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Recepção: 26 Abril 2020
Aprovação: 04 Setembro 2020
DOI: https://doi.org//10.31977/grirfi.v20i3.1827
Resumo:
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O último livro escrito por Nietzsche, Ecce homo: como alguém se torna o que se é (1888), é uma de suas obras mais controversas, tendo sido tomada como sinal de prepotência, como autoexposição egocêntrica e como prenúncio do colapso que interrompeu sua trajetória intelectual em janeiro de 1889. As controvérsias foram alimentadas, em parte, pela peculiar narrativa encontrada no livro – ele conta a si sua vida e obra em tom elogioso e hiperbólico –, em parte, pelo fato de que a tardia publicação de Ecce homo, ocorrida apenas em 1908, favoreceu o contraste com o apócrifo A vontade de poder – reunião de anotações publicada em 1901 como ‘obra principal’ de Nietzsche. Nosso propósito neste artigo é refletir sobre as possíveis contribuições do teor ‘autobiográfico’ e ‘autocrítico’ de Ecce homo para o caminho de pensamento do filósofo alemão. Nossa hipótese é que a narrativa experimentada no livro possui uma íntima relação com temas precedentes da obra nietzschiana (sobretudo, o da perspectiva) e com a tarefa da transvaloração de todos os valores. Por meio de uma autoencenação, da colocação de um certo ‘Nietzsche’ em cena, o filósofo avança em sua crítica à metafísica – e à sua versão popular, a moral cristã – enquanto realça a mundanidade de sua perspectiva, seu caráter contingente e seu condicionamento pelas “pequenas coisas”, decisão que nos parece carregar uma relevante dimensão filosófica: Nietzsche assume a parcialidade e explicita o interesse envolvido em sua tomada de posição no seio da cultura.
Palavras-chave: Autoencenação, Transvaloração, Perspectiva, Vontade de poder, Ecce homo.
Abstract: The last book written by Nietzsche, Ecce homo: how one becomes what one is (1888), is one of its more controversial works, having been comprehended as signal of prepotency, as egocentric self-exhibition, and as presage of the collapse that interrupted his intellectual trajectory in January 1889. Controversies were fueled, in part, by the peculiar narrative developed in the book – he tells himself his life and works in an eulogistic and hyperbolical tone –, in part, by the fact that de late publication of Ecce homo, occurred only in 1908, favored contrast with the apocryphal The Will to Power – set of notes published in 1901 as Nietzsche’s ‘main work’. Our purpose in this paper is to reflect on possible contributions of Ecce homo’s ‘autobiographical’ and ‘self-critical’ tenor to the German philosopher’s path of thought. Our hypothesis is that the narrative experimented in the book has an intimate relation with previous themes of Nietzschean works (especially, that of perspective) and with the task of revaluation of all values. Through a self-staging, the placing of a certain ‘Nietzsche’ in the scene, the philosopher advances his critique of metaphysics – and its popular version, Christian morality – while accentuates the worldliness of his perspective, its contingent feature and its conditioning by “little things”, decision that seems to carry a relevant philosophical dimension: Nietzsche assumes the partiality and the interest involved in his taking a position within culture.
Keywords: Self-staging, Revaluation, Perspective, Will to power, Ecce homo.
1. “Prevendo que dentro em pouco devo dirigir-me à humanidade com a mais séria exigência que jamais lhe foi colocada, parece-me indispensável dizer quem sou” (NIETZSCHE, 2008, p. 15). Com essa afirmação, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) inicia a última obra escrita antes do colapso que, em janeiro de 1889, veio a interromper sua trajetória intelectual. Tal obra, intitulada Ecce homo: como alguém se torna o que se é (1888), uma espécie de autobiografia e de autocrítica intelectual – ou de autoavaliação, como sugere um dos subtítulos do projeto3 –, foi desde o início de sua recepção fonte de controvérsias entre os intérpretes da filosofia nietzschiana. Por um lado, isso se deve justamente ao caráter excessivamente ‘pessoal’ do escrito, algo patente já no título “Eis o homem” [Ecce homo], no “dizer quem sou” que abre o texto e na afirmação que encerra o excerto localizado entre o Prólogo e o primeiro capítulo: “E assim me conto a minha vida [erzähle ich mir mein Leben]” (NIETZSCHE, 2008, p. 19), que aponta para o fato de que o filósofo não apenas conta a sua vida, porém conta a si a sua vida, reflexivamente, olhando-se num espelho4. Por outro, a estranheza deve-se também ao tom hiperbólico expresso no título, que remete a apresentação de Jesus por Pilatos ao povo judeu antes da crucificação, nos nomes dos capítulos principais (em que o filósofo se apresenta como sábio, inteligente, escritor de bons livros e destino) e em sua aproximação das figuras de Jesus e Dioniso – numa espécie de autodivinização5.
Tendo a preparação de seu núcleo ocorrida, segundo relatos do próprio Nietzsche, entre 15 de outubro e 4 de novembro de 18886, o livro só viria a ser publicado em 1908, ou seja, após já ser notório o ‘colapso’ do filósofo. Esse acontecimento biográfico marcou, de maneira amplamente negativa, as primeiras interpretações da obra, sendo que sua ‘pessoalidade’ e ‘agressividade’ foram tomadas como sintoma dos acontecimentos que vieram a se desdobrar no início de 1889. Já sua irmã Elisabeth Förster-Nietzsche, ainda que não tenha condenado o livro em sua totalidade, afirmara que certas passagens – excluídas da obra e destruídas por ela – pareciam-lhe ser, apesar da beleza, “delírios doentios” (SOUZA, 2008, p. 112)7. Também um amigo de longa data do filósofo, Franz Overbeck, que foi a Turim buscar Nietzsche em janeiro de 1889, atribuiu Ecce Homo à loucura (cf. STEGMAIER, 2010, p.244). E, para mencionar nomes fora do círculo mais próximo de Nietzsche e leitores mais especializados, Erich Podach, em sua obra O colapso de Nietzsche [Nietzsches Zusammenbruch] (1930), interpretou o livro como obra vinculada ao colapso e, o mais notável, Giorgio Colli, coordenador e realizador da edição crítica das obras completas do filósofo, viu no escrito o “ponto em que Nietzsche perde o contato com a realidade” (COLLI, 1967, p. 452).
Nos últimos anos, entretanto, alguns intérpretes da pesquisa Nietzsche nacional e internacional têm dado ênfase à questão da narrativa empregada pelo filósofo em Ecce homo, questionando a contribuição de tal escrito para o todo de sua filosofia. Nesse contexto, o uso da escrita em primeira pessoa, o recurso a um tom biográfico e a apresentação de experiências que teriam sido por ele vivenciadas são tomados como problemas propriamente filosóficos e não mera curiosidade ou idiossincrasia. Além disso, a presença de um certo ‘Nietzsche’ no interior da obra do filósofo tem sido interpretada como uma tentativa de apresentação de um tipo psicológico, personagem ou figura de pensamento com propósitos filosóficos. Nosso trabalho está inserido nesse contexto e, mais especificamente, participa da discussão em torno da ideia de autoencenação8, a colocação nietzschiana de um ‘si mesmo’ em cena.
Nós argumentaremos, aqui, que a ideia de autoencenação é interessante para a interpretação dos passos de Nietzsche ao final de sua trajetória, uma vez que pode contribuir para a compreensão do estatuto filosófico da narrativa presente no escrito de 1888. Esse é um ponto que nos parece relevante porque no início da recepção de tais livros – sobretudo, Ecce homo e O anticristo – muito se discutiu sobre a posição desses textos na obra e, por assim dizer, os motivos do aparecimento de um forte componente pessoal e da elevação de tom. Como vimos, isso levou Eric Podach, já em 1930, e Giorgio Colli, em 1967 – no posfácio ao volume da edição crítica dos escritos de 1888 –, a designarem tais obras como produtos do colapso. Porém, ainda quando não foram explicitamente tomadas como anúncio ou prenúncio dos acontecimentos do início de 1889, o fato biográfico parece ter influenciado algumas recepções importantes dessas obras. É, nesse sentido, por exemplo, que Karl Jaspers, em sua Introdução à filosofia de Nietzsche (1936), reconhece o conjunto dos escritos de 1888 como “interrupção de uma trajetória”, que poderia tê-lo levado à formulação de uma filosofia sistemática em A vontade poder, devido a um impulso “agressivo e prepotente”9 responsável por fazê-lo “elevar o tom” com vistas a “conduzir imediatamente a crise da Europa a seu ponto mais alto” (JASPERS, 1963, p.98). É ainda nesse sentido que Curt Paul Janz, em Nietzsche: uma biografia (1978-9), caracteriza especificamente Ecce homo como obra “pós-filosófica”, que se esquivaria “a uma interpretação filosófica” (JANZ, 2016b, p. 20). Mais recentemente, Gianni Vattimo, em Introdução a Nietzsche (1985), relacionou o livro à “loucura” (VATTIMO, 1985, p. 86).
Mesmo Heidegger, que afirma, no curso A vontade de poder como conhecimento (1939), a gratuidade de se atribuir o livro à loucura e recusa tanto sua leitura por meio de qualquer tipo de psicologismo quanto como mero relato “autobiográfico”, não se ocupa realmente com Ecce homo. O escrito mostra-se útil apenas – em especial, por Nietzsche dizer-se um destino – como espécie de prova de que no pensamento nietzschiano dar-se-ia o acabamento, como ponto de culminação, da história da metafísica10. Em suas palavras:
É um procedimento gratuito e frequentemente praticado tomar essa autopublicação de sua própria natureza e vontade como o prenúncio da emergente loucura. Entretanto, Ecce Homo não é nem uma questão de biografia de Nietzsche nem da pessoa do ‘Senhor Nietzsche’. Na verdade, é uma questão de um ‘destino’, o destino não de um indivíduo mas da história da era dos tempos modernos, do fim do Ocidente. Contra sua vontade mais íntima, Nietzsche, com outros, tornou-se o estimulador e propagador da intensificação da autoanálise psicológica corporal e espiritual e da mise-en-scène do homem. [...] um fenômeno de dimensões globais [...] (HEIDEGGER, 1987, p. 3-4).
A relativa prioridade dada ao projeto de uma obra principal não realizada nessas interpretações sugere que, além do ‘colapso’, o adiamento da publicação de Ecce homo também cumpriu um papel importante para a compreensão do lugar de tal livro no todo da obra nietzschiana. Cabe lembrar que a primeira coletânea de A vontade de poder fora publicada em 1901, já Ecce homo teve sua primeira publicação em 1908, o que talvez tenha ajudado a desenhar um contraste. Enquanto A vontade de poder poderia oferecer, se não um sistema, pelo menos um pensamento assentado sobre uma tese ontológica, Ecce homo parecia talvez a atitude de um filósofo já doente e tomado por alguma espécie de egocentrismo megalômano. Apesar das profundas diferenças de acurácia intelectual, de profundidade filosófica e de propósito, Elisabeth Förster-Nietzsche, Karl Jaspers, Martin Heidegger, Curt Paul Janz e Giorgio Colli compartilham um ponto em comum: o reconhecimento de A vontade de podercomo projeto capital – irrealizado, segundo Janz e Jaspers; passível de ser remontado pelos póstumos, conforme Förster-Nietzsche e Heidegger; e talvez irrealizável (na própria autocompreensão nietzschiana), de acordo com Colli, sendo o desânimo e fastio daí derivados um dos fatores responsáveis por seu colapso. Desse ponto em comum emerge, negativamente, uma outra concordância: aquilo que Nietzsche estava, de fato, preocupado em preparar para publicação nos últimos momentos de sua trajetória intelectual possui, em maior ou menor medida, um valor filosófico inferior, não oferecendo grande contribuição para o todo do pensamento nietzschiano.
Nós, entretanto, recorrendo ao problema da autoencenação, gostaríamos de tomar uma outra direção: em vez de supor que essa ‘obra sistemática’ é uma necessidade para Nietzsche e para seu pensamento, vamos aceitar a conclusão da pesquisa histórico-filológica de Mazzino Montinari segundo a qual o filósofo abandonou o projeto de A vontade de poder: tentativa de uma transvaloração de todos os valores em agosto de 1888 e, no lugar dele, começou a pensar uma Transvaloração de todos os valores em quatro livros, projeto que viria a ser identificado com o próprio O anticristo nas cartas de novembro daquele ano (cf. MONTINARI, 1996, p. 63). Aliás, nesse contexto, um aspecto relevante é que Nietzsche reconhece, também em cartas de novembro de 1888, Ecce homo como uma espécie de “prólogo” à Transvaloração11, inserindo claramente o escrito no interior de seu empreendimento filosófico. Dessa forma, apresenta-se como questão importante a narrativa experimentada na obra, marcada pelo cinismo12 e no interior da qual ele caracteriza a si mesmo e a sua obra como um destino da cultura. De um ponto de vista “biográfico”, ele sustenta tal compreensão de si com a argumentação de que nele se expressaria tanto a vivência do adoecimento moderno quanto a possibilidade de cura de uma situação decadencial que marcaria seu tempo, como afirma no “Prólogo” de O caso Wagner (cf. NIETZSCHE, 1999, p. 10) e na segunda seção do capítulo “Por que sou tão sábio” de Ecce homo (cf. NIETZSCHE, 2008, p. 23).
Embora essa autocompreensão ou autoexposição do filósofo de sua vida seja um aspecto notável de Ecce homo, interessa-nos aquilo que ela parece-nos carregar implicitamente: a afirmação do caráter contingente do ponto de vista. Arriscaremos, então, a hipótese de que a narrativa explorada no livro significa a tomada de um caminho de pensamento, sendo a autoencenação nietzschiana não só coerente com seu percurso, como signo de uma postura filosófica: no lugar de tentar basear suas posições sobre uma tese ontológica, Nietzsche se encaminharia à demonstração de sua perspectiva voltada a este mundo, encenando a proveniência da mesma de uma vida contingente enraizada num universo cultural. Para tanto, cabe fazer-se algumas observações sobre o tema da perspectiva, pois, como ele escreve, é exatamente a capacidade de deslocar perspectivas que o capacitaria a uma transvaloração:
Da ótica do doente ver conceitos e valores mais sãos, e, inversamente, da plenitude e certeza da vida rica descer os olhos ao secreto lavor do instinto de décadence — este foi o meu mais longo exercício, minha verdadeira experiência, se em algo vim a ser mestre, foi nisso. Agora tenho-o na mão, tenho mão bastante para deslocar perspectivas: razão primeira porque talvez somente para mim seja possível uma “transvaloração dos valores” (NIETZSCHE, 2008, p. 22).
2. Apesar do aparecimento da noção de perspectiva [perspektive] intensificar-se apenas em 1886, alguns problemas à ela ligados – como a dimensão ficcionalista do intelecto – estão presentes no pensamento nietzschiano desde seus escritos de juventude, de modo particularmente evidente em Sobre verdade e mentira no sentido extramoral (1873). Tal escrito inicia-se com a descrição do intelecto humano como um instrumento que permite que uma espécie animal dê vazão à sua existência e que foi incautamente tomado como chave para a explicação do mundo. É significativa a afirmação que encerra o primeiro parágrafo do texto: “se pudéssemos pôr-nos de acordo com o mosquito, aprenderíamos então que ele também flutua pelo ar com esse pathos e sente em si o centro esvoaçante deste mundo” (NIETZSCHE, 2008b, p. 26). Parece-nos que ao arriscar um paralelo entre a autocompreensão humana e o modo como outro animal se coloca no mundo, Nietzsche busca ressaltar que cada forma de vida organiza o mundo de modo a viver nele, e na medida em que só o conhece a partir de seu ponto de vista pode sentir ter algum privilégio explicativo do fundamento da existência em geral. O filósofo encaminha-se, então, a uma concepção mais modesta tomando o intelecto e o pensamento abstrato como frutos não de uma proveniência superior, mas da mundanidade humana, enquanto espécie que necessita da grege para sobreviver.
Em Humano, demasiado humano (1878), Nietzsche prossegue nessa direção com a redescrição do ser humano, incluindo no âmbito ‘espiritual’, em seu vir-a-ser, o que o leva a ressaltar que nem a “faculdade de cognição” e as funções lógicas, nem os sentimentos morais e estéticos carregam algum tipo de verdade eterna ou a possibilidade de descoberta desse tipo de verdade (cf. NIETZSCHE, 2005, p. 16s, p. 25s). Desse modo, as categorias intelectuais – por exemplo, a unidade e a identidade – e os valores compartilhados por seres humanos são tomados em seu devir histórico e descritos, ainda que somente com hipóteses, mundanamente – em seu vínculo à terra e à cultura. A transposição de ‘sentimentos’ e pressupostos linguísticos e lógicos para a estrutura profunda do existente seria, então, uma hipostasiação de nosso modo demasiado humano de estar no mundo que leva a uma antropomórfica determinação do em si de maneira mais ou menos dogmática13. Sem refutar a existência de um ‘mundo metafísico’, Nietzsche se aprofunda na via kantiana, aceitando que só se pode falar positivamente de nossa relação com as coisas e não de coisas em si. Em tal contexto, demarca que, após o empreendimento crítico, o “mundo metafísico” aparece como algo com “propriedades negativas” (NIETZSCHE, 2005, p. 20), restando dotá-lo de características extraídas por contraste ao fenômeno– tal verso ou outro do mundo seria lugar da liberdade (contra necessidade), da unidade (contra multiplicidade) e da eternidade (contra transitoriedade).
Todavia, diferentemente de Kant e outros filósofos críticos (por exemplo, Afrikan Spir), Nietzsche nota que as categorias sedimentadas na percepção não são verdades eternas, mas conformações brotadas num vir-a-ser terreno – aproximando-se das tentativas de naturalização das faculdades humanas de neokantianos como Friedrich A. Lange14. Essa mundanização da perspectiva ganha contornos bem claros em A gaia ciência (1882). Uma sequência de aforismos interessa-nos particularmente. O primeiro, de número 111, carrega o título “Origem do lógico” e apresenta a hipótese de que as ideias de igualdade e substância – fundamentais para a lógica – estão ligadas às condições de existência do ser humano, ou seja, são elementos que fazem parte de sua sobrevivência, um modo de se relacionar com o mundo que o permite dar vazão à vida15. Portanto, Nietzsche sugere que categorias fundamentais que compõem o pano de fundo da história da metafísica podem ser lidas como parte do processo evolutivo da espécie:
Quem, por exemplo, não soubesse distinguir com bastante frequência o “igual”, no tocante à alimentação ou aos animais que lhe eram hostis, isto é quem subsumisse muito lentamente, fosse demasiado cauteloso na subsunção, tinha menos probabilidade de sobrevivência do que aquele que logo descobrisse igualdade em tudo o que era semelhante. [...] Do mesmo modo, para que surgisse o conceito de substância, que é indispensável para a lógica, embora, no sentido mais rigoroso, nada lhe corresponda de real – por muito tempo foi preciso que o que há de mutável nas coisas não fosse visto nem sentido; os seres que não viam exatamente tinham vantagem sobre aqueles que viam tudo “em fluxo”. Todo elevado grau de cautela ao inferir, toda propensão cética, já constitui um grande perigo para a vida (NIETZSCHE, 2012, p. 130).
Na verdade, o que o filósofo faz em tal aforismo é retrabalhar ideias já anunciadas antes, com a afirmação, no aforismo 18 de Humano, demasiado humano, de que a identificação de unidades, que podemos ver como espécie de ‘a priori’ humano, também foi algo que deveio e faz parte da história evolutiva dos organismos (cf. NIETZSCHE, 2005, p. 27) ou com a hipótese, na seção 142 de Aurora(1881), de que uma certa simplificação do mundo para fins de comunicação faz parte dos meios de sobrevivência de um animal dependente da grege (cf. NIETZSCHE, 2016, p. 103). Ao negar uma correspondência – em sentido forte – entre nossas categorias e o real agora em A gaia ciência, Nietzsche parece ressaltar que o ponto de vista humano está ‘condenado’ a enxergar perfis do mundo para viver. Precisamente por isso, logo após suas conjecturas sobre como podem ter se originado as ideias de substância e igualdade, no aforismo 112, ele indica que em nossa tentativa de “conhecer” nós “aperfeiçoamos a imagem do devir, mas não fomos além dessa imagem” (NIETZSCHE, 2012, p. 130s). O notável é que seu raciocínio parte de um tema central para a filosofia crítica, a causalidade – afirmando que descobrimos “múltiplas sucessões, ali onde o homem e pesquisador ingênuo de culturas anteriores via apenas duas coisas ‘causa’ e ‘efeito’” –, e se completa com a recusa de que nós expliquemos em última instância as coisas, já que “primeiro tornamos tudo imagem .Bilde], nossa imagem!” (NIETZSCHE, 2012, p. 131). Contra a pretensão de dizer a palavra final sobre o mundo, Nietzsche argumenta que o dizer implica ter uma certa imagem – ou quadro ou forma – do mundo, na qual permanecemos sempre enraizados e da qual não podemos escapar.
Feitas essas breves observações sobre a tematização nietzschiana da história da evolução .Entwickelungsgeschichte], do devir terreno do intelecto humano, acreditamos poder entrar mais diretamente no problema da perspectiva, que, aliás, encontra uma formulação notável também em A gaia ciência, todavia no Livro V, publicado apenas em 1887. Trata-se da afirmação, encontrada na seção 374, de que “[n]ão podemos enxergar além de nossa esquina: é uma curiosidade desesperada querer saber que outros tipos de intelecto e perspectiva poderia haver”, mas que, em contrapartida, “hoje, pelo menos, estamos distanciados da ridícula imodéstia de decretar, a partir de nosso ângulo, que somente dele pode-se ter perspectivas” (NIETZSCHE, 2012, p. 251). Esse é um ponto importante porque Nietzsche enfatiza que nós estamos irreversivelmente em nossa perspectiva e, ao mesmo tempo, que isso não nos permite tomá-la como a única e, portanto, como aquela que poderia resolver de uma vez por todas a pergunta pela estrutura do existente, de maneira que estamos diante da possibilidade de que o mundo tenha infinitas interpretações. Aliás, esse é justamente um problema que ele atribui aos dogmáticos: a incapacidade de reconhecerem seu ponto de vista como interpretação e – como fazem o platonismo e sua versão popular, o cristianismo – o fato de valorizarem um “mundo verdade” contra este mundo da transitoriedade, o que os leva, como ele acentua no “Prólogo” de Além de bem e mal (1885), a “negar a perspectiva, a condição básica de toda vida” (NIETZSCHE, 2005b, p. 8).
Diferentemente de Kant, que toma o problema do intelecto pelo viés epistemológico, buscando as “condições a priori da possibilidade da experiência” (KANT, 2001, p. 151), Nietzsche encontra na ideia de perspectiva um elemento de ênfase da orientação mundana de seu pensamento, tomando-a como condição de existência do ser humano. Não se trata de descobrir de que modo nossa perspectiva possa ser ‘verdadeira’ no que diz respeito aos fenômenos, mas de reconhecer que apenas chegamos a questionar sua veracidade já em seu interior, posto que organizar, dar um sentido – em nível ‘inferior’ – para o mundo é condição para a vida. Em Além de bem e mal, tal compreensão se mostra, no aforismo 11, na reversão da pergunta do porquê da existência de “juízos sintéticos a priori” para a pergunta pelo motivo de necessitar-se da crença nos mesmos. Sua conclusão é: trata-se de “uma crença de fachada e evidência que pertence à ótica de perspectivas da vida” (NIETZSCHE, 2005b, 17). Entretanto, se isso é reconhecido, precisa-se também reconhecer que tais juízos concernem à relação humana com o mundo e que não cabe tomar qualquer faculdade humana como passagem para o sentido do processo do mundo. Ainda que a humanidade jamais possa sair inteiramente de sua perspectiva, a percepção de que se trata justamente de um modo de ver acarreta o compromisso nietzschiano com uma compreensão modesta da mesma. Aliás, se enquanto espécie o ser humano compartilha uma perspectiva, dela emergem diferentes interpretações do sentido da existência humana e de seu lugar no mundo – sendo a recusa da parcialidade dos pontos de vista tomado como sinal de estreiteza e carência e fonte da reprimenda nietzschiana.
Em certo sentido, Nietzsche radicaliza a crítica kantiana, caminhando em direção aos desdobramentos da mesma para a autocompreensão do ser humano e para o significado da permanência de alguma expectativa de se ter a chave de decifração do enigma do mundo – como reza a fórmula schopenhaueriana. Essa é uma questão significativa porque a tentativa de determinar o fundamento é algo comungado pelas metafísicas dogmáticas e – ainda que a consciência crítica implique uma diferença de postura – as metafísicas pós-kantianas, que mergulham na subjetividade para alcançar o fundamento do mundo fenomênico, como fazem Schopenhauer com a vontade e Hegel com o espírito absoluto16. Nietzsche confronta-se, assim, com as pretensões de fazer-se da perspectiva humana e de elementos dela derivados caminho para o em si, afirmando a precariedade envolvida em tal superestimação do ponto de vista humano. Através do problema da perspectiva, o filósofo evidencia o antropocentrismo que subjaz às interpretações metafísicas e abre uma via para a realização de um contramovimento – não por um desprezo idiossincrático a tais interpretações, mas por participar de uma cultura em que prolifera a descrença na metafísica17. O reconhecimento da parcialidade da perspectiva não depõe contra a mesma – afinal, é condição de existência –, mas requer que saibamos que nosso enraizamento no mundo permite somente uma visão interessada e que o que deriva de tal olhar é interpretação, sendo a tentativa de negá-lo sinal de perspectiva estreita, carente que, conforme ele ressalta no “Prefácio” de 1886 a Humano, “não pode deixar de se considerar fim e medida de todas as coisas” (NIETZSCHE, 2005, p. 13).
Essa breve síntese acerca do tema da perspectiva abre caminho para o desenvolvimento de nossa hipótese, a saber: tanto a tentativa nietzschiana de oferecer uma interpretação global da vida e do mundo por meio da noção de vontade de poder, quanto a apresentação estridente de suas posições por meio do que entendemos como uma autoencenação são desdobramentos de suas reflexões acerca do tema da perspectiva. Além disso, em ambos os casos, Nietzsche confronta preconceitos que orientaram a tradição metafísica – o pressuposto da unidade fundamental subjacente à aparência e a expectativa de determinar o em si do mundo – e problemas que entende como prementes em sua cultura.
3. É interessante o fato de que o período em que Nietzsche começa a explorar de maneira mais direta as ideias de perspectivae dos juízos lógicos como ficções reguladoras úteis à vida coincide com sua tentativa mais aguda de uma determinação da totalidade do existente. Embora haja uma aparente contradição18, tendemos a acreditar que os temas da vontade de poder e da perspectiva não se excluem, e até mesmo se reforçam em mais de um ponto. Primeiramente, se em certas passagens a vontade de poder parecer dizer respeito ao ‘texto’, isto é, à última instância do real, isso nos parece reflexo da tentativa nietzschiana de realizar contraposições, de apresentar dentro dos limites da perspectiva humana uma “arte de interpretação oposta” (NIETZSCHE, 2005b, p. 22), algo condizente com sua tentativa de apresentar uma heurística antimetafísica (CONSTÂNCIO, 2013, p. 118). Em segundo lugar, sua hipótese estabelece a relação perspectivística como elemento basilar, constituindo uma ontologia de perspectivas (RICHARDSON, 1996, p. 284), em que toda a efetividade seria explicada pela tensão entre vontades de poder buscando se impor e levando à emergência de um vetor, de uma direção dominante19. Justamente porque assume a dinâmica interpretativa como elemento basilar de sua proposição ontológica, contra a possível objeção de que sua hipótese é “apenas interpretação”, ele responde na seção de 22 de Além de bem e mal: “tanto melhor!” (NIETZSCHE, 2005b, p. 27). No círculo, seu argumento preserva-se e mina as pretensões metafísicas de superar a relatividade da visão humana para encontrar um incondicionado. Se do ponto de vista lógico a afirmação de que o que há são ‘interpretações’ pode ser objetada como autocontraditória, em um horizonte prático-existencial, ela evidencia o problema da descoberta da falta de fundamento [Grundlosigkeit], o que Nietzsche busca agravar com sua tese .mein Satz].
Mas há ainda uma terceira relação entre vontade de poder . perspectiva que nos interessa. Ainda em Além de bem e mal, no aforismo 36, em sua apresentação mais detida da vontade de poder como uma tese sobre o conjunto do orgânico e do inorgânico – então, da constituição ontológica do todo –, Nietzsche parte da suposição de que “nada seja ‘dado’ como real, exceto nosso mundo de desejos e paixões” (NIETZSCHE, 2005b, p. 39), premissa que o leva à tentativa de fazer da “causalidade da vontade como a única” e, logo, a uma “forma básica” [Grundform] de vontade, a vontade de poder. Mesmo que se coloque contra prejuízos como o da ‘unidade’ e da ‘substância’, a hipótese da vontade de poder é ainda derivada da perspectiva humana, assumindo a inescapabilidade de um certo antropomorfismo para, a partir do que é ‘dado’, multiplicar as perspectivas. De outro modo, Nietzsche parte da perspectiva humana para a construção de uma interpretação plausível que mine as pretensões dogmáticas e acentue nossa relação interessada com o mundo e, em nível ‘superior’, nossa ação enquanto intérpretes.
Vale notar que o elemento que o permite passar da suposição psicológica que abre o aforismo para uma tese que diz respeito ao princípio mesmo do âmbito inorgânico é a causalidade. O problema que acordou Kant do sono dogmático e o levou à distinção entre fenômeno. coisa em si (mas também alimentou a polêmica sobre a legitimidade da coisa em si, vista como noção extraída da categoria de causa), e a partir do qual Schopenhauer encontrou uma passagem para fazer da vontade fundamento da representação (um mundo objetivo, como causa da representação, dar-se-ia já na intuição por intermédio do corpo, nosso objeto imediato que é em si vontade) é aspecto nevrálgico também na tese nietzschiana. Ele aproxima-se da posição schopenhaueriana marcando uma diferença: sua tese não pressupõe a vontade como uma espécie de incondicionado que condiciona. No caso de levar-se até o limite a suposição de um ente como presente e condicionante da totalidade de nossas representações, não há porque parar nesse próprio ente, é preciso que ele seja incluído. Nietzsche leva a causalidade para dentro da vontade: “é preciso arriscar a hipótese de que em toda parte onde se reconhecem ‘efeitos’, vontade atua sobre vontade” (NIETZSCHE, 2005b, p. 40). Tudo aquilo que nos aparece como efetivação dá-se porque vontade atua sobre vontade, de modo que estabelece-se um princípio causal, não como busca do substrato que inicia a cadeia, porém postulação de relações contínuas, no interior da qual não há cisão entre o que se efetiva e as correlações que participam da efetivação. Levando ao paroxismo as relações causais próprias da perspectiva humana, Nietzsche passa da ordem psíquica para a física, e, na medida em que trata da totalidade do existente a partir de um fundo .Grund], encontra o metafísico20.
Tal atitude, no entanto, surge após Nietzsche ressaltar que as tentativas de dizer algo sobre o todo são já interpretação – passíveis de serem vistas como mais ou menos plausíveis, lícitas, interessantes, fortes –, e que, como interpretação, colocam as ‘convicções’ dos filósofos “em cena” (NIETZSCHE, 2005b, p. 14). Não é coincidência ele apresentar sua tese ontológica implicando-se no ato. Do mesmo modo, no conhecido apontamento de 1885 que encerra a coletânea de A vontade de poder, questiona: “Sabeis vós também o que é para mim ‘o mundo’? Devo mostrá-lo em meu espelho?”; para mais à frente continuar, “este meu mundodionisíaco do criar eternamente a si mesmo, do destruir eternamente a si mesmo [...] – vós quereis um nome para este mundo? Este mundo é a vontade de poder . e nada além disso!” (FP 1885 38[12]; destaque nosso). A tese é, portanto, refletidamente sua, de modo que no jogo de espelhos a sua imagem entra em cena21, e, como filósofo, de modo ambíguo: como quem orgulhosamente realiza afirmações e quer legislar sobre o todo, algo, diga-se, característico do “filósofo do futuro” (NIETZSCHE, 2005b, p. 105s); e como quem admite que determinações da estrutura profunda do mundo implicam “arte de interpretação” (NIETZSCHE, 2005b, p. 27).
Essa ambiguidade é fruto da relação nietzschiana com sua cultura, como filósofo que é, ao mesmo tempo, má consciência e filho de seu tempo. Como filho, Nietzsche é herdeiro de suas conquistas, como a descoberta do aspecto perspectivístico da visão do mundo, e profundo conhecedor de suas esperanças, como na possibilidade de uma justificação metafísica da existência (algo também por ele nutrido em sua juventude). Como má consciência, ele tematiza alguns preconceitos que orientam nossa cultura e evidencia a retração do terreno da metafísica. Aliás, é interessante o fato de que o período no qual ele opera mais frequentemente com a noção de vontade de poder coincide com o recrudescimento de seu recurso à narrativa sobre si mesmo e seu pensamento enquanto partícipes de uma cultura. Os Prefácios escritos em 1886 para seus cinco primeiros livros e o prólogo de Genealogia da moral (1887) atestam curiosamente isso: em ambos os casos Nietzsche procura dar certas indicações sobre os problemas colocados em sua filosofia a partir da apresentação de experiências de cunho “biográfico” e sua inserção em um certo ambiente cultural. Assim, o “perceber o que há de perspectivista em cada valoração” (NIETZSCHE, 2005, p. 12) afirmado no “Prefácio” a Humano e sua crítica do valor dos valores levada a cabo em Genealogia da moral (cf. NIETZSCHE, 1998, p. 12) não são mero capricho, mas problemas vistos na travessia no interior de uma cultura. A decisão por uma tentativa de transvaloração, presente nos apontamentos de Nietzsche desde 188422 e intimamente relacionada entre 1886 e meados de 1888 com a vontade de poder, não é algo arbitrário ou visão miraculosa, mas árvore crescida de um terreno e um sol, de uma vida e um mundo cultural.
4. O filósofo que apresenta sua tese ontológica reforçando o fato de que se trata de algo seu, é aquele que mais tarde anuncia sua tarefa da transvaloração de todos os valores não só se colocando claramente em cena, como narrando alguns movimentos importantes que o fizeram percorrer um caminho à tal tarefa. Entre 1885 e 1888, Nietzsche preparou uma série de apontamentos acerca do tema da vontade de poder, cujo o objetivo seria delinear um “sistema de pensamento” (BVN 1886 784) – como afirma em carta de 1886 a seu editor Fritzsch. Entretanto, em agosto de 1888 tal ideia desaparece de seus cadernos e o projeto de uma ‘obra principal’ já não carrega o título A vontade de poder, mas Transvaloração de todos os valores, que seria composta por quatro livros (cf. MONTINARI, 1996, p. 63). Em cartas do início de novembro do mesmo ano, Ecce homo é anunciado como uma espécie de “prólogo” ou “prelúdio” de tal projeto (cf. BVN 1888 1139, 1142, 1151), e, a partir do final do mês, O Anticristo passa a ser considerado a própria Transvaloração (cf. BVN 1888 1151, 1159, 1170, 1180). Assim como ocorrera já a partir de 1886, quando Nietzsche coloca sua imagem em cena no momento em que arrisca uma tese ontológica, narrar a si aparece como um aspecto importante para a transvaloração, mas nessa autoencenação a ideia de vontade de poder perde a centralidade explícita anterior.
Nietzsche toma outro caminho: em vez de direcionar-se à transvaloração tomando como centro a vontade de poder como tentativa de interpretação do mundo como totalidade, ele agrava a pessoalidade de seu empreendimento, encenando sua perspectiva e o modo como a mesma deriva de fatalidades e de sua incursão na cultura. Dito de outro modo, o filósofo leva ao paroxismo a apresentação da mundanidade de sua interpretação, deixando no horizonte a transvaloração não como resultado de um giro ontológico, de uma determinação do que . o mundo que implica nova interpretação de todo acontecer23, porém como tarefa descoberta numa vida contingente em sua travessia num mundo cultural. Com isso, não queremos dizer que a hipótese da vontade de poder seja renegada ou contradita pelos últimos escritos nietzschianos, nem que ela seja, no fundo, “irrelevante” (LEITER, 2011, p.117), mas que as obras publicadas em 1888 o encaminham em direção distinta: não a proposição forte de uma ontologia, e sim a defesa da licitude de sua perspectiva ganha realce – ele encena seu sercapaz de distinguir ascendência e décadence em nossas expressões culturais e seu poder fazê-lo. Essa nos parece uma saída interessante para que ele ultrapasse a posição ambígua de precisar admitir que conjecturas no campo da ontologia são apenas interpretação e ainda assim propor uma hipótese ontológica com vistas a reorientar a cultura.
Certamente, ascendência e décadence podem ser lidas na chave da vontade de poder, como configurações provisórias de forças em conflito, uma sendo signo de tendência à expansão e outra à desagregação. Mas é curioso o fato de que após trabalhar intensamente com a ideia de vontade de poder em Além de bem e mal . Genealogia da moral, nos textos de 1888 tal noção perde a força explicativa anterior, emergindo em ocasiões esporádicas como “instinto” visto por ele nos gregos, caso de Crepúsculo dos ídolos (NIETZSCHE, 2014, p. 110), e como sua maneira pessoal de determinar o que é “bom” sob a ótica da vida, caso de O anticristo (NIETZSCHE, 2007, p. 11, p. 13). Nas últimas obras, o centro de gravidade está nas distinções que atravessam seu pensamento – cujas imagens são força e fraqueza, saúde e doença, abundância e fome, ascendência e declínio – e no delineamento de sua perspectiva. É sobre tal tipo de distinção que ele investe em Ecce homo e é sua capacidade para tanto e seu poder decidir que ele sustenta. Se não há compreensão que não carregue compromissos ontológicos, o ponto é que ele não oferece uma fundamentação forte de suas distinções em Ecce homo, as retirando da dinâmica banal da realidade sem arriscar um salto para determinar o ser dos entes.
Na frase inaugural do primeiro capítulo do livro, “Por que sou tão sábio”, Nietzsche afirma: “A fortuna de minha existência, sua singularidade talvez, está em sua fatalidade: diria, em forma de enigma, que como meu pai já morri, e como minha mãe ainda vivo e envelheço” (NIETZSCHE, 2008, p. 21). Em suma, sua fortuna é ser “décadent . começo”, carregar consigo morte e vida. Não que isso lhe dê acesso a alguma faculdade especial, porém tal fatalidade .Verhängniss], contingência de sua vida teria repercutido em sua percepção da existência. Ele não argumenta ver nada além do processo experimentado no real: a transitoriedade, o crescimento e o declínio, a dinâmica na qual sempre nos encontramos vivendo. A menção a tal fato biográfico sugere que um evento incontrolável e necessário – havido – teve participação crucial em seu encontro de um destino, o que se desdobra na afirmação de que sua experiência pessoal capacitou-o a “deslocar perspectivas: razão primeira porque somente para mim talvez seja possível uma ‘transvaloração dos valores’” (NIETZSCHE, 2008, p. 22). A intimidade genética com a décadence e a abundância o teria possibilitado, assim, a perceber a parcialidade e a mundanidade das valorações da existência. E essa colocação de si em cena é acompanhada pela ênfase em aspectos elementares de sua vida – proveniência familiar, alimentação, clima, distrações – e em sua vinculação a uma cultura, de maneira que as contingências da vida (e não uma determinação da constituição última da realidade) são oportunidade para sustentar sua capacidade de distinguir o sentido implicado em certa interpretação do mundo e a legitimidade de sua posição no ambiente cultural, prosseguindo em seu empreendimento crítico.
Ainda que sua crítica à metafísica e ao cristianismo possam ser relacionadas à vontade de poder também em Ecce homo e, sobretudo, em O anticristo, o elemento orientador da mesma é o que ele resume na expressão negação ou difamação do mundo: a assunção da superioridade de um além, do mundo metafísico já descoberto em sua negatividade por nossa cultura – como algo incognoscível e improvável. Não se trata propriamente de refutar esse outro do mundo, ‘ideal’, como ele esclarece no “Prólogo” de Ecce homo, mas de reconhecer que, na medida em que ele nos é inacessível, mantê-lo como parâmetro do ‘verdadeiro’ significa desvalorizar o mundo vivido – pela recusa seja da experiência cultural compartilhada, seja das pequenas coisas terrenas. “A realidade foi despojada de seu valor, seu sentido, sua veracidade, na medida em que se forjou um mundo ideal... [...] A mentira do ideal foi até agora a maldição sobre a realidade”, afirma (NIETZSCHE, 2008, p. 15s). Enquanto o ‘mundo ideal’ se confundiu com o ‘verdadeiro’, ele serviu de consolo por vivermos em um mundo ‘aparente’ e ‘inferior’. O problema aparece quando, para aproveitar o título de um capítulo de Crepúsculo dos ídolos, “o ‘mundo verdadeiro’ por fim se tornou fábula”, e podemos reconhecê-lo como “[h]istória de um erro” (NIETZSCHE, 2014, p. 31), quando sua redescrição enquanto criação demasiado humana emerge e este mundo em que vivemos passa a poder ser licitamente visto como o único.
A narrativa de Ecce homo faz parte justamente do agravamento de tal percepção, uma vez que apresenta uma contraposição ao desprezo pelas coisas mundanas que o filósofo crê predominar na cultura. Ele deixa clara sua pretensão de criar uma tensão com aqueles que vê como homens vingativos – adoradores do além e do ideal que, assim, se vingam da vida –: “Quero ser o oposto disso” (NIETZSCHE, 2008, p. 48). Aliás, a autoencenação nietzschiana na obra, como o filósofo reconhece em carta a seu amigo Heinrich Köselitz, visa a delinear um “tipo oposto [Gegentypus]” de modo “profano” e por meio de “chistes e maldades” (BVN 1888 1157). Isso explica, em grande medida, não só as autorreferentes caracterizações nietzschianas de si no livro (afirmando-se sadio, corajoso, desprovido de ressentimento, provido de amor fati, enfim, nobre24– desenhando um personagem ou figura de pensamento em contraposição ao que seria o típico moralista cristão) como o provocador título ‘ecce homo’ e sua identificação, que joga com uma percepção frequente de sua obra, como “o Anticristo” (NIETZSCHE, 2008, p. 53). Contudo, em meio a tal cinismo envolto em tom satírico, Nietzsche investe em uma revalorização do mundo. Não por acaso, o capítulo em que ele trata com detalhes de seus gostos acerca de alimentação, clima, lugar e distração, “Por que sou tão inteligente”, é aquele em que ele ressalta como essas “pequenas coisas” foram cruciais para que encontrasse a transvaloraçãocomo sua tarefa no decurso de seu caminho de pensamento. Na última seção do capítulo, lê-se:
Perguntarão por que relatei realmente todas essas coisas pequenas e, seguindo o juízo tradicional, indiferentes: estaria com isso prejudicando a mim mesmo, tanto mais se estou destinado a defender grandes tarefas. Resposta: essas pequenas coisas – alimentação, lugar, clima, distração, toda casuística do egoísmo são inconcebivelmente mais importantes do que tudo o que até agora tomou-se como importante. Nisto é preciso começar a reaprender (NIETZSCHE, 2008, p. 47).
Nietzsche não parece pretender oferecer um exemplo ou modelo de existência a ser seguido (o “Prólogo” de Ecce homo encerra-se com uma citação de Assim falou Zaratustra, em que o personagem-título faz um convite à sua renegação), mas favorecer um novo olhar para o mundo ao dar ênfase à importância das coisas mundanas. Se, como ele ressalta na penúltima seção de “Por que sou um destino”, capítulo final de Ecce homo, “a noção de ‘além’, ‘mundo verdadeiro’” foi inventada “para desvalorizar o único mundo que existe – para não deixar à nossa realidade terrena nenhum fim, nenhuma razão, nenhuma tarefa!” (NIETZSCHE, 2008, p. 109), ele contrapõe seu encontro de tarefa neste mundo. No mesmo sentido, se a “noção de ‘alma’, ‘espírito’” foi inventada “para desprezar o corpo [...], para tratar com terrível frivolidade [...] as questões de alimentação, habitação, dieta espiritual” (NIETZSCHE, 2008, p. 109), ele descreve justamente como essas “pequenas coisas” foram determinantes em sua vida, ainda quando negligenciadas, para o encontro de sentido. A narrativa de Ecce homo pode ser, assim, sua prova da possibilidade de vencer Deus e o nada, conforme expressão utilizada em Genealogia da moral, isto é: liberar-se da crença no ‘além’ e na resolução final, mas também do padecimento da falta de fundamento, encenando seu encontro de sentido ou, em termos familiares à sua autoavaliação de 1888, de descoberta de razão no real – sem buscar uma fuga25.
Parece-nos ser nessa via que, ao analisar em Ecce homo o enfrentamento das ‘idealidades’ realizada com Crepúsculo dos ídolos, ele afirma: “apenas a partir de mim há novamente esperanças, tarefas, caminhos a traçar para a cultura – eu sou o alegre mensageiro... Exatamente por isso sou também um destino. –” (NIETZSCHE, 2008, p. 94). O óbvio paralelo com a ‘boa nova’ de Jesus é complementada com a ideia de que “o caminho à verdade” no qual seguíamos tratava-se de um de um trilho torto e não de um caminho reto .rechten Wegs]. Apesar da aparente prepotência e megalomania, essa “alegre mensagem” é sinal de modéstia (cf. STEGMAIER, 2013, p. 69). A compreensão verbalizada por esse “alegre mensageiro” é: deixar-se ser seduzido pela promessa do único caminho é, hoje, sinal de falta de honestidade [Rechtlichkeit], de uma perspectiva carente. Nesse sentido, o filósofo não se encena como um “destino” por apresentar o novo caminho, mas sim porque ele foi levado por sua retidão até a descoberta de que, nas palavras de Zaratustra, “. caminho – não existe!” (NIETZSCHE, 2011, p. 186). A despeito de tal modéstia, ele não se furta a dar valor àquilo que fala, pelo contrário, ele parece ter algo a dizer sobre nosso mundo cultural que não só considera lícito como decisivo. Por isso, Nietzsche fala em Ecce homo, talvez como em nenhuma outra obra, que o que oferece são ‘verdades’26. Contudo, é notável ele não partir da verdade derradeira, sendo sua mais incisiva afirmação: “minha verdade é terrível: pois até agora chamou-se à mentira verdade” (NIETZSCHE, 2008, p. 102). Tal ‘verdade terrível’ diz respeito precisamente à percepção da relatividade das concepções humana e sua apresentação dá-se pela radicalização de sua perspectiva, narrando como ele pôde chegar a ela.
Aproximando-se do que havia feito nos Prefácios de 1886, seu enraizamento neste mundo é tomado como fator central, em duas vias: na descrição das ‘fatalidades’ que participaram de sua existência; e seu tornar-se no seio de e contra sua cultura – como aquele que é filho . má consciência da época. É sob essas condições que ele reconhece a transvaloração como sua tarefa, não porque “desejou” isso, mas porque foi o caminho no qual foi levado a seu destino, que acaba por ser parte também do destino da cultura. A transvaloraçãoé um “ato de suprema autognose [Selbstbesinnung] da humanidade, que”, ele completa provocativamente, “em mim se fez gênio e carne” (NIETZSCHE, 2008, p. 102). A expressão autognose da humanidade sugere que a transvaloração é uma experiência compartilhada, que se expressa de maneira aguda em seu pensamento. A humanidade defronta-se, sem possibilidade de retorno, com o esvaziamento das garantias absolutas da verdade, o que é um acontecimento cultural – inclusive endógeno à moralidade, posto que foi a retidão e honestidade sublimadas no espírito científico que levaram ao solapamento dos fundamentos, a uma autossuperação da moral27. Nesse sentido, a transvaloração é decisiva não porque todos os valores sejam destruídos ou modificados em seu anúncio, mas porque ela é o signo que expressa a desconfiança em relação ao ‘valor em si’. Em O anticristo (1888), depois de asseverar, na seção 12, que o sacerdote determinou o verdadeiro, ele enfatiza na 13: “nós, espíritos livres, já somos uma ‘transvaloração de todos os valores’, uma encarnada declaração de guerra e vitória em relação a todos os velhos conceitos de ‘verdadeiro’ e ‘não verdadeiro’” (NIETZSCHE, 2007, p. 18). Não é a expectativa de uma inversão definitiva dos valores, mas a própria guerra é entendida como transvaloração.
Não cabe aqui a objeção lógica de que para dizer que algo é “não verdadeiro” é necessário que haja . verdade. A descoberta é de outra ordem. Trata-se do encontro com o fato de que não podemos mais nos orientar por alguma verdade dada definitivamente em última instância, de que fomos nós mesmos, em nossas relações demasiado humana, que estabelecemos verdade . mentira como absolutos opostos. E, como consequência dessa percepção, da qual sua filosofia é parte, o próprio Nietzsche não pode mais reivindicar que ele tem uma posse “impessoal” da verdade, sendo o seu máximo de “objetividade” a descoberta de que nós vivemos na perspectiva e entre perspectivas e que se formos capazes de minimamente variar o ponto de vista podemos descobrir novas formas de olhar a vida e o mundo. E, como viemos tentando mostrar no decorrer deste texto, esse nos parece ser precisamente um aspecto no qual os textos de 1888 são filosoficamente relevantes: Nietzsche assume sua perspectiva – ou seu deslocar perspectivas – como condição e opera dentro dessa condição decididamente, inclusive como revalorização do ‘perspectivístico’, essa parte incontornável da vida. A ênfase no ‘real’ expressa em Ecce homo . O anticristo significa experimentar tomar este mundo – o único vivido – como ponto de partida para o pensamento, não para tentar desvendá-lo por inteiro (como tal e na totalidade), mas para indicar a possibilidade de encontrar sentido em seu interior, aceitando pequenas verdades, provisoriamente acordadas, relativas à cultura.
Com ou sem intenção, o fato é que no lugar de fornecer uma outra fundamentação a partir do qual fosse possível uma nova interpretação que levasse à transvaloração, Nietzsche, em 1888, faz as seguintes escolhas: publica uma “carta”, O caso Wagner, em que faz críticas a Wagner e apresenta sua experiência com Bizet como prova da superioridade do músico francês28; escreve Crepúsculo dos ídolos, em que delimita suas heterodoxias filosóficas criticando “ídolos eternos” e dizendo “eu, o último discípulo do filósofo Dioniso – eu, o mestre do eterno retorno...” (NIETZSCHE, 2014, p. 114); escreve O anticristo, que seria acompanhada de uma estridente e jocosa lei contra o cristianismo assinada pelo próprio anticristo29 e que carrega na abertura da última seção a sentença “[e]u condeno o cristianismo” (NIETZSCHE, 2007, p. 62); e prepara para publicação Ecce homo, obra em que coloca um certo si mesmo em cena como aquele que é, por fatalidade, capaz para a transvaloração e encerra-se, acentuando sua posturaantimetafísica e anticristã, com a questão “Fui compreendido? Dioniso contra o crucificado” (NIETZSCHE, 2008, p. 109). Sem dúvidas, é impossível resolver definitivamente se o caminho tomado tem participação da loucura, da prepotência, do autoexibicionismo ou de qualquer outro fator psicológico. A questão é: interpretar seu final de trajetória a partir de algum psicologismo significa não lidar com o caminho de pensamento por ele traçado como questão propriamente filosófica.
Nesse ponto, voltamos à questão da narrativa de Ecce homo. Explorar a escrita em primeira pessoa e o gênero autobiográfico significa reconhecer a parcialidade e o interesse envolvido na perspectiva e a circunstância enfrentada por uma época que está diante da percepção da falibilidade da verdade. Nietzsche leva, desse modo, seu perspectivismo às últimas consequências, assumindo o caráter contingente e limitado de toda interpretação, sem ver aí uma objeção à tomada de posição. Isso não nos parece o impulso prepotente de alguém que acredita poder por alguns livros conduzir o Ocidente a uma crise, mas um modo de expressar uma crise latente dentro de uma cultura sem esconder ser ‘ponto de vista’. O recurso estilístico a uma autoencenação ganha, dessa forma, um contorno propriamente filosófico, e talvez possa ser aproximada, a despeito de suas peculiaridades, do que o pensamento contemporâneo chama de atitude pós-metafísica30 – ainda que, durante seu percurso, Nietzsche, de fato, encaminhe-se a posições antimetafísicas. Esperamos avançar com mais calma sobre esse tema em outra ocasião, todavia podemos falar, precária e provisoriamente, que sem precisar postular uma determinação do todo – nem regras para a boa vida – e baseando-se no vivido e na interação com a cultura, ele se propõe a tematizar (é verdade, em linguagem vulgar, satírica e cínica de imoralista . anticristão) problemas compartilhados pela época. A autoencenação não seria, dessa forma, um desvio de percurso, mas um de seus últimos frutos – fruto discutível, sem dúvida, mas, a nós, não parece passado e sim assaz maduro.
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Notas
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