegger, mas apenas mencionar que ela cumpre um papel meta-filosófico decisivo no interior da analítica da existência, pois com a angústia a familiaridade constitutiva da cotidianidade cai por terra e, com isso, se abre a possibilidade de explorar uma dimensão do ser-no-mundo que até então permanecia encoberta. Ou seja, o caráter revelador das emoções em geral, e dos humores em particular, permite revelar dimensões da experiência humana que só podem ser acessadas pela via afetiva. Sobre este ponto caberia colocar, por fim, o problema da morte: de que maneira seria possível compreender a própria morte sem ao mesmo tempo ter uma resposta afetiva? Se uma das tarefas da filosofia é elaborar a ontologia fundamental, e se há uma dimensão da realidade acessível apenas afetivamente, então afetos, sejam humores ou emoções, assumem relevância meta-filosófica irredutível, uma vez que são a chave de acesso para uma dimensão, mesmo que parcial, do ser.