Resumo: Nesse ensaio destacamos alguns elementos do horizonte filosófico diltheyano para pensar a educação. Dilthey se insere no território da educação, via pedagogia, pois considerava que a filosofia representa um instrumento teórico que serve de guia para a ação social do homem ou, em outras palavras, para a atividade pedagógica. Segundo nossa perspectiva, a educação é o principal objetivo da filosofia, pois a formação humana tem culminância no filosofar e este é efeito daquela, além disso, a filosofia diltheyana faz sua reflexão sobre pedagogia e sua cientificidade possível, tendo como contexto o confronto com o positivismo do século XIX e a fundação das ciências do espírito em contraposição às da natureza. É nesse sentido, que o problema da consciência histórica - e sua finitude, articula a autonomia da pedagogia, sem a influência do empirismo científico e as exigências da pedagogia tradicional.
Palavras-chave:HermenêuticaHermenêutica,DiltheyDilthey,Ciências humanasCiências humanas,PedagogiaPedagogia,EducaçãoEducação.
Abstract: In this essay we highlight some elements of the Diltheyan philosophical horizon to think about education. Dilthey is inserted in the territory of education, via pedagogy, because he considered that philosophy represents a theoretical instrument that serves as a guide for the social action of man or, in other words, for pedagogical activity. According to our perspective, education is the main objective of philosophy, since human formation has culmination in philosophizing and this is an effect of that, in addition, Diltheyana philosophy makes its reflection on pedagogy and its possible scientificity, having as context the confrontation with the positivism of the nineteenth century and the foundation of the sciences of the spirit as opposed to those of nature. It is in this sense that the problem of historical consciousness - and its finitude - articulates the autonomy of pedagogy, without the influence of scientific empiricism and the demands of traditional pedagogy.
Keywords: Hermeneutics, Dilthey, Human sciences, Pedagogy, Education.
Artigos
Estudo a partir da fundamentação das ciências humanas em Dilthey: implicações para a educação
Study from the foundation of the human sciences in Dilthey: implications for education
Recepção: 20 Agosto 2019
Aprovação: 15 Outubro 2019
Autores indicam que, no contexto do século XIX, a pergunta pelo método mais adequado para as ciências humanas constituiu a agenda dos debates nas ciências (SCHNADELBACH, 1984; GADAMER, 1987, 2007; AMARAL, 1994, BAMBACH, 1995; RAMOS, 2000; PALMER, 2006; CASANOVA, 2010, entre outros). O que subjaz a esta pergunta, hoje temos clareza, é outra, sendo a mesma, ou seja, aquela pela ciência, suas possibilidades, mas, espacialmente, seus limites de atuação. Pois, o que emergia no horizonte do pensamento europeu era uma virada paradigmática com repercussões profundas no entendimento de ciência e seu objeto de estudo. O que acontecia naquele recorte temporal, esgaçado pelo idealismo absoluto (SCHNADELBACH, 1984) era uma crise de legitimação (SCHNADELBACH, 1984; BAMBACH, 1995) dela mesma enquanto saber absoluto determinado na relação s-o.. E, mais ainda, a distinção fundamental entre explicação e compreensão, distinção esta oriunda da própria diferenciação entre as ciências que já não seriam apenas aquelas conhecidas na tradição até então e denominadas ciências da natureza. Algumas coisas se explicam outras precisam se conformar aos limites da compreensão. Esta delimitação foi tão profunda que ainda surte, em nosso contemporâneo, efeitos discursivos. e No cenário alemão, em meio às disputas da Escola Histórica, Wilhelm Dilthey (1833-1911) desenvolveu uma epistemologia para fundamentar o que chamou de “Ciências do espírito”/Geisteswissenschaten, com base na psicologia, e contribuir para o entendimento da própria história como um campo de conhecimento. Dilthey indica a necessidade de uma compreensão da vida em suas complexas estruturas de sentido: há uma estrutura na vida humana constituída de unidades psíquicas, formada por nexos, algo dado originariamente pela relação eu e meio (AMARAL, 1994).
Logo,
Dilthey deseja fornecer uma filosofia de todo o homem, e acreditar na totalidade de sua realidade psicológica e histórica: assim, a psicologia, a história do desenvolvimento e a filosofia transcendental entram em uma associação característica. A tese central de Dilthey é que as ciências humanas (Geisteswissenschaff) devem ser fundamentadas na conexão da experiência vivida. (SCHNADELBACH, 1984, p. 58)
De acordo com Schnädelbach, há evidentes diferenças entre os métodos devidos a cada uma dessas duas áreas, as da natureza e as do espírito. Dilthey (2010, p. 88) nos esclarece que:
[...] as ciências humanas foram influenciadas por toda parte pelas ciências naturais, pois como essas ciências desenvolveram mais cedo os seus métodos, operou-se em ampla escala uma adaptação desses métodos às tarefas das ciências humanas. Isso vem à tona de maneira particularmente clara em dois pontos. Na biologia, foram descobertos os métodos comparativos, aplicados em seguida às ciências humanas sistemáticas em uma escala cada vez maior, e os métodos experimentais que a astronomia e a fisiologia tinham desenvolvido foram transmitidos à Psicologia, à estética e à pedagogia. Ao agir para a solução de tarefas particulares, o psicólogo, o pedagogo, o linguista ou o esteta continuam hoje frequentemente se perguntando se os meios e métodos descobertos nas ciências naturais para a resolução de problemas análogos podem ser úteis para o seu próprio campo.
A análise observacional dos objetos exteriores exige que o cientista da natureza empregue procedimentos totalmente diferentes dos utilizados nas ciências do espírito.. A filosofia diltheyana tem como foco principal colocar na base da prática filosófica a plena experiência da realidade propriamente dita e não uma abstrata especulação. Para o autor, tanto o empirismo positivista quanto Kant apoiam-se na abstração: ambos, ao realizarem diferentes opções, mutilam e fragmentam a experiência plena, conforme ocorre com o indivíduo verdadeiro e inteiro..
Em se tratando dos princípios epistemológicos e filosóficos, Dilthey buscava um tipo de conhecimento científico novo em relação às ciências da natureza/Naturwissenschaten. Nos termos do filósofo:
As ciências que apresentam o universo sócio histórico tal como seus princípios de análise procuram, mais a fundo do que em outro momento, as afinidades sistemáticas entre elas do mesmo jeito que os seus elementos fundantes. Condições no interior de muitas ciências positivas estão operando neste sentido relacionadas aos aspectos determinantes surgidos a partir dos motins na vida social, a partir de Revolução Francesa. O entendimento dos fundamentos da sociedade, das ações que têm ocasionado estas revoluções e dos aspectos da sociedade a fim de suscitar o andamento benéfico, tem se transformado em x objeto de atenção vital de nossa sociedade. Portanto, relativas às ciências da natureza, é progressivo a influência das ciências que atuam diretamente sobre a civilização. (DILTHEY, 2010, p. 56)
Sob esta perspectiva, impõe-se a escolha de uma área particular para as ciências do espírito, devido à necessidade de transmitir a certos organismos humanos e animais, levando-se em consideração as suas expressões sociais, um fato psíquico semelhante ao que nos fornece a nossa própria experiência com o mundo. Destacam-se dois aspectos importantes nessa dimensão espiritual e psíquica: primeiro, ela ocorre como realidade externa de fenômenos da experiência interior a outros seres humanos, o que torna possível o estabelecimento de conexões com o mundo espiritual coletivo.. Ademais, o mundo espiritual possui categorias que diferem do mundo natural, seus fenômenos aparecem a todo o momento, impregnados de nexos e valores finalistas, tudo se acha tangido por intenção. Assim sendo, nesse mundo, as categorias de causalidade e substâncias, que fundamentam a teorização das ciências naturais..
Ainda que, para as ciências do espírito, certas características do método científico-natural possam funcionar como subsidiárias, há evidentes distinções entre os procedimentos metodológicos pertinentes a cada uma das áreas. Já nas ciências do espírito, o uso dos cálculos matemáticos é subordinado à descrição, à análise e aos métodos de comparação, o que nas ciências da natureza é substituído pela indução, pela matematização e pelo experimento.
Assim sendo, consistem em uma drástica diferença de atitude metodológica, pois a metodologia das ciências naturais parte da explicação mediante a elucidação das conexões de causa; já as ciências do espírito têm como base a “compreensão”, no sentido de absorção de sentidos.. As ciências da natureza conseguem se bastar na explicação em vista da regularidade e previsibilidade de seu objeto, sua autocertificação emerge deste fato. Entretanto, da mesma maneira que, por exemplo, é possível explicar a vermelhidão do rosto de uma pessoa pela vasodilatação gerada por mudanças hormonais, é possível ainda compreendê-la como sinal de raiva ou pudor em um contexto real. Na primeira situação, criam-se “representações” abstratas do fato observado; na segunda, obtém-se deles a “experiência” ou a “vivência”.Tal consideração de um grau de conhecimento imanente, não refletido e originário da vivência, revela como a “filosofia da vida” orientou Dilthey..
Em A construção do mundo histórico nas ciências humanas10, Dilthey lança a pergunta fundamental para um novo paradigma científico: “Como é possível o conhecimento nas ciências humanas?” (DILTHEY, 2010, p. 326). Segundo ele, “Aquilo que constitui ou fundamenta as ciências humanas compõe-se a partir de vivências e conceitos que a elas se ligam.” (p. 326, destaque nosso).
A “compreensão de si próprio” e a “vivência”, no seu sentido de reciprocidade, constituem as bases para a percepção do outro. As informações da averiguação hermenêutica consistem sempre em “manifestações da vida”, ou seja, expressões de uma vida interior que nos liga a ela, de modo que podemos acessá-la.11 Não é preciso que essas expressões possuam o propósito consciente de dizer alguma coisa; a compreensão é possível sempre, em qualquer situação.
[...] o ponto de partida da vida e da conexão permanente com ela formam o primeiro traço fundamental na estrutura das ciências humanas; já que as ciências humanas repousam sobre a vivência, a compreensão e a experiência de vida. Essa relação imediata, na qual se encontram a vida e as ciências humanas, conduz, nesta ciência, a um conflito entre as tendências da vida e a sua meta científica (DILTHEY, 2010, p. 95).
Não são os acontecimentos retirados da experiência e posteriormente inseridos em uma referência valorativa que sustém a edificação do mundo histórico, mas são os fatos cuja base é, antes de tudo, a historicidade interior, particular da experiência. O pensamento iniciado na experiência vivida é continuado pelas ciências históricas. Não é necessário se fundamentar na ideia de que nossos conceitos coincidem com o “mundo exterior”, já que o mundo histórico é, em todos os casos, um mundo formado e conformado pela espiritualidade dos homens.12
Dessa forma, o filósofo entendia que as ciências da natureza podiam somente explicar fenômenos vistos a partir da comparação com outros, conforme as leis naturais. Além disso, para ele, no referente à natureza interior dos processos analisados e das coisas, essas leis não significam nada. No limite de sua própria compreensão, Dilthey vê um sentido escondido por trás de cada ação humana observável, alguma coisa interna, que permite a compreensão das ações dos homens, em se tratando de desejos, sentimentos e pensamento. É possível conhecer não somente o que um ser humano realiza, mas também as memórias, as vivências e os julgamentos valorativos que o fizeram comportar-se de tal ou qual jeito.
Assim notamos também neste ponto uma diversidade radical entre as ciências naturais e as ciências humanas. Nas primeiras, o isolamento de nosso trânsito com o mundo exterior emerge a partir do pensamento científico-natural, cujas capacidades produtivas são esotéricas. Nas ciências humanas, conserva-se uma conexão entre ciência e vida, segundo a qual o trabalho formador de pensamentos da vida permanece a base para a criação científica. (DILTHEY, 2010, p. 97)
Assim, nessa área, diferentemente das ciências naturais, o conhecimento não é apenas externo e fenomenal. Existem transições em que as assimilações levam aos pensamentos, esses levam aos sentimentos e esses, por fim, levam às ações e aos desejos. Essas ligações formam as “estruturas” da personalidade de cada indivíduo, de forma que a compreensão delas é o caminho para a compreensão mais ampla dos processos ocorridos na história. É em razão de os seres humanos se comunicarem entre si que suas experiências podem ativar sentimentos e pensamento e gerar ações por parte de outros e, assim, o modelo “estrutural” de cada indivíduo se divide e se subdivide e passa a ser o padrão de vida de uma civilização inteira, de nações ou de grupos sociais. A história consistiria em um contínuo processo de interações dessa natureza e, para compreender um fato isolado, ou uma ação ou uma expressão, seria necessário percebê-las em uma relação.13
Para o filósofo, os seres humanos vivem sob certas condições que não podem ser concebidas em leis gerais, tanto de grupos sociais quanto da psique humana. O homem, para a filosofia, é inteligível enquanto indivíduo e desperta interesse devido à sua singularidade e individualidade.
Assim notamos também neste ponto uma diversidade radical entre as ciências naturais e as ciências humanas. Nas primeiras, o isolamento de nosso trânsito com o mundo exterior emerge a partir do pensamento científico-natural, cujas capacidades produtivas são esotéricas. Nas ciências humanas, conserva-se uma conexão entre ciência e vida, segundo a qual o trabalho formador de pensamentos da vida permanece a base para a criação científica. (DILTHEY, 2010, p. 102)
A existência humana fornece dados e todas as vivências do homem e as suas práticas são atravessadas por julgamentos, valores, significados, preferências e escolhas. Por conseguinte, a ciência dedicada a perscrutar a existência humana precisa reunir o maior número de disciplinas variadas e segmentadas, de modo que nenhum princípio ou método possa regê-la. Assim, ela dependeria das competências de um investigador para compreender o modelo “estrutural” da experiência e, a partir disso, considerar as ações humanas mediante um olhar do interior. Esta compreensão da complexidade das ciências humanas que nos deixou Dilthey é um ponto significativo para a educação escolar e a elaboração de seus currículos. Não há como pensar a educação e suas pedagogias sem uma interconexão de áreas de conhecimento.
É possível afirmar que o pensamento filosófico diltheyano, na abordagem da ciência, parte da noção de experiência, ainda que o teórico não admita ser empiricista. Dilthey diz que sua abordagem é mais do que empiricista, é empírica. Ou seja, o ponto de partida da filosofia são as experiências fornecidas de imediato, denominadas “fatos da consciência”; contudo, não deve deslindar tais fatos segundo seu mecanismo causal e ou sua gênese, conforme ocorre no empiricismo.14 A filosofia deve, sem preconceitos, apreciar os fatos da consciência como informações últimas do enfoque da experiência e da análise empírica, pois, para Dilthey, essa tarefa é de natureza filosófica e deve fugir não só às interpretações de causa da experiência do mundo como às teorizações do conhecimento.
Dilthey busca solucionar o antagonismo entre realismo e idealismo mediante um tipo de psicologia filosófica que examina os fenômenos da mente. Dilthey mostra que o objeto de análise das ciências é a realidade da experiência do homem como um todo. Ao caracterizar as ciências humanas como ciências do espírito, o filósofo indica determinados problemas no emprego da palavra; Geist (espírito) pode fornecer uma ideia errônea do objeto foco das ciências humanas, já que elas, conforme compreende Dilthey, não podem distinguir a unidade psicofísica do homem dos fatos do espírito humano. Nessa concepção, o homem é tomado como unidade vital:
A comunhão entre as unidades de vida mostra-se, então, como o ponto de partida para todas as relações entre o particular e o universal nas ciências humanas. Atravessa toda a apreensão objetiva do mundo espiritual essa experiência fundamental de comunhão, uma experiência na qual a consciência do si próprio uno e a consciência da igualdade genérica com os outros, a mesmice da natureza humana e a individualidade estão ligadas umas às outras. É essa experiência que forma o pressuposto para a compreensão. (DILTHEY, 2010, p. 101)
Portanto, qual seja a aproximação de Dilthey e da sua ideia de compreensão, a investigação psicológica parte da totalidade da vida psíquica do homem e leva em consideração as funções voluntaristas, emocionais e cognitivas que nela operam. Os raciocínios representacionais e cognitivos não devem ser colocados à parte da vida psíquica do ser humano.
Segundo Dilthey (2010, p. 48), assim como uma abordagem psicológica, uma abordagem histórica do ser humano leva a elucidar até mesmo o conhecimento e seus conceitos, como causa, substância, tempo e mundo externo, segundo inumeráveis poderes de uma entidade que pensa, sente e deseja. O autor afirma (2010, p. 51) que:
Pensamento, sentimentos e desejos são comente elementos distinto no processo da vida real. Questões filosóficas não ser solucionadas por meio da asserção de um a priori inflexível, mas somente por meio da criação de uma metodologia histórica embasada na completude do ser.
Assim, a experiência dos homens é tomada como constituída por vivências. São experiências históricas e, em razão disso, todas as ciências devem fazer referência a elas. Tal ponto de vista mostra que Dilthey considera o objeto das ciências humanas como fornecido de imediato, quer dizer, antes que obtenhamos qualquer conhecimento científico sobre o objeto, ele é experimentado primeiro na consciência15. Trata-se de um tipo de compreensão intuitiva da vida comum e que possibilita de forma não problemática, uma aproximação por parte das ciências humanas, das vivências humanas.
Ao contrário de explicar a relação do mundo com o self, enquanto representacional primeiramente, tendendo a conceber o mundo como um construto ideal cuja realidade precisa ser distinguida, o filósofo alemão diz que essa relação teórica provém de uma relação empírica em que o mundo é, em sentido teórico e prático, diretamente real. Porém, parece-nos que para Dilthey as duas áreas da ciência, a humana e a natural, originam-se dos nexos-vida. O mundo externo gera sua realidade experimentada nos nexos-vida, enquanto dado na completude de nossa consciência, por sua resistência ao nosso desejo. Isto é, na concepção de Dilthey, as ciências humanas são menos derivativas que as ciências da natureza. A realidade dos nexos-vida é, em sentido prático, preservada pelo mundo das ciências humanas. Nas ciências naturais, o êxito da explicação é ambíguo para Dilthey, haja vista sua supressão de tudo que não pode ser mensurado, o que faria com que as relações funcionais tomassem o posto das categorias metafísicas de causalidade e de substância (DILTHEY, 2010, p. 55).
Dilthey é, portanto, um dos primeiros a suscitar a urgência de uma concepção fundamental nova no cenário das ideias filosóficas vistas na trajetória histórica da filosofia. Ele o faz de modo interdisciplinar, considerando a negociação de sentidos epistêmicos que traça entre filosofia, história e psicologia (não necessariamente nesta ordem de ‘importância’ disciplinar, como sabemos). Esse ponto de vista aparece em homens importantes que, a princípios, não reconheciam uns aos outros, não se conectando diretamente a não ser pelo fato de serem intelectuais que influenciaram o pensamento de sua época.16 Dilthey, em detrimento da valorização da razão, serve-se do conceito de “vida” como plenitude da mudança histórica do espírito do homem. Consiste em assentar o conhecimento não em estados apriorísticos de uma razão transcendental, mas na completude da experiência histórica. Para Dilthey, a vida se manifesta à medida que o elemento da experiência prática e espiritual está presente no mundo das experiências fenomênicas, sendo que esse aspecto efetivo necessita ser pensado em suas muitas ramificações e que necessita assemelhar-se a uma dinâmica que possa deslocar da vivência a respectiva característica e mesmo alienante, uma vez que as vivências nos dão a impressão de que a única coisa em questão aqui seríamos nós mesmos em nossa caracterização própria. Essa dinâmica equivalente se vale, portanto, de certo aspecto proveniente da forma de se constituir das vivências.
Para Dilthey as vivências se constituem em manifestações que se relacionam com a visão de mundo de um determinado contexto histórico.17 A partir dessa relação, pode se pensar toda experiência a partir desse entrelaçamento primitivo com a experiência do mundo. Até mesmo as considerações das ciências da natureza são incapazes de revelar, senão apenas como um esforço de negação da realidade vital do homem, ou seja, há uma associação fundamental e originária para Dilthey no âmbito de vivência e da experiência do mundo. Essa filiação é entendida por Dilthey a partir da concepção de expressão. Na realidade, já que qualquer vivência está necessariamente relacionada a própria realidade mundana, todas as vivências se constituem em manifestações desse mesmo horizonte de experiências do mundo. A dificuldade é que essa manifestação das vivências no mundo traz consigo de início a peculiaridade específica das vivências, ou melhor, ela é própria das vivências. Dessa forma, se constitui em uma singular particularidade das vivências e de sua constituição conforme as manifestações expressivas do mundo, incumbência atribuída ao campo das ciências humanas que a partir das considerações de Dilthey, aliando-as a realidade fundamental do homem, levou a hermenêutica18 até um estágio de inflexão em que se prefigura, a partir da concepção de “vida”, tanto o desapego para com a questão metodológica quanto a suplantação do ponto de vista psicológico.
A partir dessa concepção de hermenêutica, podemos afirmar que Dilthey expõe um problema epistemológico que se apresenta relacionado com a impossibilidade de que se apreendam todos os elementos de sentido da história, que possam ser compreendidos como consciência própria da história. A vida decorre de um fluxo histórico e temporal, que segundo Dilthey pode propiciar que ocorra uma transposição real da noção histórica universal para o individual. A vida se desenvolve em configuração de unidades compreensíveis, tendo em vista que o indivíduo é único e compreende as unidades como tais, sendo conceitos vitais em caso da vivência em expressão e compreensão.
A passagem de conceitos vitais do indivíduo podem apresentar problemas decorrentes do próprio contexto histórico, em vista da idealidade do significado da história universal. Esta história não pode vir de categorias que sejam apenas manifestação do espírito, uma vez que sempre se tem uma nova configuração do indivíduo em expressões de vida, tendo em vista que esta se faz por meio da mobilidade e, assim, tais conceitos precisam estar em acordo com esse entendimento, segundo expõe Gadamer. Nessa mesma linha de raciocínio, Gadamer questionou a possibilidade de transpor conceitos que envolvem o nexo da experiência vital em uma condição do nexo histórico que nem sempre pode ser vivido nem experimentado apenas por um indivíduo. Dessa forma, a consciência histórica que Dilthey pressupõe se aplica ao universal, diante de que os registros da história se apresentam como manifestações da vida e o que esta compreende. Assim, o filósofo acaba por chegar ao mesmo problema que se tem ao ser conduzido em um círculo hermenêutico.
Nesse sentido, o problema que Dilthey apresenta implica entender como o conceito de consciência histórica pode conduzir a uma teoria que se associa com a historicidade e a temporalidade da própria experiência histórica, em busca de evitar que se tenha uma ciência objetiva e que de forma concomitante possa seguir um modelo que seja entendido como epistemológico, que tanto envolveu os pensadores da Modernidade. Diante destas constatações, Dilthey parece não ter exposto fundamentos que possam ser vistos como claros, conforme expôs Gadamer, ao tratar a experiência histórica como condição determinante para que a reflexão acerca da história se associe unicamente com a questão do nexo histórico.
Dessa forma, a hermenêutica foi inserida por Dilthey no contexto da interpretação de estudos, mesmo que este autor tenha continuado a busca por uma ideia de possibilidade de conhecimento que seja válido como aspecto objetivo para a história, ou seja, em uma perspectiva de regularidade do desenvolvimento da vida ao longo da história.
A hermenêutica passa a ser vista como uma tensão de objetivos em ampliação de horizontes, em uma metodologia que pode ser direcionada para as ciências do espirito em uma busca da objetivação da história. Esta perspectiva de Dilthey propiciou sérias consequências para a reflexão que fez, uma vez que ele acabou por incorrer em contradição, deixando margem para se falar de uma experiência que implique a adoção de paradigma cientifico para as ciências do século XVII. Dilthey parece ter defendido a noção de um espírito absoluto da mesma forma que ele criticava em Hegel.
Esta perspectiva demonstra que Dilthey acabou por expor dois conceitos relacionados com o saber, sendo um visto como finito e outro como absoluto, o que propicia conduzir à ideia de relatividade e de totalidade, bem como a noção de que possa ter um condicionamento de pessoas ao seu contexto histórico ou mesmo em sua finitude em noção de superação. Assim, em uma forma de consumação que se relaciona com a verdade e consciência. Decorre, desta posição crítica de Gadamer (1997), que se têm entendimentos contraditórios em reflexões epistemológicas das ciências em um ponto de partida, consequência da filosofia da vida. Nesse aspecto, o conceito de vida se mostra como fundamento epistemológico do conhecimento objetivo da história que tem valor universal, o que implica, em um primeiro momento, negar a experiência de finitude que se vincula com o objetivo universal da história em admitir uma objetividade que as ciências do espírito podem não vir a sustentar.
No primeiro aspecto, não se sustenta tal caráter objetivo, perante a condição de que não há como analisar tudo de forma histórica, mas nem sempre o indivíduo está consciente e é capaz de fazer um exame daquilo que vivencia. Em um segundo aspecto, esta compreensão implica que a experiência histórica, a qual a interpretação se associa, pode pensar o passado histórico em deciframento de regras que implicam a exegese.
Diante destas limitações expostas, deve-se, ainda, considerar as contribuições que o pensamento de Dilthey apresentou para a hermenêutica, o que propicia retomar um caminho em atender objetivos que possam parecer distintos do que inicialmente o autor havia proposto por meio da consciência histórica que apresenta. Assim, a reflexão acerca do pensamento de Husserl perante a fenomenologia se apresenta relevante, tendo em vista que este autor buscava ultrapassar o problema epistemológico da compreensão, abrindo com isso uma nova forma para a Filosofia, em uma crítica ao objetivismo da filosofia tradicional que Dilthey propôs. Nesse aspecto, a vida pode ser compreendida como essência, em categorias que podem se apresentar como diversas ao conhecimento da natureza, uma vez que o momento decisivo implica o fato de que certas categorias não são aplicadas à vida, por serem percebidas como algo que pressupõe a essência da própria vida; sendo esta uma expressão abstrata, como ponto exclusivo da própria compreensão da vida, uma vez que a própria vida surge como presente em um processo, que envolvem as ligações do todo com as partes.
A reflexão acerca do pensamento de Dilthey se apresenta relevante, tendo em vista que Dilthey buscava inserir a compreensão no horizonte epistemológico, abrindo com isso novos horizontes para a filosofia e, segundo a nossa interpretação, também para se pensar a educação.
Nesses termos, Dilthey se insere no território da educação, via pedagogia, pois considera que a filosofia representa um instrumento teórico que serve de guia para a ação social do homem ou, em outras palavras, para a atividade pedagógica. A educação é o principal objetivo da filosofia, e dessa forma a filosofia de Dilthey sobre a vida se relaciona com a formação humana.
No texto de 1888, Sobre a possibilidade de uma ciência pedagógica de validade universal, Dilthey faz sua reflexão sobre pedagogia e sua cientificidade, tendo como contexto o confronto com o positivismo do século XIX e a fundação das ciências do espírito em contraposição às da natureza.
De fato, tanto as “ciências do espírito” quanto às preocupações centrais do autor convergem quando o assunto é a pedagogia, principalmente perante a necessidade de encontrar uma validação universal postulada pela ciência, e também diante da angústia de experiências individuais sensíveis. Na obra citada, Dilthey buscou uma solução sobre o posicionamento da pedagogia-ciência no relacionamento da vida e história, em que foi apresentada a possibilidade de uma ciência pedagógica de forma universal, ou seja, quando se relacionam com a descrição, estabelecimento e análise de regras, há possibilidade de almejar um caráter de segurança rigorosa; e também quando interagem com uma base universal segura devido à perfeição dos processos que estão unidos pela teleologia na vida psíquica. Portanto, faz-se necessário reconhecer a diversidade das histórias dos povos e demandas dos Estados, para que anteriormente seja possível o estabelecimento dos princípios, modalidades e finalidade para os sistemas de ensino e educação, e para as validades universais. Descartaram-se teorias abstratas da pedagogia por não apresentarem condições para definir sua validade universal.
Dilthey tentou consolidar a autonomia da pedagogia, sem a influência do empirismo científico e as exigências da pedagogia tradicional. Dessa forma, o autor se insere na tradição do pensamento pedagógico pois desenvolve uma forma de entender a pedagogia como disciplina científica, isto é, como uma "ciência da educação". Além disso, o autor pensa a formação sempre em ligação com o cultural e, sendo assim, estabelece fundamentos de raízes filosóficas para a pedagogia, nesse sentido, além do debate epistemológico, provoca uma relação filosófico-pedagógica.
Podemos perceber essa contribuição de Dilthey também no seu texto Fundamentos de un sistema de pedagogia (1949, p. 22), onde o autor afirma que a psicologia deve ser capaz de analisar, como ciência da experiência, as complexas relações causais de conjunto de vida, permitindo ver como diferentes processos convergem, o que está em conexão com o histórico. Segundo Dilthey, a pedagogia sofre sob uma derivação puramente psicológica ou para o desenvolvimento da organização escolar decretada pelo Estado; ainda não existe uma ciência indutiva da pedagogia. Para Dilthey (1949, p. 23), o menosprezo atual em relação a essa ciência é com base no fato do problema insolúvel de desenvolver dedutivamente em bases psicológicas todo um sistema de Pedagogia.
A vida psíquica, da qual depende a educação, não pode ser abordada por uma dedução que a revitaliza. O projeto filosófico de Dilthey determina que a pedagogia deva ser uma ciência indutiva, então, aspirar a entender o ideal de formação de cada povo, levar em conta a maneira que as ciências do espírito começaram a estabelecer um limite diferente para a pedagogia desde a sua fundação e considerando suas imersões na vida.