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Do não ao sim eternos ou subjetividade e vontade no Sartor Resartus de Carlyle
From no to everlasting yea or subjectivity and will in Carlyle’s Sartor Resartus
Do não ao sim eternos ou subjetividade e vontade no Sartor Resartus de Carlyle
Griot: Revista de Filosofia, vol. 3, núm. 1, pp. 63-78, 2011
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Recepção: 02 Maio 2011
Aprovação: 07 Junho 2011
Resumo: De novembro de 1833 a agosto de 1834 foi publicado em fascículos no Reino Unido o Bildungsroman de título Sartor Resartus, o qual, escrito em 1830 pelo pensador e crítico social escocês Thomas Carlyle (1795-1881), profundamente influenciado pelo movimento do romantismo alemão, e mais particularmente por Goethe, do qual era correspondente, buscava atrair os leitores britânicos para a tarefa da formação subjetiva (Bildung) tal qual formulada a partir deste. Neste sentido, busca-se neste artigo abordar as compreensões carlyleanas tanto do processo de autoconhecimento ou formação individual tal qual desenvolvida nessa obra, quanto de sua contrapartida, ou seja, a ideologia da modernidade, uma vez que Sartor Resartus se coloca polemicamente como uma obra em oposição a tal ideologia. Assim, argumentaremos que Sartor Resartus se caracteriza por ser uma obra efetivamente existencialista, uma vez que tem como um de seus temas principais precisamente a existência humana.
Palavras-chave: Existência, Liberdade, Descrença, Maravilhoso.
Abstract: Between the months of November of 1833 and August of 1834 was first published in installments Thomas Carlyle’s Bildungsroman Sartor Resartus. Indeed, deeply influenced by the german romantic movement, and more particularly by Goethe, with whom he corresponded, such romance was Carlyle’s first mature attempt to draw british readers to the task of subjective upbuilding (Bildung) as understood by the former. In this sense, the present article seeks to elucidate Carlyle’s conception of self-knowledge or self-composition, as well as its counterpart, that is, the ideology of modernity, for Sartor Resartus was polemically devised as an answer to such ideology. Thus, we shall argue that Sartor Resartus can be seen as a decisively existentialist piece of writing, once it has as one of its main themes precisely the human existence.
Keywords: Existence, Freedom, Unbelief, Wonder.
Introdução
Quando se fala na abordagem dos conceitos de subjetividade e vontade, e mais especificamente a partir de um esforço mais concentrado de conceituação e perscrutação dos mesmos, no que estes, conseqüentemente, adquirem contornos mais específicos e aprofundados, fala-se ou pensa-se no movimento conhecido como romantismo alemão2.. Pois este, “[...] um movimento tão universal como hoje [é] a revolução do subconsciente [...]” (CARPEAUX, 1999, p. 384), foi precisamente tão importante por ter-se consolidado como escola literário-filosófica3. estruturada a partir de uma nova concepção de subjetividade, a qual, fundamentada sobre a ‘revolução copernicana’ de Kant, isto é, pela descoberta de que os objetos do conhecimento objetivo não aparecem por si mesmos, mas dependem do sujeito do conhecimento, o qual ordena o mundo através de formas puras da intuição, daria um acento considerável sobre os aspectos subjetivos no processo de conhecimento da realidade. Com efeito, o romantismo alemão talvez deva, neste sentido, mais efetivamente a Fichte do que a Kant (cf. BORNHEIM, 1978, p. 92), uma vez que aquele teria dado um passo a mais rumo ao idealismo transcendental que este ao sustentar que seria o próprio sujeito, sem referência à atualidade dada, o poder constitutivo a partir do qual se forma esta mesma atualidade (cf. HÖFFE, 2005, p. 324). Precursores à parte, o fato é que o romantismo alemão, por um lado, se constitui a partir de um decidido acento sobre os poderes de criação presentes no sujeito transcendental, como o mostra a seguinte citação de Carlyle, para quem a filosofia de Kant “[...] começa de dentro e procede para fora, ao invés de começar de fora e [...] buscar proceder para dentro [...]” (CARLYLE apud TARR, 2000, p. 279), no que este reconhecia, enquanto herdeiro de tal movimento, a centralidade do sujeito diante da realidade para o mesmo.
Por outro lado, não se pode pensar o romantismo alemão sem a presença de, entre tantos outros, Schelling, o qual, com sua ênfase em uma filosofia da natureza enfatizava as mesmas prerrogativas de atividade e criatividade presentes no indivíduo neste âmbito, a saber, o exterior. Desse modo, seria a partir da confluência destas duas concepções, ou seja, da “[...] identidade absoluta do Espírito em nós e da Natureza fora de nós [...]” (SCHELLING apud BORNHEIM, 1978, p. 102), a qual, uma vez mais, privilegiava a criatividade, isto é, a ação tanto em seu sentido interior quanto exterior, que erigir-se-ia o movimento do romantismo alemão propriamente dito.
Com efeito, pelo fato mesmo de acentuar a o poder de criação tal qual visto na produção artística, o romantismo alemão, aliado a seu impulso mais primitivo, isto é, o impulso religioso, viria, em sua interminável busca pela ‘unidade’ (cf. BORNHEIM, 1978, p. 91-92) a promover uma certa dissolução dos gêneros culturais ou literários, dissolução esta que encontraria no gênero polimorfo por natureza denominado de romance, e isto mais particularmente no caso de Goethe, um de seus veículos preferenciais, posto que, como já dito anteriormente, este favorecia a fusão de filosofia e literatura tão importante para a constituição do próprio movimento (cf. GUILLÉN 2007, p. 65). Goethe, neste sentido, mostrar-se-ia, uma vez mais, uma de suas figuras fundamentais, posto que, na qualidade de testemunha deveras sofisticada para a emergência de formas diversas da narrativa moderna, faria particularmente do romance um de seus gêneros de expressão favoritos, explicitamente professando uma visão do romance como “[...] uma epopéia subjetiva, na qual o autor pede para si a permissão de tratar o mundo de acordo com sua maneira [de ver as coisas] [...]”, ou mesmo um processo no qual um juízo definitivo não encontra lugar (cf. GOETHE, 1960, p. 498), no que daria uma contribuição fundamental, a partir desta confluência entre, por assim dizer, ‘filosofia psicológica’ que opera como base epistemológica para o romantismo, e os gêneros romance ou novela para a constituição do que viria a se estabelecer, em boa medida, como . sensibilidade, pelo menos literária, moderna, possibilitando assim com que, entre tantos outros, o escocês Thomas Carlyle, este filho tardio e afastado do solo mais próprio do romantismo alemão, desenvolvesse as bases da sua visão de mundo.
Bildung
Pois seria nos escritos surgidos a partir de tal movimento que Carlyle finalmente encontraria as bases ideológicas tanto para a manutenção de valores teológicos através de um meio não dogmático (cf. KAPLAN, 1983, p. 67), quanto para a legitimação do papel do artista enquanto legislador ou rei, ou seja, enquanto voz dotada de autoridade teológico-política capaz de restabelecer certos valores presentes nas teocracias tais quais estas haviam existido no período anterior à Revolução Francesa (cf. BOSSCHE, 1991, passim). Mais especificamente, tendo lido em 1817 a obra Da Alemanha, de autoria de Madame de Staël, e iniciado estudos na língua teutônica em 1818, Carlyle chegaria então a Goethe e Schiller e os outros românticos alemães no verão de 1820, vindo a encontrar em Goethe, e mais particularmente no Goethe do Bildungsroman Wilhelm Meister, o qual Carlyle traduziria para o inglês e chegaria a mandar uma cópia para o autor, iniciando assim uma correspondência com o mesmo em junho de 1824 (cf. KAPLAN, 1983, p. 97), um ‘pai espiritual’ (cf. BOSSCHE, 1991, p. 32).
Diferentemente, pois, de Voltaire e dos pensadores céticos, destruidores, típicos da era da descrença, Goethe e os românticos ofereceram a Carlyle precisamente a possibilidade de uma conversão, isto é, uma tarefa à qual ele pudesse se entregar de corpo e alma, ou seja, prover-lhe de prazer intelectual ou espiritual, assim como um sustento material, e que, para além disso, seria capaz de fornecer um instrumental teórico para uma construção maior, ou melhor dito, para a reconstrução da sociedade a partir de bases espirituais, projeto este que Carlyle desenvolveria ao longo de sua carreira e que encontra já em Sartor Resartus, enquanto ‘novela didática’, sua primeira formulação (cf. BOSSCHE, 1991, p. 55). Com efeito, rememorando seu próprio período de descrença, Carlyle falaria de sua posterior conversão, associando-a a Goethe, o qual, enquanto “[...] primeiro dos modernos [...] havia viajado a rochosa e íngreme estrada antes de mim [...]” (CARLYLE apud TARR, 2000, p. 378). O que Carlyle queria dizer com isso é que Goethe havia sido o primeiro a trilhar o trajeto próprio dos modernos, os quais, já distantes de Deus, passariam a ter de encontrar apoio espiritual sobre novas bases. Neste sentido, Carlyle diria que a importância de Goethe residiria no fato deste ter sido primeiramente, tal qual um filho de seu tempo, um
[...] descrente, e agora [...] [ele] é um crente; e ele acredita, para além disso, não através de uma negação de sua descrença, mas por atravessá-la; não por parar no meio do caminho, menos ainda dar as costas às suas indagações, mas por resolutamente dar prosseguimento a elas. (CARLYLE apud KAPLAN 1983, p. 138).
Dessa maneira, doravante caberia ao indivíduo tomar para si a tarefa de constituir para e a partir de si um novo tipo de crença. Pois este, tal qual o projeto assumido por Goethe, diria então respeito à formação individual ou subjetiva, ou seja, à Bildung (formação)4., a qual, baseada em uma concepção aristocrática da individualidade humana, propunha precisamente a permanência e cultivo do valor, aos olhos de Carlyle, mais ameaçado pela era que se abria a partir da ‘dupla revolução’, a saber, a Industrial e a Francesa (cf. HOBSBAWM, 2003, p. 13). Dessa forma, tratava-se de preservar a personalidade, pois como diria Teufelsdröckh, o protagonista de Sartor Resartus.5, “[...] uma Pessoa (Persönlichkeit)6. nos é sempre sagrada [...]” (CARLYLE, 2000, p. 102), no que Carlyle não apenas colocava-se como herdeiro direto de tal movimento literário-filosófico, como deixava clara sua posição diante do que denominaríamos mais tarde de modernidade, a qual, ao seu ver, ao propor precisamente a supressão da força criativa humana – Teufelsdröckh mais precisamente falaria “[...] na grande taumatúrgica arte do Pensamento!” (CARLYLE, 2000, p. 91) – em favor de sua capacidade digestiva, associada por ele à visão humana subjacente ao utilitarismo, o qual, enquanto síntese ideológica da modernidade7., deixava transparecer seu aspecto fundamentalmente desumano.
Pois é neste sentido que em Sartor Resartus Carlyle, servindo-se do personagem Teufelsdröckh, diz que
O grande Herr Minister von Goethe de forma penetrante notou que ‘O Homem é o único objeto que interessa ao [próprio] homem:’ assim [...] Biografia é por natureza a coisa mais universalmente proveitosa, [a mais] universalmente agradável de todas as coisas: especialmente [a] Biografia de grandes indivíduos. (CARLYLE, 2000, p. 58).
Atraído, portanto, para a tarefa da constituição de si a partir da concepção goetheana da mesma, na qual
De verdade, é a tarefa de todos os homens, especialmente de todos os filósofos, escrever [note down] com fidelidade as circunstâncias características de sua Educação, o que a impelia, o que a impedia, o que de qualquer forma a modificava [...].(CARLYLE 2000, p. 73),
Carlyle formularia sua própria obra a partir de uma série de ensaios sobre as vidas e obras dos românticos alemães, como A vida de Schiller, seu primeiro livro publicado (cf. BOSSCHE, 1991, p. 17-18), assim como outros ensaios sobre Goethe, Musæus, Fouqué, Tieck, Hoffman, Richter, Werner, Heyne e Novalis, publicados fundamentalmente entre meados da década de vinte e meados da trinta em jornais pelo Reino Unido. Assim, seria tanto a partir destas sucessivas bio-grafias (cf. BOSSCHE, 1991, p. 20-33), quanto de três romances inacabados nos quais Carlyle se retratava através de personagens, todos eles jovens pensadores ou homens de letras tais quais ‘Peter Nimmo’, ‘Wotton Reinfred’, que Carlyle finalmente chegaria ao personagem ‘Diogenes Teufelsdröckh’, o qual seria o personagem central de sua primeira produção ‘madura’, precisamente o Bildungsroman Sartor Resartus. Antes, porém, de entrarmos no cerne desta obra propriamente dita, cabe compreendermos sua antítese, ou seja, a ideologia da modernidade, pois como bem aponta o (fictício) ‘Editor’ de Sartor Resartus logo no início da obra, esta aparece já como uma oposição à “[...] corrente de inovação [...]”, no que este mesmo confessa uma “[...] ligação às Instituições de nossos Ancestrais [...]” (CARLYLE, 2000, p. 11), ou seja, de antemão a obra se declara contrária a certos aspectos que merecem ser devidamente investigados, de forma que sua estrutura e conteúdo8. se tornem mais claros9..
A era da descrença
Carlyle, em sua compreensão da época, parte de um pressuposto, senão mesmo de um dado, um fato concreto praticamente impossível já em sua época, entre seus contemporâneos, de ser negado, a saber, o de que, de maneira geral estava-se a viver uma época de revoluções10:
Todas as coisas estão em revolução; em mudança de um momento para outro, o que se torna sensível de uma época para outra; neste nosso Tempo-do-Mundo [Time-World] não há propriamente nada senão revolução e mutação, e até mesmo nada [para além disso] concebível. (CARLYLE apud BROWN, 1993, p. 46).
Situados, portanto, sob o signo da mudança, do progresso tal qual impulsionado pelo encontro da ‘dupla revolução’, Carlyle vê a si mesmo e seus contemporâneos enredados na era da descrença (cf. CARLYLE, 2000, pp. 87, 122-23), uma época de ceticismo generalizado intimamente ligado ao progresso do racionalismo científico. Neste sentido, desde os parágrafos de abertura de Sartor Resartus vê-se claramente que o romance foi, em boa medida, concebido como resposta irônica a tal racionalismo progressista-calculador tal qual propagado pelo que se convencionou posteriormente chamar de técnica11:
Considerando nosso avançado presente estado de cultura, e como a Tocha da Ciência tem sido agora brandida e transportada por aí, com mais ou menos efeito, por cinco mil anos e adiante; como, nesta época especialmente, não apenas ainda queima a Tocha, e talvez mais furiosamente do que nunca, mas inúmeras velas-rápidas [Rush-lights] e fósforos de enxofre, nela acendidas, estão também perscrutando em todas as direções, de forma que nem a menor fresta ou cú-de-cachorro [doghole] na Natureza conseguem permanecer obscuros. [...] atualmente, para diversas Sociedades Reais [de Ciências], a criação do Mundo é pouco mais misteriosa do que o cozimento de um bolo [Dumpling]. [...] [E como não] mencionar nossos tratados sobre o Contrato Social, o Padrão do Gosto, as Migrações dos Cardumes? Não temos, pois, uma Doutrina do Aluguel, uma Teoria do Valor; Filosofias da Linguagem, da História, da Cerâmica, de Aparições, de Bebidas Tóxicas? A vida e o ambiente completos do Homem foram abertos e elucidados; pouco resta de um fragmento ou fibra de sua Alma, Corpo e Possessões que não tenha sido devassado, dissecado, destilado, secado [dessicated] e cientificamente decomposto: nossas Faculdades espirituais, que parecem não ser poucas, têm seus Stewarts, Cousins, Royer Collards: todo Tecido celular, vascular, muscular se regozija em seus Lawrences, Majendies, Bichâts. (CARLYLE, 2000, pp. 3-4).
Uma vez mais, a posição de Carlyle pode ser explicada a partir de sua filiação para com o movimento do romantismo alemão. Se lá, pois, o traço transcendentalista ou místico se fazia fortemente sentir nas críticas empreendidas à epistemologia iluminista, de índole empírico-racionalista, aqui Carlyle adota a mesmíssima posição, criticando dessa forma o impulso antimetafísico ou antiteológico presente no cerne da epistemologia da ciência moderna. Conseqüentemente, esta é vista como inerentemente oposta, se não mesmo como a inimiga que encontra precisamente sua razão de ser na destruição do maravilhoso que perpassa e dá sentido ao mundo da vida12; assim, estabelece-se uma dicotomia derivada da epistemologia kantiana na qual, por um lado encontra-se “[...] o reino do Maravilhoso [Wonder] [...]”, o qual, “[...] perene, indestrutível no Homem; apenas em certos estágios (como o presente) é, por uma curta estação, um reino in partibus infidelium [...]”, e por outro “Aquele progresso da Ciência, o qual é o de destruir o Maravilhoso, e em seu lugar substituí-lo pela Mensuração e pela Numeração [...]”, o qual, como enfatiza o ‘editor’ de Sartor Resartus, “[...] encontra pouco favor junto de Teufelsdröckh, por mais que, sob outros aspectos, ele venere estes dois últimos processos.” (CARLYLE, 2000, p. 52). E se para o romantismo alemão a ciência, de modo geral, era concebida como um modo de distanciamento ou alienação da natureza, aqui se formula o mesmíssimo tipo de crítica, nas quais as metáforas mecanicistas são desacreditadas em favor de outras mais organicistas:
Sistema da Natureza! Para o homem mais sábio, amplo como sua visão, a Natureza permanece de uma profundidade bastante infinita, de expansão bastante infinita [...]. O curso das fases da Natureza, nesta nossa pequena fração de Planeta, nos é parcialmente conhecido; mas quem sabe sobre quais cursos mais profundos estes dependem? Sobre qual Ciclo infinitamente maior (de causas) o nosso pequeno Epiciclo revolve? [...] Falamos do Livro [Volume] da Natureza; e verdadeiramente um Livro ela é, - cujo autor e escritor é Deus. Lê-lo! Sabes tu, sabe o homem, pelo menos o Alfabeto dele? [...] Ele é um Livro escrito em hieróglifos celestes, na verdadeira escritura-Sagrada; da qual até os Profetas ficam felizes se conseguirem ler uma linha aqui e outra acolá. (CARLYLE, 2000, p. 189).
Logo, contra a mecanização do mundo se colocava Carlyle através de seu personagem Teufelsdröckh, não por acaso um filósofo alemão, sendo que mais especificamente Carlyle via precisamente na doutrina do utilitarismo a síntese da ideologia propriamente dita da modernidade, posto que, como diria o ‘filósofo alemão’,
Nossos Mecanisadores [Mechanisers] Europeus são uma seita de ilimitável difusão, atividade e espírito cooperativo: não floresceu o Utilitarismo em postos superiores do pensamento, aqui entre nós [mesmos], e em todo país Europeu, pelos últimos cinqüenta anos? [E] [s]e agora, exceto talvez na Inglaterra, ele deixou de florescer, ou, de fato, de existir entre os Pensadores, e afundou para o Jornalismo e para a massa do povo, - quem não vê que, no que ele aqui não prega mais, que a razão é que ele agora não precisa mais de Pregações, por estar em Ação universal total, a doutrina em todo lugar conhecida e plantada no coração? O alimento mais propício, nesta época, para um certo intelecto e coração grosseiros de oficina [a certain rugged workshop-intellect and heart], de forma alguma sem suas correspondentes força e ferocidade de oficina [workshop-strength and ferocity], ele não exige senão ser colocado em tais cenas para fazer o suficiente de prosélitos. – Admiravelmente calculado para destruir, e não para reconstruir!” (CARLYLE, 2000, p. 173).
O problema do utilitarismo, enquanto última roupagem da tendência mais profunda tal qual presente na epistemologia científica de índole newtoniana, estaria, pois, em sua ênfase em leis matemáticas de aplicabilidade universal, as quais, voltando-se sobre os âmbitos sociais assim como existenciais, nada mais atingiria do que a pura exterioridade das coisas. Com efeito, no que Carlyle no seu Bildungsroman retrata seu personagem Teufelsdröckh indo para a universidade, sem falar na sua educação escolar, a qual já era categorizada de mecânica (cf. CARLYLE, 2000, p. 81), faz com que este se depare com uma “[...] Universidade Racional, em grau supremo hostil ao Misticismo [...]”, coisa, por sua vez, natural, já que como diz o mesmo, “[...] nossa era é a era da descrença [...]” (CARLYLE, 2000, p. 87). Apropriando-se, portanto, do verdadeiro topos romântico da crítica à educação universitária, a qual, em seu ímpeto universalista próprio de um século de expansão democrática, passava a contrapor suas categorias igualitárias e universalizantes às da singularidade do artista-filósofo romântico (cf. CARLYLE, 2000, pp. 83, 92), Carlyle faz seu personagem, com seu “[...] mau humor antipedagógico [...]” (CARLYLE, 2000, p. 84), propor como contraproposta pedagógica precisamente a Bildung goetheana, visando dessa maneira precisamente a singularidade proveniente de uma educação humanística baseada em um vasto conhecimento filológico empregado na leitura dos grandes clássicos, uma vez que, de acordo com Teufelsdröckh, apenas através de uma tal concepção de fundação subjetiva de matriz cultural se podia vislumbrar a constituição de um “[...] certo plano fundacional [groundplan] da Natureza e da Vida humanas [...]” (CARLYLE, 2000, p. 88). Conseqüentemente, seria a partir de uma imersão aristocrática na cultura ocidental tal qual colocada nos livros, compreendidos enquanto sinais de cultura superior (cf. CARLYLE, 2000, pp. 128-29, 165, 186; 1993, 137-40) que um primeiro passo rumo ao distanciamento do ceticismo, o traço mais profundo da época, poderia ser tomado.
De fato, Carlyle, através de Teufelsdröckh, dá a entender que o problema da descrença passava especificamente pela estrutura educacional, e mais particularmente a universitária, a qual, enfatizando um conceito de formação extensivo e utilitarista, portanto objetivo, determinado pelo paradigma do ‘Conhecimento’ (cf. CARLYLE, 2000, p. 82), abandonava mais e mais o conceito de formação subjetiva, o único através do qual os “[...] paroxismos febris da Dúvida [...]” podiam ser ultrapassados (cf. CARLYLE, 2000, p. 88), precisamente porque estes, enquanto essencialmente humanos, decorriam mais do âmbito da vida, ao qual deveria visar a educação, do que do âmbito da lógica ou da abstração matemática. Pois é precisamente a partir daquele que Teufelsdröckh, comentando o caso de um conhecido estudante seu que ainda buscava na universidade um meio para sua formação, elabora sua crítica mais cerrada a tal conceito de educação:
[...] ele havia viajado para cá, na quase desvairada esperança de aperfeiçoar seus estudos; ele, cujos estudos tinham sido até então os da infância, cá, em uma Universidade onde o que quer que diga respeito à noção de perfeição, sem falar no esforço posterior a eles, não existiam mais! Freqüentemente expressávamos nosso pesar acerca do duro destino dos Jovens nesta era: como, após todo nosso trabalho, seríamos mandados para o mundo, com barbas em nossos queixos, de fato, mas com poucos outros atributos de maioridade; não havendo nada para o qual fossemos treinados para Agir, nada em que pudéssemos minimamente Acreditar. (CARLYLE, 2000, p. 89).
Visando, pois, o âmbito da vida – o editor refere-se mais precisamente à filosofia de Teufelsdröckh como uma Lebensphilosophie (cf. CARLYLE, 2000, p. 57) –, Carlyle recomenda como corretivo à deseducação.Miseducation] universitária (cf. CARLYLE, 2000, p. 90) o autodidatismo (cf. KAPLAN, 1983, p. 25), o qual, estruturado a partir da apropriação subjetiva mediante a leitura das ‘verdadeiras obras de arte’ (cf. CARLYLE, 2000, p. 165), converte-se em contra-ideologia, posto que enfatizava o âmbito da vida e sua faculdade correspondente, a saber, a imaginação – “Sim, amigos, [...] não a nossa faculdade Lógica ou Mensurativa, e sim a Imaginativa é soberana sobre nós [...]” (CARLYLE, 2000, p. 163). Aqui, pois, se revela o tão comentado esteticismo de Carlyle, o qual faz da literatura verdadeiramente uma religião, uma vez que esta nada mais seria do que uma coleção de “Fragmentos de uma genuína Homilítica-eclesiástica [...]” (CARLYLE, 2000, p. 186), uma verdadeira Liturgia a qual, em um período de ceticismo generalizado, ainda possuiria capacidade de cativar as novas gerações de descrentes em uma Igreja moribunda13. Desse modo, se, tal qual para Goethe, a conquista de uma vida literária equivalia às conquistas mais próprias ao âmbito então ultrapassado da religião, Carlyle não por acaso viria a fazer deste seu profeta – pois, como ele o coloca, “Não conheceis um tal? Eu o conheço, e o denomino – Goethe.” (CARLYLE 2000, p. 186) –, o qual marcava seu lugar no panteão dos heróis carlyleanos precisamente por ter sido, enquanto o ‘primeiro dos modernos’, o primeiro a “[...] olhar consistentemente para a Existência [...]”14 (CARLYLE, 2000, p. 187). Cabe agora, portanto, nós mesmos, para parafrasearmos o próprio Teufelsdröckh, ‘fecharmos o nosso Byron e abrirmos o nosso Goethe’ (cf. CARLYLE 2000, p. 143), isto é, abandonarmos os temas próprios da era da descrença de forma a analisar as tarefas da existência tais quais compreendidas por Carlyle. Assim, procederemos a uma abordagem mais consistente da existência enquanto objeto de reflexão, de maneira que suas características mais próprias, ou seja, os conceitos de subjetividade e vontade apareçam tais quais desenvolvidos em Sartor Resartus.
Do não ao sim eternos
Antes de tudo, comecemos por certos esclarecimentos acerca da estrutura da obra: concebida como um Bildungsroman à clef estruturado a partir da vida do próprio autor, sendo mais particularmente centrada sobre seus anos de formação intelectual, Sartor Resartus é composto a partir de duas vozes, dois personagens que se intercalam e se complementam, a saber, um editor inglês não denominado e um filósofo alemão de nome Diogenes Teufelsdröckh, o qual, supostamente tendo publicado uma dissertação sobre a importância filosófica das vestimentas, atrai a atenção do primeiro para tal discussão. Tendo lido e admirado, pois, tal obra, o inglês vai à procura de seu autor, no que mesmo tendo-o encontrado não obtém daquele muitas informações; entretanto, ao travar relações com o Hofrath Heuschrecke, um conhecido do autor, consegue que este passe a servir de intermediário entre si e o filósofo. Dessa forma, Heuschrecke manda ao inglês, já acomodado em seu país natal após a malograda viagem à Alemanha, seis pacotes contendo documentos e anotações pessoais do filósofo alemão, a partir dos quais, assim como da obra sobre as vestimentas, o editor inglês dá a seus leitores conterrâneos uma idéia dos pensamentos do singular filósofo.
Com efeito, mais do que um Bildungsroman à clef, Sartor Resartus pode ser também visto como um verdadeiro compêndio de lugares comuns da literatura romântica, no que, por sinal, se mostra como obra imprescindível para qualquer discussão que leve em conta tal âmbito ou tradição de pensamento. Daí a ironia, a presença da figura do judeu errante, a estrutura subjetiva apoiada sobre cartas e documentos privados tal qual consagrada por Goethe através do Werther, sem falar em seus temas, como os próprios conceitos de subjetividade, formação individual .Bildung), o problema da educação universitária, do racionalismo técnico-calculador, a afirmação da vontade, etc15. Neste sentido, é no segundo dos três livros que compõem a obra onde transparecem os temas mais estritamente ligados à subjetividade e à vontade, uma vez que nele o editor segue mais linearmente os papéis mandados por Heuschrecke, os quais narram a formação propriamente dita de Teufelsdröckh, sendo tal parte, e mais particularmente os capítulos de títulos O Não Eterno, O Centro da Indiferença e O Sim Eterno (cf. CARLYLE, 2000, pp. 120-146), o cerne existencial de Sartor Resartus.
Lá, pois, após conhecer detalhes do nascimento, crescimento, alfabetização, escolarização, enfim, do desenvolvimento mais geral do futuro filósofo, o leitor encontra Teufelsdröckh, após uma desilusão amorosa, em movimento, pois sendo o moderno judeu errante (cf. CARLYLE, 2000, p. 119), nada restava a este senão curar seus sofrimentos através da errância, não tendo por guia senão “[...] seu Desassossego interno [...]” (CARLYLE, 2000, p. 113). Errando, pois, o caminhante toma o rumo da Natureza, descobrindo nela “[...] sua mãe e o divino [...]” (CARLYLE, 2000, p. 115), embora, como ele viria a descobrir, nem mesmo esta poderia lhe prover consolo, pois como diz o próprio filósofo errante, “[...] como poderia vosso Caminhante [Wanderer] escapar de – sua própria sombra?” (CARLYLE, 2000, p. 118 [grifo original]). Tomado, então, por pensamentos suicidas (cf. CARLYLE, 2000, pp. 118-25), Teufelsdröckh cai em um estado/estágio psicológico-moral denominado de o Não Eterno .the Everlasting No], ou seja, um estágio de negação, de descrença, de fraqueza ou mesmo de negação da Força [Unkraft] (cf. CARLYLE, 2000, p. 123), um estágio tão profundamente negativo que chegava a negar a própria negação.
Destituído de esperança, Teufelsdröckh dá-se então conta de que não sentia tampouco nenhum medo específico, ainda que percebesse viver “[...] em um contínuo, indefinido, Medo ansioso [pining Fear]; trêmulo, pusilânime, apreensivo a respeito de quê eu não sabia: era como se todas as coisas no Céu ou na Terra aqui embaixo fossem me ferir [...]” (CARLYLE, 2000, p. 125). Pois nesse momento, caminhando através de Paris, Teufelsdröckh repentinamente se pergunta: “Do que tens medo?”, reconhecendo em seguida que mesmo que o Diabo existisse, ele, Teufelsdröckh, estava em condições de desafiá-lo:
Enquanto eu pensei nisso, correu-me por toda a minha alma um rio de fogo; e eu sacudi o Medo desprezível [base Fear] de longe de mim para sempre. Eu era forte, de uma força desconhecida; um espírito, quase um deus. Daquele tempo em diante, a índole da minha miséria foi mudada: não o Medo ou o Sofrimento lamuriento era mais ela, mas Indignação e sinistra Rebeldia de olhar de fogo [grim fire-eyed Defiance].
Assim havia o Não Eterno (das Ewige Nein) ribombado autoritariamente através de todos os recessos de meu Ser, do meu Eu [Me]; e foi então que todo meu Eu se levantou, em nativa majestade criada por Deus, e com ênfase gravou seu Protesto. Tal Protesto, a mais importante transação na Vida, deve como aquela Indignação e Rebeldia, sob um ponto de vista psicológico, ser corretamente chamada. O Não Eterno havia dito: ‘Olhe, tu estás sem pai [fatherless], proscrito [outcast]16, e o Universo é meu (do Diabo);’ ao que meu Eu completo respondeu: Eu não sou teu, mas Livre, e para sempre te odeio! (CARLYLE, 2000, p. 126).
Como visto, este momento marca o ponto alto da obra, precisamente por conta da repentina e inesperada percepção de Teufelsdröckh acerca da centralidade da liberdade em relação à sua existência; contudo, tal vitória era ainda parcial, uma vez que o desassossego sentido por Teufelsdröckh não apenas não havia desaparecido, como efetivamente crescera. Não obstante, “[...] doravante [o desassossego] pelo menos tinha um centro fixo sobre o qual girar [...]” (CARLYLE, 2000, p. 127), a saber, precisamente a liberdade. Dessa forma, Teufelsdröckh entra então em um novo estágio, denominado de o Centro da Indiferença, o qual pressupõe, como primeiro passo para sua supressão, a “[...] Aniquilação do Eu (Selbst-tödtung) [...]” (CARLYLE, 2000, p. 139), posto que, de acordo com Teufesldröckh, sendo o ser humano um eterno desejar, uma vez que “[...] há um Infinito nele, o qual, com toda a sua astúcia ele não consegue propriamente enterrar sob o Finito [...]” (CARLYLE, 2000, p. 141), caberia propriamente à renúncia – a qual a partir de Goethe Carlyle denomina de Entsagen (cf. CARLYLE, 2000, p. 142; TARR, 2000, p. 369) – colocar, por assim dizer, o indivíduo lançado ao mundo em seu devido lugar.
Entretanto, assim como anteriormente, a renúncia se caracteriza por ser apenas um outro momento no interior da Bildung. Com efeito, tendo chegado, por um lado, ao reconhecimento de si como um ser livre, e por outro ao reconhecimento de ser ao mesmo tempo determinado pela dialética do desejo, Teufelsdröckh chega então à descoberta de que “[...] há no homem um [algo] Superior do que o Amor pela Felicidade [...]” (CARLYLE, 2000, p. 143), com o que ele quer dizer que “[...] no Homem [...] o Divino [Godlike] apenas possui [...] Força e Liberdade [...]” (CARLYLE, 2000, p. 143). Estruturando, pois, sua noção de constituição humana sobre uma antropologia cristã, ainda que fideísta, Carlyle dá à existência um sentido teológico, assim como, conseqüentemente, teleológico, para a qual tal reconhecimento de si enquanto algo divinamente determinado significa, senão o verdadeiro momento de sabedoria ou de iluminação, pelo menos o verdadeiro divisor de águas existencial, o qual, por sua própria natureza positiva de afirmação da força e da liberdade inerentes ao indivíduo em meio à sua existência, por sua vez, é denominado de Sim Eterno .the Everlasting Yea) (cf. CARLYLE, 2000, p. 143).
Com efeito, para que tal iluminação tenha efeito sobre a vida subjetiva ou individual, ou seja, deixe de ser meramente uma iluminação, isto é, algo puramente intelectual, para efetivamente ganhar concretude, falta ainda seu último e mais importante passo, a saber, a noção de que o ser humano deve ser algo como um “[...] Evangelho atuado da Liberdade [...]” (CARLYLE, 2000, p. 137 [grifo nosso]), o qual, não sendo acompanhado de tal atuação, se torna algo vazio, fazendo conseqüentemente do indivíduo apenas um ‘meio-homem’ (cf. CARLYLE, 2000, p. 137). Neste sentido, Carlyle descarta o intelectualismo ou mesmo a filosofia para afirmar precisamente seu contrário, o vitalismo, como verdadeira e única filosofia de vida:
Sim, aqui, neste pobre, miserável, tolhido, desprezível Atual, no qual até tu estás agora, aqui ou em nenhum lugar é teu Ideal: obre a partir dele, portanto; e obrando, acredita, viva, seja livre. Tolo! O Ideal está em ti mesmo, o Impedimento também está em ti [...]: a coisa pela qual procuras já está contigo, ‘aqui ou em nenhum lugar’, se apenas pudesses vê-la. (CARLYLE, 2000, p. 145).
Para Carlyle, portanto, descobrir ou lidar, ou melhor, dizer sim, um sim eterno ao divino que habita a interioridade humana implica não apenas um trabalho de auto-análise, este, fundamentalmente de ordem intelectual, mas também sua contrapartida, ou seja, a conduta, também denominada de ação (cf. CARLYLE, 2000, p. 145), a qual é compreendida enquanto qualquer tipo de produção humana, posto que o divino no ser humano, pelo fato mesmo de habitar os recessos mais recônditos da consciência humana, podendo ser mesmo traduzido por insconsciente (cf. KAPLAN, 1983, pp. 185-86), somente ganha sentido ao ser atualizado, isto é, traduzido, tornado consciente, portanto, compreensível mediante uma forma de exteriorização, a saber, o trabalho, seja ele qual for (cf. CARLYLE, 2005, p. 155). Neste sentido Teufelsdröckh diria que
Uma certa auto-consciência inarticulada mora obscuramente em nós; a qual apenas nossas Obras [Works] podem tornar articuladas e decisivamente discerníveis. Nossas Obras são o espelho no qual o espírito primeiro vê suas feições naturais. Daí, também, a loucura daquele Preceito impossível, Conhece-te a ti mesmo; até que ele seja traduzido para este parcialmente possível, Conhece no que tu podes trabalhar [Know what thou canst work at]” (CARLYLE, 2000, p. 123).
É assim, portanto, que Carlyle pode falar, através de Teufelsdröckh, na “[...] Infinita natureza do Dever [...]” (CARLYLE, 2000, p. 123), a qual se converte em uma filosofia de vida, uma vez que o dever representa uma ação que possibilita a abertura de outras ações para a consciência em seu processo de autoconhecimento: “ ‘Cumpra o Dever .Duty. que lhe estiver mais próximo,’ o qual tu sabes ser uma obrigação [Duty]! O segundo Dever terá, [assim] se tornado mais claro.” (CARLYLE, 2000, p. 145). Fazendo, pois, uma apologia dos poderes de criação existentes no ser humano, os quais, por sua vez, são abordados na obra a partir de sua metáfora principal, a saber, o tecido, este, por sua vez, implicando o tecer e o re-tecer, ou melhor, o construir e o reconstruir – assim como o destruir17 –, Carlyle coloca o ser humano, com toda sua carga de liberdade, assim como de necessidade, como centro de suas preocupações, desenvolvendo, desse modo, em Sartor Resartus um peculiaríssmo Bildungsroman, uma verdadeira “[...] viagem [que vai] dos mais exteriormente vulgares, palpáveis Envoltórios de Lã do Homem, [...] para dentro, às roupas da própria Alma de sua Alma [...]”, ou seja, ao próprio “[...] Ser do Homem [...]” (CARLYLE, 2000, p. 196), no que efetivamente se inscrevia em uma tradição de pensamento propriamente – ou, como diria Arendt, impropriamente – denominada de ‘filosofia da existência’ (cf. ARENDT, 2008, p. 192), merecendo, de qualquer forma, ser lido e relido por todos aqueles que se interessam pela problemática da existência humana. Neste sentido, vale ressaltar que inúmeros dos temas abordados nesta obra apareceriam mais tarde em obras de pensadores como Søren Kierkegaard – e como não pensar mais exatamente em sua obra de título O Conceito Angústia, publicada em 1843 e que aborda precisamente a questão da liberdade humana? –, Ralph Waldo Emerson, Friedrich Nietzsche, Martin Heidegger etc., o que também comprova a importância, assim como a difusão, desse movimento inesgotável que foi o romantismo, seja ele alemão ou não.
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Notas
Autor notes