Resumo: A publicação da obra “O Sentido da Beleza” do filósofo George Santayana assinala a maturidade da estética norte-americana. A partir de uma abordagem psicológica naturalista ele se volta a questão da beleza para entender por que, como e onde a beleza surge, as condições necessárias para sua formação e os elementos que auxiliam o seu florescimento. Apesar da importância, desde a morte do filósofo em 1952 sua obra cai em um estágio de semiesquecimento. O propósito do presente trabalho é justamente recuperando do limbo histórico essa obra tão relevante esclarecer como Santayana tratou o problema da beleza nessa primeira obra juvenil.
Palavras-chave:EstéticaEstética,BelezaBeleza,FormaForma,ExpressãoExpressão,PrazerPrazer.
Abstract: The publication of the work “The Sense of Beauty” by the philosopher George Santayana marks the maturity of American aesthetics. From a naturalistic psychological approach he turns to the question of beauty to understand why, how and where beauty arises, the conditions necessary for its formation and the elements that help its flowering. Despite its importance, since the philosopher's death in 1952, his work has fallen into a semi forgotten stage. The purpose of this work is precisely to recover from the historical limbo this work so relevant to clarify how Santayana treated the problem of beauty of his youth work.
Keywords: Aesthetics, Beauty, Form, Expression, Pleasure.
Artigos
Observações introdutórias sobre a natureza da beleza na filosofia de George Santayana
Introductory observations on the nature of beauty in George Santayana’s philosophy
Recepção: 18 Novembro 2020
Aprovação: 19 Janeiro 2021
Historicamente, a estética filosófica norte-americana passou por um longo processo de desenvolvimento desde o início do século XIX até o final do século2.. Enquanto em países como a Alemanha a estética já estava consolidada, no cenário norte-americano raramente parecia ser levada a sério como especialidade, havia poucas publicações e menos ainda estudiosos dedicados ao assunto. As universidades não ofereciam cursos de estética e, quando existiam, eram aulas opcionais frequentadas por poucos indivíduos3..
É neste contexto que George Santayana4., um renomado filósofo do início do século XX, publicou sua primeira obra intitulada The Sense of Beauty (O Sentido da Beleza) no ano de 18965.. Este livro serviu como um marco pessoal e histórico. Para o filósofo, representou seu estabelecimento como pensador original6. e, historicamente, significou o início do período de maturidade da estética nos Estados Unidos7..
Na verdade, Santayana era uma figura muito peculiar dividida por duas tradições culturais, a norte-americana e a europeia. Sua filosofia é a convergência de uma série de correntes diferentes como o materialismo grego, o platonismo, o transcendentalismo, o naturalismo, o pragmatismo e o realismo crítico8.. E o próprio interesse do filósofo sempre se dividiu, entre arte e filosofia, como mais tarde comentou: “Eu era uma espécie de poeta, estava vivo para a arquitetura e as outras artes, sentia-me em casa em várias linguagens: a estética pode ser considerada como minha especialidade ”. (SANTAYANA, 1967, p.168).
Assim, observa-se que o início de sua carreira como filósofo está profundamente relacionado à estética. Santayana começou a lecionar na Universidade de Harvard logo após receber seu Ph.D. na mesma instituição. Seu curso foi uma espécie de novidade, já que até então não eram oferecidas aulas dessa disciplina na instituição. Ele ensinou história da estética principalmente entre os anos de 1892 e 1895.
O livro “O Sentido da Beleza” referido acima é justamente o resultado da experiência de Santayana no ensino do curso de estética. A partir de anotações feitas nas aulas9., o filósofo monta um livro dividido em quatro partes que tratam da beleza a partir de um método da psicologia naturalista10. Essa abordagem foi um tanto inovadora, e Santayana foi considerada responsável por, em outras palavras, trazer a beleza de volta à terra segundo Danto (1988).
Nas páginas seguintes, buscou-se resgatar as contribuições do filósofo ao debate em torno da beleza a partir de suas contribuições em “O Sentido da Beleza”. No livro em questão, evitando buscar um conceito metafísico de beleza, o filósofo destacou que buscou com sua pesquisa entender “por que, quando e como a beleza aparece, que condições um objeto deve cumprir para ser belo, que elementos de nossa natureza se casam nós sensíveis à beleza e qual a relação entre a constituição do objeto e a excitação de nossa suscetibilidade ”. (SANTAYANA, 1955, p.11).
Assim, o modesto propósito deste artigo é, a partir da revisitação de cada parte do livro - a natureza da beleza, os materiais da beleza, a forma e a expressão - explicar o cerne do argumento de Santayana sobre a beleza, recuperando-se desta forma sua estética inicial do limbo histórico em que foi colocada.
O primeiro movimento de Santayana na obra é esclarecer o que ele identificou como a natureza da beleza, ou seja, entender em que condições a beleza é vivenciada e percebida pelo indivíduo. Agora, buscar entender essa natureza não é o mesmo que entender seu conceito. Essa diferença, embora pareça sutil, é um ponto chave para conceber seu projeto, e em que medida ele difere daquele desenvolvido por outros estetas.
Na verdade, considera-se que a engenhosidade de Santayana reside em seu esforço para unir beleza e a experiência humana. Em última análise, é precisamente essa experiência que se mostra valiosa, muito mais do que qualquer teorização conceitual sobre a beleza. Em suas palavras, “sentir a beleza é melhor do que entender como a sentimos”. (SANTAYANA, 1955, p.11). E se, por um lado, se entrega à teorização, por outro, mantém a consciência de que “a reflexão é sim uma parte da vida, mas a última parte”.
A busca pela natureza da beleza, para o filósofo, começa com uma explicação do que seria a famosa experiência estética. Escreve sobre isso (1955, p.19) “[...] a estética se preocupa com a percepção de valores”11. Por sua vez, “os valores nascem da reação imediata e inexplicável do impulso vital, e da parte irracional de nossa natureza”. (SANTAYANA, 1955, p.19)
Esses valores, segundo Santayana, não existem em si. Ou seja, eles só existem na medida em que interagem com a consciência humana, então um mundo completamente mecânico também seria um mundo desprovido de qualquer forma de valor. Os valores dependem de uma criatura consciente percebê-los e desenvolvê-los, caso contrário, eles se tornariam supérfluos como mostrou Singer (1957) em sua análise de Santayana.
Compreender esta natureza dos valores é uma tarefa significativa, visto que no parágrafo seguinte o filósofo esclarece “é evidente que a beleza é uma espécie de valor [...]”, e que se dá “pela exclusão de todos os julgamentos intelectuais, todos os julgamentos de matéria de fato ou relação.” (SANTAYANA, 1955, p.20).
Agora, seguindo o raciocínio desenvolvido por Santayana, se a beleza é um valor, e se os valores, como dito acima, dependem de interações com a consciência, então a beleza não pode ser vivida como algo isolado, mas apenas como uma forma de interação entre sujeito e objeto. É marcada pela interação entre duas mídias.
Além disso, se a beleza é um valor, que tipo de valor é? Para Santayana, existem pelo menos três tipos diferentes de julgamentos de valor. Os julgamentos intelectuais já eliminados de sua relação com a beleza, depois os julgamentos éticos e, por fim, os estéticos. Os julgamentos éticos e estéticos podem ser classificados juntos, em contraste com o primeiro12. Porém, nessa situação, como seria possível distinguir os julgamentos éticos dos estéticos?
A diferença entre julgamentos éticos e estéticos é em relação à sua positividade ou negatividade. Em outras palavras, para o filósofo, os julgamentos morais são fundamentalmente negativos, revelando-se na forma de proibições ou imperativos, enquanto os julgamentos estéticos são positivos. Outra distinção pode ser feita em termos do que Santayana chamou de “trabalhar e brincar” (SANTAYANA, 1955, p.25).
Nestes novos termos, os julgamentos estéticos são marcados por um certo caráter lúdico, com um valor intrínseco. Esse valor também é uma das distinções para o grau de felicidade de um indivíduo ou de um povo. A energia depositada nas atividades estéticas livres atua para o filósofo como um medidor da felicidade, conforme se observa no trecho a seguir.
Ao contrário, podemos medir o grau de felicidade e civilização que qualquer raça alcançou pela proporção de sua energia que é devotada a atividades livres e generosas, ao adorno da vida e à cultura da imaginação. Pois é no jogo espontâneo de suas faculdades que o homem encontra a si mesmo e sua felicidade. [...] Aqui, o trabalho e o lazer ganham outro significado, equivalem a servidão e liberdade. [....] Não queremos mais dizer por trabalho tudo o que é feito de forma útil, mas apenas o que é feito de má vontade e por impulso da necessidade. Por jogo, estamos designando, não mais o que se faz infrutífero, mas o que se faz espontaneamente e por si mesmo, tenha ou não uma utilidade ulterior. Brincar, nesse sentido, pode ser nossa ocupação mais útil. (SANTAYANA, 1955, p.28)
Assim como os julgamentos estéticos podem gerar felicidade e prazer para um indivíduo ou uma pessoa, a experiência da beleza nada mais é do que “prazer objetivado” ou mesmo “cooperação de prazeres” (SANTAYANA, 1955, p.52)13. Agora, trata-se de compreender que tipo de prazer é gerado pela beleza e quais seriam as condições em que ela se apresenta.
Para atingir seu objetivo, Santayana continua fazendo cada vez mais distinções. Em primeiro lugar, busca distinguir os valores positivos e intrínsecos que geram prazer daqueles valores que geram prazer, no entanto, eles não necessariamente geram beleza. Nesse caso, qual seria a particularidade do prazer que gera a beleza?
Segundo o filósofo, o prazer gerado pela beleza é concebido por meio da intervenção de órgãos físicos. Ou seja, a beleza depende de sua relação com os sentidos. Mas, o que isso significa? Para Santayana, os estetas por muito tempo deram grande valor à visão, audição e memória. No entanto, não é a estes que se refere, mas sim à procura de outros sentidos físicos que contribuem para a vivência do belo.
Na verdade, o filósofo também se pergunta em que medida os prazeres gerados pelos sentidos são diferentes daqueles gerados pela percepção? A resposta é que a transição da sensação para a percepção ocorre gradativamente, haveria uma linha tênue entre as duas formas, em suas palavras: “[...] depende do grau de objetividade que meu sentimento atingiu no momento se eu diga 'me agrada' ou ‘é lindo’ ”. Então, também complementa “Se eu for autoconsciente e crítico, provavelmente usarei um [...] se for impulsivo e suscetível, o outro.” (SANTAYANA, 1955, p.51)
Por vezes, ao longo da história, a experiência estética (e também, neste sentido, a experiência do belo) foi relacionada a certas características como objetividade, desinteresse e universalidade. Contra eles, o filósofo dedica parte de seu argumento para demonstrar até que ponto eles não são marcos da experiência estética como se acreditava anteriormente.
Em relação ao problema da universalidade, a posição de Santayana rejeita a importância que Kant atribui ao conceito em questão14. No lugar dessa tríade, o filósofo coloca a ideia de objetificação. Essa seria a marca da experiência estética e também da beleza. Na verdade, para ele “a beleza é um elemento emocional, um prazer nosso, que, no entanto, consideramos como uma qualidade das coisas”. (SANTAYANA, 1955, p.47-48).
A objetivação acima referida seria uma espécie de fenômeno psicológico que Santayana (1955, p.44) coloca nos seguintes termos: “a transformação de um elemento da sensação na qualidade de uma coisa”. Isso significa que, ao perceber a beleza, o indivíduo tende a atribuí-la ao objeto como se fosse uma característica dele, porém, na realidade é apenas uma forma de projeção feita ao vivenciar a beleza.
A dificuldade da concepção de Santayana que a faz parecer escorregadia é entender como a beleza não é inteiramente nem subjetiva, nem objetiva. Na interpretação de Levinson (1992, p.77) “a beleza vivida não está localizada subjetivamente na mente ou objetivamente no mundo externo, ela apenas está lá [...] é uma afeição intuitiva, uma experiência que nem é preciso dizer. [...]”
Em relação ao exposto até o momento, observa-se o seguinte trecho.
Chegamos agora à nossa definição de beleza, que, nos termos de nossas sucessivas análises e estreitamento da concepção, é valor positivo, intrínseco e objetivado. Ou, em linguagem menos técnica, a Beleza é o prazer considerado como a qualidade de uma coisa. [...] A beleza é um valor, isto é, não é uma percepção de um fato ou de uma relação: é uma emoção, um afeto de nossa natureza volitiva e apreciativa. Um objeto não pode ser belo se não agrada a ninguém: uma beleza à qual todos os homens foram para sempre indiferentes é uma contradição em termos. Em segundo lugar, esse valor é positivo, é o sentido de algo bom, ou (no caso de feiura) de sua ausência. Nunca é a percepção de um mal positivo, nunca é um valor negativo. [...] Além disso, esse prazer não deve estar na consequência da utilidade do objeto ou evento, mas em sua percepção imediata; em outras palavras, a beleza é um bem último, algo que dá satisfação a uma função natural, a alguma necessidade ou capacidade fundamental de nossas mentes. A beleza é, portanto, um valor positivo intrínseco, é um prazer. (SANTAYANA, 1955, p.49-50)
A vivência da beleza tal como entendida por Santayana é um valor intrínseco enquanto pode ser desfrutada, porém, não serve a nenhum propósito particular, nem tem a função de mudar nada no mundo. É uma forma prazerosa de desfrutar, um tipo de experiência que consolida um modo de vida mais completo, para o filósofo a experiência da beleza então significaria uma harmonia com o meio e com a alma.
Certamente, a posição de Santayana de que a beleza está no prazer gerado pelo movimento de contemplação, na troca entre o subjetivo e o objetivo, aproxima-se perigosamente da epistemologia romântica de Fichte, por exemplo. A diferença é que Santayana cria táticas que evitam alguns dos problemas que enfrenta e, sobretudo, que ao contrário de Fichte, no final há uma insistência no valor positivo como aponta McCormick (1987).
Ainda assim, como explica Krejsova (2007, p.217), se para Santayana a experiência não é feita de um único elemento, mas de uma confluência deles, não é possível apontar uma origem única de beleza. Seja nos sentidos ou no objeto. Tomando as últimas consequências desse pensamento, observa-se que diante disso não existe uma única forma de beleza, portanto “a beleza pode ser encontrada em qualquer objeto [...]”. Assim, para compreender melhor os múltiplos elementos que podem constituir a beleza analisamos o seguinte ponto.
Os materiais da beleza são, no entendimento de Santayana, os elementos da consciência humana e as funções vitais do corpo que contribuem de alguma forma para a constituição do prazer gerado pela beleza. Nesta parte da obra, é sem dúvida onde se encontra o momento mais naturalista do filósofo, pois é aqui que o belo desce ao encontro do sensível.
No entendimento do filósofo, todas as funções da natureza humana contribuem de alguma forma para a beleza. Ou seja, o corpo humano como um todo poderia ser visto como uma máquina que gera prazer e beleza, de modo que “uma função difere muito de outra na quantidade e na objetividade de sua contribuição”. (SANTAYANA, 1955, p.53).
Assim, ao contrário da tradição estética que valorizava alguns sentidos específicos, conferindo-lhes maior relevância, como no caso da visão, audição e memória, em Santayana todo o corpo é tão importante em vista de sua contribuição, e qualquer problema sensível pode interferir com a percepção e o prazer da beleza. Para o filósofo, sua tarefa é “descobrir suas outras fontes, que têm sido mais geralmente ignoradas, e apontar sua importância”. (SANTAYANA, 1955, p.53).
Partindo da ideia de que o ser humano é um animal marcado por seus atos fisiológicos e psicológicos, numa concepção explicitamente naturalista15, Santayana analisa três novos elementos que ajudam a constituir a matéria do belo, são eles, os atos de paixão e os atos sexuais, instintos sociais e sentidos inferiores.
Começando com a explicação da primeira, Santayana escreve: “a meio caminho entre as funções vitais e sociais, está o instinto sexual”. (1955, p.56) A função sexual torna-se um elemento essencial da análise, uma vez que “trairíamos uma visão inteiramente irreal da natureza humana se não investigássemos as relações do sexo com nossa suscetibilidade estética”. (1955, p.56).
Beleza e instinto sexual estão tão entrelaçados no entendimento de Santayana que ele chega a dizer que se alguém quisesse criar uma maneira de tornar os seres mais suscetíveis à beleza, “não poderia inventar um instrumento melhor projetado para esse objeto do que o sexo”. (1955, p.60). Isso porque a sexualidade seria um princípio responsável por abrir o indivíduo não só para as outras pessoas, mas para todas as formas de experiência16. Seria uma chave natural que ajuda a buscar e desfrutar a beleza.17
A esse respeito, Santayana esclarece.
A paixão então transborda e inunda visivelmente as regiões vizinhas que sempre regou secretamente. Pois a mesma organização nervosa que o sexo envolve, com suas ramificações e associações necessariamente amplas no cérebro, deve ser parcialmente estimulada por outros objetos que não o seu específico ou último; especialmente no homem, que, ao contrário de alguns dos animais inferiores, não tem seus instintos claramente distintos e intermitentes, mas sempre parcialmente ativos e nunca ativos isoladamente. Podemos dizer, então, que para o homem toda a natureza é um objeto secundário da paixão sexual, e que a este fato se deve em grande parte a beleza da natureza. (SANTAYANA, 1955, p.61-62)
Curiosamente, se por um lado o instinto sexual e a paixão são chaves importantes para o gozo da beleza, por outro lado, são elementos secundários incapazes de reagir até que um objeto específico para prestar atenção lhes seja indicado. Dir-se-ia que o papel da paixão e do instinto sexual é antes o de aumentar a estimulação. Mas, não é a origem disso como interpreta Ashmore (1966).
Em segundo lugar, o filósofo enfatiza a importância das relações sociais, como amizade, laços familiares e outras relações como fontes de beleza. Quando esses laços se expressam na realidade sensível, tornam-se a fonte de um certo sentimento de beleza. Santayana dá um exemplo para transmitir a ideia: “Por exemplo, ‘casa’, que em seu sentido social é um conceito de felicidade, quando se materializa em uma cabana e um jardim se torna um conceito estético, torna-se uma coisa bonita”. Em suma, “a felicidade é objetivada e o objeto embelezado”. (SANTAYANA, 1955, p.64)
O terceiro elemento que constitui material para a beleza é o que Santayana identificou como sentidos inferiores, nominalmente, “tato, paladar e olfato”. (1955, p.65) De fato, ao longo da história houve um certo preconceito que não reconhecia nenhum desses sentidos como contribuintes da experiência estética. Porém, como aponta o filósofo, são os colaboradores responsáveis por produzir a sensação mais imediata.
Na verdade, para o filósofo, parte da desvantagem que foi atribuída a esses sentidos está relacionada ao fato de eles não serem intrinsecamente espaciais: “[...] portanto, não se adequam a servir para a representação da natureza, o que permite ela mesma deve ser concebida com precisão apenas em termos espaciais.” (SANTAYANA, 1955, p.66)
No que diz respeito, por exemplo, ao som, Santayana observa que compartilha dessa mesma desvantagem espacial. Por causa disso, ele “não faz parte do mundo externo devidamente abstraído, e os prazeres do ouvido não podem se tornar, no sentido literal, qualidades das coisas”. (SANTAYANA, 1955, p.69) Apesar disso, o filósofo não dispensa a contribuição do som como material de beleza.
De fato, todas essas análises sobre materiais sensíveis são importantes para o filósofo, pois a beleza obtida por meio de objetos sensíveis é indispensável. Em suas palavras, “a beleza sensual não é o maior ou mais importante elemento de efeito, mas é o mais primitivo e fundamental, e o mais universal.” (SANTAYANA, 1955, p.78)
É interessante notar que Santayana não dá menos importância aos sentidos, pelo contrário, “tal simplicidade não é a ausência do gosto, mas o início dele”. E, pode-se dizer que para o pensador, o gosto, quando espontâneo, começa justamente com e pelos sentidos, daí sua importância. (1955, p.79)
O filósofo encerra o capítulo apontando que a beleza material é a base de toda forma de beleza, incluindo a beleza superior, e que “tanto no objeto, cuja forma e significado devem estar alojados em algo sensível, e na mente, onde as ideias sensuais, sendo as primeiras a emergir, são as primeiras que podem suscitar deleite.” (SANTAYANA, 1955, p.81)
Santayana dedica a parte central de “O Sentido da Beleza” para aprofundar a questão da forma. Na verdade, esse problema, em particular, foi considerado pelo filósofo o mais relevante, misterioso e característico da estética.18 Sobre a relação entre forma e beleza, ele escreveu “só podemos ver a beleza na medida em que introduzimos a forma”. (SANTAYANA, 1955, p.146)
Mas, afinal, qual é a forma?19 Em suma, Santayana entende a forma como a qualidade de um objeto que a diferencia de outros objetos, uma forma particular de organização e unificação que agrada à percepção do indivíduo. A forma seria, portanto, o arranjo particular de vários elementos da experiência.
O terreno da forma é, portanto, o de combinar uma série de elementos que, por si só, podem ser indiferentes ou de pouco valor, mas quando reunidos em um objeto é agradável, ou mesmo belo. Neste exemplo, existe o risco de confundir a forma com o que foi previamente identificado pelo material. Na verdade, forma e material coexistem, mas esteticamente são passíveis de distinção, e o que os diferencia é o efeito.
Ainda nas distinções, Santayana traça uma linha que separa as sensações da forma. Para o filósofo, a apreensão de um som ou de uma cor são simples apreensões da sensação que não requerem maiores explicações. Porém, quando ocorre a reunião de elementos sensíveis complexos e a beleza é produzida, ela se torna um fenômeno que pode ser analisado. Assim, “uma percepção perfeitamente simples, na qual não houvesse consciência da distinção e da relação das partes, não seria uma percepção das formas; seria uma sensação.” (SANTAYANA, 1955, p.96)
A diferença entre sensação e forma é essencial em ainda outro sentido, porque poderia servir como uma espécie de teste crucial. Por exemplo, ao se deparar com a beleza da forma, o indivíduo deve estar ciente da totalidade dos elementos que percebe, porém, quando não possui essa ciência, a única coisa que desfruta é a sensação.
Na opinião de Santayana, a forma requer uma grande variedade de elementos e combinações de elementos. Assim, entre as inúmeras possibilidades de combinação, enumera três principais, a saber: (i) os elementos são todos iguais, o que os difere é a sua quantidade numérica; (ii) os elementos são diferentes e livres e podem ser percebidos em ordens diferentes; e (iii) os elementos implicam um tipo específico de organização predeterminada.20
Existem também diferentes possibilidades para o filósofo para a síntese, conforme observado: (i) a síntese pode ser completamente determinada; (ii) totalmente indeterminado; ou (iii) parcialmente determinado. A importância da síntese reside em que “o prazer que surge de cada tipo de síntese e simultaneamente objetiva é o valor de Santayana da forma.” (ASHMORE, 1966, p.21)
A investigação da forma leva Santayana a explicar como os tipos aparecem na mente. Tipos eternos são formas de instrumento de vida estética, são as ideias de padrões absolutos que surgem diante de um objeto, nas palavras do filósofo “assim como quando você toma a atitude perceptiva, você tem um objeto externo que você trata como uma experiência absoluta.” (SANTAYANA, 1955, p.116)
Para muitos, ao lidar com tipos ideais, Santayana explica a influência recebida da estética inglesa, principalmente quando se trata de ideias serem entendidas como resíduos de experiência. Diante da multiplicidade do mundo, a mente não consegue conhecer em profundidade, para resolver o problema ela cria classificações e tipos amontoados em classes. O encontro de muitas classes diferentes gera um tipo.
Quanto à formação dos tipos, observa-se a seguinte passagem.
A mente é assim povoada por ideias gerais em que a beleza é a qualidade principal: e essas ideias são ao mesmo tempo o tipo das coisas. O tipo ainda é uma resultante natural de impressões particulares; mas sua formação foi guiada por um viés subjetivo profundo em favor do que encantou os olhos. (SANTAYANA, 1955, p.123)
Comenta Santayana (1955, p.125) “os ideais têm seus usos, mas sua autoridade é totalmente representativa. Eles representam satisfações específicas, ou então nada representam.” Na verdade, não apenas os tipos ideais, mas todo o mecanismo da inteligência humana, isto é, leis, princípios, deuses, são expressões simbólicas da experiência. Nesse sentido, “a teoria nos ajuda a suportar nossa ignorância dos fatos.”
Por sua vez, os ideais levam a questões como “todas as coisas são belas? Todos os tipos são igualmente belos quando abstraímos nossos preconceitos práticos?” (SANTAYANA, 1955, p.126) A resposta do filósofo é que, se pudéssemos encontrar beleza em todos os lugares, o gosto seria abolido. E que existe uma dependência parcial da beleza em relação à natureza do homem.
Ora, para o filósofo existe a tentação de dizer que todas as coisas são igualmente belas, porém, esse é um erro que resulta de uma análise imperfeita, da qual as operações que tratam dos problemas estéticos estão parcialmente desintegradas. Na verdade, os graus de beleza percebidos também dependem da natureza de cada indivíduo, de como ele os percebe a partir de suas inclinações e características. Nas palavras de Santayana (1955, p.130) “todas as coisas não são igualmente belas porque o viés subjetivo que as discrimina é a causa de serem belas”.
Como a beleza, e de certa forma a experiência estética, depende do indivíduo, observa-se que ela não é imutável, mas que “a educação estética consiste em nos treinar para ver o máximo da beleza”. (1955, p.136) Nesse sentido, a capacidade de perceber a beleza do mundo é uma forma de aprendizagem, um caminho em que a imaginação encontra a realidade.
Nos capítulos finais da terceira parte, Santayana aborda questões de hierarquia entre formas como, por exemplo, entre formas artificiais e naturais. A esse respeito, o filósofo escreve que “a beleza da forma é a última a ser encontrada ou admirada em objetos artificiais como naturais. É necessário tempo para estabelecê-la e treinamento e precisão de percepção para desfrutá-la”. (SANTAYANA, 1955, p.163).
Por fim, observa-se que o valor estético da forma reside em pelo menos dois fatores como indica Patella (2010). A saber, primeiro, a criação de formas perceptivas, ou como ele nomeia, tipos. Essa criação é necessária, pois a forma por si só não parece capaz de causar o prazer da beleza. Em segundo lugar, as relações entre impressões e percepções sensíveis. O resultado é que a forma é ao mesmo tempo um valor objetivo e subjetivo, dependendo do objetivo sensível, mas também da percepção e educação do indivíduo que se torna capaz de captá-la.
Na última parte da obra, o filósofo explora um terceiro tipo de beleza, a saber, a beleza da expressão. Mas qual seria a expressão? Ela seria nada mais do que um tipo de qualidade adquirida pelos objetos depois que o indivíduo associa suas próprias emoções ao objeto diante do qual mantém sua atenção. A este respeito, o excerto abaixo é mencionado.
Não apenas construímos unidades visíveis e tipos reconhecíveis, mas permanecemos cientes de suas afinidades com o que não é percebido no momento; isto é, encontramos neles uma certa tendência e qualidade, não original para eles, um significado e um tom, que após investigação veremos ter sido a característica própria de outros objetos e sentimentos, associados a eles uma vez em nossa experiência. As reverberações silenciosas desses sentimentos associados continuam no cérebro e, ao modificar nossa reação atual, colorem a imagem na qual nossa atenção está fixada. A qualidade assim adquirida pelos objetos por meio da associação é o que chamamos de sua expressão. (SANTAYANA, 1955, p.193)
Ao contrário dos aspectos anteriores discutidos, a expressão não está diretamente relacionada às particularidades materiais do objeto21. Com efeito, se depende de algo, é da experiência, ideias e emoções vividas pelo indivíduo. Na verdade, é a partir desse solo que o que depois será depositado no objeto será construído por meio de associações e sugestões, que acabam por ajudá-lo a perceber algo como belo.
Essa divisão pode ser entendida do ponto de vista psicológico. A expressão trata de uma forma de irradiação de um estímulo sensorial que é mentalmente agregado a valores, emoções ou ideias. Em outras palavras, é uma forma de colorir, agregando emoções e expressões ao objeto por meio do indivíduo e de suas experiências particulares.
É importante notar que Santayana distingue entre duas coisas, uma é o objeto como realmente apresentado ao indivíduo, a palavra, imagem ou coisa, outra é o objeto que foi sugerido, que deriva de uma emoção ou ideia suscitada pela pessoa. Essas duas áreas se unem na mente e delas resulta a expressão tal como entendida pelo filósofo.
Santayana ressalta que se todo o valor fosse depositado apenas na beleza material do objeto, se não houvesse compreensão da emoção, então não poderia haver beleza na expressão. Nesse caso, a beleza presente estaria inteiramente a cargo da matéria e da forma.22
Insistindo na distinção apresentada anteriormente, Santayana reitera como se observa no trecho a seguir.
De fato, se a expressão fosse constituída pela relação externa de objeto com objeto, tudo seria expressivo de forma igual, indeterminada e universal. A flor na parede rachada expressaria a mesma coisa que o busto de César ou a Crítica da Razão Pura. O que constitui a expressividade individual dessas coisas é o círculo de pensamentos aliados a cada um em uma determinada mente; minhas palavras, por exemplo, expressam os pensamentos que realmente despertam no leitor; eles podem expressar mais para um homem do que para outro, e para mim podem ter expressado mais ou menos do que para você. (SANTAYANA, 1955, p.196)
A expressão inerentemente leva em conta as experiências e capacidades do indivíduo em particular. Com efeito, Santayana (1955, p.196) sublinhou que “uma mente não pode fornecer o que não possui. A expressividade de tudo consequentemente aumenta com a inteligência do observador.”
Vale ressaltar que o caráter de expressão está relacionado à sensação de prazer. Como o filósofo escreveu: “Posso ver as relações de um objeto, posso entendê-lo perfeitamente e, não obstante, considerá-lo com total indiferença. Se os prazeres falham, a própria substância e protoplasma da beleza está faltando.” (SANTAYANA, 1955, p.197)
Se o prazer por si só não constitui beleza, entretanto, é uma condição necessária para desfrutar a beleza. Na verdade, sem prazer, posso até desfrutar, por exemplo, algum evento ou objeto, mas não vou considerá-lo bonito. Assim, percebe-se como beleza, prazer e expressão se relacionam. Em suma, “só depois que eu confundir as impressões e permear os próprios símbolos com as emoções que eles despertam e encontrar alegria e doçura nas próprias palavras que ouço, a expressividade não constituirá uma beleza.” (SANTAYANA, 1955, p.197)
A diferença percebida nesta parte pelo pensador é que a beleza da expressão diferente das demais agrega camadas que ajudam a formar a beleza. Na verdade, “a expressão pode, assim, tornar bela por sugestão algo em si indiferente, ou pode vir a aumentar a beleza que já possui.” (SANTAYANA, 1955, p.193)
O interessante a se notar é que a expressão permite que o valor adquirido por um objeto seja totalmente diferente do valor expresso sobre ele. Quintás (1997) fornece um exemplo esclarecedor ao afirmar que uma coisa é a composição de Mozart intitulada Quinteto em Sol menor que expressava dor pela morte de seu pai, outra é o resultado que, embora marcado pela dor, resulta em uma agradável expressão de prazer devido. à sua beleza artística.
Nesse sentido, a expressão dá conta de um novo estrato que ajuda a reforçar a ideia de que a beleza depende dessa interação entre o homem e o mundo, entre o objeto e o sujeito, pois o indivíduo desempenha uma tarefa fundamental ao agregar coberturas emocionais e expressivas ao objeto.
“O Sentido da Beleza” é, sem dúvida, um livro historicamente importante, mas também, um livro que esteticamente continua a atrair leitores e teóricos. Na verdade, conforme proposto por Santayana, ele apresentou uma análise das manifestações da beleza, como a beleza da matéria sensível, a beleza da forma e a beleza da expressividade. Em relação a cada um deles, através do método psicológico procurou compreender quando, como e porque surgiram e foram percebidos pelo indivíduo.
Na verdade, a própria maneira como ele construiu sua teoria da experiência estética operando uma psicologia associacionista funcional combinada com o que pode ser chamado de teoria dos valores hedonísticos em um cenário quase mecânico é, em si, um certo mérito de contribuição para a estética.
Pelo que foi visto, pode-se enfatizar a ideia de que a beleza é, antes de tudo, uma espécie de valor da experiência, não um valor intelectual ou julgamento, mas uma objetivação do prazer, uma experiência que ocorre entre o objeto e o indivíduo que mistura objetivo e subjetivo para alcançar seu gozo. Esse prazer também inclui uma relação com a educação estética.
É curioso notar que a beleza, por fim, parece ocorrer na presença necessária de uma série de objetos e fenômenos, todos distinguíveis, desde a matéria sensorial, a síntese, a ideia e, finalmente, as qualidades emocionais associadas. No entanto, a beleza em si não parece ter nenhum elemento, pois a sentimos como algo indescritível para o filósofo e, nesse sentido, o que é ou o seu significado é impossível de expressar.
O que é possível e o que ele se aventurou a expressar neste trabalho nada mais é do que uma tentativa de descrever algo, como o momento da experiência, seu material, os sentidos e formas que funcionam para a percepção no indivíduo e o que naquele indivíduo pode no entanto, essas observações não esclarecem o mistério da beleza em si. Ele apenas o cerca.
Assim, termina com as palavras significativas e insubstituíveis de Santayana (1955, p.268) de que “a beleza existe pela mesma razão que existe o objeto que é belo, ou o mundo em que esse objeto reside, ou nós que olhamos para ambos. É uma experiência: não há mais nada a dizer sobre isso.”
O Sr. Henshaw me mostrou ontem as anotações muito cuidadosas e completas que você fez em Phil. 8. Posso pegá-los emprestados por tempo suficiente para que sejam copiados? Eles serão muito úteis para mim, pois são muito mais completos do que os breves títulos dos quais dei aula. Estou pensando em publicar um pequeno livro baseado nessas discussões, para que suas notas sejam inestimáveis para mim.”