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O liberalismo como base para um sistema político, social e econômico na pós-história de Hegel e Fukuyama: um contraponto à luz de Hans Jonas
Everaldo Cescon; Fábio André Frizzo
Everaldo Cescon; Fábio André Frizzo
O liberalismo como base para um sistema político, social e econômico na pós-história de Hegel e Fukuyama: um contraponto à luz de Hans Jonas
Liberalism as the basis for a political, social and economic system in the post-history of Hegel and Fukuyama: a counterpoint according to Hans Jonas
Griot: Revista de Filosofia, vol. 21, núm. 1, pp. 221-236, 2021
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
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Resumo: :

O objetivo deste artigo é reforçar o alerta que o filósofo alemão Hans Jonas faz em sua obra Princípio responsabilidade sobre a iminente possibilidade de um final de história trágico para a humanidade se forem considerados os efeitos imprevisíveis decorrentes da forma de atuação do sistema político-econômico liberal e do inconsequente avanço da tecnologia que dele decorre. Nesse intento, optou-se como estratégia, enfraquecer e rebater a ideia hegeliana, oposta à visão de Jonas, de que não haveria motivos para alarmes porque a história, no seu desenvolvimento, é orientada por uma razão imanente e bem intencionada que conduz inevitavelmente a humanidade ao reino da liberdade e ao espírito absoluto. Mais recentemente, o filósofo, economista e cientista político americano Francis Fukuyama, apoiando-se em Hegel, decretou que a história havia chegado ao seu fim com o ápice da evolução sociocultural da humanidade. Nesse contexto, busca-se, inicialmente, apresentar uma análise interpretativa das ideias de Hegel e Fukuyama para, a seguir, realizar-se uma crítica a essa forma de pensar, à luz dos argumentos de Hans Jonas. Por fim, conclui-se, pelas lentes jonasianas, que a história, além de não ter chegado ao seu fim, como Fukuyama afirmou, pode também ter um final bem distinto daquele imaginado por Hegel. Portanto, não se deve desconsiderar a ocorrência da hipótese de uma morte essencial seguida de uma morte física do gênero humano, bem antes que o projeto hegeliano da liberdade tenha chance de se realizar. Na dúvida, é melhor que o homem desconfie da existência e(ou) da intenção e(ou) da capacidade de uma razão imanente e reassuma a tempo as rédeas de seu próprio destino, por meio da adoção de um novo princípio ético: o da responsabilidade.

Palavras-chave:S: liberdadeS: liberdade,LiberalismoLiberalismo,Fim da históriaFim da história,ResponsabilidadeResponsabilidade.

Abstract: :

The purpose of this article is to reinforce the alert that the German philosopher Hans Jonas makes in his work Principle responsibility for the imminent possibility of a tragic end of history for humanity if the unpredictable effects arising from the form of action of the liberal political-economic system and the inconsequential advance of the technology that follows are considered. In this intention, we chose as a strategy, to weaken and oppose the Hegelian idea, opposed to Jonah's view, that there would be no cause for alarm because history, in its development, is guided by an immanent and well-intentioned reason that inevitably leads humanity towards the realm of freedom and the absolute spirit. More recently, the American philosopher, economist and political scientist Francis Fukuyama, seeking support in Hegelian thought decreed that history had come to an end with the culmination of the sociocultural evolution of humanity. In this context, we initially seek to present an interpretative analysis of the ideas of Hegel and Fukuyama, and then to make a critique a of this way of thinking, in the light of Hans Jonas' arguments. Finally, it is concluded, through the Jonasian lens, that the story, in addition to not having reached its end, as Fukuyama stated, may also have a quite different ending from that imagined by Hegel. Therefore, one should not disregard the occurrence of the hypothesis of an essential death followed by a physical death of the human race, well before the Hegelian project of freedom has a chance to take place. In doubt, it is better for man to be wary of the existence and(or) of the intention and(or) of the capacity of an imminent reason and to retake in time the reins of his own destiny, through the adoption of a new ethical principle: that of responsibility.

Keywords: Freedom, Liberalism, End of history, Responsibility.

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O liberalismo como base para um sistema político, social e econômico na pós-história de Hegel e Fukuyama: um contraponto à luz de Hans Jonas

Liberalism as the basis for a political, social and economic system in the post-history of Hegel and Fukuyama: a counterpoint according to Hans Jonas

Everaldo Cescon1
Universidade de Caxias do Sul, Brasil
Fábio André Frizzo2
Universidade de Caxias do Sul, Brasil
Griot: Revista de Filosofia, vol. 21, núm. 1, pp. 221-236, 2021
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Recepção: 05 Outubro 2020

Aprovação: 08 Janeiro 2021

Introdução

Uma das possíveis abordagens filosóficas à história é partindo de ideias a priori. Nesse caso, essas ideias devem ser independentes dos fatos, construídas de maneira prescritiva e por intermédio da razão3.. Para Barros (2013, § 94), “Kant, em Conflito das faculdades (1798), chega a discutir a possibilidade de uma história a priori, escrita antes de acontecer, através do recurso a juízos antecipatórios-descritivos”. Essa seria a maneira correta da história ser tratada pela filosofia se for considerada a aparente falta de sentido que ela apresenta, a julgar pelos fatos calamitosos, pelas sequelas e pelas injustiças produzidas ao longo do tempo, especialmente no século XX. Sem dúvida, eis aqui uma posição bastante controversa. O filósofo alemão Georg W. Friedrich Hegel, por exemplo, discorda dessa posição e considera que a história sempre teve um sentido, pois, analisando o resultado de tudo o que acontecera até sua época, mesmo considerando os eventos mais terríveis, percebia a atuação de uma racionalidade imanente e bem intencionada que conduz a humanidade progressivamente em direção a um fim supostamente bom.

Para Hegel, essas contradições devem ser esclarecidas. E cabe à filosofia a tarefa de analisar e compreender “o que é” e não o “que deve ser”, partindo do pressuposto de que há um sentido na história. Na concepção desse pensador, a filosofia da história deve recuperar nela a obra de uma razão imanente que vem, discretamente, se desenvolvendo ao longo do tempo. Esse desenvolvimento deve continuar até o fim da história, momento em que essa razão deve atingir o ápice de sua evolução. O que precisa ser melhor investigado é se a suposta finalidade pela qual a história tem sido escrita até o momento garante a bondade de seu caráter e se essa razão, que se desenvolve, não corre nenhum risco de ter uma recaída em seu fluxo, a ponto de não conseguir ter êxito em sua missão.

Desse modo, ainda de acordo com Hegel, o único pensamento que a filosofia deve trazer para o entendimento da história tem a ver com a justificação de uma racionalidade imanente que age tendo em vista um propósito. Hegel crê nessa razão e, na sua percepção, ela deve ser entendida como a lei do mundo. Ela possui forma infinita, visto que, em sua imagem e por sua ordem, os fenômenos se mostram. Possui, também, conteúdo infinito da essência e da verdade, pois supre o seu próprio alimento e sua própria referência. Hegel vai dizer que, ao contemplar a história do mundo,

devemos considerar seu objetivo final. Este objetivo final é aquilo que é determinado no mundo em si. De Deus sabemos que é o mais perfeito, Ele pode controlar apenas a si mesmo e ao que é como Ele. Deus e a natureza de Sua vontade são a mesma coisa; a isto chamamos, filosoficamente, a Ideia. Por isso temos de contemplar à Ideia em geral, em sua manifestação como espírito humano. Mais precisamente, a ideia de liberdade humana. (HEGEL, 2001, p. 62)

Nesse sentido, a liberdade humana é o alvo principal e final desse projeto e a pretensão de atingi-lo por meio de uma razão imanente é o que, em tese, alimenta o motor da história. Não cabe à filosofia preocupar-se com o que virá daqui por diante, pois essa razão, que se reconstrói a cada momento, dialeticamente, dará conta de conduzir a humanidade a um esperançoso final da história. O que a filosofia precisa fazer é refletir e depurar com profundidade aquilo que já aconteceu a fim de retroalimentar uma consciência que vai se firmando e evoluindo ao longo da história em direção ao absoluto.

Partindo-se dessa abordagem, esse artigo pretende explorar o pensamento de Hegel e de um de seus herdeiros intelectuais, o filósofo americano Francis Fukuiama, fazendo-lhes um contraponto a partir de Hans Jonas. Inicialmente, pretende-se criticar e enfraquecer o ajuizamento de Fukuyama de que a história, sob o ponto de vista hegeliano, já teria chegado ao seu fim com a prevalência e domínio de uma forma política, social e econômica, supostamente ideal, a saber, a democracia liberal. No entanto, o intuito final e principal, a partir dessa crítica, é fomentar e dar força à reflexão que gira em torno do alerta que o filósofo alemão Hans Jonas nos faz, uma década antes das publicações de Fukuyama, para a necessidade de uma nova ética que seja capaz de dar conta das demandas de uma realidade inusitada na qual o poder da técnica sobrepuja a natureza e o próprio homem. Assim, utilizar-se-á da perspectiva de Jonas para fazer uma análise das teses de Hegel e Fukuyama, pelo menos no que tange a alguns aspectos relevantes de suas teorias.

Hans Jonas retoma a questão de que a filosofia deve estar muito mais preocupada e voltada para aquilo que ainda não foi, ou seja, para aquilo que deve ser e está por vir, do que para aquilo que já é ou que já foi. Na pior das hipóteses, é preferível desconfiar do poder dessa razão imanente hegeliana antes que ele possa ser suprimido por um outro poder, aparentemente também racional, mas, na verdade, um tanto irracional, que poderá mudar o curso da história, rumo a uma rota de colisão com algo não tão bom como aquilo apregoado por Hegel. A estatística pode não ser a ciência mais apropriada para nos dar respostas, por isso, se faz necessário, antes de olhar para o passado, prever aquilo que está por vir, independentemente da experiência. Oliveira afirma que,

Para Jonas falar de futuro como assunto ético não implica nenhum tipo de juízo sobre o passado da humanidade ou sobre comparações entre o que fomos e o que podemos ser. Antes, para ele a humanidade não tem um objetivo a priori e isso significa que ela é sempre uma abertura. [...] Nesse sentido, não há como adivinhar o futuro e qualquer escatologia do progresso, como vimos até aqui, não se sustenta, dado que a humanidade depende da capacidade de renovação e da ousadia que nasce muitas vezes da inexperiência. (2018, p. 469)

Considerando essa visão, seria possível dizer, previamente, que Hegel se precipitou por não ter considerado que o progresso tecnológico poderia se tornar uma variável de peso no denominador de sua formulação, cujo cálculo preliminar, sem essa variável, culminou em um resultado auspicioso para o fim da história. Não se quer aqui desmerecer a originalidade filosófica de Hegel, nem ignorar a sua contribuição à filosofia e muito menos refutá-lo. Talvez não se possa dizer o mesmo sobre Fukuyama. Em todo o caso, o foco dessa reflexão é apenas ajudar a aumentar o volume e o tom da voz de Jonas, que anuncia o aparecimento de uma sombra ameaçadora projetada pelos possíveis efeitos pandêmicos e catastróficos oriundos de um desenvolvimento poderoso, descontrolado e até brutal da tecnologia enquanto fomentado pelos preceitos do sistema político-econômico liberal atual. Nesse aspecto, a história ainda não teria chegado ao seu fim. Mesmo que Fukuyama estivesse errado em relação ao momento do término, mas correto em relação ao fato de que a história teria necessariamente seu final predestinado e promissor, em acordo com Hegel, certamente Jonas discordaria disso.

Jonas não nega que a liberdade seja uma busca e um fim pelo qual o homem visa, porém, para ele, há um outro princípio que deve ser levado em conta antes desse, que é a busca pela perpetuação da vida. Esse último é um fim da natureza e sua justificação se dá por meio de uma fundamentação metafísica. Jonas defende que, em última instância, ele deve estar acima dos fins meramente humanos.

O fato de que o ser vivo seja o seu próprio fim, não quer dizer ainda que ele possa estabelecer finalidades: ele as “tem”, dada a sua natureza, a serviço da finalidade autônoma, não escolhida por ele. Ao servir a finalidades de outros seres, inclusive de sua própria progenitura, ele o faz de forma mediada e hereditariamente condicionada, perseguindo assim aquela finalidade autônoma: as finalidades vitais são egoístas do ponto de vista do sujeito [...]. Somente a liberdade humana permite estabelecer e escolher finalidades, com isso incluindo voluntariamente outras finalidades entre aquelas que lhe são imediatamente próprias, até o ponto do total e incondicional abandono do sujeito a essas últimas. (JONAS, 2006, p. 152)

De outro modo, a liberdade, enquanto uma finalidade da história humana, também parece ter sido explorada como um bode expiatório, enquanto motivação para o desenvolvimento, especialmente pelos defensores do liberalismo. Nesse sentido, mesmo não sendo o alvo direto da acusação de Jonas, a liberdade, como pretexto finalista, inocentemente é levada a assumir uma culpabilidade pela qual não poderá responder, tornando-se cúmplice de um crime que ela mesma não teve a intenção de cometer. Não se condena Hegel, afinal, em sua época, seria difícil prever o quão longe a técnica humana poderia chegar, impulsionada pela sede de progresso do chamado liberalismo político-econômico.

Assim, para Jonas, deve-se duvidar desse liberalismo, ou, pelo menos, da forma como ele é concebido atualmente e de que ele pudesse ser a última palavra como fundamento ao regime que deverá se perpetuar na condução dos rumos da humanidade. Nesse sentido, coloca-se a questão: na busca pela liberdade, justificam-se os meios? Os modelos políticos e econômicos fundamentados no liberalismo são o melhor meio? Talvez essas questões ainda não tenham uma resposta definitiva, ao contrário do que Fukuyama afirma.

No aprofundamento dessa reflexão, parte-se de uma interpretação resumida de Hegel sobre qual seria o caráter finalista da história e em que condições esse fim se realizaria, de modo que um entendimento posterior e mais rápido do pensamento de Fukuyama seja possível. Por último, tentar-se-á realizar uma crítica a essa forma de pensar, especialmente no que tange à defesa do liberalismo político-econômico como sendo a última palavra enquanto regime governamental de um Estado. Além disso, busca-se manter acesa a chama da filosofia política e da ética com a manutenção dos debates sobre o que seria um sistema político governamental ideal para a sociedade humana, considerando o princípio vida como premissa fundamental.

A finalidade da História para Hegel

A História, para Hegel, tem um sentido que – independentemente das paixões, aspirações e impulsos individuais de cada um que dela participa e do caos aparente que daí se origina – faz desabrochar ao longo do tempo uma razão que está acima de tudo e que vai governando o mundo em direção à realização do que ele vai chamar de Espírito absoluto. No sistema hegeliano é postulada a tese de que a Ideia em si, enquanto momento do entendimento dos conceitos, se desenvolve independentemente do mundo, como uma realidade dinâmica que ocorre antes ou depois do mundo. Já a Natureza é a Ideia fora de si, ou seja, a antítese da Ideia em si, é o momento da contradição do entendimento, ou, então, o momento em que a Ideia se desenvolve no espaço, no mundo que se apresenta fisicamente. A síntese entre a Ideia em si (ideia incondicionada ao espaço) e a Ideia fora de si (condicionada ao espaço-natureza) forma o que Hegel chama de Espírito. O homem é a expressão do desenvolvimento da Natureza em que a Ideia assume a consciência de si e busca tornar-se o Espírito (síntese). Em outras palavras, “o homem é a criatura na qual o Espírito obra” (HEGEL, 2001, p. 61). O desenvolvimento do Espírito ao longo do tempo, a partir do consenso dialético entre a Ideia e a Natureza, é o que Hegel entende por História.

Assim, o sistema hegeliano é arquitetado com base na tríade: Ideia-Natureza-Espírito. O entendimento mais profundo dessa relação dialética permite compreender a filosofia da história em Hegel. O desenvolvimento integral do Espírito através da consciência humana representa a manifestação da Ideia, enquanto natureza da vontade divina, que acaba por se tornar ela mesma através da história. Nessa história, o ator (o homem) se confunde com o personagem (a Ideia) para, depois, tornar-se o autor (o Espírito), de maneira cíclica. “A história do mundo em geral é o desenvolvimento do Espírito no Tempo, assim como a natureza é o desenvolvimento da Ideia no Espaço” (HEGEL, 2001, p. 129). A Ideia está sempre presente, o Espírito é imortal. Para que seja possível compreender a ideia geral da existência concreta do Espírito, é indispensável que se entenda o conceito natureza do espírito enquanto ideia de liberdade.

A liberdade enquanto natureza abstrata do Espírito

O Homem é Natureza em uma medida e Espírito em outra, porém a sua essência é o Espírito. A consciência de si para o homem aparece conforme ele se desenvolve espiritualmente e quanto mais ele é consciente de si mesmo, mais é ele mesmo e, sendo ele mesmo, torna-se livre. Essa liberdade deve ser conquistada na medida em que o homem toma consciência de seu real significado através do desenvolvimento do Espírito ao longo da história.

Hegel afirma que a busca pela liberdade humana é, assim, o que caracteriza a história em si. “A história do mundo é o avanço da consciência da liberdade – um avanço cuja necessidade temos de investigar” (HEGEL, 2001, p. 65). É a partir do processo progressivo da conscientização da ideia de que o ser humano é, por essência, um ser livre, que a história se desenrola.

Esta consciência surgiu primeiro na religião, na região mais interior do espírito'; mas introduzi-la no mundo leigo era uma tarefa maior que só poderia ser resolvida e cumprida através de um demorado e rigoroso esforço de civilização. Assim, a escravidão não cessou imediatamente com a aceitação da religião cristã. A liberdade não predominou repentinamente nos Estados, nem a razão nos governos e constituições. A aplicação do princípio às condições seculares, toda a moldagem e interpenetração da sociedade constituída por este princípio, é precisamente o demorado processo da história (HEGEL, 2001, p. 65)

Para o filósofo alemão, duas coisas coincidem na consciência: “que eu sei” e “o que eu sei”. Esse aparente acaso nos leva a concluir que o Espírito conhece a si mesmo e, por isso, tem a “capacidade de discernir de sua própria natureza e, ao mesmo tempo, é a operação de chegar a si mesmo, de se mostrar, de tornar-se (realmente) aquilo que está em si (potencialmente)” (HEGEL, 2001, p. 64). Assim, a história do mundo se dá conforme o espírito se expõe em uma luta constante para conhecer a sua própria natureza.

Para se fazer entender melhor, Hegel recorre a uma característica histórica presente nas sociedades antigas, especialmente nas orientais e, posteriormente, nas gregas, cuja liberdade era privilégio de poucos e onde apenas um ou alguns homens deveriam ser livres. O déspota usufruía dessa liberdade enquanto os demais eram seus escravos. Porém, ao longo do tempo, o espírito humano evoluiu em direção à consciência de que o gênero humano em si deve ser livre e não apenas alguns poucos homens.

Desse modo, a realização da liberdade do espírito se estabeleceu como objetivo do mundo, para além de sua consciência. Para Hegel (2001, p. 66), a “Liberdade em si é o seu próprio objetivo e o propósito único do Espírito. A liberdade é a finalidade última para a qual a história do mundo sempre se voltou”.

Os meios pelos quais a liberdade se realiza

Hegel afirma ser preciso também identificar os meios que o homem utiliza na tentativa de compreender e conquistar a Liberdade, pois tal análise permite entender melhor porque a história se caracteriza pelo amadurecimento da ideia de liberdade e pela luta humana de torná-la realidade. Como visto anteriormente, a Liberdade em si é uma ideia abstrata, interna, não desenvolvida, mas os meios pelos quais ela se desenvolve enquanto ideia são os fenômenos exteriores, aqueles que se mostram diretamente aos nossos olhos ao longo da história. O fenômeno da história é alcançado a partir dos meios utilizados na realização da Liberdade. É importante recolocar a questão: os fins justificam os meios?

Para investigar tais meios, Hegel analisa como o homem historicamente age e quais são suas motivações. Para ele, as ações humanas derivam das necessidades, das paixões, dos interesses, das qualidades e dos talentos do homem. Nesse emaranhado de motivos, aparecem alguns ideais humanos coletivos para além dos interesses individuais, tais como o patriotismo e a solidariedade. Mas é fato que os primeiros motivos constituem um percentual bem maior pelo qual as ações humanas estiveram sempre pautadas e é especialmente através desses motivos que as vontades humanas se manifestam. Para Hegel, “as pessoas precisam que uma causa pela qual devam agir esteja de acordo com suas ideias e esperam que a sua opinião – a respeito de suas boas qualidades, justeza, vantagem, lucro – seja levada em consideração” (HEGEL, 2001, p. 69).

Assim, ao analisar os eventos mundiais que ocorreram ao longo do tempo, pode-se concluir, em princípio, que a maior parte do que ocorreu de foi realizado e motivado pelas paixões. Ao se julgar moralmente os grandes homens, verifica-se que a paixão foi o seu impulso. “Eles eram realmente homens de paixão: tinham a paixão de sua convicção e colocaram nela todo seu caráter, todo seu talento e toda sua energia” (HEGEL, 2001, p. 80). De modo geral, quando analisamos as consequências da maior parte dessas ações, parece difícil detectar que há ali alguma racionalidade, afinal, a felicidade de muitas nações e povos foi sacrificada aparentemente em decorrência das paixões. Mas quando olhamos pelo retrovisor do tempo, nos perguntamos: por que objetivo final esses sacrifícios ocorreram? E quantos mais deverão ocorrer? É possível achar outra justificativa nesses atos tão grandiosos?

O que Hegel chama de “o verdadeiro resultado do mundo” (HEGEL, 2001, p. 68) é compreendido por meio desse cenário de emoções e reflexões profundas. Esses são os meios pelos quais o objetivo final absoluto pode ser compreendido. Ele sustenta que as nossas paixões, fonte da maior parte de nossas ações, não têm conteúdo e nem objetivo definidos, mas, “estes imensos acúmulos de vontades, interesses e atividades constituem os instrumentos e meios para que o Espírito do Mundo atinja o seu objetivo, trazendo-o à consciência e percebendo o seu significado” (HEGEL, 2001, p.61). O desejo já existe nos objetivos particulares e se compreende por meio deles, porém, ainda não tem consciência de seu objetivo.

O herói, em geral, é o indivíduo que Hegel apresenta como sujeito da história. As ações humanas na história satisfazem os seus próprios interesses à primeira vista, mas algo que não faz parte de seus planos imediatos produz resultados para além de seus desejos, de seus conhecimentos e de seus objetivos particulares. Não significa que essas ações estejam em oposição ao bem universal, por mais caráter individual que possam apresentar, embora haja uma luta do homem contra seu destino, pois a Ideia e o indivíduo estão, aparentemente, em oposição à necessidade4. e à Liberdade.

Pode-se contemplar a história do ponto de vista da felicidade. Mas, na verdade, a história não é o terreno da felicidade. Nela os períodos de felicidade são páginas em branco. É verdade, existe satisfação na história do mundo. Mas não a espécie que é chamada de felicidade, pois é a satisfação de objetivos que estão acima dos interesses particulares. Os objetivos aplicáveis à história do mundo devem ser compreendidos na vontade abstrata e com energia. Os indivíduos históricos do mundo que foram atrás desses objetivos satisfizeram-se, é verdade, mas eles não desejaram ser felizes. Eles desejavam ser grandes. A grandeza é a satisfação em grandes situações, a felicidade é a satisfação em pequenas situações. (HEGEL, 2001, p. 73)

É nesse contexto que o indivíduo aparece como sendo único enquanto pessoa, através de seu caráter, formado pela particularidade, ou singularidade, de sua vontade e por sua inteligência, ou, dito de outra forma, por suas paixões e ideias. “A paixão é a unidade absoluta do caráter individual e da proposição universal. Ela é uma coisa quase animalesca – como o espírito em sua particularidade subjetiva aqui se torna identificado com a Idéia” (HEGEL, 2001, p. 83). Na medida em que esse particular participa da história, através da luta pelo coletivo, ele se extingue. É assim que surge o universal, a partir da destruição do particular. O coletivo universal resulta da extinção do particular. Desse modo e nesse sentido, o indivíduo tem aqui um papel na realização do objetivo racional e se torna, assim, objeto da história.

O interesse especial da paixão é, portanto, inseparável da realização do universal, pois o universal resulta do particular e definido e de sua negação” [...]. Não é a Idéia geral que se envolve em oposição e luta expondo-se ao perigo, ela permanece no segundo plano, intocada e incólume. Isto pode ser chamado astúcia da razão – porque deixa as paixões trabalharem por si, enquanto aquilo através do qual ela se desenvolve paga o preço e sofre a perda. O fenomenal é que em parte é negativo e em parte, positivo. Em geral o particular é muito insignificante em relação ao universal, os indivíduos são sacrificados e abandonados. A Ideia paga o tributo da existência e da transitoriedade, não de si mesmo, mas das paixões dos indivíduos. (HEGEL, 2001, p.82)

Os homens se orgulham de uma insatisfação moral que lhes é peculiar e que surge quando comparam a situação presente - que é inadequada para a realização de objetivos corretos e bons - com o ideal do que ela deveria ser, especialmente o ideal das instituições políticas. “Neste caso, não é o interesse privado ou a paixão que deseja a satisfação, mas a razão, a justiça, a liberdade” (HEGEL, 2001, p. 84). Essa insatisfação coletiva em relação à condição do mundo, se manifesta nas diferentes expressões dogmáticas que superam, em toda a história, as paixões e os interesses individuais que moveram as lutas anteriores e comprovam, assim, pretensões mais elevadas em direção a um suposto destino da razão. À proporção que essa razão aumenta a sua participação, emergindo em níveis e qualidade mais elevados, parece um tanto óbvio que as insatisfações humanas aumentam também, porque os conflitos com os interesses das paixões individuais elevam-se consideravelmente, a ponto de as próprias ideias conflitarem entre si.

Dito de modo simples e abstrato, é a atividade dos sujeitos em quem a Razão está presente como essência substancial em si, mas ainda obscura e oculta para eles. A questão se torna mais complicada e difícil quando vemos os indivíduos não apenas como ativos, mas, de maneira mais concreta, quando levamos em consideração o conteúdo preciso de sua religião e moral – aspectos da existência intimamente ligados à Razão, compartilhando suas reivindicações absolutas. (HEGEL, 2001, p. 87)

Para Hegel, esse desenvolvimento da consciência da liberdade implica em um progresso gradual. Esse progresso e os fatos históricos que dele fazem parte, tendo em vista a categoria da ciência, são orientados em direção ao que é verdadeiramente essencial, que “é a consciência da liberdade e a compreensão do desenvolvimento dessa consciência” (HEGEL, 2001, p. 117). A questão moral não altera o curso da história.

As exigências e as realizações do objetivo absoluto do Espírito, trabalho da Providência, estão acima das obrigações e responsabilidades que recaem sobre os indivíduos em relação à sua moral. (Um indivíduo pode repelir por razões de ordem moral e por razões imorais fazer avançar o curso da história). Os que rejeitaram o necessário progresso do Espírito por inflexibilidade moral e nobreza de sentimentos permanecem superiores em valor moral aos cujos (sic) crimes, em nome de um objetivo mais elevado, transformaram-se em meios de levar adiante a vontade que havia atrás desse objetivo (HEGEL, 2001, p.118).

Assim, para Hegel, a história e o desenrolar da razão estão acima de qualquer doutrina moral. Essa é uma das conclusões de Hegel e é importante grifá-la nesse momento para que se possa retomá-la adiante. A razão sabe o que faz e, independentemente de um ou outro desvio padrão em relação à média da qualidade moral das sínteses desse movimento dialético, a história nos conduz à realização do objetivo essencial, a saber, a liberdade e é isso que importa. “Resta aí o interesse da Razão, que está voltado diretamente para a consciência do conceito da liberdade e sua expressão e desenvolvimento nos indivíduos” (HEGEL, 2001, p. 121), através do desenvolvimento do Espírito, que se realiza, se desenvolve e se conhece racionalmente, e não intuitivamente.

A ideia de Estado

Hegel afirma que é no Estado que a Ideia moral objetiva se faz realidade e que o espírito se conhece e se pensa, revelando uma vontade substancial, clara para si mesma. É nesse domínio da organização política de uma sociedade que a liberdade se torna real. O Estado já é, portanto, uma criação do Espirito e não algo artificialmente construído, como os contratualistas defendiam que deveria ser. O universal se realiza no Estado. É nesse sentido que a história anda, movida por uma razão imanente, que se desenvolve e evolui, até atingir a sua meta. Assim, se em algum momento essa história tiver um fim, certamente será o momento da revelação do Espírito absoluto e não uma colisão frontal com um outro destino menos promissor do que esse. Hegel sustenta que,

O Estado, como realidade em ato da vontade substancial, realidade que esta adquire na consciência particular de si universalizada, é o racional em si e para si: esta unidade substancial é um fim próprio absoluto, imóvel, nele a liberdade obtém o seu valor supremo, e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que em serem membros do Estado têm o seu mais elevado dever (HEGEL 1997, p. 217).

Ou seja, o dever do indivíduo é para com a liberdade e essa só pode se desvelar no Estado, à medida que o particular se universaliza e abraça esse ideal em sua plenitude. Se esse é o dever que tem de ser cumprido, nada mais resta, a não ser acompanhar e aceitar esse agente, que é o Espírito, à medida que evolui em direção ao absoluto. Mas aí fica a pergunta: qual é o sistema governamental pelo qual esse Estado, no sentido hegeliano, deve, ou haverá de se pautar? A história já deu essa resposta?

Qual era, pois o sistema político que realizava a razão para Hegel? Pode ser descrito como uma ordem institucional liberal? Boa parte do interesse do pensamento político de Hegel reside na dificuldade de dar qualquer resposta simples a essa questão – em parte, por causa das alterações cronológicas dentro dela mas, principalmente por causa de sua complexidade substantiva. Pelos critérios mais relevantes, porém, a concepção política de Hegel pertencia ao liberalismo europeu de seu tempo. Pois central para isso foi o preceito da lei, tal como entendido por seus contemporâneos – uma ordem pública que garantia os direitos do indivíduo à liberdade pessoal, à propriedade privada e à opinião sem entraves, e uma carreira aberta aos talentos nos cargos do Estado. Semelhante liberalismo não era democrático, obviamente, porquanto temia o governo popular e rejeitava o sufrágio universal. Hegel não era exceção a esse respeito. Nesse sentido, é um anacronismo, naturalmente atribuir-lhe qualquer democracia liberal: como todos os outros liberais do seu tempo, ele era uma monarquista constitucional. (PERRY, 1992, p. 19)

De qualquer modo, Hegel carrega consigo o rótulo de ser um liberal, numa intensidade até maior que seus contemporâneos, mesmo que ele não tenha sido um defensor da democracia e sim da monarquia. Como modelo de um regime socio-político-econômico para representar um Estado ideal, Hegel diz que o império Germânico de sua época demonstrou ser o mais apto para essa função. A história já haveria selecionado esse meio para realizar-se na busca pelos seus ideais de liberdade. Não entremos nos detalhes desse sistema, pois o que importa para as nossas pretensões, nesse aspecto, é uma noção geral do que seria o Estado para Hegel, e em que condições gerais, no que tange ao seu regime governamental, ele estaria cumprindo o seu papel enquanto meio para a ação de uma razão imanente rumo ao atingimento de sua meta.

Francis Fukuyama e a pós-história5. sob a égide da democracia liberal

Até aqui, houve um esforço para demonstrar resumidamente como funciona o sistema de Hegel na tentativa se ter uma mínima compreensão de sua filosofia da história. O resgate de algumas das proposições de Hegel deve nos permitir avançar quase dois séculos, atalhando o caminho na busca pelo entendimento do que podemos chamar de “uso extremo de suas ideias” por um de seus mais controversos herdeiros contemporâneos, o filósofo americano Francis Fukuyama, que se apossa desse conceito de história para dizer em letras garrafais que a história, segundo a compreensão hegeliana, teria chegado ao seu término ainda no final do século passado, não exatamente por meio da fixação de um sistema governamental monárquico constitucional como o filósofo alemão sustentava, mas sim por meio de um regime de Estado democrata liberal.

Na intervenção de Fukuyama, as relações foram invertidas, ocupando a história e a política o primeiro plano, de forma enfática, com as referências filosóficas formando uma espécie de entretela subjacente. A tese central de seu original ensaio propõe, é claro, que a humanidade atingiu o ponto final de sua evolução ideológica com o triunfo da democracia liberal ocidental sobre todos os seus concorrentes no final do século XX. (PERRY, 1992, p. 11)

Fukuyama defende a ideia que a história teria chegado ao seu fim, diante da previsível queda e do enfraquecimento do comunismo em muitas nações e da consequente ascensão e triunfo de seu maior opositor, o regime democrata liberal, como sendo a melhor alternativa de síntese entre os dois sistemas e entre todos os outros regimes que o antecederam. Para ele, o crescimento da democracia, aliado ao do liberalismo econômico, teria sido o “fenômeno macropolítico, mais notável dos últimos quatrocentos anos”. (FUKUYAMA, 1992, p. 81). É importante salientar a distinção básica que Fukuyama apresenta sobre a ideia de democracia e liberalismo político. O filósofo estadunidense afirma:

O liberalismo político e a democracia, embora intimamente relacionados, são conceitos diferentes. O liberalismo político pode ser definido simplesmente como uma norma jurídica que reconhece certos direitos ou liberdades individuais que escapam ao controle do governo. [...]A democracia é o direito universal de todos os cidadãos de participar do poder político, ou seja, o direito universal de voto e participação na política. O direito de participar do poder político pode ser considerado como outro direito liberal – na verdade o mais importante – e é por isso que o liberalismo tem sido historicamente associado à democracia. (FUKUYAMA, 1992, p. 73)

É um tanto óbvio que a democracia, na medida em que garante o direito de participação do povo no processo político, é liberal. Faz parte do conceito de democracia a liberdade de opinião e a escolha da representação política. Por isso, ela é liberal. O liberalismo político garante apenas alguns direitos e liberdades que o governo não consegue controlar, ficando essas questões especialmente na esfera da sociedade civil. Por isso, falar em democracia liberal é abarcar um conceito mais global do que o liberalismo político. Se for considerado o liberalismo que Hegel, por sua vez, propunha, percebe-se que ele se refere mais ao de ordem econômica do que política, mas que também faz parte das exigências para que a democracia, da qual fala Fukuyama, seja plenamente liberal, no seu sentido estrito.

Para Fukuyama, a interpretação de Hegel sobre o significado de democracia liberal contemporânea é diferente da forma anglo-saxã de entendimento, que serviu de base em países como a Inglaterra e Estados Unidos, onde “a busca orgulhosa pelo reconhecimento devia ser subordinada ao auto-interesse esclarecido – desejo combinado com razão” (FUKUYAMA, 1992, p.19). Hegel via os direitos como fins em si mesmos, diferentemente de Hobbes e Locke, que enxergavam os direitos como um meio para manter uma esfera privada na qual o homem poderia satisfazer os desejos de sua alma, além de enriquecer. O filósofo alemão conclui que a História chega ao seu fim porque a luta pelo reconhecimento encontra a sua satisfação numa sociedade em que há o reconhecimento universal e recíproco. Nesse sentido, para Fukuyama, o desejo de reconhecimento seria o elo entre a política liberal e a economia liberal que faltava na definição da história. Assim, há duas razões distintas e principais pelas quais a história, por meio da democracia liberal, teria chegado ao seu fim: uma está ligada à economia e a outra à luta pelo reconhecimento.

O processo de industrialização e a vida econômica são explicados em sua grande parte pela união do desejo e da razão. Mas a procura da democracia liberal não pode ser assim explicada, pois ela nasce da parte da alma que exige reconhecimento, a saber o thymos de Platão. Para Platão6., a alma tem três partes: a do desejo, a da razão e a do reconhecimento. À medida que os povos se tornam mais educados e cosmopolitas, a exigência de reconhecimento se faz mais necessária e, na mesma medida em que a sociedade se manifesta de maneira mais igualitária, o reconhecimento do status de cada um de seus partícipes é mais requerido, para além da riqueza. Desse modo, se a natureza do ser humano fosse diferente, os povos poderiam se contentar em viver em estados mais autoritários. Mas o orgulho thymotico reivindica um governo democrático que reconheça em cada um a sua autonomia como indivíduos livres. Assim, a luta pelo reconhecimento nos permite entender a natureza da política internacional.

Os contemporâneos podem discutir ad infinitum se alcançaram o mundo pós-histórico – se a vida internacional produzirá outros impérios, ditadores, nacionalismos insatisfeitos desejando reconhecimento, ou novas religiões que soprarão como os ventos do deserto. Mas num determinado momento deverão se interrogar se a casa pós-histórica que construíram para si mesmos, uma casa que serviu de abrigo contra as tempestades desesperadas do século XX, é aquela em que desejam realmente viver a longo prazo. Praticamente para todos os que vivem no mundo desenvolvido de hoje está bastante claro que a democracia liberal é extremamente preferível a seus principais competidores, o fascismo e o comunismo. Mas será ela intrinsecamente digna dessa escolha? Ou a democracia liberal nos deixa ainda fundamentalmente insatisfeitos? Existem contradições ainda no coração de nossa ordem liberal, mesmo depois que o último ditador fascista, o coronel arrogante, o chefe do partido comunista local foram varridos da face da terra? (FUKUYAMA, 1992, p. 343)

Assim, para Fukuyama a democracia liberal tem se firmado cada vez mais como o modelo ideal de governança. Ele procura entender a caminhada histórica feita até o momento e como o homem evoluiu desde a pré-história até os complexos arranjos políticos de nossos dias atuais. Ele conclui que nem mesmos países como a China, com a sua poderosa escalada de poder econômico, consegue se impor sobre as mentes e os corações sedentos por liberdade. Para entendê-lo melhor seria interessante, talvez, tomar para essa análise as manifestações recentes de Hong Kong como um exemplo mais atualizado do que aqueles citados por Fukuyama em O fim da História e o último homem há três décadas. Nesses protestos, o povo luta pela implementação do sufrágio universal completo, pelas liberdades de imprensa, de associação e de expressão, exigindo independência frente ao regime comunista chinês. A questão hoje estaria muito mais voltada para o quanto os chineses vão aceitar viver sob uma ditadura do que para a ameaça de um totalitarismo sobre as democracias ocidentais. Fukuyama justifica que é preciso entender o caminho percorrido até aqui, mais do que olhar para o que está por vir. Na opinião dele, a democracia liberal já se mostrou o regime político-econômico determinante e nada alterará a sua afirmação como tal.

A questão é: onde a liberdade sem limites deve nos conduzir?

Jonas traz para essa discussão a questão do surgimento de um poder de segundo grau que, independentemente da vontade humana, transcende aquele poder de primeiro grau do homem que historicamente se voltou para a exploração de um mundo inesgotável. Esse poder superior tem uma autonomia própria que foge ao controle do seu usuário, arrastando-o de encontro com os limites da natureza, “transformando-o em mero executor involuntário de sua capacidade” (JONAS, 2006, p. 237). Esse poder se revela através de um novo senhor e que, em vez de libertar o homem, utiliza-o cada vez mais como um mero escravo de suas pretensões. Esse senhor nada mais é do que a tecnologia, uma variável imprevisível na época de Hegel, mas nem tanto na de Fukuyama.

Sob esse contexto, Jonas defende a ideia de que uma nova ética deve impor limites a esse poder e se lhe sobrepor, de tal maneira que a perpetuação da vida humana possa estar garantida. Ao analisar politicamente como um Estado poderia se estruturar para que tal garantia fosse assegurada, ele afirma inicialmente:

Toda história até agora é a pré-história do homem verdadeiro, como ele pode e deve ser. Abstraindo da crença vaga sobre o progresso moral da humanidade graças à civilização, que não define um programa de ação (para não falar da escapada nietzschiana à espera de um super homem que estaria por vir ), existem historicamente duas formas prático-prescritivas do ideal: em primeiro, aquela já comentada forma baconiana do poder crescente sobre a natureza; em seguida, tendo isso como pressuposto, a forma marxista da sociedade sem classes. (JONAS, 2006, p. 239)

Jonas conclui que ambas as formas sustentam a promessa de uma vida feliz à custa da transformação da natureza em artifícios que tragam mais conforto, mais segurança, mais lazer, mais emprego, uma vida longa e tudo mais que o homem acha que precisa para ser livre e feliz. Ao não encontrar na Natureza tais condições, o homem se declara portador de direitos sobre os recursos naturais e os toma para si a fim de construir artificialmente aquela que ele julga ser a sua verdadeira natureza. Ele ignora que a Natureza pode estar somente cedendo esses recursos em consignação e que, em algum momento, terá que pagar um preço alto pelo seu uso, ainda mais se os usar de maneira irracional. A questão é que esse momento está chegando e a Natureza não deverá aceitar a hipoteca daquilo que já foi transformado e usado como pagamento da dívida. O preço pode vir com juros e correção monetária e não haverá piedade na hora da cobrança. Enquanto o foco for somente nos requisitos essenciais do gênero humano, em uma sociedade livre, onde todos os homens são reconhecidos, com seus desejos satisfeitos, não há dúvidas que

Um Estado de direito é melhor do que um Estado arbitrário; a igualdade diante da lei, melhor que a desigualdade; o direito por mérito, melhor que aquele por herança; o livre acesso aos direitos, melhor que o acesso por uns poucos privilegiados; o direito a defender seus interesses e a participar dos processos decisórios sobre a coisa pública, melhor que a sua transferência permanente a gestores oficiais; a diversidade individual, melhor que a homogeneidade coletiva; a tolerância para com o outro, melhor que a conformidade obtida à força. (JONAS, 2006, p. 279)

Essas características aparentemente carregam consigo uma impressão de que os sistemas liberais são mais eficazes e desempenham as suas funções sociais com maior precisão. Não que isso seja obrigatoriamente assim. O que importa é que eles são sistemas morais superiores em relação aos seus concorrentes, independentemente de sua eficácia, na medida em que se mostram mais aptos a satisfazer os ideais de liberdade e de direitos individuais. Nesse aspecto, aparece a ideia de progresso, uma vez que esses sistemas são posteriores aos outros sistemas que fracassaram. Mas essas aparentes vantagens não são garantia de uma duração vitalícia, tendo em vista as contradições que aparecem nesse tipo de sistema, que geram instabilidade e crises e que nos remetem a uma ideia mais de regressão do que de progressão. A estabilidade não é o forte desses sistemas, ao contrário do sistema socialista que não aceita instabilidade e nem o meio-termo.

Jonas argumenta, ainda, que no outro lado da moeda dos sistemas liberais há uma irracionalidade presente, especialmente no que tange à economia, dominada pela busca incessante da maximização do lucro. A lógica da competição de um livre mercado visa, sobretudo, usar o consumidor como seu objeto e seduzi-lo a consumir, mesmo aquilo que não é necessário. Com esse intuito, para se manter o sistema vivo, se é capaz de qualquer coisa.

Assim, no que se refere ao fornecimento de bens, o capitalismo liberal parece dar mais conta do que um sistema socialista, mas à custa de muito desperdício dos recursos naturais. Jonas (2006, p. 242) defende, em relação ao capitalismo, que, se, “de um lado, ele promove o desperdício na ponta do consumo, ao excitar as necessidades”, de outro lado, ele economiza na fonte, por conta do interesse de diminuir custos coercitivamente pela ação da concorrência. Assim, a busca pelo lucro parece funcionar de forma mais irracional no topo da cadeia de consumo e mais racional no topo da cadeia produtiva. Para Jonas, a execução capitalista do programa baconiano7. não contou, desde as origens, com a racionalidade e a retidão exigidas.

Por sua vez, o critério da necessidade dos sistemas socialistas parece ser mais racional do que o critério do lucro no que tange à correta utilização dos recursos naturais. Se por um lado o capitalismo apelou para o desejo, para além da necessidade, para sobreviver, por outro, o socialismo sem a lógica do lucro parece não estar preocupado com a economia dos recursos naturais porque, na sua coerência, a diminuição do custo não faz parte de sua formulação. O que Jonas quer dizer com essa simples comparação é que, de um modo ou de outro, tanto o capitalismo como o socialismo têm as suas vantagens e desvantagens. Porém, para Jonas, tanto um quanto o outro tem, no final das contas, como meio para seus objetivos a realização do ideal baconiano.

A nossa preocupação não tem a ver com o que os sistemas estatais pensam a respeito de si mesmo, mas como eles funcionam efetivamente no que tange à nossa questão: o quanto eles podem determinar o bom ou o mau caráter de seus membros. Assim, do que dissemos a respeito dos efeitos corrosivos do regime despótico, conclui-se que os regimes liberais são pelo menos melhores nesse aspecto, na medida que evitam essas causas de corrupção. Abstraída esta constatação banal, tais regimes evidentemente também têm muitos problemas, e o problema fundamental é justamente a desconcertante liberdade, que nem sempre é uma liberdade para o bem. Toda a ampliação da liberdade é uma grande aposta de que o bom uso dela superará o mau, e aquele que considere tal resultado como certo só poderá ser alguém convicto da bondade inata dos homens (para não falar da inteligência, mesmo que na presença da boa vontade). Porém, mesmo os que não acreditam em tal bondade inata, deveriam apostar na liberdade, pois ela é um valor moral em si, digna de seu alto preço. Qual é precisamente esse valor? (JONAS, 2006, p. 278)

Para responder a essa questão, Jonas vai dizer que é preciso recorrer ao senso de responsabilidade e à sabedoria, pois não há como respondê-la aprioristicamente, somente a posteriori, depois da experiência e a partir da medição das consequências do exercício de tais liberdades. É preciso apostar nas consequências ao se investir em um Estado cuja liberdade é algo perseguido. Parece evidente que um sistema liberal é preferível no que se refere às questões morais a um sistema não liberal, independentemente deste último poder dar conta de atender melhor a muitos dos interesses humanos. Para Jonas, apostar significa correr riscos, mas, diante do “princípio vida”, seria mais prudente evitar que a aposta possa ser perdida. Jonas concluirá:

Certamente não podemos mais confiar em nenhuma “razão da história” imanente, e seria pura frivolidade falarmos de um “sentido” auto-realizável dos acontecimentos: portanto, sem um fim sabido, precisamos tomar em nossas mãos o processo que segue avante de uma forma inteiramente nova. Tal situação torna caduca todas as perspectivas anteriores e estabelece deveres para a responsabilidade, cuja magnitude, em comparação com as quais a grande questão que agita os intelectos a respeito de qual seria a melhor “sociedade para o homem” – se socialista ou individualista, autoritária ou livre – se transforma na questão secundária de saber qual dessas sociedades é a mais apta a lidar com as situações futuras: uma questão de oportunidade, talvez um imperativo de sobrevivência, mas não mais uma questão de ideologia (JONAS, 2006, p.215)

O que Jonas quer nos alertar de fato é que, seja qual for o sistema político que deve reger as sociedades humanas, o principal critério para torná-lo legítimo, mais do que qualquer outro, é a capacidade que ele tiver de incluir a natureza em suas pretensões, afinal, sem ela o gênero humano também está ameaçado. Antes do reconhecimento humano, a prioridade é o reconhecimento da natureza, e nenhum progresso terá sentido se não houver garantias de sustentabilidade para o meio físico em que a vida humana se efetiva.

Passados quarenta anos do lançamento de O princípio responsabilidade, pode-se elencar nesse tempo todo muitas evidências que confirmam as previsões feitas por Jonas. De outro modo, Fukuyama não estaria tão errado ao dizer que, terminada a guerra de ideologias, seria possível garantir uma estabilidade maior no sistema como um todo. Para Rouanet (27/02/2020), no século XX, após o término da guerra fria,

o pensamento escatológico permaneceu vivo sob duas formas diferentes: sobreviveu primeiro na crença de uma guerra nuclear iminente e mais tarde no terror de uma catástrofe ecológica e irreparável. Essas crenças podem ser chamadas apocalípticas no sentido técnico de uma erupção súbita dentro da história de uma instância extra histórica. Esse resultado não seria o estágio terminal de um processo, mas a paralização violenta de todo o processo através da interrupção cataclísmica do tempo8..

Esse comentário de Rouanet (27/02/2020) nos inspira a dizer que alguns eventos passaram despercebidos a Fukuyama. Não precisamos retornar ao tempo em que Fukuyama concluiu a sua tese para observarmos alguns acontecimentos que contrariam esse pensamento. Basta nos balizarmos pelo que tem acontecido nos últimos cinco anos. Por exemplo, (1) a pandemia sem precedentes provocada pelo vírus sars-cov-2 que obrigou a seleção de pacientes que deveriam ser condenados à morte por falta de leitos e que gerou impactos financeiros devastadores em vários países, prejudicando severamente também as economias de livre mercado, sem falar nas mudanças drásticas na rotina de vida de cada um, acendendo uma nova ordem social mundial; (2) as ameaças nucleares que vêm do Oriente Médio e da Coreia do Norte; (3) a fuga desenfreada de refugiados de países totalitários; assim como tantos outros exemplos.

Por mais apocalípticos que tais eventos possam parecer, desconsiderar que outros, de igual magnitude ou bem piores, possam vir a acontecer no futuro é uma irracionalidade. Nessas circunstâncias, pergunta-se: como ficam as liberdades individuais em tempo de quarentena? Onde ficam as questões de status, de reconhecimento, de ostentação nessas situações? Até que ponto as reinvindicações da suposta essência do homem devem ser ouvidas em um cenário desses?

Youval Harari (2016) nos alerta em sua obra Hommo Deus, de maneira inusitada mas no mesmo tom que Jonas, para outros eventos que vêm acontecendo e de maior gravidade, porque são imperceptíveis aos sentidos humanos. Tais ocorrências poderão ser as causas precoces de futuros episódios apocalípticos que a estatística não pode prever e, talvez, nelas é que devemos nos concentrar, antes mesmo de conseguirmos mirar o horizonte das consequências. Para ele, a perda de consciência humana é um risco que ameaça se concretizar diante de um contexto cujos algoritmos humanos inverteram a hierarquia do poder.

De onde vem esses grandes algoritmos? Esse é o mistério do dataísmo. Assim como, de acordo com o cristianismo, nós humanos não somos capazes de compreender Deus e Seu plano, da mesma maneira o dataísmo afirma que o cérebro humano não pode abranger os novos senhores algoritmos. Na atualidade, quem mais escreve algoritmos são hackers humanos. Porém os algoritmos realmente importantes – como os algoritmos de busca do Google – são desenvolvidos por equipes enormes. Cada membro entende somente uma parte do quebra-cabeça e ninguém entende o algoritmo como um todo. Além disso, com o surgimento da aprendizagem automática e das redes neurais artificiais, mais e mais algoritmos se desenvolvem independentemente, aprimorando a si mesmos e aprendendo com os próprios erros. Eles analisam a quantidade astronômica de dados, que nenhum humano é capaz de abranger e aprendem a reconhecer padrões e a adotar estratégias que escapam à mente humana. O algoritmo-semente pode de início ser desenvolvido por humanos, mas ele cresce, segue o próprio caminho e vai aonde humanos nunca foram antes – até onde nenhum humano pode segui-lo. (HARARI, 2016, p. 395)

Assim, esse poder da tecnologia se sobreporia ao poder imanente, com uma razão tecnológica de origem humana, inteiramente nova, que se sobrepõe à razão hegeliana, considerando que o meio pelo qual ela se desenvolve é, agora, o dos algoritmos-sementes (novo objeto) e dos algoritmos complexos (novo sujeito) e não mais por meio do homem simples (objeto hegeliano) e do herói (sujeito hegeliano). Agora, porém, essa nova razão não nos antecipa e nem garante a sua finalidade, na medida em que usa de seu poder para comandar os rumos da história. Seu fim é desconhecido para nós. Parafraseando Harari (2016, p. 399), coloca-se a pergunta: o que vai acontecer aos políticos (Estado hegeliano), à sociedade (Sociedade civil hegeliana) e à vida cotidiana (Indivíduos hegelianos), “quando algoritmos não conscientes, mas altamente inteligentes nos conhecerem melhor do que nós nos conhecemos?”

Diante dessas reflexões, Jonas reforçaria uma questão fundamental: de onde virá esse terceiro poder, necessário para se sobrepor ao poder tecnológico de segunda ordem, que devolverá ao homem, ainda a tempo, o controle sobre o seu próprio poder? Para ele, “deve surgir da própria sociedade, pois não há perspectiva, responsabilidade ou modo privado que esteja à altura dessa missão” (JONAS, 2006, p. 237). Uma vez que a economia livre das sociedades industriais é o ponto central dessa dinâmica, acarretando o colapso, Jonas se questiona se o marxismo seria uma alternativa para uma rota de fuga contra esse cenário catastrófico que se anuncia, uma vez que é bem mais difícil imaginar como o horizonte capitalista e liberal poderia resolver essa questão. Não que ele encontre no marxismo a solução, mas o que deve ficar claro aqui é que ele desclassifica o liberalismo como um sistema apto a essas pretensões, colocando, assim, em xeque a teoria sustentada por Fukuyama. Segundo Oliveira, Jonas sustenta que:

O político deve se contrapor ao mero governo dos tecnocratas, a fim de evitar a manipulação irracional da natureza, em vistas da extravagâncias da produção e do consumo colocando o sucesso ontobiológico acima do sucesso econômico. A ética associada à política é o “poder sobre o poder” capaz de limitar o abuso e impor, quando e onde for necessário, freios voluntários ao avanço da tecnologia, ainda que seja preciso, para isso, caso a disciplina social e cidadã não seja suficiente, fazê-lo pelo horizonte da imposição legal. (2018, p.470)

Portanto, se para Hegel a história do mundo representa as fases no desenvolvimento do princípio cujo conteúdo é a consciência da liberdade e se, para Fukuyama, o ápice desse desenvolvimento já haveria chegado através da realização da democracia liberal como o regime político-econômico ideal, para Jonas o final dessa história ainda não chegou. Esse final ainda está por vir e pode ser bem diferente daquele previsto por Hegel e daquele decretado precocemente por Fukuyama. Segundo Jonas, na discussão sobre qual sistema político, econômico e social que deverá conduzir a vida humana, não se pode ignorar um poder de segunda ordem oriundo do progresso autônomo da tecnologia, que se sobrepõe ao poder humano de primeira ordem e que, em vez de expandir a consciência humana da liberdade, acaba muito mais por contraí-la e atrofiá-la. O homem se torna um escravo inconsciente de sua própria criatura e se ilude em relação à sua aparente condição de liberdade. Nesse sentido, nem o marxismo e nem o capitalismo são capazes de impedir que essa espécie de irracionalidade, digamos assim, se imponha sobre a racionalidade imanente hegeliana.

Fukuyama estaria errado, segundo a perspectiva de Jonas, ao protocolar em cartório o sistema democrático liberal como o herdeiro final de uma série de tentativas frustradas de organização político-econômica para a sociedade. A história, nesse sentido, ainda não chegou ao seu fim, pois há um fenômeno forasteiro acontecendo em paralelo que ainda precisa ser melhor depurado, entendido e estudado, para que esse fim não seja trágico. Uma hipótese um tanto apocalíptica é verdade, mas possível de acontecer no futuro, segundo Jonas, é o extermínio do gênero humano, primeiro através da sua morte essencial e, segundo, e em consequência da sua morte física. Jonas recomenda ao homem que desconfie: primeiro, da existência de uma razão imanente; segundo, caso ela exista, desconfie do caráter de suas intenções; por último, se ela existe e suas intenções forem boas, desconfie do seu poder e da capacidade de tornar o seu projeto realizável e eficaz.

Como diz Oliveira (2018, p. 452), “em Jonas a vida é sempre um risco, uma aventura e não há nenhuma garantia de seu êxito e é a partir disso que se desdobram as suas preocupações éticas”. Assim, é possível concluir que Jonas negaria a afirmação de Hegel ( 2001, p.18), citada anteriormente, e certamente a reescreveria da seguinte forma: as exigências e as realizações do objetivo absoluto do Espírito, trabalho da Providência, não estão acima das obrigações e responsabilidades que recaem sobre os indivíduos em relação à sua moral. Assim, na dúvida, é melhor que o homem assuma a tempo as rédeas de seu próprio destino, por meio de um novo princípio ético: o da responsabilidade.

Material suplementar
Referências
BARROS, José D'Assunção. Teoria da História: Princípios e conceitos fundamentais. Volume I. Petrópolis: Vozes, 2013.
FUKUYAMA, Francis. O fim da História e o último homem. Tradução de Aulyde Soares Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A Razão na História – Uma Introdução geral à Filosofia da História. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2001.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Enciclopédia das ciências filosóficas em compêndio. São Paulo: Loyola, 1995-1997. 3v.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução de Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
HARARI, Youval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã; tradução de Paulo Geier. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.Trad.: Marijane Lisboa, Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006.
KANT, Immanuel. O Conflito das faculdades. Trad. Artur Morão. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2008. Disponível em <https://www.marxists.org/portugues/kant/ 1798/mes/conflito.pdf>. Acessado em 01/07/2020.
OLIVEIRA, Jelson de. Negação e poder: do desafio do niilismo ao perigo da tecnologia. Caxias do Sul: Educs, 2018.
PERRY, Anderson. O fim da história: de Hegel à Fukuyama. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992.
PLATÃO. A república. São Paulo: M. Claret, 2001.
ROUANET, Sergio Paulo. O fim da história. Conferência, 2012. 8º Ciclo de Conferências da Academia Brasileira de Letras. "Visões da História". Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=kvO86-W31gU >. Acessado em 27/02/2020.
Notas
Notas
3 Considera-se aqui uma razão humana cuja maioridade fora conquistada na fase do Iluminismo.
4 Necessidade entendida por Hegel como necessidade da ideia divina.
5 Por Pós-História entende-se o período definitivo e estático, em que o tempo chegou ao seu termo, invalidando qualquer desejo profundo ou propósito ulterior sobre algum fato relevante que pudesse caracterizar a evolução ou regressão de um processo social, econômico e político. Não se deve confundir aqui o entendimento do termo com a definição dada, por exemplo, por Vílem Flusser em que a Pós-história e a sociedade pós-industrial são entendimentos recorrentes e indicam um momento cultural de uma civilização, nem tampouco associar à ideia do eterno retorno de Nietzsche e de outros filósofos. O termo significa o período após o fim da história, tendo em vista unicamente o conceito de história de Hegel.
6 Vide República de Platão.
7 Para Jonas (2006, p. 235), o ideal baconiano é o programa que colocou o saber humano a serviço da dominação irrestrita da natureza de modo a utilizá-la para melhorar a sorte da humanidade. Tal ideal culminou, por meio do capitalismo especialmente, numa dimensão excessiva da civilização técnico-industrial e em uma dinâmica de êxito que leva aos excessos de produção e consumo.
8 ROUANET, Sergio Paulo. 8º Ciclo de Conferências da Academia Brasileira de Letras. "Visões da História", Conferência: "O fim da História?", 2012. < Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=kvO86-W31gU >. Vídeo acessado em 27/02/2020 (não disponível em texto).
Autor notes
1 Doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana (PUG), Roma, Itália. Professor da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Caxias do Sul – RS, Brasil.
2 Doutorando em Filosofia na Universidade de Caxias do Sul (UCS), Caxias do Sul – RS, Brasil.
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