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O mal em Eric Weil
The evil in Eric Weil
Griot: Revista de Filosofia, vol. 10, núm. 2, pp. 124-132, 2014
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Artigos



Recepção: 19 Setembro 2014

Aprovação: 04 Dezembro 2014

DOI: https://doi.org/10.31977/grirfi.v10i2.616

Resumo: O mal ocupa a condição de problema para a filosofia desde a Antiguidade. Passando pelas ponderações dos estóicos e de Santo Agostinho, tratado no contexto da teodiceia por Leibniz, o mal aporta como objeto de preocupação para a moral em Kant. Muito conhecido por sua definição como um kantiano pós-hegeliano, é com Kant, mas indo além dele que Weil trata do mal, pensando-o como formas de violência. Considerada como o outro do sentido e da razão, a violência se manifesta de maneiras variadas. Nosso intuito é determinar o conceito de mal em Eric Weil enquanto forma de violência. Para isso, nos propomos a situar no esquema conceitual da violência duas formas de mal discutidas por Weil nos seus textos: o mal radical e o mal diabólico.

Palavras-chave: Violência, Mal, Eric Weil.

Abstract: Evil is a problem for philosophy since antiquity. Passing through the weights of the Stoics and St. Augustine, addressed in the context of theodicy by Leibniz, evil comes as a concern for morality in Kant. Known by its definition as a post-Hegelian Kantian, is with Kant, but going beyond that Weil treats the evil, thinking it as forms of violence. Considered the other of the sense and the reason, violence manifests itself in various ways. Our aim is to determine the concept of evil in Eric Weil as a form of violence. For this, we propose to situate in the conceptual scheme of violence the two forms of evil handled by Weil in his texts: radical evil and diabolical evil.

Keywords: Violence, Evil, Eric Weil.

Do mal como problema filosófico até o mal como violência

Embora o começo do mundo muitas vezes seja atribuído ao bem, o mal é um problema tão antigo quanto2.. Ao longo da história do pensamento ocidental, o mal foi objeto do esforço filosófico de vários pensadores, seja considerado enquanto falta3. ou tomado no conceito de uma teodiceia4., por exemplo. A abordagem que passa a tomar o mal como uma possibilidade de transgredir normas morais próprias do homem contribui para desvencilhar o mal do plano de uma teodiceia5.; radicar o mal enquanto uma possibilidade moral do homem constitui a abordagem kantiana6. que, por sua vez, será discutida por Eric Weil, que dedica um ensaio inteiro ao tema, O Mal Radical, a Religião e a Moral, presente na obra Problemas Kantianos. Disso podemos inferir que Kant é um filósofo caro a Weil. É muito célebre a definição de Weil como kantiano pós-hegeliano (PERINE, 1987, p. 18-22), de modo que as análises do filósofo de Königsberg são componentes importantes da reflexão weiliana. Contudo, embora Weil pense o problema do mal com Kant, isso não o impede de ir além de Kant, pois Weil pensa o mal como violência:

O problema da possibilidade de uma violência radical ou mal radical foi tematizado por Kant em Die Religion innerhalb der Grenzen der Blossen Vernunft e tratado por Weil no último texto de Problêmes kantiens [...]. Com isso, tornou-se quase natural para os intérpretes pensar o problema da violência em Weil a partir do mal radical kantiano. Entretanto, o conceito de violência em Weil ultrapassa o problema do mal em Kant. (COSTESKI, 2009, p. 194-195).

Para Weil, assim como para Kant, a raiz do tratamento do problema do mal não deve ser procurada em uma persona ontológica7.. Kant também considera que demandar a origem temporal desse evento é esforço debalde8.. Para Kant, na sua discussão a respeito do mal radical, não se trata de um mal físico9. ou da civilização10, mas de um mal moral11. O mal em Weil também não é decorrente de uma culpa originária ou de um evento primeiro que inaugurou a moral: “Nenhum assassinato primitivo explica a moral; sem moral, não haveria qualquer diferença entre a morte do pai assassinado por seus filhos e a morte do pai estraçalhado por um urso: simplesmente não haveria assassinato” (WEIL, 2011, p. 22). Trata-se aqui de pensar o mal como um evento moral compreendido no conjunto mais amplo da violência. A violência em Weil é a força motriz da filosofia12.

Ela tanto o é que frequentemente os filósofos esquecem que é com a violência que eles lidam. É verdade que a filosofia não o esquece ou, para não falar por metáforas, que todo discurso filosófico mostra que quem o formulou foi impelido pelo problema da violência (WEIL, 2012, p. 90).

A violência em Weil não se resume ao dado de uma agressão, seja ela física ou verbal, podendo ser entendida como o outro da razão. A violência é irredutível à razão e, por ser o seu negativo, lhe apresenta seus limites; ela é negação do universal (PERINE, 1987, p. 124). O paradoxo da violência é que ela é violência precisamente por negar, excluir, aquilo que constitui o mundo como sensato para o homem, por obliterar aquilo que se constitui como o sentido. Embora ela seja a negação do sentido, ela só é reconhecida justamente por aquilo que ela nega, ela apenas existe como tal para o sentido, para seu negativo, ou seja, para a razão (PERINE, 2004, p. 72).

Por ser reconhecida apenas do ponto de vista daquilo que ela nega, o sentido, é que se faz viável operar uma compreensão da violência, ou melhor, uma compreensão do que significa compreendê-la, por meio do recurso da metagoge, que é empréstimo de um discurso que a violência não possui13.

Dito isso, vale ressaltar que a violência se apresenta sob uma pluralidade de formas. Inicialmente, podemos falar de uma dupla concepção de violência que acossa o homem: uma violência interior e de uma violência exterior. A violência interior é própria da constituição subjetiva e das volições da personalidade do homem, violência que o aflige de dentro. Já a violência exterior é aquela do reino puramente objetivo da natureza, que o fustiga de fora. A violência interior caracteriza o movimento das paixões que agem dentro do homem, as inclinações que seguem apenas a parcela não razoável do seu ser. Weil (2012, p. 73) adverte quanto a um dado que permanece: ele pode se emancipar da violência exterior até um certo ponto no qual possa refletir, mas não é possível emancipar-se da sua condição de homem. Essa violência dita interior, ou violência humana, da qual o homem não está nunca certo de sob cujo influxo agir, é o que o impulsiona à realização de um ato não razoável e que contraria o esforço orientado para a realização de uma conduta não violenta, ou seja, razoavelmente coerente.

A paixão não terá ganhado terreno dentro dele, insidiosamente? Não terá ele sido minado do interior antes de se encontrar face a face com a violência exterior? Assim como os outros temem o que lhe acontece do exterior, não deve ele temer o que o ameaça do interior? Estará ele alguma vez razoavelmente seguro de sua razão? (WEIL, 2012, p. 35).

Podem ser acrescidas outras formas de violência. Segundo Canivez (1999, p.38), há uma violência natural, que é aquela relacionada com as necessidades do homem, as catástrofes naturais e o clima. Poderíamos situar aqui os chamados males naturais, contudo, recordamos que o mal em Weil trata-se de um mal que é mal porque do ponto de vista do homem, situado em um plano moral14. Além disso, Canivez aponta também uma violência dita social e política, da guerra, da dominação e da exploração. Finalmente, tem-se a violência que o homem sustenta com suas paixões, que o consomem e prejudicam (1999, p.38). Caillois (1984, p. 214) também distingue três estados de violência. A violência natural (I), que é aquela do ser vivo na sua agressividade espontânea, capaz de atos de cólera quando a necessidade o fustiga ou quando ele sente medo; o homem enquanto presa e predador. A violência passional (II), aquela do individuo no interior da sua comunidade, a ação individual do desejo, das crenças, portanto, dos atos livres. E finalmente a violência pela violência (III) ou violência pura, que é uma transgressão consciente da lei moral, do universal e da razão.

Cumpre agora determinar como o mal em Weil aparece segundo essa pluralidade de formas da violência. A violência está presente em cada um de nós. Ao jogar com a liberdade humana e participar daquilo que a tradição denomina como o mistério da iniqüidade, o mistério do mal15. Weil trata do mal sob dois níveis: mal radical e mal diabólico. O primeiro, como vimos, de inspiração kantiana é o mal das paixões, da parcela não razoável do homem. O segundo estaria instalado no âmbito político, transcendendo a mera esfera da paixão e do sentimento do indivíduo.

O mal radical

Do mal radical é dito que ele é violência e paixão (PERINE, 2004, p. 59 e 60). Desta feita, baseado no que vimos, entender o mal radical como um tipo específico de violência passaria primeiramente por enquadrá-lo como uma forma de violência interior, específica do ser humano, cuja raiz se encontra na violência natural que o homem herda invariavelmente do reino abstraído de uma violência puramente natural. Entretanto, considerando o concurso de outras modalidades de violência, como a violência passional e a violência social ou política, convém perguntar o que, especificamente, separa o mal radical das demais formas de violência. É importante saber o que representa esse ‘acesso de paixão’.

O homem não é inteiramente razão, de modo que nele sobrevive sempre uma parcela sua de violência. Contudo, assim como ele não é completamente razão, ele também não é totalmente natureza. Essa parcela que persiste sempre é herança do violento animal humano. O homem é ser situado, mas enquanto ser que é dotado de liberdade, seu devir não é puramente natural16. É interessante salientar que, em Weil, os instintos, as necessidades, que são as paixões do ser finito, também integram sua parcela de ser natural e são da ordem dessa forma de violência17. A parcela animal do ser humano é um dado importante para compreendermos o evento do mal radical, contudo, ela não dá conta completamente de explicá-lo. Isso porque caso a explicação residisse exclusivamente no puro elemento natural, o homem não sairia desse estado e não poderia sequer refletir para então elaborar um discurso sobre o mal, simplesmente porque não haveria má ação moral.

O animal depende inteiramente das determinações externas, de modo que a violência natural não abrange o quadro mais complexo no qual se situa uma ação má. Liberdade e razão em Weil se unem no ser razoável sob o conceito de vontade18. Desse modo, apenas recorrendo à liberdade e à razão no seu jogo de mútua implicação e de enfrentamento contínuo, que o mal radical será convenientemente tratado. Só o ser razoável possui vontade. Ao ser puramente empírico é dado apenas manifestar seu desejo. O desejo, situado no âmbito do animal, não pode ser livre, a liberdade é um fato apenas para aquele que se sabe livre, ou seja, apenas para a razão:

O desejo não é livre e não pode sê-lo, a vontade não pode não sê-lo: é ela que se opõe a toda condição, é por ela, como razão-vontade, que existem condições, dados, fatos, é ela que os descobre, os tira da simples possibilidade que lhes é própria enquanto considerados, abstratamente, mergulhados na totalidade indeterminada do que é acessível ao homem, e os descobre ao pôr livremente sua questão, ao exigir livremente a coerência das respostas (WEIL, 2011, p. 62).

No contexto da filosofia moral de Weil, a vontade se distingue fundamentalmente do desejo fazendo-lhe oposição. Enquanto a primeira representa a parcela razoável da constituição do homem, o segundo representa sua contraparte finita e o embate entre ambas tem como desfecho, ou não, o evento do mal radical. A vontade19, na sua contraposição ao desejo, é um elemento importante para compreensão do evento do mal. O mal radical é a violência no nível da vida moral, no qual o problema da moral ainda não aparece. Esse nível é distinto do nível da reflexão sobre a moral, a filosofia moral20. No interior do nível da vida moral, a liberdade não aparece e por isso o indivíduo não tem consciência de transgredir livremente a lei moral. A consciência da liberdade é, portanto, essencial para a distinção do mal radical de outras formas de violência: no nível da vida moral a liberdade não existe enquanto um para-si, ela é liberdade cega. . Somente do ponto de vista da razão a revolta da particularidade, do desejo, a insurreição da paixão que toma momentaneamente o controle pode ser compreendida como uma obstinação irredutível. No domínio do particular não se pensa a liberdade, pode-se apenas senti-la. O que interessa aqui não é reflexão, mas ocupar-se com a realização do seu sentimento21.

Os impulsos agentes, ocultos à reflexão moral, são do domínio do que não é universal, têm sua origem no mal radical: o princípio moral é aplicado ao outro desse princípio, a uma matéria que ele não pode compreender, muito menos produzir (WEIL, 1990, p. 27)

A violência do mal radical não é aquela da recusa da razão com conhecimento de causa, dada após o pleno desenvolvimento da razão. O homem da violência pura conheceu a razão, foi apresentado ao universal, ao sensato e ao sentido, mas não os quis, tomou a predileção pela violência, depois de saber o que é a razão. Trata-se aí de um mal do qual para Kant o homem não é capaz. Aqui reside uma importante distinção entre o pensamento do filósofo de Königsberg e o tratamento weiliano do tema do mal.

O demoníaco

Existem certos eventos do mal que desafiam nossa criteriologia habitual, nosso modo habitual de pensar o tema, que desafiam os protocolos de discernimento usuais para a imoralidade. Tais eventos escandalizam a razão aparecendo a ela como de tal maneira horrorosos que aquele que os perpetra parece mais como se estivesse possuído, de tal maneira parece estar fora do registro humano. Fica então a pergunta sobre quem ou o que estaria nessas ocasiões de posse do indivíduo22. Apenas uma violência pura, um mal diabólico, teria essa capacidade. Caillois considera que o emprego de uma linguagem imagética, da qual é exemplo o termo “diabólico”, não seria inadequada para uma expressão filosófica de uma violência pura, violência com conhecimento de causa, mesmo eivada de racionalidade. O uso da imagem permite sempre tirar mais sentido do termo, sem esgotá-lo (1984, p. 222).

O primeiro cuidado que se deveria tomar na delimitação do mal diabólico, ou mal absoluto, seria a viabilidade da aproximação do seu conceito com uma violência pura. Para Caillois, essa interpretação é confirmada por um dos últimos textos de Weil, Faudra-t-il de nouveau parler de morale? no qual Weil fala de um caráter ‘diabólico’ do mal absoluto, para em seguida aplicá-lo ao contexto humano (CAILLOIS, 1984, p. 213). O autor defende, entretanto, que semelhante violência se aplica menos ao indivíduo empírico23 do que a uma ideocracia que necessita de um aparato estatal24. Essa violência não é um tipo-ideal sociológico, mas a violência mais inumana do homem, uma idéia reguladora da história cultural que é co-extensiva àquela da razão. Tal violência em sua forma pura25 se constitui de uma negação da razão feita com conhecimento de causa, ou seja, utilizando a razão como um instrumento, portanto, essa violência seria erroneamente identificada como um evento anti-histórico; ela é, em verdade, algo interno à própria história da razão humana, uma possibilidade (CAILLOIS, 1984, p.219).

No mal radical o essencial é a afirmação cega do sentimento particular, da paixão. O mal diabólico, ao contrário, exige o sacrifício do indivíduo e, portanto, de sua violência particular, para impor sobre ele a “idéia” 26. O mal diabólico corresponde a uma violência total, que é uma forma da violência pura, da recusa consciente da razão. Para se afirmar, essa violência necessita de um aparato estatal, de modo que ela não é a violência do indivíduo isolado: o mestre, o partido são itens dos quais ela não pode prescindir (CAILLOIS, 1984, p. 214). Trata-se de uma inversão da civilização, uma distopia, sua inversão maligna, onde o essencial é conhecer o universal para poder destruí-lo, negando-o com conhecimento de causa27.

O mal diabólico, a violência diabólica, é admitida enquanto uma possibilidade realizada na esfera do humano. Contudo, convém ressaltar que efetivamente, ninguém é puramente diabólico, no sentido de que o homem da violência pura deixaria de se situar no registro comum dos seres humanos. Não é o caso, e isso é o fato estarrecedor. Aquele que exerce essa violência não se distingue, ele não carrega marcas ou sinais. Ele apenas realiza o inumano presente no homem, o não-humano do homem desejado por esse mesmo homem. Deve-se, para compreender de maneira clarificada essa possibilidade, distinguir dois planos distintos: aquele da sensibilidade pertencente ao indivíduo e o plano de uma ideocracia presente em um Estado, já que a imoralidade concernente a cada um desses planos é diferente. Não obstante, a possibilidade da violência pura não sai do registro humano porque, como já argumenta Kant, se o diabólico se situa no interior de uma estrutura estatal que engendra corrupção e sedução, é ainda o homem que se deixa corromper.

Referências bibliográficas

CAILLOIS, R. La violence pure est-elle démoniaque? Actualité d’Eric Weil, Paris, p. 53-76, maio 1984.

CANIVEZ, P. Weil. Paris: Socié te d’édition les Belles Lettres, 1999.

COSTESKI, E. Atitude, violência e Estado mundial democrático: sobre a filosofia de Eric Weil. São Leopoldo: Unisinos; Fortaleza: UFC, 2009.

DUHOT, J. J. Epicteto e a sabedoria estóica. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

HENRIQUES, M. C. Bernard Lonergan: uma filosofia para o século XXI. São Paulo: É Realizações, 2010.

GILBERT, P. Violence et compassion. Essai sur l’authenticité d’être. Paris: Éditions Du Cerf, 2009.

KANT, I. A religião nos limites da simples razão. Lisboa: Edições 70, 2008.

LEIBNIZ, G. W. Discurso de metafísica. In: Os pensadores. Tradução de Marilena de Souza Chauí. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

NEIMAN, S. O mal no pensamento moderno. Rio de Janeiro: DIFEL, 2003.

PERINE, M. Filosofia e violência. São Paulo: Edições Loyola, 1987.

______. Eric Weil e a compreensão do nosso tempo. São Paulo, 2004.

SOARES, M. C. O filósofo e o político segundo Eric Weil. São Paulo: Loyola, 1998.

WEIL, E. Lógica da filosofia. São Paulo: É Realizações, 2012.

______. Problemas kantianos. São Paulo: É Realizações, 2011.

______. Filosofia moral. São Paulo: É Realizações Editora, 2011.

______. Philosophie et réalité. Paris: Beauchesne Editeur, 1982.

Notas

2 Conferir KANT, 2008, p. 25.
3 Aqui tomamos como referência o estoicismo, no qual o mal é considerado como um equívoco contra a ordem que acarreta conseqüências ruins para seu próprio autor, mas sem que ele seja dotado de uma realidade metafísica: “A falta não ocorre, portanto, no teatro da escatologia ou do drama metafísico, ela é um erro, uma escolha errada – a da perturbação contra a harmonia –, e é antes de tudo diante de nós mesmos que somos responsáveis.” (DUHOT, 2006, p. 158-159).
4 É nesse contexto que o problema do mal é discutido por Leibniz, cuja visão se aproxima da de Santo Agostinho. O mal é compreendido pelos autores como uma privação de bem e que não pode ser imputado à autoria de Deus. Levando em conta que apenas poderia ser sumamente perfeito, mesmo antes do pecado original, o homem, bem como a totalidade das criaturas, possuía uma limitação originária que faz o homem pender para o pecado. Com o auxílio da graça divina e a cooperação do homem, tal limitação não necessariamente iria obstruir-lhe o alcance da salvação: “Eis, no meu entender, ao que se deve reduzir a opinião de Santo Agostinho e de outros autores, segundo a qual a raiz do mal está no nada, quer dizer, na privação ou limitação das criaturas, que Deus remedeia, graciosamente, pelo grau de perfeição que lhe apraz dar a elas” (LEIBNIZ, 1983, p. 145-146).
5 Outro fator importante para essa cisão foi o Terremoto de Lisboa de 1755, que repercutiu nas obras de Voltaire, Rousseau e do próprio Kant, contribuindo para que os desastres naturais passassem a ser apenas alvo de previsões e não de interpretações. A esse respeito é interessantíssimo o trabalho de NEIMAN, 2003, p. 267 – 275.
6 Para uma comparação entre as visões de Kant e Leibniz do problema do mal, ver NEIMAN, 2003, p. 82-86.
7 Conferir KANT, 2008, p. 85.
8 Conferir KANT, 2008, p. 45-46.
9 Dentre os males físicos, é possível ainda falar daqueles específicos de doenças e dos males ocasionados pela natureza. “Os males físicos decorrem das insuficiências de uma ordem do mundo em que a probabilidade emergente generalizada não evita que a saúde ombreie com a doença, a geração da natureza com as catástrofes, a desordem com a organização, o desenvolvimento com a insegurança etc” (HENRIQUES, 2010, p. 121).
10 Além dos males físicos oriundos de doenças daqueles ocasionados por catástrofes naturais, pode-se falar de um mal específico das civilizações. “Também há o sofrimento e a selvageria da guerra. Uma das piores características da guerra é talvez o modo como brutaliza quem nela participa” (PLANTINGA, 2012, p. 21).
11 Conferir KANT, 2008, p. 26.
12 Conferir CANIVEZ, 1999, p. 38
13 Sobre a utilização desse recurso metodológico como forma de compreensão da violência em Weil conferir PERINE, 1987, p. 176.
14 “Os animais podem ser violentos como os leões ou organizados como as formigas, mas só são violentos ou organizados aos olhos do homem: eles na se opõem nem se organizam em vista de criar alguma coisa. Só o homem conhece e designa a violência, o absurdo, o sem sentido. Para a fera, atirar-se sobre a sua presa não é insensato nem violento, assim como não é insensato nem violento não poder viver fora do formigueiro” (PERINE, 2004, p. 150).
15 Conferir GILBERT, 2009, p. 78.
16 Conferir SOARES, 1998, p. 20-21.
17 Conferir WEIL, 2011, p. 19.
18 Conferir WEIL, 2011, p. 61-62.
19 “O que ela é, o que pretende ser senão a consciência do conflito, constitutivo do ser humano, entre animalidade e razão, desejo e vontade?” (WEIL, 2011, p. 76).
20 Conferir WEIL, 2011, p. 232.
21 Conferir PERINE, 1987, p. 170.
22 Conferir CAILLOIS, 1984, p. 216-217.
23 Weil considera que a vontade do homem pode sim ser demoníaca (1982, p. 273).
24 Conferir CAILLOIS, 1984, p. 213.
25 Violência diabólica ou mal diabólico, que aqui, ao contrário do que aparecia em Kant, é uma possibilidade do homem a partir do momento em que Bem e Mal são pensados pela filosofia conceitualmente, sem resíduos míticos, sem a imagem de um Sedutor (CAILLOIS, 1984, p. 218-219).
26 Conferir CAILLOIS, 1984, p. 214.
27 Conferir CAILLOIS, 1984, p. 216.

Autor notes

1 Mestrando em Filosofia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Ceará – Brasil. Bolsista CNPQ


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