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Possibilidade e totalidade: divergência ou convergência das séries? um estudo acerca da relação Leibniz e Bergson
Possibility and totality: divergence or convergence of the series? a study on the relationship Leibniz and Bergson
Griot: Revista de Filosofia, vol. 3, núm. 1, pp. 50-62, 2011
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Artigos


Recepção: 21 Abril 2011

Aprovação: 14 Maio 2011

DOI: https://doi.org/10.31977/grirfi.v3i1.492

Resumo: O artigo pretende estabelecer uma relação entre Leibniz e Bergson a partir do problema bergsoniano da divergência das direções, séries e tendências de evolução da vida e do conceito de incompossibilidade em Leibniz. Para Leibniz a incompossibilidade é um princípio de exclusão de séries que pertencem a mundos possíveis diferentes pensados como totalidades seqüenciais completas e determinados internamente. Para Bergson a vida é entrosamento mútuo de tendências e a evolução criadora é impulso ao desdobramento destas tendências que se desenvolvem em direções ou séries divergentes. Estas tendências diferentes que se mantêm unidas na origem e que se atualizam em direções ou séries evolutivas divergentes podem ser ditas incompossíveis?

Palavras-chave: Bergson, Leibniz, Incompossibilidade, Tendência, Evolução Criadora.

Abstract: The article intends to establish a connection between Leibniz and Bergson from the bergsonian problem of divergente of directions, series and tendencies of evolution of life and the concept of incompossibility on Leibniz. In Leibniz philosophy, the incompossibility concept is principle of exclusion of series which belongs to different possible worlds thought as sequential and completed totalities, internally determinated. In Bergson’s thought, life is an mutual mesh of tendencies ande the creative evolution is the impulse for the unfolding of these tendencies that are expanded on divergent series or directions. These different tendenciesd are kept gathered in the origin, actualized in divergente evolutive series or directions. Could it be said incompossible?

Keywords: Bergson, Leibniz, Incompossibility, Tendency, Creative Evolution.

Não há um trabalho exaustivo acerca das relações entre as filosofias de Leibniz e Bergson2. e não pretendemos fazê-lo. Nosso propósito é apresentar uma diferença entre elas a partir da análise do problema bergsoniano da divergência das direções e tendências de evolução da vida e do conceito de incompossibilidade em Leibniz. O ponto central está na concepção de Bergson de que o possível seria uma espécie de tendência como impulso à diferenciação, o que implicaria uma modificação do seu estatuto tal como se apresenta em Leibniz. Tal modificação implicaria uma crítica à concepção da noção de possibilidade como aquilo que poderia ser e que estaria já determinado e seria anterior ao real. Bergson concebe o possível como forma de ser do real, como uma tendência implicada a outras cuja atualização é separação ou diferenciação daquilo que estaria implicado. Para Leibniz o possível é pensado como algo completo, determinado, como aquilo que existe idealmente no entendimento divino antes de ser atualizado. O possível se assemelha a um estado de coisas não atual e que é algo determinado antes de ser atualizado.

O que Bergson chamaria de possível pode ser identificado primeiramente àquilo que não impede algo de ser, como ausência de impedimento, depois como aquilo que é tendência, como movimento à diferenciação e finalmente como o modo de ser virtual das coisas. O que Leibniz chama de possível é aquilo que não envolve contradição e aquilo que é compossível com. O possível é aquilo que é completo, determinado e alternativo ao que é atual.

Tais concepções diferentes implicam visões diferentes nas relações que se estabelecem entre possibilidade e totalidade. Os possíveis em Leibniz se organizam em conjuntos, em mundos, em séries, em totalidades completas e determinadas enquanto variações contrafactuais. Os possíveis se podemos chamá-los assim em Bergson se articulam no que chama de multiplicidades qualitativas, que são incompletas, indeterminadas e abertas. Tal organização dos possíveis define o domínio do virtual em Bergson.

Nós pretendemos, então, opor duas posições diferentes acerca da conjunção das possibilidades, a de Leibniz que pressupõe que as possibilidades se articulam em totalidades, chamadas de mundos, e a de Bergson que pressupõe uma espécie de multiplicidade aberta, de re-configuração contínua dos possíveis. Chamaremos as conjunções entre os possíveis de séries. Então temos de um lado séries que são seqüências convergentes e contínuas, de outro, direções evolutivas divergentes, mas que inicialmente estavam interpenetradas. Em Leibniz um mundo se define pela convergência de suas séries. Cada mundo possui uma determinada convergência, continuidade e seqüência de séries. Os mundos possíveis pensados como seqüências completas, versões menos perfeitas do mundo atual se auto-excluem, o que implica divergência ou disjunção exclusiva entre suas séries e, portanto entre eles. A divergência entre as séries, pensadas como seqüências inter-relacionais de acontecimentos, é pensada como incompossibilidade. Os mundos divergem em relação às suas seqüências e continuidade de suas séries. Estes mundos divergentes são chamados de incompossíveis. A incompossibilidade é, assim, uma regra de distribuição da divergência. Em Bergson a evolução da vida constitui séries ou direções divergentes que se ramificam, o que implica a concepção de séries não totais e o que podíamos chamar de disjunção inclusiva já que em sua filosofia as séries divergentes não se excluem reciprocamente. As séries ou direções diferentes da vida provêm de um mesmo tronco e são os resultados de um mesmo impulso criador, mas elas não convergem. É a partir do impulso vital que as espécies divergem ou acentuam sua divergência à medida que progridem em sua evolução. A divergência entre as séries em Bergson não pressupõe algum tipo de convergência e por isso as diferenças não são auto-excludentes. Um mundo possível em Leibniz é compossível, no sentido de que as possibilidades estão articuladas em conjuntos consistentes e compatíveis internamente. A incompatibilidade entre as tendências evolutivas em Bergson não produz articulações totais como em Leibniz, nem tampouco produz sua distribuição em mundos diferentes, já que elas pertencem ao mesmo mundo, ou à vida tomada em sentido geral. Mas para isso, será que será preciso pensar que incompatibilidade entre as tendências não produza divergência radical e descontinuidade interna? Como pensar divergências entre séries que não produzam repartições exclusivas? Ou a diferença em Bergson remete de alguma forma a uma espécie de continuidade entre as séries evolutivas ou o problema está na idéia de compossibilidade, na idéia de que as possibilidades se articulam em totalidades incompatíveis.

Leibniz e a incompossibilidade

Leibniz diz que as verdades eternas baseiam-se no princípio da contradição e que as verdades contingentes fundamentam-se no princípio da perfeição. Mas o caráter não contraditório de uma verdade contingente implica apenas a existência possível do seu contrário, o que aponta para infinitas outras existências igualmente possíveis. Assim, é preciso entre elas um princípio de exclusão recíproca, que não é a simples não contradição lógica, que será chamado de princípio da incompossibilidade dos possíveis. Todos os possíveis existiriam se todos fossem compossíveis entre si, se todos pudessem coexistir. Leibniz diz que aquelas coisas que possuem maior impulso ou tendência a existir, existem. Nosso objetivo é mostrar que a tendência a existir se relaciona à combinatória das possibilidades.

Para Leibniz todos os possíveis não podem existir porque eles se impedem mutuamente. Nem todos os possíveis alcançam a existência porque eles alcançam a existência obstruindo-se mutuamente. Para Leibniz todo possível exige existir e, portanto, chegaria a existir salvo se o impedisse outra coisa que também exigisse existir e que lhe fosse incompatível. Mas, nem todas as coisas que são possíveis per se podem existir juntas com outras. Por isso ele defende que tudo que pode existir e é compatível com outras coisas, existe e que a única razão para limitar a existência, para todos os possíveis, deve ser que nem todos sejam compatíveis. A razão para a limitação é que preferencialmente deveriam existir aquelas coisas que envolvem a maior quantidade de realidade. Num primeiro momento Leibniz parece pensar que todo possível exige existir e, portanto, chegaria a existir se outro que lhe fosse incompatível não o impedisse. Então, tudo que possuísse algum grau de perfeição seria possível, portanto tenderia a existir, exigiria existir e existiria porque seria mais perfeito que seu oposto. Mas, Leibniz não pode aceitar esta solução, porque não haveria propriamente criação divina. Num segundo momento Leibniz afirma que:

Podemos dizer que assim que Deus concede criar alguma coisa, há um combate entre todos os possíveis, todos pretendendo à existência, e que aqueles que em conjunto produzem mais realidade, mais perfeição, mais inteligibilidade, são atualizados. É verdade que todo este combate não pode ser senão ideal, quer dizer, não pode ser senão um conflito de razões no entendimento que é o mais perfeito, que não pode deixar de agir da maneira a mais perfeita e de escolher o melhor (LEIBNIZ, 1956, p. 248).

Então, o possível não é exatamente o que exige se atualizar, mas o que possui direito a pretender a atualização à medida de sua perfeição. De acordo com esta posição tudo que expressa realidade possível tenderia com igual direito à atualização em proporção ao grau de perfeição que contivesse. No entendimento divino as coisas possíveis exporiam suas pretensões à existência em proporção às suas perfeições. Assim, algo se atualizaria não por causa de sua natureza, como parecia ser no primeiro momento, mas em virtude da determinação geral de Deus em criar aquilo que é mais perfeito, o que implica que sem este decreto primitivo não haveria a distribuição das possibilidades em uma hierarquia de graus de perfeição e uma escolha do melhor mundo possível: “Júpiter, examinando-as antes do início do mundo existente, classificou as possibilidades entre os mundos e escolheu o melhor de todos” (Leibniz, 1956, p.375). Então, o que se atualiza, se atualiza não apenas por causa de sua natureza, mas, em virtude da determinação geral de Deus em criar aquilo que é mais perfeito.

Voltemos à afirmação de que nem todos os possíveis chegam a se atualizar, pois eles se intre-impedem. Tal formulação primeiramente se refere a possíveis isoladamente, não posso ser X e Y ao mesmo tempo e, depois à combinação das possibilidades. Nem todas as coisas que são possíveis podem existir juntas com outras e nem todas as combinações possíveis podem existir conjuntamente, mas também que determinadas combinações entre os possíveis excluirão outras. Leibniz diz que tudo que pode existir e é compatível com outras coisas, existe. Assim a razão para limitar a existência de todos os possíveis é que nem todos são compatíveis e, portanto que deve preferencialmente existir aquilo que envolva a maior quantidade de realidade. Assim, o que é atual é aquilo que é mais compatível com, do que qualquer outro que existisse. O que é atual é o melhor conjunto de possibilidades combináveis. Como diz Leibniz: “Logo existir, para uma coisa é idêntico a ser concebido por Deus como o melhor, ou seja, como o mais harmônico”. Deus atualiza um mundo no qual uma maior combinação entre possíveis é produzida. O critério de compatibilidade cria limites para as coisas que podem existir em conjunto. Perfeição implica, então, aquilo que é mais compatível com. Nem todos os possíveis são compatíveis entre si e nem todos os possíveis são compatíveis com outros. Alguns possíveis são mais compatíveis e combináveis com outros que outros possíveis. Então, possibilidade é co-possibilidade já que uma possibilidade implica outras configurando uma série completa. Ser possível é ser possível com, o que constitui séries completas. Como a totalidade das possibilidades conjuntas não é compatível entre si, nem todas podem ser atualizadas, ou seja, não é compatível a totalidade das combinações entre as possibilidades. Melhor dizendo, conjuntos de possíveis são incompatíveis com outros e por isso se excluem. O que é atualizado é determinado conjunto, o que exclui outros.

As combinações entre as possibilidades configuram séries e sistemas diferentes que se excluem. Uma determinada combinação entre possibilidades exclui outras. Não se trata apenas de possíveis que são incompatíveis entre si, mas de séries de possíveis que são incompatíveis entre si. Nem todos os possíveis podem co-existir e nem todos os compossíveis podem co-existir, isto significa que nem todas as séries podem co-existir. Para Leibniz todos os possíveis e todos os compossíveis não podem se unir em uma série única ou coexistir por possuírem graus de perfeição diferentes. O princípio de exclusão recíproca é chamado princípio da incompossibilidade, o que significa a impossibilidade de co-existência de todos os conjuntos de compossíveis. Das infinitas combinações de possibilidades e séries possíveis, aquela que existe é aquela através da qual o máximo de essência ou possibilidade é levado a existir. Não é porque A e B são possíveis individualmente que existem automaticamente, pois se ambos forem incompatíveis, eles não poderão existir simultaneamente. Mas, também não é porque duas séries são possíveis que elas podem existir já que elas podem ser incompatíveis. O princípio de incompossibilidade é um princípio de distribuição de séries de possíveis em conjuntos articulados, que serão chamados de mundos. Cada composição ou conjunto de combinações de possibilidades é distribuída em séries e sequências completas configurando mundos possíveis diferentes, como totalidades determinadas co-articuladas no entendimento divino. Tais possibilidades são separadas e distribuídas em mundos, em conjuntos completos e a partir disso Deus escolhe o melhor conjunto de séries. Cada mundo possuiria uma determinação, uma razão para ser escolhido. Tal razão interna seria determinada tendência à combinabilidade entre possibilidades que articuladas em um sistema produziriam determinada combinação entre si. Cada mundo possível seria uma articulação completa de uma das tendências à compossibilidade. Então, a atualização é regida pela comparação entre as diferentes articulações dos possíveis. É atualizada aquela que permite a melhor combinação entre eles. Os possíveis antes de serem distribuídos em mundos são tendências a se articularem em mundos, em seqüências completas. Os possíveis tendem a configurar mundos, tendem a se repartir em séries e a configurar combinações, continuidades, conseqüências, totalidades. Os possíveis tendem a se articular em conjuntos segundo a compatibilidade ou incompatibilidade da existência conjunta. A atualização é feita pela escolha do melhor sistema que produz as melhores ou as maiores articulações dos possíveis, o que fornece o maior número de possibilidades conjuntas. É por isso que é dito que antes que se faça a escolha divina, a possibilidade é repartida em mundos. Então, a compatibilidade ou não da existência conjunta precede a constituição das séries dos mundos. Como nem todos os possíveis são compatíveis entre si em uma mesma seqüência do universo, todos os possíveis não poderiam ser produzidos. Há uma limitação à possibilidade no fato que todos os possíveis não podem vir à existência por que nem todos são compossíveis e não possuem capacidade de coexistirem, não porque são contraditórios, mas por possuírem graus de perfeição diferentes. Deus examina as possibilidades antes do início do mundo existente, as classifica ou distribui entre os mundos e, escolhe o melhor de todos. As possibilidades são anteriores à sua distribuição em totalidades seqüenciais. O entendimento divino produz repartições, distribuições e divergência de séries por exclusão, sendo a incompossibilidade uma espécie de divergência exclusiva produzindo uma separação entre mundos.

Então, os mundos possíveis são variações seqüenciais condicionais, completas e alternativas de acontecimentos passados, presentes e futuros. Cada mundo é uma versão completa, das seqüências, séries, dos indivíduos e das relações do mundo atual. Leibniz diz que um mundo possível é uma seqüência e coleção de todas as coisas. Cada mundo possui um conjunto de sub-séries simultâneas e sucessivas, contínuas e convergentes. Para Leibniz há um número infinito de séries (ou de mundos) de coisas possíveis, mas uma série não pode estar contida em outra, desde que todas e cada uma delas está completa. Um mundo possível possui uma conjugação, convergência e continuidade de uma infinidade de séries formando totalidades inter-relacionais e interseqüenciais determinadas.

Será chamado compossível o conjunto das séries contínuas, convergentes e prolongáveis, que constituem um mundo e o conjunto dos indivíduos que expressam o mesmo mundo. A continuidade e a convergência são leis de desenvolvimento das séries. Cada série participa da continuidade e convergência com outras séries. Diferentes continuidades e convergências implicam totalidades relacionais determinadas e diferentes, ou seja, mundos diferentes. Serão chamadas incompossíveis as séries que divergem e pertencem a dois mundos possíveis e os indivíduos que expressem cada qual um mundo diferente do outro. Há incompossibilidade quando existe divergência de seqüência e continuidade entre séries, fazendo com que cada divergência constitua um mundo diferente. Divergir é pertencer a outra totalidade seqüencial e a outra continuidade.

Uma série diverge de outra quando a partir de certo ponto possui outros prolongamento e continuidade, quando sua seqüência é descontínua em relação à outra. Há incompossibilidade quando há a divergência e descontinuidade entre as séries, quando há uma diferença de continuidade, quando uma série possui uma continuidade determinada e a outra continua de outra maneira. Quando duas séries semelhantes possuem em determinado momento uma seqüência e continuidades diferentes, elas são chamadas incompossíveis. Cada uma seqüência diferente pertenceria a uma totalidade relacional diferente e, portanto, a outro mundo. A separação ou disjunção das seqüências implica a articulação de outras séries, implica a configuração de outra totalidade, de outras seqüências, convergências e continuidade. Serão chamados incompossíveis mundos que exprimem continuidades e convergências diferentes, portanto seqüências diferentes. Um mundo é dito incompossível com outro quando a continuidade e convergência de suas séries são diferentes das de outro. A diferença entre os mundos está na divergência em relação às suas séries e convergências, em relação às suas continuidades e simultaneidades. Em outros mundos possíveis existem outras convergências das séries e outras continuidades. A convergência é o encontro de seqüências ou séries diferentes e a divergência a separação de seqüências diferentes, o que se chama disjunção. As séries, seqüências e continuidades que divergem implicam outros mundos. O conceito de divergência significa a separação ou disjunção de séries de acontecimentos e seu prolongamento em totalidades seqüenciais diferentes, em seqüências que pertencem a totalidades diferentes. Quando duas seqüências continuam de forma diferente diremos que elas divergem. Quando uma série possui prolongamento seqüencial diferente diremos que cada seqüência constitui um mundo. Um mundo é internamente compossível quando possui continuidade e convergência de suas séries. Um mundo é dito incompossível com outro quando a continuidade e convergência de suas séries são diferentes das de outro. Um mundo será dito incompossível com outro se apresentar divergências nas seqüências e continuidades. A incompossibilidade entre os mundos se caracteriza, então, pela presença de outras convergências, continuidades e seqüências de suas séries. A incompossibilidade em um mundo se caracteriza pela interrupção da continuidade e pela divergência de suas séries - tal mundo é dito inconsistente. A descontinuidade é a condição da divergência das séries em um mundo e a condição de divergência com outros mundos. Ela significa uma diferença ou quebra de uma seqüência espaço-temporal e causal e sua continuação diferente. Tal ruptura na seqüência implica outra continuidade em outro mundo. Como o mundo é uma totalidade convergente e contínua serão compossíveis as séries de um mesmo mudo e, incompossíveis as séries de mundos diferentes. O conceito de incompossível significa, então, a não possibilidade de coexistência de séries, com seus elementos e relações, que pertencem a totalidades seqüenciais inter-relacionais diferentes, de séries, elementos e relações de outros mundos possíveis. Para Leibniz a incompossibilidade é um princípio de exclusão de elementos, relações e acontecimentos, mônadas e séries que serão distribuídas em mundos possíveis diferentes pensados como totalidades seqüenciais completas e determinados internamente. É incompossível a co-existência de séries que pertencem a totalidades de relações diferentes. O possível se apresenta em Leibniz como articulado a outros e completo.

Bergson e a crítica ao conceito de possível:

A crítica de Bergson ao conceito de possível está associada ao que chama de falsos problemas. Os falsos problemas se dividem em dois tipos, os problemas inexistentes quando se toma o “mais” pelo “menos”, por exemplo, quando perguntamos “por quê o ser e não o nada”, como se o nada fosse “mais” que o ser; e os problemas mal postos quando analisamos mal determinados compostos, ou seja, quando não se separam bem os termos implicados numa questão. Isto produz a confusão entre diferenças de natureza e diferenças de grau (o mais e o menos). Trata-se de uma ilusão acreditar que o conceito de possível é menos que o conceito de real, que uma possibilidade é algo que possui menor quantidade de realidade que a própria realidade e que a possibilidade das coisas precede sua existência, que seriam representadas de antemão e poderiam ser pensadas antes de serem realizadas. Segundo Bergson é o inverso que é verdadeiro: o possível possui um estatuto ontológico diferente do real, o possível é da ordem da tendência e precisa ser inventado, criado a partir do real. É preciso criar o possível e ele não está disponível antes de sê-lo. É o real que se faz possível e não o possível que se faz real. Alguma coisa deve ser possível antes de ser realizada, no sentido que nada a impede de ser, mas para se tornar real é preciso criação. Para Bergson a possibilidade de uma coisa não preexiste à sua realidade. Não há a existência de uma possibilidade antes dela ser criada.

Para Bergson a idéia de possíveis que se realizariam por uma aquisição de existência, não mudando nada em sua determinação ou natureza (estando os possíveis constituídos em idéias) é uma ilusão. A possibilidade de uma coisa antes de ela ser realizada significa apenas que não havia obstáculo intransponível à sua atualização. A não existência de um obstáculo intransponível é a condição de atualização de algo, mas isto não significa que esse algo é idealmente preexistente. Segundo Bergson do significado negativo do possível, como ausência de impedimento passamos para o significado positivo, como preexistência na forma de uma idéia. No momento em que algo é criado é dada forma a um não impedimento, mas poderia ser dada uma outra forma a este não impedimento, já que outros não-impedimentos estavam reunidos e misturados no passado. O passado é o domínio das não impossibilidades, dos não impedimentos. Para saber quais eram essas impossibilidades, esses impedimentos seria preciso criar no presente. Quando criamos algo há a posição de existência e a posição de possibilidade é retroprojetada no passado. A possibilidade de uma coisa, na forma de uma idéia, não preexiste à sua realidade, mas preexiste na forma da não existência de obstáculos intransponíveis à sua atualização. Assim, o processo de atualização acrescenta algo à mera possibilidade já que não é passagem à existência, mas criação de novidade, pois a re-articulação da relação entre as tendências que estavam anteriormente em determinadas proporções faz aparecer de maneira imprevisível algo diferente do estágio anterior. Possibilidade significa ausência de impedimento e não pré-existência na forma de uma idéia.

A atualização:

Bergson diz que a vida é entrosamento mútuo de tendências e que a evolução criadora é impulso ao desdobramento destas tendências que se desenvolvem em direções divergentes. As tendências diferentes que se mantêm unidas na origem se atualizam em direções ou séries evolutivas divergentes. Mas estas tendências que se separam em séries diferentes pertencem ao mesmo mundo ou à vida. O impulso vital em Bergson é uma espécie de causalidade imanente que dispersa a vida em direções ou tendências diferentes. Esta causalidade é um processo de diferenciação que vai não da parte a parte ou da parte ao todo, mas do todo à parte, configurando o que Bergson chama de evolução criadora. Em seu contato com a matéria, a vida é um impulso à criação de formas, mas encarada em si mesma é um entrosamento mútuo e junção de milhares de tendências. Essas tendências permanecem unidas entre si, mas estão sempre em vias de se desdobrarem. O impulso vital é o desdobramento destas tendências implicadas e coexistentes que se dissociam para darem origem a espécies diferentes:

Isso é o que observamos em nós mesmos, na evolução da tendência especial que chamamos nosso caráter. Cada um de nós, passando em revista retrospectiva a nossa história irá verificar que nossa personalidade de criança, embora indivisível, englobava em si pessoas diversas que poderiam manter-se fundidas juntas porque estavam em estado nascente. Mas as personalidades que se interpenetravam tornam-se incompatíveis ao crescerem, e, como cada um de nós tem uma só vida, somos forçados a fazer uma opção. Na realidade, estamos incessantemente fazendo escolhas, e sem cessar também deixamos de lado muitas coisas. O itinerário que percorremos no tempo está juncado dos resíduos de tudo o que começávamos a ser, de tudo o que poderíamos ter vindo a ser. Mas a natureza, que dispõe de um número incalculável de vias, de modo algum se restringe a semelhantes sacrifícios. Ela conserva as diversas tendências que bifurcaram ao crescer. Ela cria, com elas, séries divergentes de espécies que evoluirão distintamente (BERGSON, 1979, p.101).

Para Bergson não existem coisas feitas, nem estados que se mantém, mas estados que mudam, o repouso é aparente e toda realidade é tendência, vetor, ou seja, mudança de direção. Uma tendência é um movimento nascente ou embrionário enquanto gênese da diferenciação entre direções. As coisas ou estados são aparentemente estáveis e, por isso devemos tratá-los como progressos. Assim, para Bergson não há coisas e estados, mas atividades, transformações e transições. Tal atividade é o que se chama tendência, que é uma heterogênese, que é o que está em vias de se fazer enquanto processo de diferenciação. A vida é, então, tendência à diferenciação. A diferenciação configura diversas direções evolutivas diferentes. Uma tendência é a constituição de uma direção diferente. Tais direções embrionárias e latentes são co-existentes e cabe ao impulso vital desdobrá-las. Estas direções que se completavam mutuamente em estado embrionário tornam-se incompatíveis ao se acentuarem. Assim, um estado atual é tanto uma dissociação de direções que na origem estavam implicadas, quanto uma acentuação de uma direção em relação a outra em um novo estado, que difere do anterior configurando um outro tipo de coexistência entre elas. O impulso vital dá nascimento a direções diferentes que eram apenas tendências enquanto movimentos nascentes configurando divergência de vias. O impulso vital é o movimento de divergência, distinção, acentuação, dissociação ou de diferenciação de tendências implicadas, de direções embrionárias. É esta implicação de direções e vetores embrionários que podem ser chamados de virtualidade. O virtual é a coexistência de tendências embrionárias heterogêneas, a reunião de direções, vetores ou tendências qualitativamente heterogêneas que permanecem juntas, unidas, interpenetradas. Estas direções ainda não estão configuradas, mas em estado nascente. Elas estão interpenetradas e em equilíbrio instável. Bergson diz, então, que “a propriedade de uma tendência é desenvolver-se em forma de feixe, criando tão só pelo fato do seu crescimento direções divergentes entre as quais se distribuirá seu impulso” (Bergson, 1979, p. 100). As tendências se dissociam ao crescer. O movimento de separação ou de diferenciação destas direções é realizado pelo impulso vital e é o que se pode chamar, atualização. O impulso vital lança a vida em várias direções constituindo espécies diferentes. A vida é a continuação de um único e mesmo impulso que se distribui entre linhas de evolução divergentes. Cada linha de evolução divergente culmina em uma encruzilhada de onde se irradiam novas vias e, assim por diante ao infinito. A vida cria séries divergentes de espécies que evoluirão distintamente. O movimento geral da vida é, portanto, criação de linhas divergentes e de formas sempre novas.

Mas, para Bergson cada manifestação da vida contém em estado latente ou rudimentar, as características das demais manifestações e, conserva as diversas tendências que se bifurcaram ao crescer. A diferença entre elas está na combinação das tendências ou nas proporções entre elas. Ele diz que é isso que define um grupo: a tendência a acentuar características particulares. Por isso temos que nos ater menos à presença de características do que à tendência ou não a se desenvolver. As tendências podem coexistir atualmente, mas esta coexistência implica outra proporção entre elas, diferente do estado anterior. Todo estado é então duplo: virtual e atual. O virtual é um caracterizado por um tipo de coexistência, e a separação do que estava implicado é um movimento de desdobramento dessa comunidade original:

A harmonia dos dois reinos (animal e vegetal), as características complementares que eles apresentam, viriam, pois, enfim, do fato de que eles revelam duas tendências primeiro fundidos numa única. Quanto mais a tendência original e única aumenta, tanto mais é difícil manter unido no mesmo ser vivo os dois elementos que, em estado rudimentar, estavam implicados um no outro. Daí um desdobramento, daí duas evoluções divergentes; daí também duas séries de características que se opõem em certos pontos, se completam em outros, mas que, ou se completando ou se opondo, conservam sempre entre elas um aspecto de parentesco (BERGSON, 1979, p.117).

Virtualidade significa, então, coexistência de tendências embrionárias e latentes heterogêneas, que estão em estado de oscilação, equilíbrio precário, que são mutuamente interpenetradas e implicadas umas nas outras e, que ao se atualizarem se dissociam ou coexistem de maneira diferente do estado anterior. Estas tendências ou potências imanentes à vida estão num ‘primeiro’ momento confundidas e se dissociam ao crescer. O que se dissocia e diverge é a direção de uma atividade. O impulso vital é o movimento de diferenciação, espécie de causa que dissocia as direções ou acentua as diferenças. O impulso vital produz a diferenciação das tendências a partir de sua divergência e dissociação elas que se achavam interpenetradas em estado virtual. Um acontecimento, então, é um complexo instável de tendências enquanto movimento nascente de direções diferentes (por exemplo, o instinto e a inteligência). O impulso vital ou evolutivo é a dissociação e distribuição específica destas tendências em direções determinadas.

Conclusão:

Para Leibniz uma possibilidade configura uma série, o que implica que uma possibilidade se relaciona a um conjunto de outras, uma possibilidade implica outras em série. As possibilidades se articulam e se combinam em totalidades seqüenciais, convergentes, contínuas e inter-relacionais completas, o que constitui a noção de mundo. Não há a noção de uma possibilidade individual devido à conexão de todas as coisas entre si, inclusive dos possíveis. Uma possibilidade se apresenta, assim, na forma conectiva e,e,e,e,... Uma série difere de outra a partir de sua diferença de inserção numa totalidade de relações diferentes ou de sua conexão e seqüência com outras séries. Em Leibniz há a distribuição das possibilidades em totalidades. Leibniz trabalha com o conceito de disjunção serial, um possível está em relação com outros e configura uma série. Cada totalidade possui uma determinação interna que insere suas séries numa determinada continuidade, seqüência e convergência.

Uma disjunção serial aparece quando uma situação se apresenta na forma do ou, ou, cada alternativa implicando uma ramificação, uma continuação, uma seqüência diferente que não convergirá com a outra, cada alternativa implicando uma série diferente, uma combinação diferente de possibilidades ou conjuntos seriais auto-excludentes. Para Leibniz a disjunção implica uma separação da divergência em totalidades seqüenciais, em mundos diferentes. Mas as situações disjuntivas podem ser inclusivas ou exclusivas. Deleuze, por exemplo, pretende que disjunções não impliquem repartição exclusiva defendendo que todas elas pertençam ou estejam de algum modo no mesmo mundo. Constituição de totalidades ou co-existência de todas as ramificações? As séries diferentes que convergem constituem um mundo. As que não podem convergir constituem outros mundos ou conjuntos excludentes. As séries diferentes podem, também se ramificar. Cada ramificação implicando disjunções múltiplas. O problema é saber se elas participam do mesmo mundo e, então, tem que haver algo que as façam convergir, o que em Bergson pode ser a comunidade virtual que implica tendências diferentes, e, talvez a diferença não seja radical ou então é preciso pensar que a diferença é radical mas não implica constituição de totalidades auto-excludentes. A disjunção exclusiva separa umas das outras as séries não convergentes, organiza as séries convergentes prolongando-as sob uma condição de continuidade, mas a disjunção inclusiva introduz ramificações que não se separam em mundos. As séries consideradas são heterogêneas e não respondem às condições de continuidade e de convergência que asseguravam sua conjunção. De um lado elas são divergentes e constituem totalidades, de outro, constituem disjunções ramificadas. Ocorre uma ramificação na disjunção, mas ela não constitui outro mundo.

Uma divergência é um ponto de separação ou disjunção de séries de acontecimentos e seu prolongamento em totalidades seqüenciais diferentes. Leibniz opera com bifurcações exclusivas, com divergências exclusivas que são distribuídas em seqüências completas diferentes. Nosso problema é pensar a disjunção não como divergência exclusiva, mas como ramificação, como divergência inclusiva. A disjunção pode não implicar a separação ou exclusão de mundos ou mesmo a não distribuição de séries incompossíveis? Ou seja, pode uma bifurcação não implicar uma separação das possibilidades em totalidades diferentes e exclusivas, mas sua articulação em rede? O que significa uma série que converge em torno de um ponto relevante ser capaz de, em todas as direções, prolongar-se em outras séries que convergem em torno de outros pontos relevantes sem constituir totalidades auto-excludentes. Como pensar a relação entre séries diferentes? Através da divergência exclusiva, o que implica a separação em totalidades diferentes, ou da divergência inclusiva, o que implica ramificação aberta? Como distribuir a divergência? Através da distribuição exclusiva ou da distribuição ramificante? Bergson defenderia que haveria um mundo único onde haveria a coexistência de totalidades incompatíveis? Ou trata-se não de totalidades fechadas, mundos, mas de multiplicidades heterogêneas?

A noção de compossibilidade em Leibniz implica que o possível e sua combinação já aparecem previamente articulados e constituídos como se a efetivação de uma possibilidade não produzisse uma re-articulação e re-configuração da totalidade e construção de novas possibilidades. Mas, Bergson ao dizer que as tendências são movimentos embrionários, latentes entre direções que ainda não se configuraram e que estão implicadas, interpenetradas e em oscilação contínua não difere da concepção leibniziana da configuração e constituição de totalidades seqüenciais completas, da combinação completa de possibilidades? Em Leibniz não é possível afirmar a divergência sem a configuração de séries completas, de totalidades auto-excludentes, mas a divergência em Bergson não implica esta configuração. Bergson operaria com o que poderíamos chamar de disjunção ou divergência inclusiva e, portanto, a divergência não produziria a configuração de totalidades, mas de multiplicidades abertas ou o que poderíamos chamar de totalidades incompletas e qualitativamente diferentes.

Referências bibliográficas

BERGSON, H. Essai sur les données immédiates de la conscience. Paris: Quadrige/ PUF, 1997.

____________. A Evolução Criadora. Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

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WORMS, F. Annales Bergsoniennes lll: Bergson et la science, avec des inédits de Bergson, Canguilhem, Cassier. Paris: PUF: 2007.

Notas

2 Ver o texto de Mathias Vollet intitulado Cours de Bergson sur le De rerum originatione radicali de Leibniz, introduction in: Annales Bergsoniennes lll Bergson et la science, Paris: PUF: 2007, pág. 25-52. No texto o autor afirma que há uma grande lacuna de um estudo da relação global de Bergson e Leibniz e que há poucos livros e artigos sobre essa relação.

Autor notes

1 Doutor em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Minas Gerais – Brasil, Professor Associado e membro do Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Minas Gerais – Brasil.


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