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Educação, resistência e politização: sobre o sentido da educação na literatura indígena brasileira contemporânea
Education, resistance and politicization: on the sense of education in the contemporary brazilian indigenous literature
Griot: Revista de Filosofia, vol. 20, núm. 3, pp. 211-228, 2020
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Artigos


Recepção: 12 Junho 2020

Aprovação: 30 Setembro 2020

DOI: https://doi.org/10.31977/grirfi.v20i3.1891

Resumo: :

Argumentamos, no artigo, a partir de uma análise sistemática da produção literária de escritores/as indígenas brasileiros/as, que, desde a segunda metade do século XX, os povos indígenas passaram a afirmar a e a utilizar-se da esfera pública, sob a forma de ativismo, de militância e de engajamento, enquanto a estratégia e o lugar por excelência para a tematização da questão indígena no país, como forma de reação a processos de expansão socioeconômica e de negação político-cultural que punham em xeque a sua própria existência, bem como em termos de recusa seja do paternalismo tecnocrático, seja da ideia de responsabilidade relativa a eles impostos. Com o objetivo de consolidarem-se como sujeitos público-políticos atuantes, eles optaram pela educação escolar e pela apropriação de ferramentas epistemológicas e técnicas digitais que lhes permitissem inserir-se na socialização nacional, modernizar-se política, cultural e epistemologicamente para, com isso, dinamizar uma perspectiva de crítica de nossa modernização conservadora a partir da auto-organização comunitária interna e desde a construção de uma rede de interação entre as nações indígenas. Rompe-se, por meio disso, com a imagem produzida cultural e normativamente pela colonização do/a índio/a selvagem, rude e bárbaro/a, confinado/a ao mais recôndito de nossas matas, incapaz de civilização; e, em seu lugar, consolida-se exatamente esse/a indígena socializado/a, modernizado/a, no pleno uso de sua cidadania política, produzindo e publicizando conhecimento, cultura e arte próprias. Da apropriação da educação escolar e dessas ferramentas e técnicas epistemológico-digitais passa-se, portanto, a uma postura ativista, militante e engajada na esfera pública, política e cultural, por meio da correlação de Movimento Indígena e de literatura indígena, em que a promoção da singularidade étnico-antropológica está na base da própria crítica à modernidade constituída e realizada pelos povos indígenas, seus/as intelectuais e escritores/as.

Palavras-chave: Educação, Movimento Indígena, Literatura Indígena, Resistência, Politização.

Abstract: :

In the paper, from a systematic analysis of the literary production of Brazilian Indigenous writers, we will argue that, since the middle of XXs, Brazilian Indian peoples start to affirm and use the public sphere, in terms of activism, militancy and engagement, as the strategy and the place par excellence to the thematization of national Indian condition, as reaction to processes of social-economic expansion and political-cultural negation which put in check their own existence, refusing also the technocratic paternalism and dependent responsibility imposed to them. With the purpose of consolidating themselves as active public-political subjects, they opted for school education and for the appropriation of epistemological tolls and digital techniques which allow them to insert in the national socialization, to modernize politically, culturally and epistemologically in order to streamline a perspective of criticism regarding our conservative modernization from the internal communitarian self-organization and the construction of a network of collaboration among the indigenous nations. This posture leads to the deconstruction of the image cultural and normatively produced in terms of colonization, of a savage, rude and barbarous Indian, restricted to the more far corner of forest, incapable of civilization; and, in its place, it is consolidated exactly the role of the socialized Indian, in the full capability of political citizenship, producing and publicizing the own knowledge, culture and art. From the appropriation of school education and of these epistemological-digital tools and techniques we go, therefore, to an activist, militant and engaged posture in the public, political and cultural sphere, by means of the correlation of Indian Movement and Indian literature, in which the promotion of ethnic-anthropological singularity is in the basis of the criticism to modernity constituted and performed by Indian peoples, their intellectuals and writers.

Keywords: Education, Indian Movement, Indian Literature, Resistance, Politicization.

Considerações iniciais

Neste artigo, queremos discutir acerca da apropriação, realizada pelos povos indígenas na atualidade, em particular seus/as intelectuais e escritores/as, da educação formal como base para a potencialização do Movimento Indígena na esfera pública. Procuraremos argumentar que, desde a segunda metade do século XX para cá, há uma procura, por parte destes povos, destes/as intelectuais e escritores/as, por inserção e protagonismo nesse âmbito da esfera pública, em busca de hegemonia político-cultural, e sob a forma de ativismo, de militância e de engajamento em torno à condição e à causa indígenas, uma vez que passam a compreender e a afirmar que somente essa perspectiva de luta e de politização na esfera pública e esse protagonismo como sujeito político-cultural lhes dariam condições de resistir, de denunciar e de enfrentar aos sujeitos e processos de extermínio, de negação de direitos, de silenciamento e de invisibilização aos quais estavam – e estão – sendo submetidos. Essa perspectiva ativista, militante e engajada na esfera pública, política e cultural favoreceria, além disso, a descatequização da cultura, do imaginário social, das mentes, nas palavras de Kaká Werá, uma vez que permitiria aos indígenas a autoexpressão direta, sem mediações institucionalistas, cientificistas e tecnicistas, para além das caricaturas construídas sobre eles ao longo de nossa constituição e evolução societais-culturais, e colocando em xeque seja o paternalismo tecnocrático a que estavam submetidos, seja a compreensão de responsabilidade relativa que lhes era atribuída cultural e institucionalmente.

Isso alçou a educação escolar formal – a alfabetização e, nela, o domínio e a utilização da escrita, assim como as inúmeras tecnologias educacionais e culturais disponíveis, como as mídias sociais e digitais, o livro impresso etc. – a elemento fundamental do processo de formação indígena, ao ponto de, quando lemos os/as diversos/as intelectuais e escritores/as indígenas brasileiros/as da atualidade, percebermos o quanto sua história e sua projeção do futuro de seus povos e de si mesmos/as passariam inevitavelmente pelo domínio e pela utilização dessa mesma educação escolar formal. A história desses povos, desses/as intelectuais e escritores/as indígenas, por conseguinte, também é a história da ampliação da educação escolar formal para minorias político-culturais e, em particular, para os povos indígenas, demarcando sua inserção e seu protagonismo político-cultural na sociedade civil brasileira de modo mais amplo – exatamente por meio da educação. Aqui, a história desses povos, intelectuais e escritores/as é e representa a explicitação de como eles decidiram dominar as técnicas e os processos de educação formal e reestilizá-los para a construção de uma perspectiva política e politizante que, calcada na afirmação da tradição étnico-antropológica fundada na ancestralidade e na dinamização da memória do que se é e de como se chegou a ser isso que se é, também possibilita a construção de histórias alternativas e a recriação do imaginário social em torno ao/à indígena, mas a partir dos/as próprios/as indígenas, das próprias periferias e dos próprios sujeitos epistemológico-políticos subalternos. Por outras palavras, a inserção dos povos, dos/as intelectuais e dos/as escritores/as indígenas na sociedade civil, que lhes levou a essa apropriação e a essa reestilização da educação formal, assumiu e dinamizou uma práxis ativista, militante e engajada para a qual a revitalização da memória (das próprias linguagens, das tradições comunitárias, de suas histórias de humanidade, enfim, de suas perspectivas de ser e estar no mundo) e a postura de crítica do presente são os dois motes centrais, que seriam viabilizados e potencializados exatamente pelo aprendizado e pelo aperfeiçoamento da educação formal – uma apropriação da cultura e da epistemologia hegemônicas que está subordinada e direcionada à promoção, à preservação, ao fomento e à renovação da tradição, da identidade, da história, da linguagem dos povos indígenas, uma apropriação também orientada para a politização da condição e da causa indígenas.

Com isso, o artigo desenvolverá duas ideias fundamentais. A primeira delas consiste em que, a partir da década de 1970, povos, lideranças e intelectuais indígenas organizaram-se como movimento político-cultural amplo, isso que ficou conhecido como Movimento Indígena, com o objetivo de enfrentar os processos de extermínio aos quais passaram a ser ressubmetidos pelos projetos de expansão socioeconômica implantados pela Ditadura Militar, sendo que, para isso, assumiram a bandeira da educação formal como o requisito fundamental para a consolidação dos indígenas como sujeito, condição e causa público-políticos, permitindo-lhes o trânsito da cultura e da epistemologia hegemônicas (o paradigma normativo da modernidade) para a valorização e o fomento de suas próprias culturas, epistemologias e perspectivas estético-artísticas. A segunda delas, consentânea à primeira, consiste em que nós podemos perceber a gradativa emergência e a poderosa consolidação do pensamento indígena e, em particular, da literatura indígena como resultado dessa apropriação da educação formal, das técnicas de escrita e das mídias digitais, uma literatura militante, ativista e engajada que busca exatamente promover pública e politicamente a cultura indígena, o lugar e a condição do/a indígena na sociedade, viabilizando a atualização da tradição, denunciando a violência histórica e, em tudo isso, buscando um diálogo profícuo com a – e uma inserção gradativa (e cada vez mais intensa na) sociedade brasileira em torno a essa e a outras questões, sob a forma de crítica da modernidade-modernização brasileira. A educação formal, ao viabilizar tanto o ativismo político-cultural quanto a publicização do pensamento indígena – mas uma educação formal, como dissemos, estilizada para servir como núcleo para a promoção das culturas indígenas – amplia os instrumentos epistemológico-políticos e os processos de participação e de inclusão, dando voz e vez às minorias político-culturais, em grande medida silenciadas, invisibilizadas e empurradas para a esfera privada, apolítica e despolitizada, de vida, escanteadas da esfera pública, política e cultural. Assim, se uma das bandeiras teórico-políticas fundamentais do Movimento Indígena brasileiro foi a educação formal para os povos indígenas, a consolidação da literatura indígena hodiernamente mostra não apenas a consecução dessa reivindicação, mas também como ela serviu e serve de modo direto para fundar e dinamizar uma perspectiva ativista, militante e engajada na esfera pública, política e cultural dos/as indígenas por si mesmos/as e desde si mesmos/as, como sujeitos público-políticos, permitindo-lhes imbricar tradição, memória e crítica do presente, transitando da cultura hegemônica para sua própria singularidade étnico-antropológica, e vice-versa, sempre tendo como foco a crítica à modernidade periférica que somos e vivemos.

É importante salientar que a questão da apropriação e da reestilização da educação escolar formal, por parte dos povos e escritores/as indígenas brasileiros/as, será tratada a partir de uma análise sistemática de produções teóricas ligadas à literatura indígena brasileira em particular e ao pensamento indígena brasileiro de um modo mais geral. Não desconsideramos que existe todo um ramo importantíssimo da educação brasileira que pode ser definido como educação escolar indígena, da mesma forma como não descuramos do fato de que, dentro desta última, há diferenciações relativamente a uma educação bilíngue que perpassa as diferentes comunidades nativas, com suas consequentes especificidades4. A educação escolar indígena, aliás, é uma forma de socialização pedagógico-cultural voltada para a alfabetização em língua portuguesa e materna dos/as indígenas, às vezes produzida por eles/as mesmos/as em sua interação com a sociedade e com profissionais não-indígenas, conforme estabelecido constitucional e legalmente pela Constituição Federal de 1988, em seus Artigos 210, 231 e 232 (o famoso Capítulo dos Índios)5, a qual define o direito a uma educação específica, diferenciada e bilíngue para os/as, pelos/as indígenas, legitimando-se às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Esta previsão constitucional foi posteriormente normatizada por documentos como o Decreto nº. 26, de 04 de fevereiro de 1991, que dispõe sobre a educação indígena no Brasil6, e pela Lei nº. 9.394 de 20 de Dezembro de 1996, a qual estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional7. A partir desta última, ainda, tivemos uma ampla série de documentos que gradativamente estabeleceram o arcabouço institucional e pedagógico fundamental da educação escolar indígena (sempre afirmada como específica, diferenciada e bilíngue), tais como a Resolução CNE/CEB nº. 3, de 10 de Novembro de 1999, que fixa diretrizes nacionais para o funcionamento de escolas indígenas8; a Lei nº. 11.645, de 10 de março de 2008 (que altera a Lei nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº. 10.639 de 09 de janeiro de 2003), que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, incluindo no currículo oficial de ensino no país a disciplina de “História e cultura afro-brasileira e indígena”9; o Decreto nº. 6.861, de 27 de maio de 2009, que dispõe sobre a educação escolar indígena e define sua organização em territórios etnoeducacionais10; a Resolução nº. 5, de 22 de junho de 2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica11; e a Resolução nº. 1, de 07 de janeiro de 2015, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas em Cursos de Educação Superior e de Ensino Médio12. Não desconsideramos, como dissemos acima, tais documentos. Mas o foco de análise, neste texto, é uma visão da educação escolar – e mesmo universitária – dos/as e pelos/as intelectuais, escritores/as e lideranças indígenas conforme ela nos é apresentada em suas obras político-literárias, o que nos permite falar em uma visão de conjunto sobre essa mesma educação, que lhes permitiria inserção, apropriação e resistência desde sua condição-causa como indígenas no contexto de nossa sociedade nacional mais ampla. Aqui, a educação escolar foi vista e afirmada como base para a constituição de um sujeito-grupo indígena militante e enraizado na esfera pública, política e cultural – não por acaso sendo assumida pelo Movimento Indígena brasileiro – neste aspecto de específica, diferenciada e bilíngue – como o núcleo central da constituição, da existência e da resistência indígenas no Brasil contemporâneo. É a literatura indígena brasileira contemporânea, portanto, que neste artigo servirá de base normativa para a reflexão sobre a educação escolar para os/as indígenas.

A educação formal, o ativismo indígena, a literatura indígena

O estudo do pensamento dos/as intelectuais indígenas brasileiros/as da atualidade nos permite perceber uma dupla situação relativamente à educação e à escola, a saber, primeiramente o fato de que, para esses/as mesmos/as indígenas, a educação escolar representaria um momento fundamental para sua inserção pública, política e cultural, inserção por meio da educação que é afirmada como necessária não apenas do ponto de vista da efetiva reatualização da cultura e dos saberes ameríndios, mas também como forma de resistência contra os processos de negação, de insivibilização e de extermínio ainda hoje pungentes em nossa sociedade; em segundo lugar, a própria questão do contato intercultural, que causa um duplo choque, dos/as indígenas frente a um contexto moderno e em grande medida não-indígena, anti-indígena até, uma vez que sua socialização inicial se dá com base em sua pertença étnico-antropológica, e dos/as não-indígenas frente aos/às indígenas, que estranham exatamente esse personagem visto por eles/as como exótico, uma vez que a noção normativo-cultural e a percepção histórica do/a “índio/a” têm por cerne a imagem caricata (e preconceituosa e racista!), desenvolvida em termos da colonização, de um/a indígena seminu, vestido/a com penas e miçangas, ossificado/a no espaço e no tempo do século XVI, selvagem e rude (ou completamente bom/boa, porque não-civilizado/a, o que aponta para essa ideia do/a indígena como anti-civilização, que permite excluí-lo/a dos processos de socialização, da construção da cultura nacional e da justificação das instituições públicas), uma imagem que foi formulada e que nos foi legada exatamente pela produção de conhecimento e pela legitimação da cultura feitas de modo unidimensional, do branco europeizado frente ao/à “índio/a”, da civilização frente à barbárie, do ser humano frente ao/à selvagem – dualismo-maniqueísmo esse que é um dos núcleos e uma das dinâmicas centrais de nossa sociedade colonial e, depois, de nossa modernização conservadora.

Nesse sentido, pode-se dizer (a) que a apropriação da educação formal por parte dos/as ameríndios/as serve aos interesses do Movimento Indígena brasileiro no sentido de que seu objetivo consiste em socializar os/as indígenas na cultura nacional mais ampla, dotando-os/as de ferramentas simbólico-intelectuais para assumirem uma perspectiva ativista, militante e engajada na esfera público-política, substituindo uma postura altamente institucionalista e tecnicista sobre si pelo posicionamento autoral, crítico-criativo, cidadão, bem como (b) que essa militância, esse ativismo e esse engajamento na esfera pública, como sujeito político e em termos de busca de hegemonia cultural, levou à consolidação não apenas de uma práxis política direta, dos/as indígenas por si mesmos/as e desde si mesmos/as, mas também de uma produção artística, cultural e intelectual muito fecunda marcada por um duplo movimento, a saber, de reatualização da memória, de reestilização das culturas próprias a cada grupo étnico e, a partir disso, de uma postura de crítica do presente (calcada na pertença étnico-antropológica e, ainda, nessa condição como menoridade jurídico-política, esta última imposta pela colonização e reproduzida por nossa modernização conservadora) em que os/as indígenas buscam dialogar e interagir com a sociedade nacional envolvente, lhes apresentando uma perspectiva autoral sobre sua singularidade e sua situação de marginalização, dando-se a conhecer em suas especificidades e em seus dramas e, com isso, permitindo a desconstrução de estereótipos, a formulação de uma nova história nacional, agora na voz e na práxis das vítimas de nossa colonização e, posteriormente, de nossa modernização conservadora, e, em tudo isso, buscando descatequizar nossa cultura e nossa mente relativamente ao significado, ao lugar e às condições dos/as indígenas em termos da constituição de nossa sociedade (WERÁ, 2017, p. 101-108; KRENAK, 2017, p. 41-51; GUAJAJARA, 2017, p. 18-21).

Quanto ao primeiro ponto, a educação formal como meio de inserção dos povos indígenas na cultura nacional mais ampla, especificamente moderna, os/as intelectuais indígenas nos explicitam que desde meados do século XX, com especial ênfase a partir da década de 1970, começou-se a perceber que a resistência a um processo de modernização econômica avassalador, que punha em xeque a própria existência dos povos indígenas no país, somente seria possível de ser constituída por meio de uma socialização cultural e de uma formação epistemológico-política que tinha na educação o seu vetor principal, uma vez que ela permitiria assimilar as ferramentas, as práticas e os valores “brancos” para, com eles, tanto socializar-se na cultura nacional de que esses mesmos povos indígenas faziam parte quanto assumir-se uma postura público-política de ativismo, de militância e de engajamento em torno à causa e à condição indígenas. Portanto, a educação escolar formal serviria como ponte entre a pertença étnico-antropológica, isto é, a singularidade indígena, com suas especificidades e seus desafios (dentro de nosso processo de modernização conservadora), e uma cultura nacional vinculante intersubjetivamente que estaria na base da cidadania política enquanto um direito extensivo a todos/as os/as brasileiros/as, incluindo os/as indígenas – diga-se de passagem que todas as lideranças indígenas fundadoras do Movimento Indígena brasileiro sempre enfatizaram sua brasilidade, isto é, o fato de sentirem-se e quererem sentir-se e fazer parte do Brasil, brasileiros/as como todos/as os/as demais, mas, evidentemente, buscando o reconhecimento como tal (e, concomitantemente, de sua própria singularidade), com todos os direitos correspondentes, buscando protagonismo sociopolítico, com todas as consequências disso e, em especial, como forma de sobreviver a esse processo de modernização socioeconômica que lhes desapossava de suas terras, em muitos casos de sua vida (TUKANO, 2017; KRENAK, 2015; KRENAK, 2017; MUNDURUKU, 2012).

Nesse caso, a resistência por parte dos povos indígenas relativamente a processos de modernização econômica, de deslegitimação cultural e de invisibilização política buscou superar esse déficit cultural, essa carência de socialização na cultura nacional, enquanto fundamento para a organização e a conquista da cidadania política para os povos indígenas, por parte dos povos indígenas, o que significa dizer que aquela versão do/a “silvícola” isolado/a, vivendo no mais recôndito das matas e em permanente fuga da civilização como condição para sua sobrevivência e para sua manutenção de um suposto modo de vida original, não-moderno ou anti-moderno, deu lugar a um/a indígena letrado/a, socializado/a na cultura nacional e, por isso mesmo, ativo/a em termos de cidadania política, que luta em prol de sua causa-condição exatamente por meio da vinculação na esfera pública, como sujeito político-cultural. É, nesse sentido, um/a indígena que se afirma também e enfaticamente como moderno/a, mas sem abdicar seja de sua pertença étnico-antropológica – algo que o universalismo epistemológico-moral da modernidade possibilita em cheio – e nem da revisão da história nacional e da reparação pelas consequências da colonização etnocida-genocida que lhe foi imposta, à qual ele/a foi submetido/a. Como dissemos, a educação e a inserção epistemológica, política e cultural por ela possibilitada constituíram-se na base, no instrumento e na prática fundamentais para essa “modernização” dos povos indígenas, isto é, para sua afirmação étnico-antropológica e para sua resistência político-cultural em termos de cidadania política. Sobre isso, vejamos uma afirmação muito importante de Kaká Werá Jecupé:

Um dia, sem mais nem porquê, uma senhora convencera meu pai a matricular-me na escola que se instalara no morro abaixo, de nome Professor Manuel Borba Gato. Não quis. O pai disse que era uma maneira de nos defendermos. Perguntei o que era escola. Me respondeu que era um lugar onde se riscava com traços o que se falava, e que qualquer um podia dizer exatamente o que se havia falado olhando para aqueles traços, mesmo que se passassem sóis e luas. Aquilo me deixou fortemente encantado (JECUPÉ, 2002, p. 31).

Note-se, na passagem acima, (a) o sentido utópico dado à educação, por parte do pai de Kaká Werá Jecupé e, exatamente por isso, (b) a afirmação de que ela seria o instrumento e o caminho para a defesa da própria singularidade étnico-antropológica, uma vez que possibilitaria seja a inserção epistemológica, política e cultural dos/as indígenas no paradigma normativo da modernidade e, de modo mais específico, no âmbito de nossa socialização nacional, seja a conquista do instrumento fundamental para a cidadania política, que é o ativismo ilustrado, o domínio da gramática formal e a capacidade de expressar-se publicamente, em termos político-culturais. Nesse sentido, o domínio e a maturação da escrita formal é tão fundamental para a cidadania política quanto a perspectiva militante na esfera pública e, na verdade, ambos os polos são concomitantes, complementares, um não consegue ser efetivo sem o outro – ao analfabetismo linguístico seguem-se, na maior parte dos casos, o analfabetismo político e formas de alienação religioso-cultural, aliadas à incapacidade de um juízo positivo sobre si, daí a importância que a educação escolar passou a assumir para os povos indígenas desde a década de 1970, tornando-se uma de suas principais bandeiras de luta e a condição basilar para sua vinculação pública, política e cultural. Do mesmo modo, é óbvio que a escola, que a escolarização não se reduz apenas a isso: há também o fator da socialização humanística, da interrelação político-cultural entre a pluralidade, por parte dela, em que as diferenças, suas especificidades e seus pontos de contato e/ou de conflito permitem exatamente uma maturação qualitativa da cultura intersubjetivamente vinculante e do caráter próprio aos/às (futuros/as) cidadãos/ãs. Nesse sentido, é interessante de se perceber o choque intercultural e, nele, com o contato entre as diferenças, a explicitação, a visibilização dos pré-conceitos consolidados ao longo de nossa evolução sociocultural, em especial, no caso, aos/às indígenas, uma situação que abala profundamente ao menino Daniel Munduruku em sua chegada à escola. Senão vejamos:

Nasci com cara de índio, dizem. Mas só soube disso depois. Colegas de escola assim me definiram tão logo me viram chegando com um uniforme apertado, fazendo conjunto com um short e com um sapato com número menor que meu pé (MUNDURUKU, 2016, p. 19).

Perceba-se que o termo “índio” é uma construção social, localizada historicamente, advinda da colonização e carrega toda uma carga semântica, política e cultural negativa, como que significando a antítese relativamente à modernidade-modernização, à civilização e à cultura, quase como um animal, uma coisa. Nesse sentido, logo à sua entrada na escola, Daniel Munduruku é enquadrado a partir desse estigma socialmente vigente, ao mesmo tempo em que, de modo correlato, as demais crianças são confrontadas com um “exemplar exótico” pertencente aos povos indígenas: esse contato intercultural possibilitado pela escola, por isso mesmo, leva ao estranhamento, ao conflito, fazendo saltar à luz do dia os estereótipos e os pré-conceitos consolidados tanto na cultura cotidiana de nossa sociedade quanto no mais íntimo de nossa consciência pessoal (momentos que, de resto não são separados). É por isso que Daniel Munduruku pode falar que é um “filho do sofrimento” (MUNDURUKU, 2016, p. 52), assim como Kaká Werá Jecupé pode compartilhar conosco que sua identidade pessoal (que está umbilicalmente ligada à sua pertença comunitária) não se separa da violência e da marginalização ocasionadas pela sua singularidade étnico-antropológica como indígena (JECUPÉ, 2002, p. 22-23; JECUPÉ, 1998, p. 12) – e, em ambos os casos, a experiência da marginalização, do preconceito e da violência demarca sua vinculação ao processo de modernização conservadora brasileira, sua inserção em nossa cultura nacional e em seus valores civilizatórios e socializadores centrais (KRENAK, 2017, p. 101; JEKUPÉ, 2002, p. 07).

Essa situação de violência simbólico-material, também experienciada na escola por Daniel Munduruku, pode ser percebida, além disso, em um episódio “curioso” vivido por ele quando de sua tentativa de paquerar uma colega de classe. Com efeito, apaixonado por ela, nosso “índio” a chama para uma conversa ao pé do ouvido e lhe confidencia o seu amor, propondo-lhe namoro. A postura da garota – Lindalva era seu nome – lhe deixou arrasado:

Lindalva ficou estupefata com minha proposta. Achou um atrevimento aquela conversa. Talvez por isso tenha sido muito cruel em suas palavras. Ela deu um passo para trás, levantou o dedo em minha direção e me passou um sermão que revelou toda a sua maldade. “E tu achas que eu, Linda, vou namorar contigo, um índio? Índio é feio, preguiçoso, selvagem, sujo, canibal, ignorante, burro, fedido, pobre...”. Ela foi dizendo palavras que eu nem entendia direito. Ela crescia diante de mim, enquanto eu ficava cada vez menor, encolhido em minha insignificância (MUNDURUKU, 2016, p. 59).

Citamos esses exemplos pelo fato de que, conforme estamos querendo significar, os povos indígenas viram na educação escolar o caminho, a base e o instrumento para sua resistência enquanto sujeitos políticos, para sua socialização e para sua vinculação à cultura nacional e, em tudo isso, para sua conquista da cidadania política como o fundamento garantidor de sua emancipação, do enfrentamento de nossa modernização conservadora. Aqui, inclusive, pudemos perceber exatamente esse choque entre a singularidade étnico-antropológica própria aos povos indígenas e o modelo cultural hegemônico, histórica e politicamente construído, do “índio” selvagem, rude e bárbaro, antítese da civilização, cuja imagem, como se disse acima, ficou estilizada no índio do século XVI (e conforme a visão dos colonizadores e dos missionários, bem como dos viajantes europeus em busca do exotismo), sem atualização, marcado por uma perspectiva anti-moderna, não-moderna. Ora, os/as intelectuais indígenas, muitos/as deles/as citados/as nesse artigo, têm como base de seu ativismo público, político e cultural exatamente esse modelo caricato, preconceituoso e deturpado do “índio”, o qual os/as motiva a assumirem o engajamento em torno à causa e à condição indígenas como o núcleo de sua luta, de sua vinculação público-política, em que o objetivo, ao publicizarem-se, consiste em desconstruir esses estereótipos, oferecer uma perspectiva alternativa sobre si e sobre o Brasil, dinamizarem uma postura de crítica do presente que confronta nossa cultura e nossa história nacionais com a chaga da colonização (em especial o etnocídio indígena e a escravidão negra), que, ao desnaturalizá-las, leva-as à politização – um ponto que as vítimas de nossa colonização (no caso, povos indígena e negro) têm condições efetivas de realizar. No que diz respeito aos/as intelectuais indígenas, o enfrentamento e a recusa desse qualificativo “índio”, com o desvelamento e a denúncia do fenômeno da colonização e da violência simbólico-materiais nele embutidas, dinamizam de modo pungente sua militância público-política. “Eu nunca gostei de ser índio”, diz Daniel Munduruku (Munduruku, 2016, p. 22), apontando exatamente para esse sentido político do referido termo, enquanto uma construção sociocultural e político-normativa profundamente dependente da colonização e naturalizada ao longo da evolução de nossa sociedade. É por isso, da mesma forma, que Ailton Krenak nos conta que o núcleo central de sua atuação no Movimento Indígena e de sua vinculação à nossa esfera pública, política e cultural democrática como intelectual indígena encontra seu sentido exatamente nesse incômodo por ele experienciado em ser visto e identificado como índio, posto que essa é a imagem do colonizador relativamente aos povos indígenas, não a visão que os povos indígenas têm de si mesmos. Ailton Krenak nos diz, acerca dessa situação:

E o outro desconforto era me identificar como índio, porque índio é um erro de português, plagiando o Oswald, que disse que, quando o português chegou ao Brasil, estava uma baita chuva, aí ele vestiu o índio, mas, se estivesse num dia de sol, o índio teria vestido o português e estaria todo mundo andando pelado por aí. Isso continua valendo até hoje e eu atualizei dizendo que o índio é um equívoco do português, mas não um erro, porque o português saiu para ir para a Índia. Mas ele perdeu a pista e veio bater aqui nas terras de Pindorama, viu os transeuntes da praia e acabou carimbando de índios. Aquele carimbo errado, equívoco, ficou valendo para o resto das nossas relações até hoje, e a resposta para uma pergunta tão direta e simples poderia ser tão direta e simples quanto. Quando foi que eu atinei que eu tinha de fazer essas coisas que eu ando fazendo nos últimos 50 anos da minha vida, que é quase que repetir o mesmo mantra, dizendo para esse outro: “ô, cara, essa figura que você está vendo no espelho não sou eu não, é você, esse espelhinho que você está me vendendo não sou eu, isso é um equívoco”? E saí do sentimento para a prática na pista dos meus parentes mais velhos do que eu, que estavam sendo despachados da zona rural para as periferias miseráveis do Brasil, o que acontece em qualquer canto, no Norte, no Sul, em qualquer lugar (KRENAK, 2015, p. 239. Cf., ainda: JECUPÉ, 1998, p. 13; GRAÚNA, 2013, p. 74).

O/a “índio/a” é uma construção que tem por cerne um processo de colonização simbólico-material etnocida, ainda hoje vigente, não um sujeito, uma prática e um valor essencialistas e naturalizados – uma perspectiva que, ao explodir na esfera pública, como crítica do presente, politiza a sociedade envolvente, suas instituições, seus sujeitos sociopolíticos, suas práticas e seus valores culturalmente hegemônicos. Como se viu pela passagem, essa compreensão simbólico-cultural de caráter colonial acerca do/a “índio/a” caminha pari passu com processos hodiernos de exclusão, de marginalização e de violência contra os povos indígenas e, em verdade, sustentam-se mutuamente, legitimam-se de modo correlato. É aqui que se dá a imbricação de educação formal ou de escolarização, de Movimento Indígena enquanto práxis política e de ativismo estético-literário, a saber, como publicização da singularidade étnico-antropológica e do relato da condição de marginalização, de exclusão e de violência vividas e sofridas e em termos de crítica do presente, a singularidade étnico-antropológica e o relato autobiográfico, testemunhal e mnemônico direto da marginalização com e como crítica do presente – situação que é possibilitada exatamente pela apropriação da educação escolar formal e pela sua utilização para a dinamização da causa e da condição indígenas, para sua consolidação como sujeitos público-políticos, em termos de cidadania política, inclusive com vasta produção estético-literária a nos explicitar o Brasil visto pelos/as indígenas, a história de nossa sociedade desenvolvida por suas vítimas, as expectativas e os dramas vividos por eles/as no contexto de nosso processo de modernização conservadora (BANIWA, 2006, p. 86-116; GUAJAJARA, 2017, p. 28-29; JEKUPÉ, 2009, p. 11-22). Pode-se, com isso, dizer que, por meio da apropriação da educação escolar formal, os povos indígenas passaram à, enraizaram-se na esfera pública, seja sob a forma de militância, de ativismo e de engajamento políticos, seja em termos de produção de conhecimento, de cultura e de arte vinculadas à causa e à condição indígenas e tendo como foco a superação da invisibilização, do silenciamento e do privatismo a que os povos indígenas haviam sido submetidos ao longo da evolução de nossa sociedade, em confronto direto com o legado simbólico-material naturalizado e, portanto, despolitizado, apolítico do processo de colonização e, depois, de modernização conservadora brasileira.

Da educação escolar formal para o Movimento Indígena, do Movimento Indígena para o ativismo estético-literário

A partir da década de 1970, povos, lideranças e intelectuais indígenas de diferentes regiões brasileiras, capitaneados, em um primeiro momento, por etnias ameríndias do Alto Rio Negro, no Amazonas, organizaram-se em torno a isso que ficou conhecido como o Movimento Indígena brasileiro, com o objetivo de vincular-se à esfera pública, como sujeito político capaz de uma perspectiva ativista, militante e engajada direta, sem mediações institucionalistas, cientificistas e tecnicistas (ou colocando-as em segundo plano, substituindo-as por esse ativismo direto), recusando a compreensão, até então vigente, de que seriam povos e indivíduos de responsabilidade relativa que, por isso mesmo, deveriam ser enquadrados, orientados e mesmo substituídos tecnocraticamente por órgãos públicos (SPI e, depois, FUNAI) e privados (missões religiosas católicas e evangélicas, ONGs internacionais etc.) sempre que a questão e a condição indígenas estivessem em jogo (BANIWA, 2006, p. 56-85). É bom lembrar-se, nesse contexto, que a década de 1970 é marcada pela expansão socioeconômica rumo às regiões centro-oeste e norte, estimulada pelos governos militares, um processo amplo e intensificado que implicou na usurpação de terras pertencentes aos povos indígenas, no desmatamento generalizado para a viabilização de áreas para cultivo e pecuária e, em tudo isso, em situações de expulsão de indígenas de suas terras, assassinatos, contaminação e morte por doenças etc. (KOPENAWA e Albert; 2015, p. 305-306; Valente, 2017, p. 24-33). Ora, o Movimento Indígena é organizado e passa a vincular-se à esfera pública exatamente diante desse processo de marginalização, institucionalmente legitimado e conduzido, que, no dizer de Ailton Krenak, levou os povos indígenas a pensarem que não sobreviveriam a uma situação como essa (KRENAK, 2015, p. 220).

Por isso mesmo, na gênese e na dinâmica do Movimento Indígena brasileiro temos exatamente a intenção fundamental de superar-se isso que chamaremos de paternalismo tecnocrático13 e, como causa dessa situação, a responsabilidade relativa até então atribuídos e impostos aos povos indígenas em termos institucionais e culturais. Essa atitude por parte dos povos indígenas foi possível, como estamos argumentando, pela correlação de ativismo político direto na esfera pública e produção de conhecimento, de arte e de literatura pelos/as próprios/as intelectuais indígenas, em uma dinâmica que, conforme vimos na primeira parte deste texto, visava desconstruir estereótipos, preconceitos e visões naturalizados e até fantásticos relativamente aos povos indígenas, enquanto a antítese completa da modernidade, da civilização – como contraponto-antítese da civilização-modernidade, deveriam exatamente ser tutelados, confinados em reservas como gado a ser domesticado e pastoreado, afastados, inclusive, da esfera pública, tendo recusado seu ativismo político-cultural. É nesse diapasão que os/as intelectuais indígenas afirmam que a socialização escolar, o domínio da gramática formal, das ferramentas epistemológicas, dos valores políticos e das mídias em geral permitiram exatamente o enraizamento e a amplificação do ativismo indígena, naquela correlação de Movimento Indígena e pensamento e literatura indígenas. Sobre esse ponto, Álvaro Tukano, uma das lideranças indígenas mais importantes do Brasil hodierno e fundador do Movimento Indígena, nos conta acerca da opção pela educação como o ponto nevrálgico para a reorganização político-cultural dos povos indígenas na contemporaneidade:

Meu pai preferiu fazer outra coisa: para manter as tradições, percebeu que precisava tratar com os colonizadores, e me colocou no colégio para aprender a ler e escrever, para poder defender melhor um diálogo com nossos pontos de vista estratégicos, para poder falar de nossas coisas, tecer novos aliados entre nós, e dizer claramente que os nossos valores têm de ser mantidos por nós. Não é o padre que é responsável por salvar o nosso povo. Então meu pai pensou de uma maneira diferente, me colocando na escola. Hoje estou com 63 anos, mas continuo pensando igual o que meu avô fez, o que meu pai fez, que é defender o meu povo. Hoje tem também uma nova geração, né? Meu pai não sabia muita coisa, aprendeu pouquinho. Eu aprendi um pouco mais. Hoje, os meus filhos estão nas universidades, devem ter captado mais informações acadêmicas para poder liderar a discussão. E tudo isso é importante para acabar com a falta de diálogo, a dificuldade que nós tivemos para falar com as pessoas externas (TUKANO, 2017, p. 15-16. Cf., ainda: JEKUPÉ, 2002, p. 36).

Perceba-se essa perspectiva de apropriar-se da educação escolar formal e mesmo universitária, com todas as ferramentas epistemológicas e canais midiático-digitais dali potencializados e gerados, a fim de viabilizar um contato político-cultural com a sociedade envolvente em que esses mesmos povos indígenas pudessem assumir-se como sujeitos de sua condição e de sua causa, a partir de uma práxis direta frente ao/à branco/a, frente à cultura hegemônica constituída a partir da colonização e, depois, de nossa modernização conservadora. O ponto importante, aqui, consiste na práxis direta, dos/as indígenas por si mesmos/as e desde si mesmos/as, sem mediações institucionalistas, tecnicistas e cientificistas, como dissemos acima. Ora, o que significa essa mediação institucionalista, tecnicista e cientificista e, da mesma forma, qual a implicação dessa voz-práxis direta na esfera pública e como sujeito político-cultural? A herança simbólico-cultural nacional em torno ao/à indígena tem por base uma imagem estilizada e caricata dele/a que bebe em três fontes normativas fundamentais, a saber: o índio romântico, nobre e guerreiro da literatura nacional dos séculos XVII e XVIII, um personagem caricato (frise-se: um personagem apenas) moldado a partir da noção medievalesca do cavaleiro romântico, nobre e guerreiro que luta contra os maus por sua amada e eventualmente dá a vida por ela; uma noção propriamente animalesca e moralmente depravada de indígena, mais próprio a uma besta, a uma fera, do que a um ser humano, eventualmente não possuindo sequer uma alma, posição essa produzida e sustentada por missionários cristãos, em especial José de Anchieta; e a noção exótica e filosófica do bom selvagem, bom porque não-civilizado, pré-civilizado, o que apontava para o/a indígena como a antítese da civilização. Essas três ideias subjacentes à compreensão caricata, colonial dos/as nossos/as indígenas não apenas levaram à ossificação e à naturalização culturais desse personagem enquanto pertencente ao passado longínquo, como alguém rude, bárbaro e confinado ao âmbito mais recôndito das matas, como a antítese da modernidade, senão que também conduziram a uma dupla consequência político-cultural: seu confinamento, já no século XX (e Marechal Rondon foi o exemplo mais claro disso), em reservas ao estilo de, no dizer de Ailton Krenak, gado pura e simplesmente; e sua atribuição de responsabilidade relativa, isto é, a incapacidade de agir e, por isso, de responder de maneira autônoma por seus atos. Em ambos os casos, os/as indígenas seriam exatamente afastados da esfera pública, tendo recusada sua cidadania política e, como fecho de abóboda disso, seriam tutelados por instituições e órgãos públicos e privados – o confinamento em reservas e a responsabilidade relativa, enquanto momentos correlatos e mutuamente dependentes, afastariam os/as indígenas da vida social, retirariam deles sua capacidade de agir como sujeitos em termos de cidadania política e, em tudo isso, corroborariam mais uma vez aquela imagem pré-civilizacional e anti-moderna construída ao longo da evolução de nossa sociedade, assumida por nossas instituições e por nossas elites político-econômicas como base para sua despolitização da questão indígena, para sua substituição dos/as próprios/as indígenas pelos órgãos institucionais e por seus/as técnicos/as (MUNDURUKU, 2012, p. 23-42; MUNDURUKU, 2017, p. 120-123; RISÉRIO, 1993, p. 55-67).

Por isso, a organização e o ativismo do Movimento Indígena brasileiro e, depois, a intensa produção de conhecimento, de arte e de cultura por seus/as intelectuais tiveram e têm como escopo tanto desconstruir aquele estereótipo acima delineado quanto atacar essa questão da responsabilidade relativa dos povos indígenas. Em verdade, o Movimento Indígena brasileiro, ao constituir-se enquanto braço político dos povos nativos com o objetivo de publicizar a condição e a causa indígenas, ao assumir-se como sujeito político-cultural atuante no âmbito de nossa sociedade civil e frente às instituições políticas, colocou exatamente a questão indígena no centro da pauta política, uma reivindicação, diga-se de passagem, que somente foi reconhecida em definitivo com a Constituição Federal de 1988, em seu assim chamado capítulo dos índios. No caso, a ideia, a intenção era bem simples: assumir uma voz-práxis direta na esfera pública, como sujeito político-cultural, minimizando as mediações institucionalistas, tecnicistas e cientificistas relativamente à condição e à causa indígenas e, com isso, superando seja aquela imagem caricata e apolítica do/a indígena, seja sua responsabilidade jurídico-política relativa, que levavam exatamente ao silenciamento, à invisibilização e ao privatismo desses mesmos povos indígenas. Diz Álvaro Tukano sobre isso:

Seja índio ou branco, a gente tem de fazer uma nova sociedade. O Brasil precisa ser dirigido pelos novos, menos contaminados por essa prática de evangelizar e tutelar o índio. Se a tutela fosse uma salvação de fato, eu bateria palmas. Mas tem limitado minha voz, tem atado as minhas mãos e de outros líderes também. Então, o que estou falando é para desatar esse pano que tem vendado as vozes das lideranças, as mãos das lideranças. Acho que o público precisa ouvir diretamente o que os verdadeiros líderes pensam, falam e defendem sobre a questão indígena. É isso que se tem que entender (TUKANO, 2017, p. 27; os destaques são nossos. Ainda: JEKUPÉ, 2009, p. 38; THIÉL, 2012, p. 35).

Falar diretamente, agir sem mediações, sair do recôndito das matas e vincular-se à, enraizar-se na esfera público-política – eis a perspectiva fundamental do Movimento Indígena brasileiro. Note-se, relativamente a isso, que a superação da tutela tecnocrática e esse movimento de “saída” da mata para a consolidação e a militância na esfera público-política implicam exatamente em que uma minoria política, normativa e culturalmente construída ao longo da colonização, como produto da colonização, possa assumir politização e, com isso, desnaturalizar e politizar a sociedade envolvente, suas instituições, seus sujeitos sociopolíticos, suas práticas e seus valores hegemônicos, sua história contada exatamente desde o prisma e os interesses do colonizador. Ao sair da invisibilização e romper com seu privatismo e seu silenciamento, os povos indígenas permitem a dissonância e a contradição na vida sociocultural e na esfera político-institucional, assim como o fazem diferentes vítimas de nossa modernização conservadora, como negros/as, mulheres, LGBTTs etc. – a pluralidade negada desnaturaliza e politiza o passado, o presente e o futuro de nossa sociedade. Assim, a recusa da menoridade político-cultural e o enfrentamento da tutela tecnocrática acabam desvelando que, em verdade, não são os povos indígenas os únicos tutelados, os únicos assujeitados devido à sua menoridade político-cultural, senão que é o povão de um modo geral que está permanentemente submetido ao jugo do analfabetismo político, da menoridade cultural e, com isso, da tutela tecnocrática por parte de nossas elites. Não por acaso, a fragilidade da democracia brasileira enquanto nossa característica contemporânea, seja em termos institucionais, seja no que tange a uma cultura público-política grandemente conservadora, apolítica-despolitizada e, assim, marcada pela antipolítica como valor fundamental, demostra exatamente que o povo em geral é percebido e afirmado – em muitas situações percebe-se e afirma-se – como culturalmente menor, como incapaz politicamente falando. Daí que o ativismo indígena na esfera pública, como sujeito político-cultural, questiona essa condição político-cultural da sociedade brasileira como um todo, não apenas como uma “condição” dos e para os povos indígenas, especialmente no contexto da Ditadura Militar (que foi o momento de emergência do Movimento Indígena brasileiro e seu alvo de luta). É por isso que, à pergunta de por que o governo brasileiro mantém os índios tutelados, Ailton Krenak nos diz, em uma entrevista de 1989:

Acho que você conhece a história das potências que colonizaram outras regiões do mundo e que tratam os nativos como cidadãos de segunda ou terceira categoria. Se você observar, a Inglaterra e a França mantinham até recentemente colônias na África e na Ásia, onde os nativos tinham o status aproximado da mula ou do cavalo. Aqui, no Brasil, os índios continuam tendo um status parecido com o de animais silvestres. Nós somos objetos da atenção do Estado enquanto seres que precisam ser preservados como fauna. Também temos a atenção do Estado como pessoas e indivíduos que precisam ser vigiados para que não entrem num processo de contestação do poder do Estado, de contestação da ordem estabelecida e de questionamento dos crimes que foram praticados contra o nosso povo. Nós somos a memória viva e um testemunho sempre muito explícito da história recente da ocupação desta região do mundo. Cada um dos nossos meninos sabe como foi que os brancos se tornaram senhores desta terra e quando nós deixamos de ser os donos (KRENAK, 2015, p. 84-85).

Os povos indígenas são memória viva e testemunho sempre presente da constituição e da evolução de nossa sociedade, ou seja, eles, assim como as minorias político-culturais de um modo geral, levam à politização desse processo constitutivo-evolutivo, de seus sujeitos sociopolíticos, de suas práticas e de seus valores centrais, da própria história oficial de nossa sociedade. Por isso mesmo, sua militância, seu ativismo e seu engajamento público-político conduzem à politização não apenas de si, de sua condição e de sua causa, mas também da sociedade brasileira de um modo mais geral, de sua história, de seu presente e de seu futuro. É aqui que a correlação de Movimento Indígena e educação formal chega à publicização do conhecimento, da cultura e da arte indígenas como o momento fundamental para a hegemonia cultural de nossos povos nativos, que se colocam em um diálogo e em uma interação profícuos e intensos com a sociedade civil não-indígena, com as instituições públicas e os partidos políticos, com as escolas e as universidades, com as diferentes mídias, inclusive gradativamente assumindo espaços institucionais nestas esferas. E é aqui que queremos situar a literatura indígena não apenas enquanto consequência da vinculação público-política do Movimento Indígena brasileiro e da apropriação da educação formal – de suas ferramentas e tecnologias – pelos povos indígenas e sob a forma de educação escolar indígena para a promoção da condição e da causa indígenas, mas também como instrumento pedagógico, político e cultural de publicização da singularidade étnico-antropológica deles, para a atualização e publicização de suas memórias, bem como – e isso é muito importante – para um relato direto, autobiográfico, testemunhal, experiencial e mnemônico das situações de exclusão, de marginalização e de violência vividas e sofridas em termos da constituição e da evolução de nossa sociedade. Para Kaká Werá, escritor indígena pertencente à tradição tupi-guarani, a literatura adveniente da educação escolar indígena nas aldeias, ao vincular-se ao Movimento Indígena e tornar-se sua promotora fundamental, leva à conquista e à consolidação da cidadania política para os/as, por parte dos/as indígenas, momento fundamental para a democratização efetiva de nossa sociedade, uma vez que ela permite exatamente uma voz-práxis direta, sem mediações institucionalistas e tecnocráticas. Ele diz:

Para nós, a literatura indígena é uma maneira de usar a arte, a caneta, como estratégia de luta política. É uma ferramenta de luta. E por que uma luta política? Porque, à medida que a gente chega na sociedade e a sociedade nos reconhece como fazedores de cultura, como portadores de saberes ancestrais e intelectuais, ela vai reconhecendo também que existe uma cidadania indígena (WERÁ, 2017, p. 19; os destaques são do autor. Ainda: KATY, 2011, p. 29-31).

Uma voz-práxis autoral, dos/as indígenas por si mesmos/as e desde si mesmos/as, permite-nos acessar de modo direto a própria singularidade étnico-antropológica específica a eles/as, não mais de modo mediado, tecnicista ou caricato, mas desde um, como um relato autobiográfico, testemunhal e mnemônico de sua situação. As diferenças nos contam de modo direto sobre si; as vítimas nos relatam em termos autorais a situação de violência simbólico-material vivida. Na esfera pública, elas permitem a politização das instituições, dos sujeitos sociopolíticos, da cultura nacional, tornando-se, em consequência, práxis pedagógica por meio do ativismo, da militância e do engajamento diretos. Sua aparição, ali, representa o desvelamento, a explicitação, a visibilização da marginalização social e dos sujeitos sociopolíticos envolvidos nesse processo. Sua saída do privatismo civil significa sua politização e a politização das condições, dos sujeitos e dos valores que invisibilizam, silenciam, despolitizam e privatizam a condição e a causa indígenas, mas também o passado, o presente e o futuro da democracia em sentido mais amplo. É exatamente por isso que Daniel Munduruku afirma que é um escritor militante que utiliza a literatura indígena como instrumento pedagógico, como perspectiva educacional em que o/a próprio/a indígena, socializado na cultura nacional e dominando as ferramentas epistemológico-políticas da modernidade, compartilha com a sociedade nacional, com os/as não-indígenas, suas histórias de humanidade e nos conta da marginalização vivida e sofrida por causa de sua pertença étnico-antropológica – situação que acontece com todas as minorias no momento em que aparecem na esfera pública, em termos de ativismo político-cultural. Ele diz, sobre isso:

É que para mim a escrita era uma espécie de instrumento pedagógico. Sempre tive no horizonte o objetivo de auxiliar a sociedade brasileira a conhecer, a compreender e a aceitar a diversidade indígena. Era uma questão de honra. Não me via como um escritor, mas como um educador cuja principal tarefa era “jogar piolhos” na cabeça da sociedade e deixar ela se inquietar, pensar, se coçar e refletir sobre sua própria identidade étnica. Até hoje penso assim, mas agora já sei que sou um escritor que faz uma literatura militante, comprometida com a transformação social (MUNDURUKU, 2016, p. 177. Ainda: BEHR, 2017, p. 259-279).

Uma literatura militante, uma perspectiva político-cultural engajada – essas foram as conquistas fundamentais da apropriação da educação escolar, de suas ferramentas epistemológicas e das tecnologias de informação por parte dos povos indígenas, em seus/as intelectuais e escritores/as. Isso lhes permitiu, como maturação desse processo de constituição de um sujeito político-cultural que se enraíza na esfera pública, um diálogo e uma interação permanentes com a sociedade civil não-indígena, com lideranças e intelectuais, com partidos políticos e instituições em torno à causa e à condição indígenas, mas também relativamente ao próprio processo de modernização conservadora brasileira (MUNDURUKU, 2011, p. 60-61; ESBELL, 2013, p. 19-33; JEKUPÉ, 2002, p. 36). Com efeito, o núcleo duro do ativismo político-literário indígena brasileiro na atualidade pode ser definido e se dinamiza exatamente como crítica da modernização brasileira, em que o pensamento ameríndio alcança a esfera pública e, com base em seus valores étnico-antropológicos e socioculturais fundantes, procura enquadrar nossa sociedade – buscando inclusive um alcance internacional – sobre as consequências deletérias de um processo irreflexivo de degradação ecológica que é acompanhado da má utilização e distribuição dos recursos socioeconômicos. Não por acaso, o livro A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, utiliza-se do conhecimento e das experiências xamânicos possuídos e apresentados por Davi Kopenawa como uma plataforma político-normativa para a crítica da modernidade-modernização brasileira, de que comentamos acima, mostrando como, desde a perspectiva dos povos indígenas, é possível construir-se uma postura moderada de utilização do meio ambiente que é acompanhada de uma práxis ligada à justiça social e ao reconhecimento cultural no âmbito ético-político. Ou seja, em tudo isso, ao dominar as técnicas gramaticais e ao utilizar as ferramentas digitais, ao socializar-se na cultura nacional de modo mais amplo, os povos indígenas não apenas passam a reconhecer-se e a ser reconhecidos em sua cidadania política, como parte integrante da vida nacional, senão que também passam a exercer sua cidadania política como crítica da modernidade e em favor da democracia político-cultural e do desenvolvimento sustentável. Aqui, com certeza, já não se trata mais do/a índio/a dos séculos XVI e XVII, mas exatamente de um cidadão/ã moderno/a, cosmopolita até, no pleno uso de sua voz-práxis político-cultural e buscando reconhecimento para si e para todos/as os/as que, como ele/a, são marginalizados/as por sua pertença étnico-antropológica e/ou por sua condição social – tudo isso sem abandonar, deslegitimar ou negar essa sua pertença étnico-antropológica, sua condição como diferença. Direcionando suas palavras xamânicas (como crítica da modernidade) aos não-indígenas, essas palavras sob a forma de relato oral, que agora estão adaptadas à norma gramatical culta e que aparecem publicadas em um livro impresso (também traduzido para o francês e para o inglês), Davi Kopenawa diz a Bruce Albert, diz a todos/as nós:

Os brancos não pensam muito adiante no futuro. Sempre estão preocupados demais com as coisas do momento. É por isso que eu gostaria que eles ouvissem minhas palavras através dos desenhos que você fez delas; para que penetrem em suas mentes. Gostaria que, após tê-las compreendido, dissessem a si mesmos: “Os Yanomami são gente diferente de nós e, no entanto, suas palavras são retas e claras. Agora entendemos o que eles pensam. São palavras verdadeiras! A floresta deles é bela e silenciosa. Eles ali foram criados e vivem sem preocupação desde o primeiro tempo. O pensamento deles segue caminhos outros que o da mercadoria. Eles querem viver como lhes apraz. Seu costume é diferente. Não têm peles de imagens, mas conhecem os espíritos xapiri e seus cantos. Querem defender sua terra porque desejam continuar vivendo nela como antigamente. Assim seja! Se eles não a protegerem, seus filhos não terão lugar para viver felizes. Vão pensar que a seus pais de fato faltava inteligência, já que só terão deixado para eles uma terra nua e queimada, impregnada de fumaças de epidemia e cortada por rios de águas sujas!”.

Gostaria que os brancos parassem de pensar que a nossa floresta é morta e que ela foi posta lá à toa. Quero fazê-los escutar a voz dos xapiri, que ali brincam sem parar, dançando sobre seus espelhos resplandecentes. Quem sabe assim eles queiram defendê-la conosco? Quero também que os filhos e filhas deles entendam nossas palavras e fiquem amigos dos nossos, para que não cresçam na ignorância. Porque, se a floresta for completamente devastada, nunca mais vai nascer outra. Descendo desses habitantes da terra das nascentes dos rios, filhos e genros de Omama. São as palavras dele, e as dos xapiri, surgidas no tempo do sonho, que desejo oferecer aqui aos brancos. Nossos antepassados as possuíam desde o primeiro tempo. Depois, quando chegou a minha vez de me tornar xamã, a imagem de Omama as colocou em meu peito. Desde então, meu pensamento vai de uma para outra, em todas as direções; elas aumentam em mim sem fim. Assim é. Meu único professor foi Omama. São as palavras dele, vindas dos meus maiores, que me tornaram mais inteligente. Minhas palavras não têm outra origem. As dos brancos são bem diferentes. Eles são engenhosos, é verdade, mas carecem muito de sabedoria (KOPENAWA & ALBERT, 2015, p. 64-65. Ainda: WERÁ, 2016, p. 46-47).

Note-se, nessa passagem, três pontos fundamentais: a profunda correlação entre cultura e natureza, que é muito própria da condição étnico-antropológica indígena, inclusive com a afirmação de que a cultura está inserida na natureza e de que esta possui um sentido normativo-espiritual; a utilização do xamanismo como horizonte interpretativo e como fundamento da crítica relativamente à modernidade, o que significa que não é apenas o cientificismo a base paradigmática da interpretação do mundo, da fundamentação da ação humana e da organização das instituições – o xamanismo também serve muito bem a tal intento; a própria crítica à modernidade, seja na sua separação entre cultura e natureza, seja no que se refere à compreensão dessa mesma natureza como res extensa, constituída apenas de corpos biológicos e objetos materiais, ambos despossuídos de qualquer resquício de normatividade, o que gera uma contraposição aguda entre ambas, apontando para uma perspectiva simbólica em que a natureza, enquanto instrumento, não educa e nem sensibiliza à sociedade envolvente. Em tudo isso, vê-se a tentativa do diálogo intercultural e da interação político-cultural entre grupos humanos que fazem parte de um mesmo contexto, a modernização, mas que, no âmbito da colonização brasileira e, depois, de nossa modernização conservadora, foram separados e contrapostos exatamente a partir do paradigma normativo da modernidade, que divide cultura e natureza e, nesse caso, que correlaciona civilização, modernidade e cultura, bem como natureza, selvageria e animalidade, contrapondo-as. Essa situação, como dissemos, mudou significativamente a partir do momento em que os povos indígenas brasileiros perceberam que somente a inserção na cultura nacional e a perspectiva de crítica à modernidade em termos de ativismo, militância e engajamento na esfera pública, como sujeitos político-culturais, seriam a tábua de salvação para sua condição de vítimas de uma modernização avassaladora que punha em xeque sua existência nesse século XXI. Para isso, sua apropriação da educação formal, das ferramentas epistemológicas e das mídias impressas e digitais foi o momento fundamental da politização dos povos indígenas, o que redundou, conforme fizemos ver neste último momento, na crescente produção e na consolidada divulgação de conhecimento, arte e cultura pelos/as próprios/as indígenas, como forma de apresentar ao público não-indígena sua riqueza étnico-antropológica e de desvelar as situações de marginalização, de exclusão e de violência vividas enquanto minoria. Ora, isso aponta tanto para uma crítica da modernidade-modernização brasileira, em termos de uma cidadania política ativa e maturada, quanto para a reafirmação da pertença indígena como o objetivo e o horizonte últimos da vida desses grupos, desses/as intelectuais que fazem da condição e da causa de seus povos a sua bandeira de vida e de luta, e que acabam diretamente contribuindo para o alargamento da esfera pública, para a inclusão política das diferenças e, em tudo isso, para o aperfeiçoamento da cultura e das instituições democráticas, pois que a educação democrática é constituída, fundada e dinamizada de modo consistente no momento em que as diferenças, a pluralidade de seus valores e práticas e as contradições entre elas são afirmadas como o núcleo dos processos formativos humanos e da maturação da cultura e das instituições intersubjetivamente vinculantes. É por isso que, com Eliane Potiguara, escritora indígena, podemos falar:

Nosso ancestral dizia: Temos vida longa!/Mas caio da vida e da morte/ E range o armamento contra nós./Mas enquanto eu tiver o coração aceso/Não morre a indígena em mim/ E nem tampouco o compromisso que assumi/Perante os mortos/De caminhar com minha gente passo a passo/E firme, em direção ao sol./ Sou uma agulha que ferve no meio do palheiro/ Carrego o peso da família espoliada/Desacreditada, humilhada/Sem forma, sem brilho, sem fama (POTIGUARA, 2004, pp. 102-103. Ainda: ESBELL, 2013, p. 73-74; JEKUPÉ, 2002, p. 13; KAMBEBA, 2013, p. 23-28).

Considerações finais

Da invisibilização, do silenciamento e do privatismo impostos aos povos indígenas enquanto herança da colonização passamos exatamente a um sujeito político-cultural ameríndio vinculado à e ativo na esfera pública, por meio do domínio e da utilização da educação escolar e da apropriação das ferramentas epistemológicas e das tecnologias digitais da sociedade não-indígena, um sujeito político-cultural que ocupa espaços culturais, assume perspectivas políticas e adentra nas instituições de modo a realizar uma fala-práxis direta, dos/as indígenas por si mesmos/as e desde si mesmos/as, recusando seja o paternalismo tecnocrático, seja a ideia de responsabilidade relativa. Trata-se, como se pode ver, de um sujeito socializado na cultura nacional, que domina processos cognitivos, práticas político-culturais e instrumentos epistemológico-digitais propriamente modernos, utilizados agora para a promoção das singularidades étnico-antropológicas indígenas e como forma de publicização e de politização da condição indígena no país, em um diálogo e em uma interação permanentes e pungentes com a sociedade civil, com as instituições públicas e com seus sujeitos políticos. Em tudo isso, como fizemos ver, a opção pela educação e por essa assunção das ferramentas e das tecnologias próprias à cultura moderna transformou o modo como os povos indígenas inseriram-se na cultura nacional, nesse amplo processo de modernização brasileira, uma vez que os dotou de habilidades, práticas e valores fundamentais para a participação na esfera pública e para o ativismo político-cultural, o que implicou na solidificação da questão indígena como um dos problemas políticos fundamentais para nossa sociedade, para nossas instituições, correlatamente ao fato de que, agora, por meio de uma voz-práxis direta e vívida de sua condição de exclusão, de marginalização e de violência, a sociedade brasileira não-indígena passaria a ter conhecimento de relatos autorais, testemunhos autobiográficos dos desafios enfrentados pelos povos indígenas no país, além de poder aprender com suas singularidades, com suas alteridades. Da educação escolar indígena, do domínio dessas ferramentas epistemológico-digitais14, da socialização na cultura nacional (consolidada pela educação escolar para os povos indígenas) passou-se, assim, a um ativismo público, político e cultural que tem como cerne exatamente a crítica da modernidade, a inserção crítico-criativa nesse grande processo de modernização.

Com efeito, e este é nosso argumento derradeiro para o momento, a vinculação pública e o engajamento político-cultural de povos, intelectuais e escritores/as indígenas junto à sociedade não-indígena tem por cerne exatamente um enquadramento de nosso processo de constituição e de desenvolvimento como sociedade brasileira, em que a chaga da colonização constitui-se como o legado perene da vida nacional, das práticas culturais e de posturas público-políticas hegemônicas não apenas relativamente à questão indígena, mas também em termos da permanência reestilizada do racismo, do autoritarismo e do militarismo políticos, do conservadorismo cultural, da periferização socioeconômica, da corrupção político-econômica etc. Os povos indígenas, na figura de seus/as intelectuais e escritores/as, bem como em sua permanente vinculação e militância na esfera pública (pense-se nos inúmeros eventos que tematizam a questão indígena, capitaneados pelos próprios povos indígenas, como o Acampamento Terra Livre, com mais de uma década de funcionamento), dinamizam uma crítica permanente à nossa modernização conservadora, denunciando as contradições surgidas – e em muitos casos despolitizadas – entre a constituição de uma sociedade propriamente moderna, democrática, e a permanência de princípios e práticas específicos exatamente à sociedade colonial, como esses acima elencados. O ativismo indígena na esfera pública e sob a forma de sujeito político-cultural traz à tona, portanto, uma crítica pungente à constituição de nossa sociedade contemporânea, explicitando seus déficits ainda vigentes e colocando-se como interlocutor privilegiado da tematização e da resolução deles. Como dissemos em outro momento, trata-se de um modelo político do/a indígena que já não guarda mais nenhuma correlação com aquela figura caricata do passado, do/a indígena como a antítese da civilização, enquanto uma perspectiva anti-moderna (no sentido de incapacidade para a modernidade, para a civilização), produzida para legitimar a colonização e que levou à sua expulsão da esfera pública, ao seu confinamento ao âmbito mais recôndito de nossas matas e à sua deslegitimação como sujeito político-cultural. Hoje, esse ativismo político-cultural direto, na correlação de Movimento Indígena e produção e publicização de conhecimento, de arte e de cultura indígenas, traz os/as indígenas para dentro de nossa modernização, politizando-a diretamente desde a voz-práxis de suas vítimas, que agora assumem-se como sujeitos dela. Da educação escolar e do domínio e da utilização das técnicas epistemológicas e das ferramentas digitais passamos, como queremos significar, para a crítica à modernização brasileira por um sujeito político-cultural indígena atuante e engajado, no pleno uso de sua cidadania política, que escolhe a esfera pública e a práxis político-cultural como o lugar e o instrumento fundamentais para sua construção e sua reafirmação, que significam ao mesmo tempo exatamente esse enquadramento de nosso processo de modernização.

Referências

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Notas

4 Sobre a questão própria à educação escolar indígena, em sua constituição e em seus desdobramentos, indicamos como leituras fundamentais as seguintes obras: Educação escolar indígena sob o ponto de vista de seus protagonistas (Benvenuti et al, Porto Alegre, EVANGRAF, 2013; Educação escolar indígena no século XXI: encantos e desencantos (Gersem Baniwa, Rio de Janeiro, Mórula, 2019); Língua, educação e interculturalidade na perspectiva indígena (Gersem Baniwa, Rio Branco, NEPAN Editora, 2016).
5 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0026.htm
7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
8 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
9 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm
10 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6861.htm
11 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=11074-rceb005-12-pdf&category_slug=junho-2012-pdf&Itemid=30192
12 http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/32100518/do1-2015-01-08-resolucao-n-1-de-7-de-janeiro-de-2015-32100495
13 Por paternalismo tecnocrático estamos entendendo a situação de tutela dos e sobre os povos indígenas exercida pelo SPI e, depois, pela FUNAI, em que os sujeitos indígenas teriam negada sua autonomia na esfera pública, uma vez não sendo reconhecidos como maiores em termos jurídicos, conforme o Estatuto do Índio (Lei 6001, de 1973, vigente até 1988, derrubada pela Constituição Federal de 1988, em seu Capítulo dos Índios). Como sujeitos de maioridade relativa, não sendo, portanto, considerados enquanto dominando plenamente processos reflexivos e decisórios próprios a um cidadão comum, não podiam votar e ser votados, assumir contratos jurídicos e sequer viajar – para viajar, por exemplo, necessitavam de autorização governamental. Nesse aspecto, o Estado brasileiro assumir a responsabilidade sobre os indígenas (paternalismo) e falava em nome deles, agia em nome deles (tecnocracia) (sobre a tutela tecnocrática e a questão da maioridade relativa, pode-se consultar: TUKANO, 2017; KRENAK, 2015).
14 Ferramentas epistemológico-digitais, isto é, domínio e utilização de conceitos científicos e do arcabouço filosófico, sociológico, antropológico, pedagógico, jurídico, histórico etc. próprio à academia, bem como de instrumentos digitais, como o computador, a internet, o livro impresso, o telefone, o vídeo, a televisão etc.

Autor notes

1 Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre – RS, Brasil. Professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho – RO, Brasil.
2 Doutoranda na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre – RS, Brasil.
3 Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre – RS, Brasil. Professor da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho – RO, Brasil.


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