Resenhas

Conversa com senhor de Sacy sobre Epiteto e Montaigne e outros escritos, de Blaise Pascal

Cláudia Souza
Universidade de São Paulo, Brasil

Conversa com senhor de Sacy sobre Epiteto e Montaigne e outros escritos, de Blaise Pascal

Griot: Revista de Filosofia, vol. 13, núm. 1, pp. 458-460, 2016

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Recepção: 14 Dezembro 2015

Aprovação: 16 Abril 2016

Em Janeiro de 1655, Blaise Pascal se recolheu em Port-Royal des Champs, em um retiro religioso que contou com o Sr. de Sacy como seu diretor espiritual. Durante esse retiro Pascal expôs ao Sr. de Sacy a sua admiração e reflexão sobre a filosofia de Epiteto e de Montaigne. O filósofo francês não redigiu um texto sobre essas conversas com seu diretor espiritual, mas Nicolas Fontaine, secretário do Sr. de Sacy, registrou esse diálogo em suas MemóriasConversa de Pascal com o Senhor de Sacy sobre Epiteto e Montaigne.

A filosofia de Pascal é conhecida principalmente a partir dos seus Pensamentos, um conjunto de fragmentos, que embora possuam um forte teor religioso/cristão, apresentam também uma complexa reflexão sobre a condição humana. As reflexões de Pascal acerca do que poderia definir o ser humano são tão profundas e instigantes que provocaram a admiração de um dos mais ferrenhos e polêmicos inimigos do cristianismo: o filósofo alemão Friedrich Nietzsche.. Em uma carta a George Brandes – datada de 20 de Novembro de 1888 – Nietzsche escreve sobre Pascal: o “único cristão lógico”. Em seus escritos são numerosas as referências que Nietzsche faz a Pascal, sublinhando a importância do pensamento deste filósofo cristão no labor filosófico de Nietzsche.

Conversa de Pascal com o Senhor de Sacy sobre Epiteto e Montaigne, é um importante livro para aqueles que desejam conhecer melhor o pensamento de Pascal. Para além da discussão entre o estoicismo e o ceticismo, representados respectivamente através das filosofias de Epiteto e de Montaigne, há toda uma análise sobre o valor da filosofia. Embora o teor cristão do pensamento de Pascal aponte sempre para uma síntese religiosa, que demonstra os limites da razão e consequentemente da filosofia face à completude que só pode ser alcançada a partir da transcendência, o plano de imanência no qual o filósofo transita traz importantes contribuições sobre a condição humana e sua incessante busca pelo conhecimento. O papel da filosofia surge na alternância da duplicidade da natureza humana. Por um lado, a miséria, que coloca o homem numa posição falha, daquele que busca mas que pouco pode alcançar somente com a razão. Do outro lado, a grandeza, que fomenta a busca por uma verdade, ou por verdades, que só podem ser atingidas, de acordo com o pensamento de Pascal, a partir de uma verticalidade, da transcendência. A filosofia parece figurar como exercícios de pensamento, exercícios capazes de alargar a consciência humana e de abrirem caminho na horizontalidade para o processo de verticalização do saber, um saber que emana do divino e que escapa das representações humanas.

As reflexões de Pascal presentes no livro publicado por Flávio Loque - Conversa de Pascal com o Senhor de Sacy sobre Epiteto e Montaigne – iluminam o pensamento do filósofo francês e podem, como sugere o próprio tradutor do texto para o português, dialogar com alguns importantes fragmentos presentes nos Pensamentos. Na penúltima secção do livro - Conversa de Pascal com o Senhor de Sacy sobre Epiteto e Montaigne – há uma seleta dos Pensamentos de Pascal, fragmentos que dialogam com as reflexões apresentadas no diálogo entre Pascal e o Sr. de Sacy.

A preocupação de Pascal com a condição humana - sua grandeza, sua miséria e seus limites – está exposta neste texto traduzido por Flávio Loque, mas para além desta perspectiva, existe uma análise complexa sobre a razão e o alcance de suas luzes. No final do diálogo entre Pascal e Sr. de Sacy há, ao que tudo indica, uma consonância entre ambos: Pascal e Sr. de Sacy concordam que é preciso ter cuidado com as leituras de Epiteto e de Montaigne, pois segundo Sr. de Sacy os limites entre o veneno e o remédio são tênues e somente os bons médicos sabem extrair remédio do veneno. Sem dúvida, trata-se de uma importante análise sobre a filosofia, que em mentes inadequadas podem ser transformar em veneno, em algo tóxico e prejudicial.

Flávio Loque apresenta ao leitor na introdução importantes elementos que contextualizam o documento traduzido a partir do manuscrito original das Memórias de N. Fontaine. O rigor da tradução do texto de N. Fontaine, os importantes dados contidos na introdução, a seleta dos Pensamentos e as sugestões de leitura (presentes na última parte do livro em questão), constituem uma relevante fonte filosófica para melhor compreensão e pesquisa do pensamento de Blaise Pascal.

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