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Recepção: 18 Agosto 2020
Aprovação: 06 Dezembro 2020
DOI: https://doi.org/10.31977/grirfi.v21i1.2083
Resumo: O estudo proposto se fundamenta na temática que visa à relação entre filosofia e literatura, tendo como principais autores da pesquisa Nietzsche e Kafka. A questão que assenta o problema oferecido para a pesquisa é: como compreender alguns traços da filosofia de Nietzsche na literatura de Kafka? Deste modo, o objetivo geral do trabalho é analisar uma possível leitura dos conceitos vontade de poder e niilismo. O propósito do texto se dará em dois momentos: caracterizar a filosofia de Nietzsche, tendo como principais pontos os conceitos vontade de poder e niilismo na obra apontada como “madura” do autor e apresentar a obra de Kafka, Carta ao pai, como alternativa para superar o niilismo, dispondo como principal ponto de partida a relação entre vontade de poder e arte, caracterizada em um determinado período na filosofia de Nietzsche como niilismo ativo. Assim, o texto prima por desenvolver não só uma análise descritiva a partir de uma pesquisa bibliográfica com foco nos textos citados, como também busca, em pontos específicos para fundamentação dos argumentos, alguns comentadores de ambos os autores.
Palavras-chave: Filosofia, Literatura, Nietzsche, Kafka.
Abstract: The present study is based on the relationship between philosophy and literature with Nietzsche and Kafka as the main authors studied. The central question of this study is how to comprehend some of Nietzsche’s philosophy in Kafka’s literary pieces? In this way, the goal is to analyze a potential reading of the concepts will of power and nihilism. The text’s proposal develops in two moments: characterizing Nietzsche’s philosophy with the will of power and nihilism concepts as main points of the books considered as “mature” written by this author and presenting Kafka’s piece Carta ao pai as an alternative to overcome nihilism with the main starting point being the relationship between will of power and art characterized by a determined period in Nietzsche’s philosophy as active nihilism. Thus, the text primes at developing not just a descriptive analysis through bibliographic research focusing on the cited manuscripts, but also searching fundaments to arguments made by some commentators of both authors in specific points.
Keywords: Philosophy, Literature, Nietzsche, Kafka.
Introdução
A relação entre filosofia e literatura não se origina na modernidade, pois os estudos entre ambas se iniciou desde a Grécia Antiga, legitimando-se, de forma muito peculiar, séculos depois. Nesse aspecto entendemos que no período moderno, mais precisamente na França do século XVIII, alguns pensadores se apropriaram dessa relação para expressar o pensamento, dando, destarte, a possibilidade para a criação da “literatura” enquanto manifestação artística e viabilizando o uso da língua de forma estético-filosófica. Na contemporaneidade, encontraremos de forma recorrente tanto os filósofos se apropriando da literatura para apresentar suas teorias – ou o surgimento de pensadores assistemáticos –, como literatos e poetas “abrindo” mundos possíveis, levando os leitores para além da apresentação de seus enredos.
Hoje são recorrentes os mais variados textos acadêmicos que abarcam estudos em prol da divulgação da autonomia da disciplina “filosofia e literatura”. Os mais diferenciados sistemas filosóficos e estilos literários são constantemente estudados e relacionados, ocasionando a produção da criatividade e imaginação, elevando o encadeamento de ideias em áreas praticamente distintas. Nossa proposta é apresentar mais um desses encadeamentos entre dois autores que mantêm uma vasta obra de destaque na história do pensamento ocidental. Os reguladores da pesquisa serão Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Franz Kafka (1883-1924). A partir deles traçaremos algumas relações possíveis que viabilizem um estudo interdisciplinar entre a filosofia e a literatura, apresentando, assim, uma possibilidade de se ler Kafka à luz de Nietzsche.
A obra de Kafka foi quase toda publicada postumamente pelo seu amigo e testamenteiro Max Brod (1884-1968) que se responsabilizou pelas publicações – contos, novelas e mesmo algumas cartas e diários – que encerram as mais diversificadas interpretações que têm, até os dias de hoje, caráter enigmático e polissêmico. Ele imprimiu com destaque seu nome na história, pois foi o responsável por salvar do fogo não apenas os textos ficcionais de Kafka, mas os biográficos, até então, e talvez com razão, ainda pouco estudados.
A natureza hermética da literatura kafkiana, permitindo uma variada leitura e interpretação, causa, em muitos momentos, argumentos divergentes de críticos e de outros escritores. Tornou-se trivial, nas análises da obra de Kafka, um estudo a partir da filosofia existencialista, um paralelo com o conceito de “corpo”, de “lei”, a psicanálise, etc.; contudo a nossa tentativa é entender a linguagem literária de Kafka enquanto arte (e aqui nos permitimos compreender uma carta como obra literária, nada novo, até então), associando ao que Nietzsche afirma, em determinado momento de sua obra, por vontade de poder e, em nossa proposta, na sua relação com a arte.
Podemos justificar a importância do presente estudo a partir de algumas propostas: primeiramente, um estudo específico tanto da filosofia de Nietzsche, como de outras possibilidades de leitura da obra de Kafka, pois a concepção nietzschiana já foi relacionada a vários escritores da literatura, inclusive ao próprio Kafka. Deste modo, o texto busca, de forma geral, expor os conceitos nietzschianos da vontade de poder e do niilismo na escrita de Kafka. Evitamos uma análise das obras A metamorfose, O processo e O castelo que, mesmo imprescindíveis para a história da literatura, já apresentam um volume considerável de análises pela crítica literária.
Um segundo ponto afirma-se pela abrangência argumentativa dos conceitos filosóficos propostos, como condição para entender não somente uma leitura da filosofia de Nietzsche, mas também uma oportunidade para ler o trabalho kafkiano. Tomemos como exemplo o niilismo que teve como principal representante na literatura Fiódor Dostoiévski (1821-1881), mas, pela extensão desse conceito na história, veremos uma eventualidade, bem diferenciada, desse mesmo conceito na obra kafkiana.
Complementando e finalizando a nossa justificativa, entendemos que seja necessário reforçar a temática motivada pela interdisciplinaridade entre filosofia e literatura. Uma oportunidade para buscar novas leituras da obra de Kafka que, em sua abertura estética, ainda leva o leitor e pesquisador a um diversificado campo de argumentos e metáforas vinculadas a repetidas interpretações nos estudos em literatura, filosofia, psicanálise, direito, etc.
Diante dessas justificativas, o objetivo será analisar a vontade de poder e o niilismo, assim como estão justapostos na “terceira fase” da filosofia de Nietzsche na Carta ao pai (1997), de Kafka, mais especificamente: caracterizar a filosofia nietzschiana com destaque para os conceitos vontade de poder e niilismo e apresentar a obra Carta ao pai, de Kafka como alternativa para a superação do niilismo, tendo como principal fundamento a vontade de poder e sua relação com a arte na filosofia “madura” de Nietzsche.
Levando isso em consideração o trabalho estará estruturado em dois momentos: o primeiro é voltado para Nietzsche e a caracterização de sua filosofia. Mesmo tendo como principais metas para sua apresentação os conceitos já citados, será necessário nos fundamentarmos em aspectos muito peculiares de sua obra, ou seja, o alemão carrega consigo, no estudo da história do pensamento, interpretações diversas de sua filosofia. Desse modo, serão destacados argumentos propostos já na sua terceira fase de construção filosófica2, mesmo que seja necessário, para fins de contextualização, partir de textos como Sobre verdade e mentira no sentido extra-moral (2007) e grande parte de A gaia ciência (2012), presentes nos primeiros momentos de sua filosofia.
De todo modo, apesar de alguns textos de sua primeira fase se apresentar em prólogos escritos posteriormente ao próprio livro lançado, é inevitável não transitar de um período ao outro para compreensão de sua obra. Além de que, em livros de seu momento “tardio”, encontramos referências sobre pontos específicos de suas primeiras obras. Assim, voltando ao ponto de um dos objetivos do presente estudo, a importância estará no esclarecimento de como seus conceitos poderão se relacionar com a literatura aqui mencionada.
É importante ainda atentarmos para os procedimentos de caracterização da vontade de poder, que abrange, praticamente, toda a filosofia do alemão. Para nossos fins, necessitaremos vincular tal conceito à questão da arte em Nietzsche, imprescindível para o entendimento da relação apresentada no capítulo seguinte. No fim dessa primeira parte, caracterizaremos as relações existentes entre vontade de poder, niilismo e, consequentemente, eterno retorno, conceitos, ou mesmo hipóteses que estão estritamente vinculadas para que as entendamos.
O segundo momento destaca como a filosofia de Nietzsche se relaciona, segundo será esclarecida, com a literatura de Kafka. É imprescindível considerarmos os textos biográficos de Kafka como parte integrante de sua ficção devido às próprias referências atribuídas pelo escritor, ou seja, com a análise da carta, assim como é explicitamente apresentada por comentadores, a vida de Kafka está vinculada a sua obra. Em sua literatura escrita em alemão3, constata-se a possibilidade de sua escrita, em termos de estilo, como uma superação dos percalços apresentados de sua tumultuada solidão enquanto artista e como indivíduo. Assim, veremos como essa escrita pode se coadunar com a vontade de poder e o niilismo.
O perspectivismo de uma filosofia perspectivista
Na vasta obra do alemão, figuram conceitos fundamentais como o perspectivismo, a vontade de poder, morte de Deus, niilismo – não sendo exclusivamente seu –, o eterno retorno e as críticas à ciência. Nietzsche é um dos autores que inauguram o pensamento contemporâneo, influenciando sistemas filosóficos diversos e possibilitando um grande número de comentadores que promovem interpretações de seu pensamento que, em muitos momentos, divergem. De todo modo, é um pensador atemporal e demasiado importante para a história do pensamento ocidental e, mesmo em seu imbricado labirinto conceitual, a pesquisa em sua filosofia só nos enriquece enquanto pesquisadores.
Mesmo com a necessidade de contextualização da obra filosófica de Nietzsche, dentre muitos conceitos determinantes para a história do pensamento, é importante situarmos o autor entre o período moderno e contemporâneo na história da filosofia. Autores como Kant, Hegel e Marx criaram conceitos, assim como Nietzsche, que estão em voga até os dias de hoje, consistindo em pensadores fundamentais para compreender a passagem de um momento a outro.
As dificuldades referidas se apresentam quando nos deparamos com os conceitos vontade de poder e niilismo em momentos diferentes no conjunto da sua obra. Esses momentos distintos nos revelam alguns impasses que dificultam a pesquisa, mas não a impedem, levando-nos ao desafio de oscilar entre pontos diferenciados de seu pensamento. Mesmo que o próprio Nietzsche (2008a, p. 91) afirme pontualmente as duas condições de sua tarefa – a primeira parte que diz “sim” e a outra que diz “não” (a tresvaloração dos valores existentes) –, enquanto pensador, a complexidade de delimitar momentos diferentes de sua filosofia não diminui. Ele mesmo afirma que necessita de um longo olhar em volta da sua própria obra e, metaforicamente, que cada escrito seu é um anzol com a função de, se possível, pescar, em seus trabalhos anteriores, argumentos que fundamentem os escritos atuais. (NIETZSCHE, 2008a, p. 91)
Nietzsche determina esses dois momentos de sua filosofia, uma parte que diz sim e outra não, quando se refere a Além do bem e do mal. Desse modo, entendemos que Humano, demasiado humano, Aurora, A gaia ciência e Assim falava Zaratustra compõem o momento de afirmação; e Além do bem e do mal em adiante formam o seu momento de negação.
Outra categoria muito usual e já citada na introdução de nosso texto divide a filosofia nietzschiana em três fases: a primeira está entre O nascimento da tragédia às Considerações extemporâneas; depois, de Humano, demasiado humano até A gaia ciência; e a terceira, de Assim falou Zaratustra até o final.
Veremos ainda que, embora possam ser encontradas em outros autores outras divisões, assim como as apresentadas, podemos encontrar até “saltos” diferenciados dos conceitos, causando, assim, inconveniências em algumas pesquisas sobre a filosofia do alemão. Ainda que pareçam apontamentos do próprio Nietzsche ou interpretações distintas de seus especialistas, um conceito nietzschiano pode ter apenas uma única significação. Deparando-nos com esses indícios, apresentaremos o pensamento nietzschiano na tentativa de dar linearidade aos seus argumentos e conceitos, para que o relacionemos com a literatura presente. Assim, caracterizaremos, como nosso ponto de partida, o perspectivismo e a linguagem em Nietzsche.
A filosofia nietzschiana se forma, explicitamente, a partir das contraposições à metafísica. Toda e qualquer transcendência desvaloriza a realidade tal qual nos apresenta a pluralidade da vida enquanto experienciada pelo corpo: “a existência enquanto pluralidade estético-pulsional singular e instável, e, em sua maior parte, inconsciente” (RABELO, 2013, p. 78). Entendemos que a negação da realidade transcendente nos aproxima da verdadeira lógica da inexpressão, ou seja, a proposta inicial de Nietzsche é negar a lógica enquanto ciência e afirmar os múltiplos impulsos corporais diante dos estados de coisas, pois “qualquer formulação de tal realidade pode ser considerada ‘metafísica’ [...], na medida em que não se trata jamais do sentimento corporal original, pois esse é, a rigor, intransferível e irrepetível; ou, numa palavra, inexprimível.” (RABELO, 2013, p. 78).
A interpretação extraída da obra do alemão a partir dessa crítica à logicidade frente à realidade transcendente, tão referenciada desde a Grécia Antiga – mais especificamente a teoria platônica dos dois mundos –, determina todo o pensamento nietzschiano. Em A gaia ciência, Nietzsche apresenta os pressupostos do que denominou por filosofia do futuro – com a afirmação trágica e a consolidação da vida, tal qual ela se apresenta a nós –, fazendo apontamentos sobre o espírito de convalescência, o riso e a sabedoria alegre. Não são esses os principais objetivos de seu texto, mas são argumentos correntemente apontados em seu prólogo, escrito pelo autor há mais de quatro anos depois do lançamento da primeira edição. O que propomos na análise de A gaia ciência é a evidência de argumentos que nos mantenham na linha dessas contraposições à lógica, tendo a multiplicidade para além de uma falta de ordem:
[…] o caráter geral do mundo, no entanto, é caos por toda a eternidade, não no sentido de ausência de necessidade, mas de ausência de ordem, divisão, forma, beleza, sabedoria e como quer que se chamem nossos antropomorfismos estéticos. Julgados a partir de nossa razão, os lances infelizes são a regra geral, as exceções não são o objetivo secreto e todo o aparelho repete sempre a sua toada, que não pode ser chamada de melodia. (NIETZSCHE, 2012, p. 126-7)
A ciência tende a predominar diante das outras formas do saber, pois sempre atribui determinada função ao que apresenta. Esses critérios podem até ser aceitáveis, mas a sua universalização não convêm à filosofia nietzschiana e, também, à nossa proposta: “De onde surgiu a lógica na mente humana? Certamente do ilógico, cujo domínio deve ter sido enorme no princípio. Mas incontáveis outros seres, que inferiam de maneira diversa da que agora inferimos, desapareceram” (NIETZSCHE, 2012, p. 129-130).
É importante, no entanto, entendermos que, perante tal posicionamento de Nietzsche, a lógica não é uma ciência que impossibilita o conhecimento, mas inviabiliza o aprendizado diante do erro, isto é, o erro pode determinar um ou mais pontos diferenciais para que não sejam seguidos ou mesmo pontos que possam ser afirmados, levando em consideração que são pontos de vista diferenciados. Assim, o equívoco, o engano e a falha se apresentam como indispensáveis na apreensão da realidade, dentro de seus limites.
O que se apreende nesse início é que a multiplicidade dos acontecimentos não pode ser assimilada pela lógica, enquanto apontamentos da inferência. A realidade, tal qual a ciência a descreve em momentos diferenciados da história, segue as mesmas funções de outros períodos, tendo por base a causa e o efeito. Assim, entendemos que não há dualidade entre causa e efeito, mas, segundo o filósofo, um “continuum” formado por partes que inferimos sem que caiamos em reducionismos e divisões, resultando, assim, na realidade por fluxos do acontecimento. (NIETZSCHE, 2012, p. 130-1).
Poderíamos entender esses fluxos, dos quais fala Nietzsche, como multiplicidades? Seriam essas multiplicidades as condições para as singularidades que absorvemos da realidade? Seriam essas as produções de perspectivas? Segundo Müller-Lauter (2009, p. 49), admitimos uma unidade em diferentes momentos de nossa realidade; um fundamento ou causa considerado o único dentre essa multiplicidade devido aos sentimentos de realidade se unir, em hipoteticamente, a uma única causa.
É necessário entendermos que essas multiplicidades não estão somente no campo do acontecimento, ou melhor, elas estão inseridas tanto no campo do acontecimento ou estados de coisas, quanto no sujeito enquanto indivíduo. Assim, ao aceitarmos o acontecimento constituído de pluralidades, entenderemos as possibilidades de o indivíduo estar descentralizado frente à realidade presente, ou seja, dissolvido em um número incomparável de indivíduos em uma realidade composta de ínfimos instantes: “Enquanto acontecer, é preciso que também se entenda o ‘indivíduo’ que é mal compreendido: o ‘indivíduo’ é na verdade ‘o processo inteiro em linha reta’. Ele é incessante transformação-de-si.” (MÜLLER-LAUTER, 2009, p. 50, grifos do autor).
Essa transformação, como uma dissolução do indivíduo ao se deparar e aceitar a realidade tal qual ela é, não se dá de forma negativa. A multiplicidade dissocia, de forma geral, o encontro de forças, desprendendo, desse modo, a sucessão das causas e efeitos impostos pela ciência.
Diante das críticas de Nietzsche direcionadas à lógica, o prestígio aos erros, a evidência das multiplicidades do acontecimento, a pluralidade da identidade e etc., perguntamos: como se estrutura a verdade para Nietzsche? No aforismo “110. Origem do conhecimento”, de A gaia ciência, percebemos que não se trata de apresentar o verdadeiro e o falso, mas entender que de nada vale delimitá-los, e sim compreender, a partir mesmo dos acontecimentos desde o período Antigo – perdurados pela tradição –, que todos os fatos no tempo dão condições aceitáveis para a aceitação da vida. (NIETZSCHE, 2012, p. 127-8).
Até o momento, entendemos que as leis científicas preservam os acontecimentos e as relações dos seres a causas e efeitos, coadunando, assim, a interrupção do aprendizado ao conhecimento lógico, pois, ao dar funcionalidade ao acontecimento, faz dessa uma mera “engrenagem” funcional, evitando que o indivíduo vá mais além. Em contrapartida, a “denúncia” nietzschiana se apresenta na proposta de dar chance ao erro, sem que o único caminho usado seja o da lógica ou da ciência. Afirmar a influência das múltiplas perspectivas nos processos que determinam a realidade, dando condições, assim, ao aprendizado: “Não importando o ponto de vista filosófico em que nos situemos hoje: o caráter errôneo do mundo onde acreditamos viver é a coisa mais firme e segura que nosso olho ainda pode apreender” (NIETZSCHE, 1992, p. 40, grifos do autor).
O que temos por verdades são perspectivas. Não há verdade absoluta ou um único sentido que determina o mundo tal qual ele seja: o que temos são interpretações que se fundamentam nos valores daquele que interpreta. A perspectiva é axiológica e não lógica; não é científica e objetiva, mas subjugada a uma valorização subjetiva.
Segundo Rabelo (2013, p. 79), a “linguagem e o conhecimento (forçosamente expresso em alguma linguagem) seriam condicionados ainda de uma outra maneira: ‘artisticamente’. A origem das palavras é corporal, e, mais precisamente, estética: apreensão de impulsos pelos sentidos, relação pulsional”. Uma leitura desse perspectivismo sensorial nos permite uma nova incapacidade de apreensão da “coisa em si”, mas não somente dos objetos, também do próprio acontecimento, sendo apenas possível por metáforas: “Acreditamos saber algo acerca das próprias coisas, quando falamos de árvores, cores, neves e flores, mas, com isso, nada possuímos senão metáforas das coisas, que não correspondem, em absoluto, às essencialidades originais.” (NIETZSCHE, 2007, p. 33-4).
É nesse momento que a verdade é posta em xeque. Achamos que sabemos a essencialidade das coisas e dos acontecimentos, mas o que temos são apenas ilusões desgastadas. (NIETZSCHE, 2007, p. 36-7)
A evidência de que a verdade repousa no conceito que se apresenta pela metáfora sustenta o perspectivismo. Dessa forma, a inquietação nasce da interpretação que tem o homem como medida da realidade, trazendo apenas uma ideia fragmentada de um acontecimento, ou seja, como medida de todas as coisas, ele parte do erro de que tem em tais coisas objetos puros, esquecendo que são apenas metáforas intuitivas. (NIETZSCHE, 2007, p. 41)
Entendemos, a partir desses pressupostos, que a linguagem cria as verdades, os conceitos, assim como a ciência legitima veracidades como pontos de vista. Todas essas observações nietzschianas ainda foram apresentadas em um primeiro momento de sua obra, afirmadas, ainda, em obras posteriores. De certa feita, o importante está agora em assegurar o perspectivismo enquanto multiplicidade de forças, ou seja, entender como se constitui a filosofia da vontade de poder nietzschiana imbricada nos acontecimentos, mais especificamente à arte.
A partir desses pressupostos nietzschianos, entendemos como uma possibilidade da força intuitiva resulta, intrinsecamente, na criação ou no fazer artístico. Nietzsche (2007, p. 50) revela que a palavra não é feita para a intuição e, quando o homem se depara com ela, “balbucia” e a reduz, de forma criativa, a metáforas e “combinações conceituais inauditas”. Logo, ao apreender a realidade pela intuição, afirmam-se as multiplicidades, resultando, assim, em um perspectivismo.
Nessas ponderações, propomos que a multiplicidade pode ser vista enquanto vontade de poder, ou melhor, a vontade de poder produz as perspectivas que determinam a multiplicidade dos estados de coisas e, assim, se concretizam as relações entre perspectivismo, linguagem e vontade de poder. A vontade de poder proposta por Nietzsche é extensão de poder, é dominação e submissão. A força, composição genética da vontade de poder, determina se essa última é uma vontade forte ou fraca, sem que haja possibilidades de mudança daquele quantitativo.
Então, seriam necessários embates para afirmar a criação artística? Estaria a tirania da moral determinando novas estruturas de pensamento e sensações? As artes seriam um produto da vontade de poder? O que impede também possibilita a arte, de forma paradoxal. De todo modo, cabe-nos destacar a importância de não reduzir a vontade de poder a apenas uma criação – artística –, mas evidenciar, a seguir, como a primeira possibilita a segunda, no caso da produção literária de Kafka.
Vontade de Poder e Arte
Ao descrever as características da relação entre vontade de poder e arte, daremos ênfase, primeiramente, ao primeiro conceito, sem reduzi-lo a um princípio metafísico, pois estaríamos contrariando os apontamentos do tópico anterior. Então, como proposto, partimos da ideia de que todo acontecimento é produto de uma multiplicidade efetiva, sendo necessário, assim, como indica Müller-Lauter (2009, p. 66), subtrair a ideia de que essa multiplicidade nos remete a uma “unidade” última.
As multiplicidades necessitam, para se constituir como tal, da luta entre si, das variações e de seus embates para que se apresentem como uma organização, ou seja, a vontade de poder se forma a partir do que a ela se opõe e o que lhe produz resistência. Desse modo, a formação de uma vontade de poder pela força se coaduna exclusivamente ao que se apresenta como efetivo, pelo quanto de resistência ou dor que essa vontade de poder absorve e transforma para seu proveito. O que se opõe, contudo, a essa potência também é vontade de poder. Entendemos, por fim, que esse conflito de forças e, consequentemente, de vontade de poder determina a multiplicidade da filosofia de Nietzsche. (MÜLLER-LAUTER, 2009, p. 67-8)
O elemento que efetiva, o quanta absorvido pela vontade de poder não é um princípio, pois há uma variação quantitativa desse elemento em cada vontade de poder. Um elemento que ora Nietzsche nomeia por “força”, ora é apenas “vontade”. Assim, os embates que constituem uma força forte em detrimento da força fraca determinam os antagonismos que se encontram na filosofia nietzschiana. Segundo Müller-Lauter (2009, p. 73), esses antagonismos se manifestam tanto “imanentes a uma organização quanto aqueles que se contrapõem a ela ‘de fora’, a partir de outra organização.”.
Considera-se, desse modo, que antagonismos constituem a vontade de poder que fundamentam as multiplicidades. Nesse vir-a-ser, no processo constante de movimento, apreenderemos a vontade de poder, também, nos âmbitos inter-humanos. No aforismo 36, de Além do bem e do mal, percebemos não só a evidência da imanência, impulsos, paixões e afetos, como a própria realidade do acontecimento ligados de maneira intrínseca:
Supondo que nada seja “dado” como real, exceto nosso mundo de desejos e paixões, e que não possamos descer ou subir a nenhuma outra “realidade”, exceto à realidade de nossos impulsos – pois pensar é apenas a relação desses impulsos entre si – [...]. [...] não como uma ilusão, uma “aparência”, uma “representação” [...], mas como da mesma ordem de realidade que têm nossos afetos, – como uma forma mais primitiva do mundo dos afetos, na qual ainda esteja encerrado em poderosa unidade tudo o que então se ramifica e se configura no processo orgânico (e também se atenua e se debilita, como razoável), como uma espécie de vida instintiva, em que todas as funções orgânicas, como auto-regulação, assimilação, nutrição, eliminação, metabolismo, se acham sinteticamente ligadas umas às outras – como uma forma prévia da vida? – Afinal, não é apenas lícito fazer essa tentativa: é algo imposto pela consciência do método. (NIETZSCHE, 1992, p. 42, grifos do autor)
As relações entre as expressões “realidade de nossos impulsos”, “afetos”, “processo orgânico” ou “vida instintiva” estruturam e comprovam as experiências corpóreas que formulam as efetivações da vontade de poder.
Dando continuidade ao aforismo, Nietzsche (1992, p. 43) explicita como os antagonismos referentes à constituição de mundo e estado de coisas se formulam a partir da vontade de poder. Essa última, produzindo efeitos diversificados, agirá ainda, efetivamente, contra outras vontades: “‘Vontade’, é claro, só pode atuar sobre ‘vontade’ – e não sobre ‘matéria’ (sobre ‘nervos’, por exemplo –): em suma, é preciso arriscar a hipótese de que em toda parte onde se reconhecem ‘efeitos’, vontade atua sobre vontade”. Tais efeitos, neste caso, se constituem pelo aumento ou diminuição de potência. Uma produção do acontecimento determinada, única e exclusivamente, por esse embate de forças que não deixa de ser intrínseco ao homem.
Mesmo havendo uma “tendência” inerente ao indivíduo que o impulsiona, entendemos que não há um sujeito pré-formado na filosofia nietzschiana – concepção inaugurada pela filosofia moderna –, mas fluxos de pulsões corporais que serão representados pelo pensamento e preenchidos pela vontade de poder. Os atos de conhecer, pensar e criar são produtos da vontade de poder e se distinguem a partir de diferenças de nível, que viria a resultar no que se busca e no que é buscado.
Na perspectiva de Rabelo (2013, p. 89): “o ‘corpo’ mesmo é entendido apenas como um rótulo para denominar a pluralidade continuamente mutante de vontades de poder que constitui cada homem”. Essa corporeidade apreende a realidade a partir de uma experiência, vivência, conhecimento como causa efetiva da vontade de poder, o que não quer dizer que essa causalidade não se reduz, exclusivamente, ao indivíduo, pois, caso isso ocorresse, ela seria unicamente antropomórfica.
Nesses aspectos apresentados, não estaria Nietzsche nos afirmando a vontade de poder como uma causalidade para o estado de coisas? Um princípio, mesmo múltiplo, para o estado de coisas não está em desacordo com a sua proposta de subversão da ciência, crítica referenciada no início e, também, a subversão do perspectivismo?
[...] Por mais que, genealogicamente, Nietzsche descreva todo o processo abscôndito de metáforas a construírem nossa linguagem e, com ela, o caráter ficcional do nosso mundo, ele admite tratar-se de uma “falsidade” da qual não podemos nos desfazer totalmente (aliás, nem se deveria querer isto). A vontade de poder é a “explicação” – entendida como recurso hipotético, não como verdade acabada – da realidade a mais razoável à qual se pode chegar, destituindo-se ao máximo dos recursos diretamente metafísicos, e, ainda assim, necessariamente adequada à perspectiva humana: necessariamente, porque a noção de causalidade é inevitável; e a mais razoável, porque determina apenas um tipo de causalidade geral, e a partir dos elementos mais básicos de que se dispõe ou antes, que se impõem, uma vez que são condição inescapável. (RABELO, 2013, p. 95)
Assim, sendo a concepção da vontade de poder a mais “razoável” explicação da realidade, dos estados de coisas, segundo Nietzsche, entende-se que não é a única, mas a que melhor fundamenta o caráter perspectivista do indivíduo em face da metafísica. A vontade de poder e o pluralismo permitem as múltiplas interpretações dos fatos de modo objetivo, em decorrência disso podemos perceber que a vontade de poder – interpretada diferencialmente por autores de extrema importância para a filosofia, como Heidegger e Deleuze – possibilita pensar a filosofia de Nietzsche em detrimento de qualquer outro discurso (RABELO, 2013, p. 97).
Diante do exposto, perguntamo-nos: como é dado o processo de criação quando vinculamos vontade de poder à arte? Existe objeto artístico procedente dessa relação? Ou o que se apresenta é apenas mais uma perspectiva?
Por isso, para o artista, a “beleza” é algo que está além de toda hierarquia, pois na beleza são domadas as oposições, e nisso reside o supremo sinal de poder, a saber: o poder sobre o que se contrapõe; além disso, sem impaciência: – que mais nenhum poderio se faça necessário, que tudo siga e obedeça tão facilmente, e faça a cara mais gentil ao obedecer – isso deleita a vontade de poder do artista. (NIETZSCHE, 2008b, p. 400, grifos do autor)
A arte, desse modo, age nos sentidos e nos músculos, provocando uma elevação na força, no prazer e “estimula todas as mais delicadas recordações da embriaguez, – há uma memória específica que faz baixar a tais estados: então retorna um mundo de sensações, distante e fugaz...” (NIETZSCHE, 2008b, p. 404).
Assim, arte e vontade de poder, por maiores possibilidades que podem se vincular por completo, não é a mesma coisa. Ou melhor: a arte até pode se configurar em uma vontade de poder, mas a vontade de poder não pode se configurar, explicitamente, em arte, pois, caso isso ocorra, é vontade de mentira, ou seja, a arte trata de perspectivismo interpretativo, um princípio falseador do conhecimento. A arte, nessas condições, é vontade de mentira “porque ela é vontade de mentira, porque se constrói na e pela aparência, superfície, representação, ilusão.” (RABELO, 2013, p. 126). Nessas condições a arte é uma atividade metafísica, pois não há verdade em si, mas interpretações, criações como produtos da vontade de poder:
[...] Se nada é em si, nem mesmo a verdade, tudo é sempre criado: o mundo é vontade de poder. Nesse sentido, não há diferença essencial entre o modo de formação da linguagem, da filosofia, ou da arte: trata-se sempre de processos metafóricos violentos que se estabelecem forçosamente pelo distanciamento do fluxo inapreensível das vontades de poder, ou seja, da realidade corporal individual irrepetível, das impressões físicas imediatas. Trata-se, assim, de um mundo criado para além do efetivamente “físico”, metafisicamente, portanto (nesse sentido assim delimitado, e que não coincide com a metafísica também porque constitui, por si própria, já em sua formulação, já com sua enunciação mesma, uma insatisfação e uma tentativa de ultrapassamento das explicações físicas da realidade, seja no nível mais genérico, ao questionar as noções de lei e átomo, seja mais especificamente, contrapondo-se às explicações puramente mecanicistas. (RABELO, 2013, p. 122)
Em termos que especifiquem a criação a partir de um indivíduo, este precisa da mentira para criar um sentido, mesmo que tal sentido soe incompleto, pois ainda é um resultado de múltiplas vontades de poder. Criar um sentido frente à verdade ilusória: “Em um filósofo é uma indignidade dizer que o bom e o belo são um: se ainda acrescenta: ‘também o verdadeiro’, então se deve espancá-lo. A verdade é repulsiva: nós temos a arte para não sucumbirmos junto à verdade.” (NIETZSCHE, 2008b, p. 411, grifos do autor).
Nesse sentido, voltamos à gaia ciência, citada anteriormente, e agora com mais consistência, em que a proposta é aceitar a realidade com base em um conhecimento trágico, caótico construindo uma nova verdade. Rabelo (2013, p. 124) coloca:
De qualquer modo, a vontade de mentira – a “arte” da qual se fala nesse contexto, em sua significação particular e propriamente nietzschiana – está sempre presente, em todos os casos, como princípio plasmador do mundo, da vida, do homem. Primeiro, ordenando o caos; depois, querendo reificar suas criações utilitárias em verdades, em conceitos dogmáticos, em um “outro mundo”; por fim, como renúncia autoimposta desta vontade de verdade, em nome de um conhecimento mais esclarecido, “artístico”, mais leve e, ao mesmo tempo, mais sábio: a gaia ciência.
Assim, concluímos que tudo é uma mentira, ilusão e que o homem as constrói como uma necessidade e perspectiva. Essa própria construção, esse fazer e proceder para o objeto artístico, desperta no artista a excitação: “o efeito da obra de arte é a excitação do estado de criação artístico.” (NIETZSCHE, 2008b, p. 409, grifos do autor). Reforçamos: a arte é vontade de poder, mas vontade de poder não é, necessariamente, arte. Nessas condições, para aceitar a verdade enquanto um dogma que ela se apresenta, é necessário dar cabo da realidade nas pulsões da vontade de poder.
O niilismo na filosofia de Nietzsche
O termo “niilismo” – do latim nihil, “nada” – é atribuído, sucintamente, como um pensamento assentado na ideia do “nada”. Colocação que vai reverberar em qualquer doutrina que se aproprie desse conceito. Uma ideia que se fundamenta no “nada” carrega de início um sobressalto polêmico, levando em consideração a negação de valores ou a realidade tal qual se apresenta. Contudo, com um pouco mais de perspicácia, perceberemos que não se trata de uma negação do que está em voga, mas de uma singular afirmação frente aos acontecimentos.
Segundo Volpi (1999), correntes diferenciadas de pensamento no Romantismo, Idealismo, elementos políticos e sociais de origem francesa, que reverberaram na Alemanha e na Rússia, tiveram o niilismo como grande vertente doutrinária. Um grande número de autores, talvez desde a Antiguidade, nos legou a proposta niilista do pensamento, se diferenciando minimamente ora no que concerne à estrutura do pensamento, ora quanto ao desenvolvimento.
Está explícito, em alguns textos da terceira fase do pensamento de Nietzsche, como Genealogia da moral e A vontade de poder (2008b), o niilismo como história da “doença” do homem moral. Entendemos que nesses textos o filósofo evidencia o declínio da ciência como um fenômeno tardio do niilismo, sendo nessas obras que o tema adquire, pela primeira vez, reflexão filosófica exclusiva para o autor, mesmo havendo bem antes fragmentos e argumentos sobre o tema.
Nietzsche apresenta as raízes do niilismo oriundas do platonismo e tendo maior expressão no cristianismo (principalmente por buscar a verdade em valores superiores). Ele explicita, principalmente na terceira fase de sua filosofia, as contradições da busca de respostas em uma realidade suprassensível. Assim, Nietzsche busca fundamentar essa “doença” a partir de sintomas oriundos de processos fisiológicos. O movimento niilista, então, é a expressão de uma decadência fisiológica. (MÜLLER-LAUTER, 2009, p. 125)
A “décadence fisiológica” é descrita em face dos sintomas da “doença” moral. Lembremo-nos dos impulsos, dos desencadeamentos de forças e dos quanta de vontade apresentados inicialmente. Perante esses conceitos determinantes para a filosofia do alemão, se formarão os processos fisiológicos. Incrementando-se o conceito de décadence, temos uma forma particular de desencadeamentos de forças particularmente fisiológicas. Desse modo, as “vontades de potência, antes mantidas em unidade, aspiram a separar-se. Nietzsche descreve essa aspiração a separar-se como desagregação dos instintos.” (MÜLLER-LAUTER, 2009, p. 126-7, grifos do autor).
A decadência é necessária ao indivíduo porque é um fenômeno que o fortalece, o prepara para ascensão e progresso. Assim, mencionamos a partir do autor em destaque:
Conceito “décadence”. – O detrito, decadência, excrescência não são nada que deva ser condenado em si mesmo: são uma consequência necessária da vida, do acréscimo de vida. O fenômeno da décadence é tão necessário quanto qualquer ascensão e progresso da vida: não está em nossas mãos suprimi-la. A razão quer, ao contrário, que lhe seja feita justiça. (NIETZSCHE, 2008b, p. 43, grifos do autor)
A decadência, de fato, se constitui a partir do fim dos valores tradicionais na história ocidental. Esse processo é o niilismo, fio condutor da decadência.
A história da moral no ocidente se assenta, principalmente, a partir do advento do cristianismo. Na verdade, essa ambição metafísica transcendente tem seu germe em Sócrates e Platão, mas é na doutrina cristã que a moralidade se manifesta de forma mais contundente para todas as camadas da sociedade, tendo como fundamento o niilismo: “Essas misérias sempre permitem interpretações inteiramente diversas. Mas sim: em uma interpretação plenamente determinada, na cristã-moral, finca-se [steckt] o niilismo.” (NIETZSCHE, 2008b, p. 27, grifos do autor). A moral cristã não deixa de ser uma manifestação da vontade de poder e essa vontade, uma vontade de verdade, se opõe à necessidade de mentira e falsificação, tão comuns aos indivíduos.
Para melhor atribuição das formas e características do niilismo, Nietzsche (1998) parte de uma metodologia específica para analisar o ocidente moralizado: o método genealógico, presente no livro Genealogia da moral. O pensador demonstra a experiência moral da humanidade na eterna luta entre e o bem e o mal, tendo como pano de fundo o embate de duas morais: a do senhor e a do escravo. É nesse contexto que se fundamenta a tentativa de anulação da vontade de verdade – expressa na moral cristã – e do niilismo: “A longa história da moralização surge de uma vontade que se volta contra a vida e contra si mesma, tendo como consequência a doença, a perda de sentido, o niilismo.” (ARALDI, 1998, p. 80, grifo do autor).
Entendemos que a proposta da genealogia desenvolvida por Nietzsche é apresentar o vínculo entre filosofia e história sem que haja uma teleologia e/ou historiografia determinando os acontecimentos explicitados nessa obra. Nietzsche, então, certifica-se da importância do estudo do valor moral na história em elementos que caracterizam os atos de bondade do homem europeu. Assim, em Genealogia da moral, o autor apresenta três elementos que justificam o niilismo identificado: o ressentimento, a má consciência e o ideal ascético.
Levando em consideração o já exposto, o antagonismo entre vontades de poder se constituir sempre por uma força forte e uma força fraca, em outros termos, forças ativas e forças reativas, Nietzsche (1998), na Primeira dissertação, propõe como forças reativas o escravo, e as forças ativas, o senhor. Desse modo, o ressentimento, como a primeira forma de niilismo, é o predomínio das forças reativas sobre as forças ativas, algo que até então era inaceitável: a negação do escravo aos valores do senhor ou valores aristocráticos.
Ativo e reativo são qualidades originais de duas vontades, um “código genético” que faz a força ser essa ou aquela. Sempre manterão, intrinsecamente, esses quantas de vontade. O escravo enquanto escravo é reativo e o senhor, enquanto senhor, ativo. Caso ocorra o inverso, sempre será reação, uma reação que cria e gera valores sempre a ponto de extinguir-se, pois é produto único do ressentimento.
A segunda forma de niilismo é a má consciência constatada pelo autor a partir das ideias de culpa e castigo. Em outros termos, é a transformação do ressentido em culpado, é o ressentimento voltado para si próprio. Como propõe Nietzsche (1998, p. 70, grifos do autor): “O castigo teria o valor de despertar no culpado o sentimento da culpa, nele se vê o verdadeiro instrumentum dessa reação psíquica chamada ‘má consciência’, ‘remorso’.”.
A má-consciência, desse modo, é quando o indivíduo vive, obrigatoriamente, de acordo com as normas e padrões da sociedade, sem que se volte para as manifestações dos seus instintos. Em decorrência das transformações, a força humana é interpretada como algo ruim, má, fazendo do indivíduo, culpado, pois, ao interiorizar seus instintos, a violência age contra si própria. Assim, revela Nietzsche (1998, p. 72): “Vejo a má consciência como a profunda doença que o homem teve de contrair sob a pressão da mais radical das mudanças que viveu – a mudança que sobreveio quando ele se viu definitivamente encerrado no âmbito da sociedade e da paz.”.
No ideal ascético, apresentado na Terceira dissertação, o autor afirma que a vida é um erro e busca um sentido verdadeiro para além dessa vida. Nesse quesito, o sacerdote ascético oferece um fim último e um verdadeiro sentido à humanidade doente, sendo essa a saída para a apreciação da existência, ou seja:
[...] O asceta trata a vida como um caminho errado, que se deve enfim desandar até o ponto onde começa; ou como um erro que se refuta – que se deve refutar com a ação: pois ele exige que se vá com ele, e impõe, onde pode, a sua valoração da existência. Que significa isso? Um tal monstruoso modo de valorar não se acha inscrito como exceção e curiosidade na história do homem: é um dos fatos mais difundidos e duradouros que existem. Lida de um astro distante, a escrita maiúscula de nossa existência terrestre levaria talvez à conclusão de que a terra é a estrela ascética por excelência, um canto de criaturas descontentes, arrogantes e repulsivas, que jamais se livram de um profundo desgosto de si, da terra, de toda a vida, e que a si mesmas infligem o máximo de dor possível, por prazer em infligir dor – provavelmente o seu único prazer. (NIETZSCHE, 1998, p. 106-7, grifos do autor).
A vontade ascética está em campos como a religião, a arte, a ciência e a filosofia, sempre na privação dos instintos. Entretanto, o ideal ascético nega o instinto da espiritualidade e vai em busca da verdade única do ser.
Nessas concepções, entendemos Genealogia da moral como um dos principais textos em que Nietzsche descreve três momentos de manifestação do niilismo, tendo como base a história moral do ocidente. Assim, uma filosofia pautada em concepções morais que visam à transcendência da experiência sensível traz, em sua própria configuração, elementos que a constituem como niilista.
A proposta nietzschiana, assim a entendemos, é escapar de qualquer possibilidade de um saber transcendente, tendo como principal artifício a perspectiva trágica e dionisíaca de mundo. Machado (1999, p. 86) afirma que todos os sentidos do niilismo vêm em decorrência de apenas um: “a desvalorização da vida em nome dos valores superiores. Tendência que remonta longe e que levará a filosofia genealógica, na tentativa de investigar sua origem, a privilegiar a crítica dos valores filosóficos.”. Essa proposta sustenta, de modo geral, o sentido da concepção de “niilismo negativo”. Os valores superiores, o mundo suprassensível e ideal é, de certo modo, inatingível, abrindo assim a ferida da inacessibilidade do ser: “Não é a vontade que se nega nos valores superiores, são os valores superiores que se relacionam com uma vontade de negar, de aniquilar a vida.” (DELEUZE, 1976, p. 123).
Em todas as máximas polêmicas de Nietzsche, a que ganha maior repercussão é a que traz a “morte de Deus”: “Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? – também os deuses apodreceram! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre assassinos?” (NIETZSCHE, 2012, p. 138). A proposta aqui é firmar o já dito: a denúncia do niilismo europeu, onde os indivíduos destituem os valores superiores e metafísicos, sendo que a religião e as verdades últimas já não influenciam nas tomadas de decisões. Esse é o momento que vai do “niilismo negativo” ao “niilismo reativo”, onde Deus é o resultado de uma vontade doente e passa-se a reagir contra essa concepção suprassensível, desvalorizando por completo os valores superiores:
[...] Há pouco, opunha-se a essência à aparência, fazia-se da vida uma aparência. Agora nega-se a essência, mas guarda-se a aparência. O primeiro sentido do niilismo encontrava seu princípio na vontade de negar como vontade de poder. O segundo sentido, “pessimismo da fraqueza”, encontra seu princípio na vida reativa nua e crua, nas forças reativas reduzidas a si mesmas. O primeiro sentido é um niilismo negativo; o segundo é um niilismo reativo. (DELEUZE, 1976, p. 124, grifos do autor)
O que ocorre no niilismo reativo é uma troca de Deus pela Ciência; da fé pela razão; da religião pelo progresso. É a invenção de novos ídolos para uma nova submissão. Tal ato surge em decorrência do costume de servir: “Por quê? Porque o espaço, o lugar em que se coloca o homem continua o mesmo do Deus desaparecido: o espaço da moral ou da oposição de valores que institui a superioridade do bem e da verdade.” (MACHADO, 1997, p. 64).
Depois de certo momento, as forças reativas querem seguir sozinhas, romper por completo com as forças negativas. Assim, se constitui o prolongamento do niilismo negativo pelo niilismo reativo: “triunfante, as forças reativas tomam o lugar deste poder de negar que as levava ao triunfo. Mas o ‘niilismo passivo’ é o fim extremo do niilismo reativo: melhor extinguir-se passivamente do que ser conduzido de fora.” (DELEUZE, 1976, p. 125).
É importante salientar que esses tipos de niilismo – negativo, reativo, passivo e, mais adiante, positivo – não estão explicitamente em uma determinada obra nietzschiana, mas são interpretações de especialistas que deduziram do conjunto da obra de Nietzsche e se comprometeram a caracterizá-los com apontamentos devidos.
No niilismo ativo, todo o sentido de valor é posto pela vontade de poder, todo conceito é vontade de domínio. Sem um retrocesso em tal revelação, o niilista ativo aceita a sua condição e vê uma possibilidade de recriar novos valores. Esse é o niilismo dos espíritos fortes. Essa é a transvaloração dos valores.
Machado (1999) afirma que a superação do niilismo é afirmar, de modo dionisíaco, tudo o que foi negado e desvalorizado. Transvaloração é desvalorizar os valores que determinaram a história da filosofia e valorizar os que foram subordinados, tendo como grande objetivo a destruição desse próprio lugar que institui a moral dominante. É o que leva a filosofia nietzschiana a ser classificada como uma filosofia dos valores, pois sempre se busca o que está na base das avaliações. Desse modo, “é o fato de remeter as apreciações de valor à vida ou à vontade de potência. A vontade de potência é sempre o elemento básico, ‘o fato mais elementar’ que determina a reflexão nietzschiana sobre os valores.” (MACHADO, 1999, p. 88).
Em meio ao que foi discriminado, onde situamos o eterno retorno?
Essas condições que possibilitam o niilismo ativo só são possíveis com o eterno retorno e o pensamento seletivo, pois apenas essa seleção nos permite avaliar a existência. A relação entre a ideia da “morte de Deus” e do eterno retorno leva à criação de autênticos valores, ou a transvaloração, pois apenas a ideia de que a vida não é mais conduzida pela dicotomia certo e errado ou pelo maniqueísmo, pode abrir novos campos de existência, novos modos de criação. Vejamos:
E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem – e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de poeira!”. (NIETZSCHE, 2012, p. 205)
Como apresenta Deleuze (1976, p. 56, grifos do autor), o eterno retorno, “na qualidade de pensamento, dá uma regra prática à vontade. [...] Como pensamento ético o eterno retorno é a nova formulação da síntese prática: O que tu quiseres, queira-o de tal modo que também queiras seu eterno retorno”. Sustentamo-nos nessa leitura para afirmar que é o pensamento do eterno retorno que faz do querer algo completo. Ele elimina tudo o que não serve para o ato da criação.
Voltando ao niilismo ativo, na transvaloração de todos os valores, evidencia-se a concepção de super-homem. O super-homem se ergue na superação das oposições: sensível e espiritual, corpo e alma, terreno e extraterreno: “Neste sentido, super-homem é superação, ultrapassagem. De quê? Do homem tal como ele foi; do homem do passado e sua crença em Deus. É a superação do homem como ‘doença de pele da terra’” (MACHADO, 1997, p. 46). Desse modo, entendemos as atitudes do super-homem como um novo modo de avaliar e afirmar a vida, tendo no eterno retorno seletivo seu maior caráter de negação a tudo o que não lhe serve. Nietzsche (2011, p. 13-4, grifos do autor) coloca:
Eu vos ensino o super-homem. O homem é algo que deve ser superado. Que fizeste para superá-lo?
Todos os seres, até agora, criaram algo acima de si próprios: e vós quereis ser a vazante dessa grande maré, e antes retroceder ao animal do que superar o homem?
Que é o macaco para o homem? Uma risada, ou dolorosa vergonha. Exatamente isso deve o homem ser para o super-homem: uma risada, ou dolorosa vergonha.
O mais sábio entre vós é apenas discrepância e mistura de planta e fantasma. Mas digo eu que vos deveis tornar fantasmas ou plantas?
Vede, eu vos ensino o super-homem!
O super-homem é o sentido da terra. Que a vossa vontade diga: o super-homem seja o sentido da terra! Eu vos imploro, irmãos, permaneceis fiéis à terra e não acrediteis nos que vos falam de esperanças supraterrenas! São envenenadores, saibam eles ou não.
São desprezadores da vida, moribundos que a si mesmos envenenaram, e dos quais a terra está cansada: que partam, então!
Uma vez a ofensa a Deus era a maior das ofensas, mas Deus morreu, e com isso morreram também os ofensores. Ofender a terra é agora o que há de mais terrível, e considerar mais altamente as entranhas do inescrutável do que o sentido da terra!
É contundente afirmar que, em Assim falou Zaratustra, mesmo que de maneira simbólica, encontramos argumentos e conceitos que serão desenvolvidos em textos nietzschianos posteriores. Contudo, como já observado, é o livro que melhor expressa a relação entre esses conceitos-chave que sustentam nossa interpretação: vontade de poder, niilismo e eterno retorno. Mesmo que nos falte maior aprofundamento da relação entre essas concepções e das fases do sistema nietzschiano, atentemos para o principal objetivo desse trabalho: a relação dos conceitos nietzschianos com a literatura de Kafka.
Iniciamos nossa apresentação da filosofia nietzschiana tendo como base principal o conflito das vontades de poder como princípio de acontecimentos e estados de coisas. Pensar a vontade de poder em um caráter antropológico não torna o conceito menos rico, pois substituir uma metafísica dos valores por uma condição humana possibilita o próprio Kafka ao mais próximo de um criador de valores.
A literatura kafkiana em perspectiva
Kafka nasceu em 3 de julho de 1883, na cidade de Praga que, naquela época, era capital de uma província do Império dos Habsburgo, Boêmia, cidade eslava com uma minoria de língua alemã, em grande parte judia, conhecida, atualmente, por República Tcheca. Filho mais velho de um comerciante judeu, Hermann Kafka e sua esposa Julie, o escritor estudou naquela mesma cidade tanto no ginásio como na Universidade e obteve o doutorado em Direito, em 1906. Entre 1923 e 1924, Kafka viveu longe do pai, figura que não reconhecia sua carreira de escritor, talvez o único período em que saiu definitivamente de Praga. Mas, muito antes com os irmãos Max e Otto Brod, o escritor viajava constantemente no período de férias para Paris, Itália e, em uma dessas viagens, em Berlim, Kafka foi apresentado a Felice Bauer.
No ano seguinte, após o encontro com Felice, visita-a algumas vezes em Berlim. Noivam duas vezes, mas não vieram a casar.4 Houve também outras mulheres que marcaram sua vida, não vindo a concretizar nenhuma relação amorosa. Em 1917, aparecem as primeiras complicações de uma tuberculose que anos depois iria matá-lo. Kafka faleceu em um sanatório perto de Viena, Áustria, em 3 de junho de 1924, um mês antes de completar 41 anos de idade.
No fim da vida, Kafka fez um pedido ao amigo Max Brod para que queimasse seus escritos. Mas, para o bem da história da literatura, Brod não o realizou, salvando sua obra das chamas. Brod fugiu de Praga pouco antes da invasão alemã, em 1939, com os manuscritos de Kafka, passando, também, por certa tensão no Oriente Médio, pois o material valioso ainda estava em sua posse.
O arquivo literário de Kafka foi quase todo publicado de forma póstuma. Muitos fragmentos e cartas ainda estão sob cuidado de editoras ou em mãos de particulares. Os escritos que nos chegaram até os dias de hoje garantem Kafka como um dos maiores escritores da literatura ocidental.
O termo “kafkiano”, além de remeter ao pesquisador que adota as ideias ou pensamentos de Kafka, equivale ao adjetivo que veicula acontecimentos insólitos, excêntricos, misteriosos e, não menos importante, um fim com múltiplas significações. De certo modo, essas até podem ser as primeiras impressões ao nos depararmos com o termo, mas, para Carone (2009, p. 100, grifos do autor), há bem mais:
[...] o uso dessa palavra cria problemas diante da hipertrofia que ela tem sofrido. É comum dizer que “kafkiano” é tudo aquilo que parece estranho, inusual, impenetrável e absurdo – o que descaracterizaria o realismo de base da prosa desse autor. Pois a rigor é kafkiana a situação de impotência do indivíduo moderno que se vê às voltas com um superpoder (Übermacht) que controla sua vida sem que ele ache uma saída para essa versão planetária da alienação – a impossibilidade de moldar seu destino segundo uma vontade livre de constrangimentos, o que transforma todos os esforços que faz num padrão de iniciativas inúteis.
Mesmo com essas equivalências múltiplas, é possível identificar um estilo singular na obra ficcional e em seus diários e cartas, o que será evidenciado por alguns comentadores e críticos. Essa obra pode implicar uma variada gama de interpretações, e os próprios amigos íntimos do autor, como Brod, e Willy Haas, no livro de memórias O Mundo Literário, apresentam algumas dificuldades quanto aos esclarecimentos do trabalho do escritor:
[...] certa incapacidade de compreender a autonomia da obra-de-arte, a qual, já emancipada das condições que lhe deram nascimento, constitui-se em universo próprio que não pode ser monopolizado por ninguém. Não serão precisamente os “vizinhos” de Kafka os que menos entendem a sua obra, porque timbram em reduzi-las às experiências de uma geração e à verdade dos “fatos” em vez de procurarem elevar-se à verdade essencial destilada pela força transfiguradora da imaginação artística? No fundo, o que Haas não entende é que Kafka escreveu O Processo e não as memórias de Hass. (ROSENFELD, 1973, p. 250, grifo do autor)
Diante dessas considerações, perguntamos: a intimidade legitima ou não a compreensão? Laços afetivos entre escritor e leitor podem favorecer o entendimento do significado de uma obra, mas é importante aceitar que esses laços, para quem está em outro plano da relação, nem sempre são tão “íntimos” para aqueles que os vivenciam. De todo modo, partindo da ideia de que o texto de Kafka permite múltiplos significados, por que a interpretação de seus amigos não pode ser uma compreensão, também legítima, entre as outras possíveis?
Classificar um gênero literário implica um percurso diversificado e múltiplo quanto mais adentramos nas narrativas modernas. Diante das exegeses que a literatura de Kafka permite, Rosenfeld (1973, p. 225) propõe que determinados “resultados convencem, embora se contradigam; outros complementam. Mas esse estado de coisas, em que uma obra literária se tornou em trampolim para desenvolver cosmovisões, é pouco satisfatório”. Por “pouco satisfatório”, Rosenfeld (1973, p. 229) argumenta que Kafka precisa ser integrado em uma linha de tradição e, consequentemente, de renovação para que seja inserido em determinado contexto histórico. Mesmo que o escritor tenha ganhado grande destaque na história da literatura, o caráter monstruoso de sua obra, sem cairmos no caráter pejorativo do termo, eleva-o a ponto de não enquadrá-lo em uma escola literária?
Kafka, em uma só narrativa, pode abranger características de escolas ou períodos diferenciados da história da literatura, desde movimentos literários anteriores à sua época até a literatura contemporânea. Em meio a essas generalizações, o estilo kafkiano causa tremor e abalo suficientes para que sua escrita não se atenha somente a uma forma básica. Anders (2007, p. 85), do mesmo modo, nos coloca que esperar tanto um isolamento como o maior do expressionismo pode ser um equívoco em Kafka, pois “é difícil imaginar um estilo mais não-romântico, mais não-subjetivo, menos expressionista do que o de Kafka. Ele articula suas frases com a mais extrema precisão, como um Robinson que calcula a fundo um plano de viagem”.
Ao se aprofundar no emaranhado de perspectivas é que serão todas consistentes. De todo modo, algo perdura não somente na ficção, mas nas cartas ou diários, nos levando a concluir que a esperança kafkiana não está condenada, mas o que incomoda é porque ela não consegue ser condenada. Esse é o principal fator que torna sombrias as narrativas de Kafka. As catástrofes, ainda que bem estruturadas e contínuas, deixam uma margem de fuga, uma válvula de escape, mas no fim não sabemos se essa margem ou válvula é a esperança ou se a afasta para todo o sempre. (BLANCHOT, 1997, p. 18)
Carta ao pai enquanto escrita literária
Assim como a obra ficcional de Kafka, seus diários e algumas cartas só foram realmente conhecidos pelo público devido à edição e publicação de Brod. Segundo Rosenfeld (1973), em Descrição de um Combate, volume editado por Brod em 1936, estão reunidos os primeiros escritos de Kafka. Sem modificações, podemos encontrar considerável parcela de alguns trechos de cartas e dos diários do escritor. Esse afirma que entre a obra literária, os diários e as cartas não há diferença, pois todos trazem elementos biográficos velados pela imaginação. Um exemplo é Carta ao pai que “deve ser lida, em ampla medida, como ficção, embora naturalmente contenha um fundo autobiográfico.” (ROSENFELD, 1973, p. 254).
Então, partimos da ideia de que uma obra de arte carrega consigo um despertar do pensamento causado pela emoção, pelo choque e, também, de maneira intrínseca, pela possibilidade de construção de uma fuga. Vemos o despertar kafkiano no estranhamento da obra que não estranha, e a possibilidade de fuga a partir do enredo da história contada. É uma literatura que ganha vida na criação artística, inovando em suas características e nas suas tramas. O que encontramos em Carta ao pai não é somente uma denúncia de um filho para com o pai, mas a maneira como um filho recepciona o tratamento do pai e de como um escritor faz disso literatura:
Toda arte madura tem por base uma grande quantidade de convenções: à medida que é linguagem. A convenção é a condição da grande arte, não o seu impedimento... Toda elevação da vida aumenta a força de participação, assim como a força de compreensão do homem. O viver dentro de uma outra alma, não é, originalmente, nada de moral, mas antes uma suscetibilidade psicológica à sugestão: a “simpatia” ou o que se chama “altruísmo” são meras conformações daquela referência psicomotora pertencente à espiritualidade [...]. Não se compartilham jamais pensamentos, compartilham-se movimentos, sinais mímicos, os quais são lidos de volta, por nós, como pensamentos. (NIETZSCHE, 2008b, p. 405, grifos do autor)
Como vimos anteriormente, a criação artística enquanto vontade de poder e/ou superação do niilismo revela uma hipótese determinante para nosso estudo. A condição em que se encontra Kafka nos relatos não trata somente do alheamento do seu cotidiano ou do seu aspecto familiar (como as relações com o pai ou com as noivas, principalmente Felice Bauer), mas também da rotina urbano-social, determinando, assim, rupturas, chagas, feridas que perduram e se evidenciam nas narrativas.
Carta ao pai trata de uma correspondência de Kafka escrita entre 10 e 20 de novembro de 1919 ao pai, Hermann Kafka. Nesse período, Kafka tinha 36 anos de idade, cinco anos, portanto, antes de sua morte. A carta não foi enviada ao destinatário e, assim como sua literatura, só foi conhecida a partir das publicações de Brod.
A Carta ao pai não é uma simples carta, também não é um documento de cunho psicanalítico, apesar de ser usada para tal. Interpretamos nesse escrito a ideia e figura de poder ou força que limitam constantemente outra força. Para Anders (2007), cabe a Kafka aceitar a culpa a partir de uma “des-culpa”, pela miséria ou desclassificação de ser quem é, e nisso decorre o julgamento efetivo da sociedade:
Pois permanece obscuro a que ponto e quão definitivamente Kafka na realidade se distancia desse julgamento da sociedade5. Para si mesmo, pelo menos, ele o aceitou (do ponto de vista biográfico: o julgamento da casa paterna). Sua própria “miséria” (sobretudo sua relação com o pai, cioso de direitos e sempre “com a razão”) é, para ele, eo ipso, sua própria culpa, sobre a qual insiste a vida inteira. (ANDERS, 2007, p. 50, grifos do autor)
É comum evidenciar o símbolo de autoridade representado por Hermann Kafka em muitas narrativas do autor, mas é nesse texto que encontramos maiores procedências a que realmente equivale esse poder, devido ser uma carta e apresentar o próprio termo “pai” em seu título. Não sabemos se a carta é um escrito com ou sem fins estéticos, de certa maneira, percebemos que, devido ao primoroso estilo do autor, essa produção parece ser uma das maiores ficções de sua obra. Nesse quesito, recorremos a Nietzsche (2008b, p. 400), quando propõe que há exaltação das imagens do mundo tais quais se apresentam: “de um lado, é um excedente e uma exalação da corporeidade florescente no mundo das imagens e dos desejos; de outro lado, um estímulo às funções animais mediante imagens e desejos da vida ascendente; – uma elevação do sentimento de viver, um estimulante desse sentimento”.
Kafka é considerado um ser fragilizado, doente e fraco. Entretanto, para Nietzsche (2008b, p. 407), a oposição entre saúde e doença é questão de nível: “nós estamos relativamente doentes... O artista pertence a uma raça ainda mais forte. O que em nós já é prejudicial, o que em nós seria doentio, nele é natureza”.
Seguindo o argumento nietzschiano, em Carta ao pai, ao denunciar determinada atitude intolerável do pai, Kafka (1997, p. 12-3, grifos nosso) não deixa de lamentar tal fato pela sua fraqueza, contudo, em seguida, não deixa de citar as consequências por outra perspectiva:
De imediato eu só me recordo de um incidente dos primeiros anos. Talvez você também se lembre dele. Uma noite eu choramingava sem parar pedindo água, com certeza não de sede, mas provavelmente em parte para aborrecer, em parte para me distrair. Depois que algumas ameaças severas não tinham adiantado, você me tirou da cama, me levou para a pawlatsche6 e me deixou ali sozinho, por um momento, de camisola de dormir, diante da porta fechada. Não quero dizer que isso não estava certo, talvez então não fosse realmente possível conseguir o sossego noturno de outra maneira; mas quero caracterizar com isso seus recursos educativos e os efeitos que eles tiveram sobre mim. Sem dúvida, a partir daquele momento eu me tornei obediente, mas fiquei internamente lesado. Segundo a minha índole, nunca pude relacionar direito a naturalidade daquele ato inconsequente de pedir água com o terror extraordinário de ser arrastado para fora. Anos depois eu ainda sofria com a torturante ideia de que o homem gigantesco, meu pai, a última instância, podia vir quase sem motivo me tirar da cama à noite par ame levar à pawlatsche e de que eu era para ele, portanto, um nada dessa espécie.
Na época isso foi só um pequeno começo, mas esse sentimento de nulidade que frequentemente me domina (aliás, visto de outro ângulo, um sentimento nobre e fecundo) deriva, por caminhos complexos, da sua influência.
As forças perceptíveis que compõem a angústia e a melancolia de Kafka fazem com que ele se sinta incapaz, doente e inapto a seguir em sua carreira. Mas seriam mesmo esses sintomas efeitos de uma inaptidão? Esses efeitos podem até atingir o indivíduo, podem até mexer pretensamente com Kafka, mas, na figura de escritor, essa doença age como uma saúde e com novas determinações. Segundo Nietzsche (2008b, p. 407, grifos do autor):
[...] A superabundância de sumos e de forças pode trazer consigo tanto sintomas de não liberdade parcial, de alucinações dos sentidos, de refinamentos de sugestão, quanto um depauperamento da vida... o estímulo é condicionado de outra maneira, o efeito permanece o mesmo... Sobretudo, o efeito seguinte não é o mesmo; o extremo relaxamento de todas as naturezas mórbidas, após as suas excentricidades dos nervos, não tem nada em comum com os estados do artista: esta não tem que expiar os seus melhores momentos.
Segundo essa concepção nietzschiana, o artista se insere em outro prisma quando se trata do par doença-saúde. É claro que o que interessa não é se o escritor está ou não imune à doença ou ao que lhe falta, mas sim sua necessidade de entender a potência de sua fragilidade e o diagnóstico na própria potência literária. “São estados excepcionais os que condicionam os artistas: todos são profundamente aparentados e próximos às manifestações de doença: tanto que não parece ser possível ser artista e não ser doente.” (NIETZSCHE, 2008b, p. 406).
A denúncia kafkiana expressa em Carta ao pai consiste não somente num desprendimento do autor, mas num modelo de como a escrita literária se configura numa possibilidade de rebatimento dos acontecimentos que assentaram o conflito paradoxalmente explicitado em quase toda sua obra: as desaprovações de Hermann Kafka das necessidades do filho. Algo que se refletiu, constantemente, em toda sua vida não somente de escritor:
Quero tentar explicá-lo melhor: na tentativa de casamento confluem, nas minhas relações com você, duas coisas aparentemente opostas, tão fortes como em nenhuma outra parte. O casamento é certamente a garantia da mais nítida autolibertação e independência. Eu teria uma família, o máximo que na minha opinião se pode alcançar, ou seja: também o máximo que você alcançou; eu seria igual a você, a velha e eternamente nova vergonha seria apenas uma história. Com certeza seria fabuloso, mas é justamente aí que está o problema. É algo excessivo, não se pode conseguir tanta coisa assim. É como se alguém estivesse aprisionado e tivesse não só a intenção de fugir – o que talvez fosse realizável – mas também, e na verdade ao mesmo tempo, a de transformar, para uso próprio, a prisão num castelo de prazeres. Mas se ele foge, não pode fazer essa transformação, e se a faz, não pode fugir. Se eu quiser me tornar independente, na relação especial de infelicidade em que me encontro com você, preciso fazer alguma coisa que não tenha a menor ligação possível com a sua pessoa; o casamento é sem dúvida o que há de maior, e confere a autonomia mais honrosa; mas também está, ao mesmo tempo, na mais estreita vinculação com você. Por esse motivo, querer sair daí tem algo de delirante, e qualquer tentativa é quase punida com a loucura. (KAFKA, 1997, p. 67)
Diante dos questionamentos sempre em aberto da obra de Kafka, propomos as questões: a produção da Carta ao pai ajudou na sua relação com Hermann? Os relatos dos Diários resultaram em alguma afirmação para o escritor?
Por mais que tenhamos seguido a proposta de termos na escrita de Kafka uma resultante da vontade de poder e/ou um produto da transvaloração dos valores, fica uma dúvida em torno dessa arte literária: não seria a escrita de Kafka um niilismo reativo em vez de um niilismo ativo? A Carta é realmente uma criação antagônica ao seu estado de saúde e ao trato que recebeu do pai e de alguns familiares? Ou sua produção é uma tentativa de criar meios de existir ao negar sua real condição para consigo e com o mundo? Em outras palavras: a produção kafkiana é criação de novos valores ou apenas uma fuga dos antigos valores?
Precisamos da mentira para chegar à vitória sobre essa realidade, essa ‘verdade’, ou seja, para viver... O fato de a mentira ser necessária para viver também pertence a esse caráter temível e questionável da existência...
A metafísica, a moral, a religião serão consideradas [...] apenas como formas diferentes da mentira: com sua ajuda, passa-se a acreditar na vida. ‘A vida deve infundir confiança’: colocada dessa forma, a tarefa é gigantesca. Para resolvê-la, o homem tem de ser um mentiroso por natureza, precisa ser artista mais do que qualquer outro... E ele o é: metafísica, moral, religião, ciência – tudo não passa de criações de sua vontade de arte, de mentira, de fuga da ‘verdade’, de negação da ‘verdade’. Essa mesma faculdade, graças à qual ele violenta a realidade com a mentira, essa faculdade artística par excellence do homem, ele tem em comum com tudo o que existe: com efeito, ele próprio é um fragmento de realidade, de verdade, de natureza – ele próprio é também um fragmento do gênio da mentira...
[...]
A arte e nada além da arte. Ela é quem possibilita a vida em grande medida, é quem induz à vida, o grande estimulante da vida... (NIETZSCHE, 2005, p. 275-6, apud RABELO, 2013, p. 123, grifos do autor)
O artista descrito por Nietzsche é um produto do seu meio, uma força reativa e sempre reativa que necessita da mentira para seguir, para existir e resistir. A mentira enquanto arte é vontade, vontade de domínio, criação de sentidos. Já a arte, em si, é intrínseca à vida, um processo tal qual se fundamenta no próprio meio de existir do indivíduo. Vemos o indivíduo Kafka munido daquela vontade de mentira, buscando em sua obra novas condições de existência, resultando, de certa maneira, no artista visado.
Considerações finais
O objetivo principal do texto foi apresentar uma possibilidade de se ler Kafka à luz de Nietzsche, tendo os conceitos de vontade de poder e niilismo representados na Carta ao pai. Para a realização da proposta, dividimos o texto em dois momentos: na contextualização e apresentação desses conceitos na filosofia de Nietzsche e, em seguida, tentamos um diálogo entre filosofia e literatura na obra de Kafka, pontuando aspectos da obra de Kafka e os relacionando aos conceitos filosóficos de Nietzsche.
O que concluímos da tentativa de aproximação entre Nietzsche e Kafka? É fato que ainda existem outras possibilidades de associar esses autores, ou seja, outras vias que assegure a filosofia de Nietzsche para a literatura – os aforismos em boa parte de sua obra e a simbologia expressa em Zaratustra –, assim como a obra de Kafka permite caminhos diversos para as relações com a obra nietzschiana – o ateísmo dos autores e a perseguição aos judeus, por exemplo. De todo modo, desenvolvemos nossa proposta a partir de particularidades que ambos os autores indicam em seus escritos: o perspectivismo dos estados de coisas e as múltiplas significações da produção literária. Sendo assim, entendemos que foi legitimada a exegese diante da filosofia e a interpretação afetiva da literatura7.
Notas
2Rabelo (2013, p. 13), em nota de rodapé da obra A arte na filosofia madura de Nietzsche, nos certifica sobre essas fases propostas: “Tomando por referência a tradicional secção da obra nietzschiana em 3 fases principais, quais sejam: de O nascimento da tragédia às Considerações extemporâneas (1872-1877), de Humano, demasiado humano até A gaia ciência (1878-1882), e de Assim falou Zaratustra até o final (1883-1888)”.
3Kafka, um judeu nascido em Praga, não se identificava enquanto cidadão daquela região. Sobre o estranhamento de Kafka, enquanto indivíduo, Anders (2007, p. 26) afirma: “Como judeu, não pertencia de todo ao mundo cristão. Como judeu indiferente – pois a princípio o foi –, não se integrava inteiramente aos judeus. Por falar alemão, não afinava a fundo com os tchecos. Como judeu de língua alemã, não se incorporava por completo aos alemães da Boêmia. Como boêmio, não pertencia integralmente à Áustria. Como funcionário de uma companhia de seguros de trabalhadores, não se enquadrava por completo na burguesia. Como filho de burguês, não se adaptava de vez ao operariado. Mas também não pertencia ao escritório, pois sentia-se escritor. Escritor, porém, também não era, pois sacrificava suas forças pela família”.
4O outro processo: as cartas de Kafka a Felice, de Elias Canetti é uma importante tese onde o crítico apresenta, a partir de uma análise das cartas de Kafka a Felice, que a obra O processo teve inspiração no rompimento do primeiro noivado de Kafka, do qual se sente culpado, tendo sido julgado como um criminoso sem culpa.
5Anders se refere, nesse ponto, às narrativas de Kafka.
6Nota do tradutor: “Assim no original. Termo tcheco que designa o balcão ou a varando de uma casa”.
7Parte desta pesquisa foi publicada na dissertação Entrelaçamento entre Filosofia e Literatura: a obra de Kafka como via de acesso à filosofia de Nietzsche (2018), apresentada no Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão (PPGCult/UFMA). Pesquisa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES: https://tede2.ufma.br/jspui/handle/tede/2093?mode=full
Referências
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RABELO, Rodrigo.A arte na filosofia madura de Nietzsche. Londrina: Eduel, 2013.
ROSENFELD, Anatol. Kafka e kafkianos. In: ROSENFELD, Anatol. Texto/Contexto: ensaios. 2ª edição. São Paulo: Perspectiva, 1973.
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