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O lugar da obra de arte na filosofia do sublime do Século XVIII
The place of the works of art in the sublime’s philosophy of the 18th century
Griot: Revista de Filosofia, vol. 20, núm. 3, pp. 257-273, 2020
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Artigos


Recepção: 01 Julho 2020

Aprovação: 03 Outubro 2020

DOI: https://doi.org/10.31977/grirfi.v20i3.1935

Resumo: A relação entre o sublime e a arte, a princípio, soa natural e certa, mas ao longo do século XVIII algumas teorias afastaram essa categoria da produção artística. Foram décadas notadamente frutíferas nas questões sobre o sublime, período em que não só o sublime recebe seu título de categoria estética como destacadamente participa das questões epistemológicas da recém cunhada disciplina Estética. Nesse cenário, alguns pensadores se voltam exclusivamente para o sublime natural. Esse artigo procurará mostrar o caminho percorrido por esse conceito a partir da recepção pelos ingleses, em 1689, do tratado sobre retórica do século I d.C. intitulado Peri Hypsos, traduzido por Boileu-Despréaux como Sobre o Sublime e atribuído ao crítico grego Cassius Longinus. Visitaremos as teorias de pensadores como Joseph Addison, Edmund Burke e Immanuel Kant, que apontam para o sublime exclusivamente como contemplação da natureza, e encerraremos essa jornada na reinserção do drama trágico na categoria sublime por Friedrich Schiller. Fecha-se, dessa forma, o que chamamos aqui de “ciclo do sublime natural”, que se inicia na leitura característica dos britânicos empiristas, encontra sua mais bem acabada teoria na terceira Crítica kantiana e se encerra no trabalho teórico e literário do poeta de Weimar.

Palavras-chave: Sublime Natural, Estética Setecentista, Kant, Burke, Schiller.

Abstract: The connection between art and sublime, at first sight, sounds like a certainty, but throughout the 18th century some theories separated this category from the several art forms. Those were the decades in which the matters on the sublime were notably fruitful, times where not only the sublime earns its title as an aesthetic category, but also outstandingly takes part on the epistemological debates at the time where the term Aesthetics were just recently coined. It is in this scenery that some thinkers were especially worried about the natural sublime only. This article intends to show the path travelled by this concept from the 1st century, with Longinus’ literature treaty Peri Hypsos, translated by Boileau-Despréaux as Du Sublime to its reception by the English in 1689. From that reception on, the text goes through philosophers such as Joseph Addison, Edmund Burke and Immanuel Kant, who developed the natural sublime theory, arriving to the reinsertion of the tragedy in this category by Friedrich Schiller. Thus, what we call here “the cycle of the natural sublime”, which originated in literary production and moved away from it with the Empiricism and the Transcendental Idealism, comes back again within the sphere of literature in the German poet’s work.

Keywords: Natural Sublime, 18th Century Aesthetics, Kant, Burke, Schiller.

Se afirmo, a respeito de um homem, que ele é grande mesmo que baixo em estatura ou que ele é nobre mesmo que nascido plebeu, tratamos aqui de um caráter chamado sublime. Grandeza ou nobreza abstratas são duas das principais características dessa categoria estética. Da mesma forma, se digo que me elevo diante do grandioso que desvenda minha pequenez, vislumbro em tal grandeza o infinito que desafia meus sentidos , da mesma forma, estou a tratar do que seja sublime. Se uma demonstração de força que me supera me gera temor, após o que me sobrevém o prazer de a ter presenciado, também afirmo tratar-se de uma experiência sublime. Tais mistérios estão sempre sob as penas dos filósofos de diferentes épocas, analisando por que o que nos assusta nos atrai, associando grandeza à moralidade, unindo ascese e arte. De Longino a Kant, de Schopenhauer a Thomas Weiskel, o medo, a grandeza e o infinito estão sempre presentes nas teorias sobre o sublime.

Da antiguidade até os dias atuais, o século XVIII se destaca nessas questões: é aqui que o conceito de sublime recebe, pela primeira vez, o título de categoria estética, ao lado do belo e do pitoresco. Uma estética apoiada na ideia do temor reverencial à natureza, o interesse pelo sublime é termômetro da insatisfação da época com os arroubos do gosto, com os excessos da corte francesa e com o reinado da beleza expresso no rococó. O simples, o grandioso e o digno representam o que o homem de seu tempo acredita dar significado à existência e que vai para além das frivolidades da vida nos salões. A busca pelo sublime na filosofia, principalmente as teorias da segunda metade do século, inspirou artistas do século XIX a mostrarem em suas obras o compromisso com a grandeza infinita, a profundidade e a espiritualidade, em oposição à fruição dos prazeres sensíveis expostas em obras como a de Watteau ou Fragonard. Para que tal efeito fosse atingido, alguns artistas romperam paradigmas com antigos padrões de beleza impostos para a classe artística, trazendo novidades nas mais diversas expressões. Na música não deixaríamos de mencionar o uso de dissonâncias nas harmonias de Ludwig van Beethoven e o “grito” da obra de Wagner; nas artes visuais temos a pintura sombria do romântico Caspar David Friedrich e a ácida crítica social de Francisco de Goya; no drama a busca por um elevado sentido moral, onipresente na obra do Sturm und Dränger Schiller, influencia a próxima geração de dramaturgos franceses como Victor Hugo e Alexandre Dumas, pai.

Se brevemente apontamos alguns exemplos de artistas em busca do sublime no século XIX, o que desejamos mostrar aqui é a origem de sua inspiração, claramente de ordem filosófica. No entanto as teorias mais importantes acerca do sublime desenvolvidas ao longo do século XVIII carregam, em sua maioria, uma peculiaridade com relação às belas artes: para esses pensadores não é possível uma experiência sublime através de obras executadas por mãos humanas, mas somente diante da contemplação de poderes naturais. Essa característica tipicamente setecentista na história desse conceito merece uma lente de aumento por duas razões: em primeiro lugar para percebermos que suas reflexões foram de algum modo “filtradas” tanto pela classe artística quanto pelos teóricos que os seguiram nos séculos XIX e XX, em segundo lugar para apontar a existência de uma agenda pré-concebida quando das formulações acerca do sublime, o que quer dizer que fabrica-se o conceito de forma a encaixá-lo nos sistemas epistemológicos formulados na época, acabando por estreitar seu significado.

As diversas tentativas de se compreender o sublime começam com o texto atribuído ao conhecido retórico e crítico literário do século I d.C., Cassius Longinus, intitulado Peri Hypsos, e traduzido por Sobre o Sublime por Nicolas Boileau-Despréaux em 1674, cujos comentários introdutórios aqueceram o debate na Europa. O tratado possui traduções anteriores2, mas que não obtiveram a mesma visibilidade que a tradução francesa, e sua fama deve-se especialmente ao prefácio escrito pelo francês:

Boileau, argumentando que o hypsos de Longino é uma questão de transcendência, e não de estilo, emancipa-o da concepção retórica do estilo grandioso, estabelecendo, portanto, ‘o sublime’ (le sublime) pela primeira vez como conceito crítico” (DORAN, 2015, p.28).

A transcendência sublime ganha traços notadamente éticos com o prefácio e a tradução do francês: “o homem de honra é visto por todos os lugares; e há ‘algo’ (je ne se quoi) em seus sentimentos que demonstra não só um espírito sublime, mas uma alma elevada para muito além do comum” (BOILEAU, 1995).

Mesmo sendo interpretado como elemento poético, existe uma tentativa, mesmo que sutil, de definir o sublime como conceito filosófico. De acordo com Emily Brady “Longino não oferece uma definição clara do que seja o sublime, mas ele elabora sobre suas fontes, conteúdo e características de modo a sugerir um entendimento do conceito que transcende meras virtudes estilísticas” (BRADY, 2013). Trata-se de daquilo que nos exorta a “estabelecer uma relação com aquilo que excede todo o perecer, com aquilo que não é mortal” (DEGUY, 1988), o que muitos pensadores optaram por chamar de grandeza. Tal exortação é, justamente, a base para a construção do sublime da natureza do século XVIII. O sublime descreve nossa relação com aquilo que nos ultrapassa e tal relação, no tratado do século I, ainda não havia sido colocada em uma posição antagônica à produção artística:

[...] em que o sublime difere da amplificação [...]. Segundo eles3, a amplificação é um discurso que acrescenta grandeza aos assuntos. Pois essa definição, em verdade, pode ser comum ao sublime, à paixão e aos tropos. [...] parece-me que diferem uns dos outros. É que o sublime reside na elevação, a amplificação no número. (LONGINO, 1996, XII.1)

No texto do pseudo-Longino, o efeito grandioso se conquista com algumas técnicas discursivas que, ao serem analisadas, inspiram a construção do conceito filosófico: em III.3, por exemplo, o autor afirma que devemos evitar o erro do inchaço e do empolamento nos quais costumam cair retóricos em busca de grandeza, isso porque causam inautenticidade ao discurso. Aqui temos, então, uma primeira informação importante acerca do que seja o sublime: antes de ser ornamentado, ele deve ser simples e autêntico – o que não seria o caso da beleza, que tão bem recebe o adorno4.

A seguir, em III.4, o autor recomenda que devemos evitar a puerilidade e o excesso de minúcias pois transmitem frieza. Segunda informação importante: detalhes não pertencem ao sublime, que deve comover de forma imediata. Em sua obra de 1674 (mesmo ano da publicação do tratado de Longino na França), A Arte Poética, Boileau também adere ao que diz o texto antigo: “Fuja da abundância estéril desses autores, e não se sobrecarregue com um pormenor inútil” (BOILEAU, 1979, p.17). A terceira e última espécie de efeito que o poeta deve evitar se deseja fabricar um discurso sublime, é a paixão mal colocada, ou seja, por algo que não lhe seja digno: “é necessário estabelecer os princípios para evitar os vícios que se mesclam ao sublime” (LONGINO, 1996, III.5). Aqui vemos mais uma característica importante: sua comoção é seletiva, se reservando a coisas “elevadas e dignas”. Finalmente, se utilizando de três regras para a produção poética, sintetizamos três características fundamentais do sublime que serão assumidas como condição para os trabalhos de alguns teóricos do século XVIII e que compõe o que chamamos de “grandeza”, quais sejam: autenticidade, comoção e elevação. Para Longino Homero é o grande representante de uma literatura chamada sublime e diversas passagens são contempladas no intuito de ilustrar as ideias do crítico grego, tais como o excerto encontrado em IX.3, no qual questões de “grande porte” são abundantes:

Tremem as altas montanhas, as florestas,

Os cumes, a cidade dos troianos e os navios dos aqueus,

Sob os passos imortais de Posidão em marcha.

Guiou o carro sobre as ondas, e sob ele saltavam os monstros marinhos,

De toda parte saindo dos esconderijos; não ignoram seu senhor;

E de alegria o mar se entreabre e eles voam. (HOMERO, in: LONGINO, 1996)

Discorrendo acerca de poética e retórica, as reflexões de Longinus e Boileau-Despréaux chegam à uma Grã-Betanha que está a revolucionar o modo de pensar também na esfera da estética. O conceito de beleza, por exemplo, está a caminho de se tornar subjetivo e, à época de Hume, já não se tratará mais de uma qualidade das coisas mesmas, “ela só existe na mente de quem as contempla, e cada mente percebe uma beleza diferente” (HUME, 1996, p.176). É dado grande valor ao sentimento e à característica individual do gosto, dificultando que se atinja universalidade nas questões estéticas; tal relativismo não existia para os antigos e trouxe um problema para a Filosofia. É nesse cenário que o texto de Longino ganha uma nova roupagem que foi chamada de sublime da natureza. “Enquanto o ‘sublime retórico’ se volta para o grandioso e elevado como um aspecto linguístico, o ‘sublime natural’ tem a sublimidade como uma qualidade inerente ao mundo exterior” (SHAW, 2006, p.28). Com o foco voltado ao sentimento mais do que a atribuição de adjetivos à objetos, Thomas Burnet publica The Sacred Theory of the Earth em 1689, mesmo ano da primeira publicação do Ensaio acerca do Entendimento Humano de John Locke, e propõe uma leitura do sublime algo mais contemplativa e próxima do que, posteriormente, Kant desenvolverá na terceira crítica:

Os mais grandiosos objetos da natureza são, penso, os mais prazerosos de se contemplar, não há nada que eu admire com mais prazer do que o amplo mar e as montanhas da Terra. Há algo de augusto e imponente no ar dessas coisas, que inspiram a mente a pensamentos e paixões grandiosos. E tudo o que possui tão somente uma sombra ou a aparência do INFINITO, como todas as coisas que são grandes demais para nossa compreensão possuem, preenchem e transbordam a mente com seu excesso, e a lançam em prazeroso estupor e admiração. (BURNET, 1776, tradução nossa).

Essa passagem, especialmente a menção da impossibilidade de se compreender o infinito, contém as bases para que leitores de Burnet se dedicassem à busca por uma definição do sublime cada vez mais afastada da poética grega e mais próxima da natureza. Entre eles se destaca o crítico literário John Dennis e suas obras The Advancement and Reformation of Poetry (1701) e The Grounds of Criticism (1704). O inglês se inclina para uma ideia de sublime voltada à religiosidade cristã, como outros ingleses da época, e a contemplação de grandes poderes da natureza é tida como um caminho rumo a seu criador. A elevação retórica de Longino e Boileau dá lugar à elevação pela comunhão com a obra de deus. É muito significativa a publicação desses textos em um momento em que o Empirismo conquista a Inglaterra e os sentidos passam a se destacar, sobretudo na Filosofia. Órfãos das grandes questões metafísicas, pensadores passam a se atrair pela reflexão acerca do que é sublime, tratando de temas que, tanto para os sentidos quanto para o entendimento, são por demais insólitos. Thomas Weiskel apresenta um interessante ponto de vista a respeito da “desolação metafísica” que o Empirismo trouxe consigo:

O sublime natural desenvolve-se independentemente da influência literária. Em certo sentido, foi uma resposta às mais obscuras implicações da psicologia de Locke e ao que essa psicologia representava em mudanças de percepção. Se a única rota para o intelecto é através dos sentidos, a crença em um ser sobrenatural se mostra incerta. Deus tinha de ser salvo. (WEISKEL, 1994, p.30)

A seguir, em 1712, Joseph Addison publica, na revista Spectator, o texto Pleasures of the Imagination, onde também considera a característica chave do sublime antigo (a grandeza) com referência à natureza, seguindo pegadas de Burnet e Dennis:

Nossa imaginação ama ser preenchida por um objeto, ou apreender qualquer coisa que seja grande demais para sua capacidade. Somos arremessados em um prazeroso espanto diante de tais visões sem limites, e sentimos uma quietude e uma maravilha deliciosas na alma diante da apreensão delas. (ADDISON, 1712, tradução nossa).

Os fenômenos naturais considerados grandiosos nos causam temor por um lado e sensação de liberdade por outro: a imensidão de seu poder revela nossa própria fragilidade, o que nos coloca em posição de possível perigo. Mas, ao mesmo tempo que conhece sua humanidade e pequenez, o homem se liberta e, através da comunhão com a criação, se desliga das superficialidades da vida cotidiana. Dada a mistura de sentimentos negativos e positivos, o sublime ganha sua segunda principal característica, qual seja, o paradoxo entre terror e prazer, que foi chamado por Burke de deleite e por John Dennis de delightful horror. A partir da afirmação de Addison sobre o prazer nas coisas que ultrapassam nossa capacidade de apreensão, a arte é oficialmente excluída da categoria sublime: ela é produto de nossa própria capacidade e não de algo superior a ela.

A obra mais importante do debate britânico em torno do sublime durante esse período é do conhecido estadista inglês Edmund Burke, intitulada Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas ideias do sublime e do belo5. Burke busca pelos princípios do gosto através da resposta de nossos sentidos à estímulos estéticos. É também no trabalho desse inglês que vemos o sublime, pela primeira vez, sempre em oposição ao belo. Essa distinção será importante para a filosofia da terceira Crítica, para o desenvolvimento das teorias estéticas da segunda metade do século XVIII e para a produção artística do início do século XIX, quando a busca pelo sublime substitui o gosto pelo belo em algumas obras de destaque.

Na contemplação do belo, o prazer é puro e Burke o chama de ‘prazer positivo’, já no sublime, temos dois momentos: primeiramente a contemplação de uma ameaça que nos causa temor, e o segundo momento, o da conscientização de nossa própria segurança, que nos traz, finalmente, o prazer.

Tudo que seja de algum modo capaz de incitar as ideias de dor e de perigo, isto é, tudo que seja de alguma maneira terrível ou relacionado a objetos terríveis ou atua de um modo análogo ao terror constitui uma fonte do sublime, isto é, produz a mais forte emoção de que o espírito é capaz. (BURKE, 1993, p.48)

Aqui a reflexão é ainda mais simples: grosso modo, o sublime burkeano afirma que sentimos alívio por estarmos em segurança quando contemplamos o perigo de uma força da natureza, e é o alívio que gera prazer, o que faz da segurança um elemento fundamental de sua teoria sobre o sublime e desnecessária para a apreciação do belo. Diante das diferenças entre o belo e o sublime, vemos o filósofo posicionando cada um deles em esferas diferentes da natureza humana: o belo está associado ao instinto social, ao passo que o sublime se liga ao instinto de conservação. A tensão, o temor e a solidão (seção XI) estão presentes na experiência do sublime, enquanto o belo busca calma e harmonia. No sublime, dado o instinto de conservação, os sentimentos são mais poderosos, tornando o deleite (prazer negativo) a mais forte emoção da alma.

O objetivo de Burke com essa obra é esclarecido na introdução: “[...] descobrir se existem quaisquer princípios segundo os quais a imaginação é afetada e que sejam tão comuns a todos os homens, tão fundamentados e tão seguros que possam fornecer os meios para sobre eles se raciocinar a contento” (BURKE, 1993, p.23). No entanto sua investigação, embora provocativa, foi utilizada mormente como stepping stone para um legado de maior peso deixado por Kant na história da Estética. A característica fisiológica do sublime burkeano reduz o sublime de Longino ao ponto de nos impossibilita tratar, sob essa categoria, das grandezas “dignas de emulação e estima” mencionadas pelo crítico grego.

Apenas sete anos mais tarde, Immanuel Kant procura responder a questões acerca do sublime que haviam sido negligenciadas pelos ingleses, conferindo maior complexidade ao conceito em suas Observações sobre o sentimento do belo e do sublime (1764). O texto também trata do belo e do sublime como oposição, utilizando-se de pares que representam o sublime e o belo respetivamente: grande-pequeno, simples-adornado, ousado-astuto, nobre-cortês, universal-particular, respeito-amor, tragédia-comédia, masculino-feminino, noite-dia entre outros. Além da oposição exemplar encontramos ainda na primeira seção um conceito fundamental herdado do Enquiry: a associação do sublime com um sentimento de prazer. Kant, no texto de 1764, procura apresentar esse prazer de três formas: o Sublime Terrível, que se refere ao prazer estético maculado pelo temor por algo que seja maior do que si mesmo6; o Sublime Nobre, descrito como “uma calma admiração”; e o Sublime Magnífico, considerado pelo filósofo “uma beleza que atinge uma dimensão sublime”7. Tal divisão não se manteve na filosofia do alemão, mas é uma classificação digna de nota para nosso que

Diferentemente de suas Observações, vemos na obra de 1790 uma análise conceitual mais rigorosa, e apesar de Kant adotar o sublime natural dos ingleses, a experiência sublime burkeana, apregoada a valores empiristas, se mostra por demais limitadora. O filósofo de Königsberg não poupa Burke de sua franqueza:

Pode-se comparar com a exposição transcendental dos juízos estéticos também a fisiológica, tal como um Burke e muitos homens perspicazes entre nós desenvolveram, de modo a ver aonde conduziria uma exposição meramente empírica do sublime e do belo. Burke, que, nesse modo de tratar o assunto, merece ser considerado o autor mais importante, chega nesse caminho à conclusão de que ‘o sentimento do sublime se funda em um instinto de autoconservação e no medo, isto é, em uma dor que, por não envolver uma deterioração efetiva das partes do corpo, produz movimento que, purificando os vasos mais finos ou mais grossos de obstruções perigosas e doloridas, têm condições de despertar emoções agradáveis – não o prazer, é certo, mas uma espécie de calafrio aprazível, uma certa tranquilidade misturada com o horror. (KUK, 2016 p.176)

Afastando-se de tal simplificação, o sublime de Kant é absorvido pelo idealismo transcendental, inaugurando uma nova gama de problemas de ordem filosófica: o sublime agora conta com a participação da razão especulativa. “É sublime aquilo que, pelo simples fato de podermos pensá-lo, prova uma faculdade da mente que ultrapassa qualquer medida dos sentidos” (KUK, 2016, p.147). É justamente sua ‘não-apresentabilidade’, a falta de uma forma que possa contê-lo, que nos mostra sua relação com as ideias da razão. Logo, a grandeza sublime ganha novo significado, que não pode ser compreendido imediatamente pelos sentidos ou pela imaginação8. “Que não se possa, portanto, procurar o sublime nas coisas da natureza, mas apenas em nossas ideias, é algo que se segue disso” (KUK, 2016, p.146). Claramente parte integrante de sua revolução copernicana, Kant também posiciona o sublime no sujeito e não no objeto. O desafio é o fato de que o sublime, apesar de suprassensível, deve poder ser representado sensivelmente (dado que o conteúdo de que necessitamos para conhecê-lo é fornecido pelos sentidos) ao mesmo tempo que não deve ater-se a uma forma que disponha nosso ânimo para o sublime tal como acontece com o belo:

[...] não se deve mostrar o sublime nos produtos da arte (por exemplo, prédios, colunas etc.), em que um fim humano determina tanto a forma como a grandeza, nem nas coisas da natureza cujo conceito já traz consigo um fim determinado (por exemplo, animais de uma conhecida determinação natural), mas sim a natureza crua (e isto somente enquanto essa não traga consigo um atrativo ou emoção baseados em um perigo real [o filósofo alemão reafirma a necessidade de segurança já mencionada por Burke]) – apenas na medida em que ela contém uma grandeza. (KUK, 2016, p.149)

Apesar de tanto os ingleses quanto o Kant da Crítica do Juízo afirmarem o sublime natural como única possibilidade, encontramos nas Observações alguns exemplos de arte sublime: a Basílica de São Pedro em Roma, é considerada por ele “magnífica”, caso em que o belo pode se tornar sublime por uma simples questão de grau. Já as pirâmides egípcias, dotadas tanto de enormidade quanto de simplicidade, se encaixam na categoria “nobre”, o sublime da calma admiração (KANT, 2000, p.31). Na segunda seção também encontramos referências artísticas nas questões sobre o sublime, como a cólera de Aquiles na Ilíada de Homero. Chamamos a atenção para esse ponto pois é notável como o afastamento entre o sublime e a experiência artística pode soar contraintuitivo. De fato, não é sem dificuldade que compreendemos os motivos pelos quais Kant optou por excluir a arte por completo dessa categoria em 1790, no Segundo Livro da Primeira Seção da Primeira Parte da Crítica da Faculdade de Julgar: a Analítica do Sublime9. Ainda assim, ao longo da leitura da Crítica, nos deparamos aqui e ali com algumas aberturas, como por exemplo, a afirmação de que “a verdadeira sublimidade teria de ser buscada somente na mente daquele que julga, não no objeto natural cujo julgamento suscita tal disposição mental” (KUK, 2016, p.153). Se não há uma forma que possa conter o sublime, mas há um objeto de contemplação que deve provocar no sujeito tal disposição de ânimo (no caso de Kant a “natureza crua”), então poderíamos considerar, dentro da própria filosofia crítica, a possibilidade de um veículo fora da natureza crua, que pudesse exercer a contento a função de despertar o conflito entre a imaginação e a razão provocando, desse modo, a experiência sublime?

A busca da estética kantiana por validar juízos de gosto (Geschmacksurteil) como universais e necessários faz com que o filósofo mantenha a coerência entre a primeira e a terceira Críticas, inserindo os mistérios do sublime no esquema transcendental. Tal caminho percebe o sublime como um conflito entre o que a razão pode idealizar e o que a imaginação pode apreender. Pensemos no mais clássico exemplo de algo absoluta e incomparavelmente grande, o infinito, que é uma ideia da razão: nossa imaginação, ao trabalhar de forma intuitiva (espaço e tempo) não pode apreender o infinito. Na experiência sublime a razão estimula a imaginação para além de suas capacidades, evidenciando suas limitações. Ao mesmo tempo inadequada, a imaginação (Einbildungskraft) tem como destinação “efetivar a adequação” dela própria às ideias da razão, tornando a ideia representável.

Nada, pois, que possa ser objeto dos sentidos, pode, desse ponto de vista, ser denominado sublime. Mas é justamente porque há em nossa imaginação um esforço para avançar em direção ao infinito, e em nossa razão, ao mesmo tempo, uma pretensão à totalidade absoluta (como se fosse uma ideia real), que a própria inadequação da nossa faculdade de estimar a grandeza das coisas do mundo sensível a essa ideia desperta o sentimento de uma faculdade suprassensível em nós. (KUK, 2016, p.147)

Tal como o belo o sublime deve ser universal, necessário e comunicável. Se sua não-apresentabilidade nos impede uma comunicação exemplar10 como no caso do belo, arriscamos dizer que poderíamos encontrar no absolutamente grande o bálsamo da comunicabilidade. Em outras palavras, se estamos de acordo a respeito de uma grandeza incomparável, estamos a comunicar o sublime e a superar o problema da ausência de forma e de conceito: se digo que Napoleão era um grande homem, imediata e universalmente devemos estar de acordo a respeito do que seria tal grandeza (da mesma forma que devemos estar imediata e universalmente de acordo ao julgarmos como belo um objeto) sabe-se do que se trata essa grandeza, e mesmo diante da baixa estatura e da moral duvidosa, a grande maioria dos homens haverá de concordar que o adjetivo bem lhe serve, mesmo que seja impossível explicá-lo a contento através de um conceito. No entanto, se é esse o caso, por que não fazemos com o sublime o que fazemos com o belo, e comunicamos essa grandeza de forma exemplar, através, também, de uma representação e não somente com uma literal grandeza natural?

Robert Wicks nos proporciona uma leitura interessante desse problema kantiano sobre a arte sublime em um artigo intitulado Kant on Fine Art: Artistic Sublimity Shaped by Beauty, de 1994. Da mesma forma que encontramos aqui algumas discrepâncias entre a terceira Crítica e as Observações quanto a isso, Wicks encontra-as dentro da própria Crítica, onde analisa as ideia de caos no conceito de sublime, mais particularmente ao longo do §23, onde Kant afirma que “é antes no seu caos e na sua mais selvagem e desregrada desordem e devastação que, onde quer que se possa contemplar a grandeza e o poder, a natureza costuma despertar as ideias do sublime” (KUK, 2016, p.142), e as cruza com o que o filósofo tem a dizer sobre o gênio artístico, entre eles o §50, intitulado Da ligação do gosto com o gênio em produtos das belas artes: “pois toda a riqueza da imaginação nada produz, em sua liberdade sem leis [i.e. desregrada desordem], senão o absurdo” (KUK, 2016, p.217). O que esse artigo tem a nos dizer é, resumidamente, que se o sublime é gerado por uma espécie de caos (originário da inadequação de nossa imaginação e da ausência da participação do entendimento) e que, se a inspiração do gênio provém de uma ‘liberdade sem leis’ (que Wicks associa à ideia de caos previamente mencionada), existe então uma ligação intrínseca entre o gênio artístico e a experiência sublime.

Kant does not advance a theory of artistic sublimity that complements his discussion of artistic beauty, but there is certainly room within Kant’s aesthetics for such a theory. Kant restricts his discussion of the sublime to natural objects, only because that discussion center upon pure judgements of the sublime.” (WICKS, 1994, p.192)

A necessidade em se discutir o problema da expressão artística na Analítica do Sublime expressa por Wicks pode significar a união entre um dos filósofos mais relevantes para estética e uma das categorias mais importantes para a arte a partir do século XIX. Ademais, ao não admitirmos a possibilidade de que um objeto (seja ele uma obra de arte ou não) possa conter a experiência sublime por representação, continuamos carentes da solução para o problema da comunicabilidade do sublime. Discussões de fundamentação kantiana em torno do sublime na arte surgiram na França do século XX sem, no entanto, que a interação entre a arte e o sublime fosse considerada uma dificuldade do texto setecentista; esses acadêmicos11aceitam com naturalidade a inserção das obras de arte na leitura da Analítica do Sublime.

Foi na Analítica do Sublime onde boa parte da reflexão francesa contemporânea sobre a arte encontrou suas sementes mais prolíferas. Esses comentadores franceses são unânimes em afirmar que é nela, onde se desenrola uma possível Teoria kantiana da Arte, se for legítimo afirmar que Kant tenha tido sequer a intenção de escrever uma. (FIGUEIREDO, 2007, p.113)

Tal momento da história da Filosofia da Arte opta por não considerar impeditivas passagens como a do §23, onde o filósofo afirma que “o autêntico sublime não pode estar contido em uma forma sensível, já que só diz respeito a ideias da razão” (KANT, 2016, p.141). Por que, então, podemos comunicar universal e necessariamente uma ideia (sem conceito) da razão e a respectiva inadequação da imaginação para essa ideia? Encontramos quanto a isso, no §39 da terceira crítica, uma possível solução que conecta o sublime e a razão prática, onde o primeiro “já pressupõe um outro sentimento, qual seja, o de sua determinação suprassensível – que, por mais obscuro que seja, possui uma base moral” (KANT, 2016, p.189). A conexão entre sublime e moralidade nos fornece material para, ainda mais uma vez, questionar a exclusividade da natureza na experiência sublime e é exatamente a questão moral a escolhida por Schiller, lhe dando o ponto de largada para explorar o mundo da tragédia na experiência sublime.

Fruto de um momento de crise criativa, a produção filosófica do poeta de Weimar traz diversas contribuições para a Estética, entre elas, conforme nos lembra Roberto Machado, compreender, “antes de qualquer filósofo ou artista, que seria possível interpretar a teoria da tragédia a partir da teoria kantiana do sublime” (MACHADO, 2005, p.78). Ao longo do século XVIII ainda se interpretavam as tragédias segundo A Arte Poética de Aristóteles, mas sob a influência das teorias schillerianas, o trágico evoluiu ao posto de ontologia12. Vladimir Vieira comenta, sobre a obra kantiana Crítica da Faculdade de Julgar, que “é curioso que o interesse recente por essa obra não pareça ter provocado qualquer efeito correspondente em relação ao pensamento de Schiller” (VIEIRA, 2009, p.82) dados os desdobramentos originais que o poeta empreende após leitura das três Críticas.

Levando em consideração o trabalho de Schiller como um todo, sua inclinação para tratar sobre o sublime como possibilidade na arte é compreensível: uma de suas principais ocupações, tanto como poeta quanto como filósofo, foi a questão da tragédia: “[...] por ser a tragédia apenas uma das formas possíveis do sublime, Schiller reconheceu que deveria analisar o conceito de sublime em si mesmo; portanto temos sua generalização do conceito de sublime em Do Sublime e Sobre o Sublime” (BEISER, 2005, p.257). Logo de início e segundo as intenções de Schiller por detrás desses estudos, já notamos um rumo diferente de outros pensadores do século XVIII acerca do sublime: a arte (ao menos a arte trágica) deveria ser considerada sublime tanto quanto a observação de fenômenos naturais.

A teoria schilleriana sobre o sublime se dá na união de três ensaios: o primeiro, Do Sublime - Para uma exposição ulterior de algumas ideias kantianas .Vom Erhaben. Zur weiteren Ausführung einiger kantischen Ideen, 1792), foi publicado na revista Neue Thalia, organizada por Schiller e palco de suas primeiras publicações filosóficas. Aqui Schiller desenvolve de forma crítica e sistemática sua própria teoria sobre o sublime seguindo os passos da Analítica da Crítica da Faculdade de Julgar. Na segunda metade do ensaio Schiller adiciona o conceito de Sublime Patético (Pathetischerhabene), acrescentando a possibilidade de uma experiência sublime na arte. A partir de 1795 Schiller passa a organizar outra revista em parceria com Goethe, Die Hören, e a marca de suas publicações filosóficas de então é a superação da filosofia crítica rumo à um pensamento original, mais livre e fluído, repleto de conteúdos políticos que sempre estiveram em meio as suas preocupações, entre eles as cartas sobre a Educação Estética do Homem. Durante essa época Schiller reescreve o texto Do Sublime modificando-o quase que por completo e desdobrando-o em dois textos mais maduros: Sobre o Sublime (Über das Erhabene) e Sobre o Patético (Über das Pathetische), uma espécie de continuação dos pensamentos acerca do sublime, publicados em 1801, em uma coleção de ensaios schillerianos intitulados Escritos Menores em Prosa.

Schiller baseia sua teoria em torno do conflito moral entre razão e sensibilidade (é interessante notar que o poeta desloca o conflito kantiano entre razão e imaginação). A essência do sublime é moral, e é sempre sem contrariar essa premissa que o poeta constrói seus fundamentos para justificar experiências estéticas. Sua definição de sublime é clara, objetiva, claramente inspirada na obra kantiana e expressa logo no início de seu primeiro ensaio:

Sublime denominamos um objeto frente a cuja representação nossa natureza sensível sente suas limitações, enquanto nossa natureza racional sente sua superioridade, sua liberdade de limitações, portanto, um objeto contra o qual levamos a pior fisicamente, mas sobre o qual nos elevamos moralmente, i.e., por meio de ideias. (SCHILLER, 2011, p.21)

Tendo essa disputa entre razão e sensibilidade – força moral e apetites – em mente, o que ressaltaremos na filosofia do sublime de Schiller no presente trabalho é o desenvolvimento da segunda parte do primeiro ensaio, que representa a ruptura entre o poeta e seus antecessores. É aqui que Schiller desenvolve o conceito de Sublime Patético.

Após a exposição de seus pensamentos a respeito do Sublime em geral, o filósofo passa a dividi-lo em subtipos de sublime e apresentamos aqui a divisão que nos é relevante, que são as duas partes do Sublime chamado Prático13: (1) sublime contemplativo do poder e (2) sublime patético14. O primeiro está de acordo com a teoria kantiana e fala sobre a contemplação de um poder físico superior ao nosso, que pode despertar nossa superioridade moral. No entanto o filósofo afirma que, por não tomar o ânimo de forma tão violenta quanto o outro, "o efeito do sublime contemplativo não é nem tão intensivamente forte nem tão difundido quanto o do sublime patético" (SCHILLER, 2011, p.41).

Nos aproveitando de uma segunda definição sobre o sublime, muito ilustrativa e constantemente citada por comentadores, podemos esclarecer qual o caminho que Schiller trilhou para justificar a existência desse sublime chamado patético, que admite a possibilidade de algo como a arte sublime, em oposição aos filósofos anteriores:

O sublime é, desse modo, o efeito de três representações consecutivas: I. A representação de um poder físico objetivo; II. A representação da nossa impotência física subjetiva; III. A representação de nossa supremacia moral subjetiva. (SCHILLER, 2011, p.40).

Chamaremos os itens I, II e III da citação acima de ‘etapas’ da experiência sublime e ressaltamos a afirmação do filósofo de que uma experiência sublime deve ter, necessariamente, as três. No entanto, o modo como atingimos tal experiência individualmente é contingente, interessando apenas que se chegue ao resultado desejado, qual seja, o despertar de nossa autonomia. Consideramos essa contingência uma das chaves para o afastamento de Schiller da filosofia kantiana nesse momento do ensaio, pois o que muda de um tipo de sublime para o outro é, justamente, o modo como se chega à etapa III (que é a representação de nossa supremacia moral subjetiva). No Sublime Contemplativo do Poder essa espécie de roteiro em três etapas fica evidente: o objeto está dado (utilizando o clássico exemplo kantiano, o mar em meio a uma tempestade). Esse poder físico objetivo nada mais é do que a etapa I. A partir dela, o homem vivencia a dor de saber-se impotente diante de tal tempestade, ou seja, conclui a etapa II e, por fim, toma consciência de sua supremacia moral (etapa III) a partir daquela parcela de si que, conclui, não sucumbiria nem mesmo diante de tal tempestade. No Sublime Patético I e II se unem, e o próprio sofrimento diante da fraqueza sensível é representado na arte, em especial na arte trágica, "e nada resta ao sujeito ajuizante senão fazer aplicação disso para o seu estado moral e gerar o sublime a partir do temível"(SCHILLER, 2011, p.40). É este o motivo pelo qual Schiller afirma a supremacia desse tipo de sublime, pois no caso do sublime contemplativo, uma vez que estamos a observar um objeto dado, podemos optar por não seguir adiante para a próxima etapa (afinal, para associar um mar revolto ou uma cadeia de montanhas nevadas a nossa própria fragilidade é preciso uma certa carga de inspiração). No sublime patético esse salto não é opcional ou inspirado, pois a representação do próprio temor já está dada.

Discorrendo acerca do sublime do tipo contemplativo, Schiller ainda mantém sua conversa com Kant que será extinta a partir do sublime patético. A palavra ‘contemplação’ nos leva a associar esse tipo de sublime a algo como calma e tranquilidade, um estado de ânimo introspectivo e um tanto pacato, estado esse necessário para que, diante do primeiro degrau, o homem consiga dar sequência às etapas. No sublime contemplativo o homem faz a maior parte do trabalho, utilizando-se de sua imaginação para transformar o que se apresenta a seus olhos de forma imediata em algo que tenha significado ameaçador e temível. A partir desse ponto mais um trabalho lhe é exigido: que o temível se torne finalmente sublime. Desde que, para subir a esse terceiro degrau, é necessário que o homem esteja de posse de sua racionalidade e também de uma certa disposição de ânimo, nem todos os homens farão esse movimento.

O pensador deixa em suas entrelinhas o desejo de provocar uma experiência sublime que seja acessível a todos os homens e, ainda mais, que seja possível para o artista gerenciar tal experiência para que o despertar da consciência moral seja parte integrante de uma espécie de Bildung15. Nesse tipo de sublime (patético) o sofrimento direto é como que imposto ao homem, restando-lhe apenas deixar-se levar pelos apetites e sofrer, ou movimentar-se moralmente rumo à terceira etapa, transformando o terrível em sublime. Ao ser defrontado diretamente com a representação de um sofrimento, a falta de alternativa do homem diante de algo que já é, necessariamente, terrível, traz-lhe emoções mais intensas, restando-lhe como única saída enfrentá-las e transformá-las de um modo positivo.

Apesar de ser evidente que, ao falar em Sublime Contemplativo do Poder, Schiller está a discorrer sobre o Sublime Dinâmico kantiano e também sobre o sublime descrito por Addison e Burke, algumas ameaças abstratas também passam a valer como os citados ‘poderes físicos objetivos’: além de fortes tempestades, penhascos rochosos e animais majestosos, serão consideradas ameaças o tempo, a necessidade, o dever, o extraordinário e o indeterminado, pois provocam nosso impulso de conservação. Também o silêncio, os segredos e as trevas são mencionados como material para que a imaginação espere que disso se siga o terrível pois o homem está em constante estado de alerta. A inserção de novas ameaças na teoria schilleriana é o que definirá sua proposta de ação para a formação do homem e o afastará de Kant: para Schiller, todo terrível é capaz do sublime.

Ora, uma vez que admitimos que todo terrível pode ser sublime, falar em segurança não faz sentido uma vez que para alguns terríveis não existe segurança. Essa questão só encontra seu fechamento em seu segundo texto, Sobre o Sublime, onde Schiller expressa que qualquer sofrimento, mesmo um que seja real e sem saída, pode colocar o homem em contato com seu lado “imperecível”, suprassensível e moral e, logo, pode tornar-se uma experiência sublime. Após o amadurecimento de suas reflexões sobre o sublime, o poeta funda uma nova concepção do que seria o herói trágico ideal: deve-se expor sua crise interior e a vitória da razão sobre os apetites. Diante dessa teoria, não é toda tragédia que pode ser considerada sublime: peguemos o exemplo de Édipo Rei, de Sófocles, e seu terrível destino, cruelmente desenhado pelas Moiras, onde o protagonista pouco tem a fazer senão resignar-se. Ao contrário de Édipo, o herói schilleriano deve ser senhor de suas ações e processos internos para que se evidencie a grandiosidade de sua vontade sobre sua sensibilidade.

Digno de menção é a posição de Schiller com relação a personagens vis ou protagonistas de moral duvidosa: aqui também a vontade pode reinar sobre os medos mais instintivos, mostrando que também a maldade pode ser estética e nos levar à experiência sublime16. No entanto temos em Schiller ainda algumas limitações quanto à expressão artística que se denomine sublime: onde mais poderia o artista representar de forma tão objetiva o conflito interior entre razão e sensibilidade além da dramaturgia e da literatura? Schiller se abstém e chega a justificar-se admitindo desconhecimento de outras formas de arte que não a sua própria, preferindo então ater-se ao sublime na tragédia:

O fim último da arte é a representação do suprassensível, e é sobretudo a arte trágica que o realiza, corporificando-nos a independência moral de leis naturais no estado da paixão. Só chegamos a conhecer o livre princípio em nós pela resistência que exterioriza à violência das emoções. (SCHILLER, 2011, p.)

Como um dos principais membros da Sturm und Drang, Schiller carrega suas primeiras obras de sentimentalismo, enquanto sua obra madura funda o Classicismo de Weimar, repelindo formas extremas de sentimentalismo. Os personagens da terceira e última fase17 são repletos de dignidade durante toda a duração do drama enquanto os personagens de sua juventude superam suas fraquezas morais conforme o desenrolar da trama. Ainda assim, não é necessário que separemos as diferentes fases de sua obra dramática para apontarmos alguns exemplos de “representação sensível do suprassensível”.

Em Die Räuber encontramos Karl Moor, bandoleiro, vivendo segundo seus instintos mais selvagens. Die Räuber apresenta a sublimidade da redenção do jovem Moor e de seu sacrifício. A mente de um Schiller de dezoito anos de idade já propunha o teatro como instituição moral desde sua primeira obra, e o personagem do bandoleiro representa tudo o que o poeta propôs em Sobre o Patético, mostrando-nos, mesmo diante dos deslizes morais do protagonista, a grandeza chamada por Schiller de estética (em oposição à grandeza de caráter). Por ocasião da primeira encenação de Os Bandoleiros, Schiller escreve uma breve mensagem a seu público, e diz a respeito do jovem Moor: “Atrocidades se juntavam a atrocidades, despencavam de abismo em abismo, vivendo todas as profundezas do desespero..., mas elevado e venerável, foi grandioso e majestático na desventura e através da desventura melhorado, trazido de volta à excelência” (SCHILLER, 2001).

BANDOLEIRO MOOR – Não que eu acredite que a justiça não me acharia a tempo, se as forças superiores assim o quisessem. Mas ela quer me surpreender no sono, me alcançar na fuga ou me abraçar com violência e espadas, e aí estaria perdido também o meu único mérito, ou seja, o de me entregar voluntariamente à morte por ela. (SCHILLER, 2001, p.)

Em seu ensaio Acerca do porquê nos entretêm objetos trágicos, Schiller indiretamente fala sobre a desventura de Karl Moor: “Quer o homem virtuoso perca voluntariamente a sua vida, a fim de agir de acordo com a lei moral, quer o criminoso, sob a coação da consciência, destrua sua vida com as próprias mãos, a fim de punir em si mesmo a violação daquela lei: o nosso respeito pela lei moral ascende a um mesmo e elevado grau” (SCHILLER, 1964, p.23). Uma história de redenção será sempre sublime para Schiller e encontramos diversas passagens ao longo de sua obra teórica que afirmam a sublimidade da autopunição, o seguinte excerto foi retirado de seu ensaio O Teatro considerado como instituição moral, de 1791: “são moralmente sublimes o arrependimento e a autocondenação” (SCHILLER, 1964, p.78).

Ainda no trabalho de juventude está presente a busca pelo ponto de encontro entre sensível e suprassensível, mais tarde nomeado sublime. Sharpe identifica essa tendência da seguinte maneira: “Schiller nos apresenta poemas em vários estilos, mas ele também nos apresenta vários estilos em um só poema. Isto é particularmente evidente em sua escolha de vocabulário. […] o que deriva, em parte, das experimentações de Schiller com a ideia neoplatônica de correspondência entre os reinos físico e o espiritual” (SHARPE, 1991, p.128). No excerto a seguir, vemos o poeta tratar dessa correspondência em forma de oposição, utilizando pares como tortura e delícia, dor e paraíso, que fazem parte do universo conflitante do sublime.

Torturas da delícia – dor do paraíso!

O sangue corre mais forte para o coração oprimido

Como soldados para a batalha,

A natureza, a finitude esquecida

Se aventura a desafiar entidades superiores,

Pairando sobres as águas de Acheron. (SCHILLER, 1973, tradução nossa)

Quando deixa a filosofia para se dedicar novamente à literatura, Schiller mantém-se fiel aos seus objetivos como artista, suas tragédias permanecem repletas de disputas interiores e sacrifícios, e podemos sempre encontrar aquele momento que se denomina sublime, onde o personagem encontra sua libertação moral, sua entrega ou seu martírio. No caso de Maria Stuart, o drama histórico, a protagonista chega mesmo a dizê-lo com todas as letras, quando, após muitas tentativas, não pode mais evitar sua morte. É com um posicionamento interior e dignidade tipicamente schillerianos que ela encontra seu destino:

MARIA STUART – Alegrar-vos comigo, pois chegada

É a hora de acabar meu tormento,

De me desatarem as cadeias,

De se abrir o meu cárcere e contente,

Sobre as asas dos anjos, voar minh’alma

Para o mundo da eterna liberdade. (SCHILLER, 1983, V)

“A melhor ilustração da concepção schilleriana do trágico é sem dúvida sua peça Maria Stuart, de 1800. [...], Maria Stuart não se curva perante a todo-poderosa rainha da Inglaterra pedindo-lhe perdão por um crime que não cometera” (MACHADO, 2005, p.132).

Por fim, em uma das cenas mais icônicas dos dramas teatrais de Schiller, encontramos na figura de Guilherme Tell um dos heróis mais destemidos. O protagonista é, naturalmente, posto à prova e deve mostrar sua força diante do tirano: enquanto é dever do cidadão obedecer ao seu senhor, também é dever do homem seguir valores irrefutáveis de sua razão, ditados pelo imperativo categórico, pois “a vontade do homem é plenamente livre; nenhum constrangimento físico pode intervir nesse direito régio de sua pessoa” (SCHILLER, 1995, IV). Partindo de princípios que muito defendeu em vida de acordo com os quais o Estado não pode interferir em cada esfera da vida privada dos cidadãos, Schiller coloca seu personagem em uma situação inimaginável, que desvenda as batalhas do homem moral em um mundo sem liberdade. Deixemos que o próprio autor reconte esse momento da história da literatura:

VICE-REI – Tell, desde que tu podes acertar uma maçã há cem passos, deves provar tua pontaria em minha presença. Pegue seu arco – leve-o contigo e prepara-te a acertar uma maçã colocada sobre a cabeça de teu filho. Mas aconselho-te que mires bem, e que acerte a maçã de primeira, pois se erras, pagas com a vida. (Todos manifestam horror).

WALTHER – Avô, não te ajoelhes para esse homem mau! Digam-me, onde devo colocar-me? Nada temo, meu pai pode acertar pássaros em pleno voo, não errará agora, quando pode ferir seu filho.

(Tell, terrivelmente agitado, com as mãos trêmulas, os olhos alternando entre o vice-rei e o céu. De repente retira uma segunda flecha de sua aljava e a prende ao cinto. O vice-rei observava todos os seus movimentos.)

Guilherme Tell acerta a maçã.

VICE-REI – Uma palavra, Tell! Guardaste uma segunda flecha contigo. Qual era tua intenção?

TELL – [...] se minhas mãos houvessem ferido a meu filho, a segunda arma estava destinada a ti, e, esteja certo, eu não teria errado. (SCHILLER, 2002, tradução nossa)

As pequenas passagens selecionadas que utilizamos aqui apontam a união entre o pensamento teórico e a prática artística schillerianos e seu desejo de que teorias estéticas como a do sublime possam justificar o papel definitivo do artista na educação da sociedade.

Quando Nietzsche desfila ácidas opiniões contra a arte sublime tanto em seu ensaio O caso Wagner quanto em Assim Falou Zaratustra é dada a largada para a descrença com que vemos, na atualidade, as questões tipicamente românticas como a batalha moral interior, a luta entre razão e apetites, a sacrifício, a resignação e o martírio.

Mas de há muito temos sido demasiado irônicos em relação aos largos gestos do sublime romântico. [...] Freud foi definitiva e extraordinariamente imune ao momento sublime, sujos aspectos ‘oceânicos’ e demoníacos expôs brilhantemente. Para agradar-nos, o sublime deve ser agora abreviado, reduzido e parodiado como o grotesco, de algum modo contido pela ironia para assegurar-nos de que não somos adolescentes fantasmas. (WEISKEL, 1994, p.21)

O sublime, no entanto, não se encerra em uma busca moral como nos diz Schiller, nas definições kantianas sobre juízos estéticos ou no empírico deleite de Burke. Em uma contemporaneidade em que esta categoria foi absorvida pela psicologia e pelas belas artes, há muito a se dizer sobre sua relevância, desde sua inclusão no cinema por diretores aclamados como Béla Tarr e Tarkovski ao seu amadurecimento como conceito nos textos de Lyotard, Weiskel e Hertz. O objetivo do presente artigo contempla tão somente suas bases, alguns tropeços e retomadas, o encanto que provocou no século XVIII e a missão de alguns filósofos em nomear a insólita e misteriosa experiência sublime.

Referências

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Notas

2 Para citar algumas dessas traduções: F. Robortello (Basileia, 1554), P. Manutius (Veneza, 1555), F. Porto (Genebra, 1569), G. Langbaine (Oxford, 1636).
4 “É necessário ao sublime ser sempre grande, o belo também pode ser pequeno. O sublime precisa ser simples [einfältig], o belo pode ser adornado e amaneirado. [...] Um arsenal deve ser nobre e simples, um palácio residencial magnífico, e o de verão, belo e amaneirado” (KANT, 2000, p.23).
3 Aqui o pseudo-Longino se refere aos outros autores de tratados sobre retórica estudados em sua época.
5 Com título original A philosophical enquiry into the origin of our ideias of the sublime and the beautiful, a obra de Burke é mais comumente chamada de Enquiry e foi publicada em 1757.
6 Trata-se do que foi extraído de seus predecessores britânicos, o sublime que é experimentado diante da contemplação de um poder grandioso da natureza (em oposição ao que na natureza é belo, como flores ou animais pacíficos). É preciso que haja medo, também é preciso que haja segurança física.
7 Uma beleza que pode tomar proporções sublimes implica uma relação de identidade entre os fundamentos do belo e do sublime, separados apenas por uma questão de grau. O sublime magnífico, portanto, não será possível após o amadurecimento da estética kantiana, onde o belo e o sublime estão separados em sua essência e onde a afirmação de que o belo pode tornar-se sublime seria contraditória. Essa afirmação também contradiz a teoria de Burke, que separa as duas categorias estéticas em duas “naturezas” diferentes (socialização e conservação).
8 Conforme o conceito de sublime sofre alterações, podemos acompanhar a tentativa de cada pensador de adaptar o que se pensa sobre o sublime ao seu próprio sistema filosófico: Burke procura priorizar os sentidos, ao que é acusado de fisiologismo por Kant, que adiciona a essa equação a razão especulativa em conflito com a imaginação. A experiência sublime explicada a partir de nosso aparelho transcendental não ultrapassa o princípio de razão. Mais tarde Schopenhauer, dialogando diretamente com Kant, posiciona o sublime fora da esfera da razão suficiente, como conhecimento das Ideias puras, fazendo com que a sua metafísica amplie significativamente a área de atuação do sublime. Antes dele Schiller trabalhou com a teoria sobre o sublime sob a agenda de inserir a tragédia (sua principal atividade) nessa categoria. Até mesmo Freud não se absteve de tratar da “sublimação”, inserindo-a em sua teoria das pulsões e, mais uma vez, reduzindo o sublime a algo como uma superação dos impulsos sexuais que permita ao homem o convívio social. É curioso perceber que o sublime, por não ser a preocupação primeira desses pensadores, acaba por ser “enquadrado” em cada sistema sem que se questione, nessas definições, o que o próprio termo procura transmitir na linguagem comum, embate esse entre a filosofia e o uso popular da palavra que poderia ser frutífero e interessante.
9 Não é o objetivo desse artigo investigar os pormenores das Analíticas do Belo e do Sublime presentes na Primeira parte da obra de Kant, mas sim questionar a escolha do autor (assim como de seus antecessores ingleses) de excluir a categoria da esfera da arte. Para uma boa compreensão do texto kantiano em questão, deixamos aqui a sugestão das Lições Sobre a Analítica do Sublime, de Jean-François Lyotard, presente em nossas referências.
10 Na estética kantiana expressa no primeiro Livro da terceira Crítica, um dos problemas fundamentais dos juízos de gosto que se pretendem universais e necessários é a ausência de conceito. Uma vez que emitimos um juízo subjetivo e sem conceito, sua comunicabilidade só pode ser garantida por exemplos. No caso do belo testamos a necessidade e a universalidade de um juízo de gosto ao atribuir beleza à um objeto, sabendo que a concordância deve existir. Tal objeto, portanto, permite-nos uma comunicabilidade exemplar, o que não é possível no caso do sublime, pois não se trata de uma atribuição dada ao objeto.
11 Desse grupo de franceses que reaqueceram as discussões em torno do sublime nos anos 80 do século passado estão Jean-François Lyotard, Jean-François Courtine, Philippe Lacoue-Labarthe, Jean-Luc Nancy entre outros.
12 Recomendamos o livro de Roberto Machado, O Nascimento do trágico – de Schiller à Nietzsche, para a compreensão da ponte entre a teoria da tragédia e a teoria do trágico, que aconteceu na Alemanha no final do século XVIII e início do XIX. Schiller foi o primeiro pensador a considerar essa mudança de paradigma, mas são especialmente Schelling e Nietzsche que representam essa passagem na filosofia.
13 A primeira divisão feita por Schiller é Sublime Teórico e Sublime Prático, representando respectivamente o Sublime Matemático e o Sublime Dinâmico kantianos.
14 Pedro Süssekind endossa essa divisão feita por Schiller: “O avanço da teoria schilleriana em relação a Kant, no sentido da amplitude da experiência estética, começa com a distinção de dois tipos de sublime prático” (p. 94).
15 Utilizamos o termo em alemão para a educação para implicar que, aqui, não se trata da simples transmissão e aprendizado de técnicas culturais (Erziehung), ao contrário, carrega forte carga filosófica, especialmente em meio aos pensadores alemães do século XVIII, trabalhando a educação do homem ta
16 Recomendamos a leitura, para melhor compreensão dessa interessante questão, do ensaio schilleriano “Acerca do Patético”, 1794, In: Teoria da Tragédia, São Paulo, Herder, 1964.
17 As três fases do trabalho de Schiller são: 1) as obras literárias do Sturm und Drang, 2) as obras filosóficas da última década do século XVIII e 3) as obras literárias do Classicismo de Weimar.

Autor notes

1 Doutoranda em Filosofia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba- SC, Brasil.


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