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“À cabeceira do Estado jaz o crânio de um parente morto”: a figura do soberano em território necropolítico
"At the head of the state lies the skull of a dead relative": the sovereign figure in necropolitical territory
“À cabeceira do Estado jaz o crânio de um parente morto”: a figura do soberano em território necropolítico
Griot: Revista de Filosofia, vol. 21, núm. 1, pp. 283-300, 2021
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Recepção: 10 Abril 2020
Aprovação: 24 Dezembro 2020
Resumo: O presente artigo analisa a necropolítica como pano de fundo da ação militar em regiões periféricas do Brasil. Com isso, propomos um aprofundamento conceitual acerca do termo necropolítica e uma análise de sua atuação no território brasileiro, exemplificada a partir de notícias divulgadas por jornais eletrônicos entre os anos de 2017 e 2020. Para isso, a figura do soberano será tomada à luz da articulação entre vida e linguagem, pois com a expectativa de pacificar a sociedade, uma série de discursos são produzidas com a intenção de fundamentar a imagem do inimigo e justificar a produção de territórios de mortes.
Palavras-chave: Necropolítica, Soberano, Periferia brasileira, Vida, Linguagem.
Abstract: This article analyzes necropolitics as background of military action in peripheral regions of Brazil. With this, we propose a conceptual deepening about the term necropolitics and an analysis of its performance in The Brazilian territory, exemplified from news published by electronic newspapers between the years 2017 and 2020. For this, the figure of the sovereign will be taken in the light of the articulation between life and language, because with the expectation of pacifying society, a series of discourses are produced with the intention of basing the image of the enemy and justifying the production of territories of deaths.
Keywords: Necropolitics, Sovereign, Brazilian peripherical, Life, Language.
Contextualização
Em agosto de 2017, um recém comandante da ROTA2. de São Paulo anunciou que ao policial é necessário adaptar-se ao meio em que se encontra, pois a sua atuação em um bairro “nobre” não pode ser igual ao agir nas periferias: .[...] se eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui no Jardins, ele pode estar sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando” (ADORNO, 2017, s/p.). No mês de setembro do mesmo ano, jornais estamparam um militar usando uma balaclava com imagem de caveira em uma operação militar na favela da Rocinha no Rio de Janeiro3.. Segundo o coronel da corporação: “Foi apenas um cabo do Exército que utilizou aquela máscara, dá para ver pelo uniforme dele. É o mesmo militar em todas as fotos. Ele foi fotografado antes do seu comandante tê-lo mandado tirar. A máscara era dele, ele trouxe de casa. Ele pensou que não haveria problemas” (REZENDE, 2017, s/p).
A crença da inexistência de problemas não é gratuita, como veremos neste artigo tais ações, similares a outras, convergem a um padrão de pensamento que, ao fim, tende a exibir uma linguagem aos moradores de regiões periféricas como sendo um local de “mortos em vida” (MBEMBE, 2018b). E mesmo com as notícias em períodos diferentes percebemos uma similaridade que proporciona para este artigo uma compreensão acerca do gerenciamento de espaços de morte, uma necropolítica (MBEMBE, 2018b), no território brasileiro.
Partindo da noção de necropolítica, formulada pelo politólogo Achille Mbembe (2018b), como pano de fundo de tais eventos, exige-se um aprofundamento conceitual acerca do termo e como podemos identificar a sua atuação no território brasileiro. A estratégia é partir da figura do soberano na articulação entre vida e linguagem, já que com a expectativa de pacificar a sociedade há uma série de discursos que fundamentam a imagem do inimigo e justificam a produção de territórios de mortes. E observando notícias dos últimos três anos nas regiões metropolitanas de Rio de Janeiro e de São Paulo, o procedimento repressivo do Estado expõe tais discursos e justificativas. Como acontece no comentário do comandante da ROTA e na escolha da vestimenta pelo militar que se fundamentam na performance e, por conseguinte, acentua a dessemelhança entre moradores periféricos e de bairros “nobres”.
Partindo desse cenário, no primeiro momento, compreenderemos a relação entre vida e linguagem na obra de Mbembe para estruturar a presença e avanço do necropoder na sociedade brasileira. O segundo ponto, trataremos na formação do imaginário colonial acerca do inimigo e sua estratificação na sociedade. Em seguida, explicaremos como em um contexto de pós-colônia, a biopolítica é repensada, pois nesse contexto há uma necessidade contínua de intervenção militar para apaziguar as diferenças sociais. Essa forma de repensar será a partir de um diálogo entre as teorias de Mbembe e as de pensadores da biopolítica, privilegiando conceitos como imunização, vida nua e estado de exceção. Por fim, apreenderemos como no território necropolítico há criação de uma terceira zona envolvida por um sistema econômico que transforma corpos dóceis em corpos descartáveis.
Vida e linguagem sob a gerência da morte
A escolha de tratar da junção vida e linguagem em um cenário de soberania necropolítica não é gratuita, pois como Mbembe destaca “[...] ser soberano é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implementação e manifestação de poder” (MBEMBE, 2018b, p. 5). Contudo, essa junção fundamenta-se em uma das passagens que Mbembe (2018a) problematiza sobre a crítica que o termo “África” traz à política, pois “esta crítica da vida enquanto crítica da linguagem é precisamente aquilo que o termo ‘África’ nos convida” (MBEMBE, 2018a, p. 102). Tal afirmação possibilita uma série de interrogações: de que maneira a vida adentra na linguagem como forma de descentralizá-la? Por que esta crítica é crucial para interpretar a África contemporânea? Como a África torna-se um termo que estrutura o entrelaçamento entre vida e linguagem?
Sobre a primeira questão, remontamos às investigações de Frantz Fanon (2008) a respeito de como a linguagem se constitui em um povo colonizado, principalmente acerca do “enfeitiçamento” colonial que retira do colonizado as referências locais a favor de uma suposta civilização. Para Fanon, a linguagem não se restringe a um meio de comunicação, mas é um acesso à identidade de uma cultura. Com esse acesso, o colonizado procura reproduzir a linguagem do colonizador e, mesmo que na maioria das vezes seja deslegitimado, cria expectativa de superar o desejo de reconhecimento e distanciar-se da coisificação:
Peço que me considerem a partir do meu Desejo. Eu não sou apenas aqui-agora, enclausurado na minha coisidade. Sou para além e para outra coisa. Exijo que levem em consideração minha atividade negadora, na medida em que persigo algo além da vida imediata; na medida em que luto pelo nascimento de um mundo humano, isto é, um mundo de reconhecimentos recíprocos (FANON, 2008, p. 181).
A segunda pergunta remete àquilo que Mbembe estabelece como elemento primordial para interpretar a Modernidade: “o princípio de raça”. Nele há um encadeamento de dispositivos que categorizam grupos humanos e determinam aqueles que devem ser excluídos de um projeto global:
Por princípio de raça se deve entender, aliás, uma forma espectral da divisão e da diferença humana, suscetível de ser mobilizada para fins de estigmatização, de exclusão e de segregação, por meio das quais se busca isolar, eliminar e até mesmo destruir fisicamente determinado grupo humano (MBEMBE, 2018a, p. 106).
A raça funciona, então, como um elemento interpretativo da posição política no mundo, pois relaciona diferença e inimizade, “[...] projeta a luta pela vida, o princípio de eliminação, de segregação ou de purificação da sociedade” (MBEMBE, 2018a, p. 105). O autor explica, ainda, como a Modernidade tem a raça como fundamento do projeto colonial demarcando as fronteiras para os povos não europeus, ou legitimando a expansão europeia além dos próprios limites. Esse projeto ultrapassaria o século XVIII e alcançaria o ápice no século XIX:
O XIX foi o século triunfante do imperialismo. Foi a época em que, graças ao desenvolvimento da técnica, às conquistas militares, ao comércio e à propagação da fé cristã, a Europa passou a exercer sobre os outros povos mundo afora uma autoridade propriamente despótica - o tipo de poder que somente se exerce fora das próprias fronteiras e sobre pessoas com as quais se julga nada ter em comum (MBEMBE, 2018a, p. 105).
Desse modo, os valores liberais relacionados com a expansão imperialista como universalismo, direitos da pessoa humana e liberdade de trocas surgem como atributos que caracterizam “[...] a natureza das relações da Europa com os mundos extraeuropeus” (MBEMBE, 2018a, p. 105). Em tais relações, a raça perdura como representação das influências mútuas, o predomínio de certas narrativas e o silenciamento de outras. Por conseguinte, Mbembe adverte como uma crítica à Modernidade se torna irrealizável sem pôr em questão o princípio de raça, principalmente quando se articula com as técnicas de dominação “[...] cujo alvo imediato, direto, é o corpo do outro e cujo campo de aplicação é a vida em sua generalidade” (MBEMBE, 2018a, p. 106).
Já a questão “como a África torna-se um termo que estrutura o entrelaçamento entre vida e linguagem?” corresponde ao eixo principal da interpretação do autor sobre como o continente africano deixou de ser apenas uma localização geográfica para transformar-se em uma forma manuseável de “homens-mercadoria”. Essa forma consistiu em conjuntos de práticas direcionadas ao corpo do outro desde o tráfico atlântico de africanos escravizados. Tais práticas transformaram os escravizados em “homem-mercadoria”, “homem-moeda”: “aprisionados no calabouço das aparências, passaram a pertencer a outros, que se puseram hostilmente a seu cargo, deixando assim de ter nome ou língua própria” (MBEMBE, 2018a, p. 14). Para obter essa efetivação um duplo discurso foi construído no campo político: o biológico do termo raça e o de divisão e submissão racial. A partir dessa dupla correspondência, Mbembe explica que as plantations são uma das primeiras experiências biopolíticas que subtrai a humanidade do escravizado a partir da “[...] perda de um ‘lar’, perda de direitos sobre seu corpo e perda de estatuto político. Essa tripla perda equivale a uma dominação absoluta, uma alienação de nascença e uma morte social (que é expulsão fora da humanidade)” (MBEMBE, 2018a, p. 27).
Tais condições de dominação, de alienação e de morte reverberam atualmente quando há uma relação radical e transgressora entre Estado e cidadania por meio da manifestação do necropoder a toda população que vive em condição de precariedade: “[...] párias que não foram expulsos da sociedade do bem-estar, mas que ocupam as margens desta; seres invisíveis que habitam não lugares, cuja vida se fala nas mãos do necropoder” (ARCHAMBAULT, 2011, p.11). Nesse sentido, a importância em articular vida e linguagem em contexto necropolítico corresponde a examinar “trajetórias pelas quais o estado de exceção e a relação de inimizade tornaram-se a base normativa do direito de matar” (MBEMBE, 2018b, p. 17). Com o estado de exceção perdurando através de um ficcional inimigo, ele se movimenta na divisão de vivos e mortos determinados pelo campo biológico, e também, na atuação do biopoder que opera pelo racismo para distribuir a espécie humana em diferentes grupos: “Na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição da morte e tornar possíveis as funções assassinas do Estado.” (MBEMBE, 2018b, p. 18).
Com esses elementos, a leitura da sociedade é centrada em legitimar a morte do inimigo que ameaça os valores formadores do cidadão e da cidadã ideal. Não gratuitamente, os discursos eleitorais do ano 2018 se concentravam justamente na eliminação das ameaças, ou melhor, no discurso de “intolerância ao crime”. Como ouvimos daqueles ainda candidatos ao governo dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, seja enfatizando a utilização de atiradores de elite, “a polícia vai mirar na cabeça e fogo, para não ter erro” (OLIVEIRA, 2018, s/p), cunhando assim a “lei do abate”; seja legitimando a morte: “a partir de 1º de janeiro, ou se rendem ou vão para o chão”, já que “se fizer o enfrentamento com a polícia e atirar, a polícia atira. E atira para matar” (RODRIGUES, 2018, s/p). Discursos reafirmados nos setores da presidência da República não somente pela normalização do “cidadão do bem”, mas pela tentativa de instituir em um “pacote anti-crime” o mecanismo de “exclusão de ilicitude”: “policiais precisam ter certeza de que, no exercício de sua atividade profissional, serão protegidos por uma retaguarda jurídica, garantida pelo Estado, através do excludente de ilicitude” (FORTUNA, 2018, s/p). Um mecanismo já previsto no Código Penal brasileiro e acionado conforme o art.23 do Código: “Não há crime quando o agente pratica o fato: I – Em estado de necessidade; II – Em legítima defesa; III – Em estrito cumprimento legal de dever ou no exercício regular de direito” (BRASIL, 1984).
A gravidade no “Pacote Anti-crime” é que visava a inserção de um segundo inciso ao artigo: “[...] o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2019, p. 8, grifos nossos). Com tais elementos cria-se um artifício subjetivo que praticamente incapacita um julgamento das ações policiais sem reproduzir, não importa o caso, uma salvaguarda de conduta. Mesmo com a reavaliação através das operações em Garantias de Lei e Ordem (GLO) ainda se percebe essa licença institucional para matar, pois a GLO seria acionada quando o presidente da República entendesse como finita todas as possibilidades tradicionais de segurança pública e, então, atribuísse às Forças Armadas o poder provisório de polícia. Um poder que as capacita em atuar seja em: “1. Prática ou iminência de prática de ato de terrorismo; 2. Prática ou iminência de prática de conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal; 3. Restringir a liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça; 4. Portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo” (MACHADO; FRANCO, 2019, s/p).
Desse modo, a morte deixa de ser uma ocorrência que pode ser evitada, mas funciona como uma engrenagem do necropoder racializando os espaços. Tais prerrogativas expõem vida e linguagem em uma relação intrínseca com a morte, sendo necessário ao soberano criar prerrogativas de segurança para que os agentes repressores do Estado atuem sem reproduzir falhas contra os próprios agentes.
A preocupação com a segurança pública não é uma eventualidade nas pós-colônias, desde os processos de independência colonial criou-se uma linha divisória em que “[...] o interlocutor legítimo e institucional do colonizado, o porta-voz do colono e do regime de opressão é o policial ou o soldado” (FANON, 2013, p. 54). E esse interlocutor medeia a metrópole e a colônia, o centro e o periferia por meio de uma linguagem da violência “com coronhadas ou napalm” (FANON, 2013, p. 54). Inclusive, para Fanon, “[q]uando se observa em sua imediatidade o contexto colonial, verifica-se que o que retalha o mundo é antes de mais nada o fato de pertencer ou não a tal espécie, a tal raça” (FANON, 2013, p. 56) para cindir em duas zonas distintas em que molda classes racializadas: “A causa é consequência: alguém é rico porque é branco, alguém é branco porque é rico” (FANON, 2013, p. 56). Tudo isso ganha complexificação quando o imaginário acerca de África agrega o termo “negro”, mesmo havendo a compreensão de que “nem todo africano é negro, nem todo negro é africano”, ainda assim “[u]m se confunde com o outro e faz pesar no outro sua carga untuosa, a um só tempo sombra e matéria. Ambos são produtos de um longo processo histórico de fabricação de sujeitos raciais” (MBEMBE, 2018a, p. 79).
Com isso, pode-se dizer que a linguagem é o próprio sistema da vida, pois em seu interior “[...] supõe-se que ofereça as coisas ao nosso olhar, mas numa visibilidade tão radiante que essa mesma visibilidade esconde o que a linguagem tem a dizer e o que a vida tem a mostrar” (MBEMBE, 2018a, p. 101). E tais apontamentos contribuem para interrogar as implicações dessa relação linguagem e vida em contexto necropolítico, principalmente diante da ocorrência massiva do extermínio de pessoas negras na sociedade brasileira. Um extermínio justificado pela imagem do inimigo e sua ameaça aos valores civilizacionais.
A existência do nome
O debate acerca da necropolítica tornou-se um elemento recorrente no cenário intelectual brasileiro4. suscitando inúmeras interpretações e questionamentos. A interpretação seguida por este artigo inicialmente se deu em questionar como a vida e a linguagem num cenário necropolítico é acionada, agora a discussão se dará em como nas sociedades colonizadas a figura do soberano utiliza máscaras para adquirir eficiência à luz da militarização. Uma militarização em que “populações inteiras são o alvo do soberano. As vilas e cidades sitiadas são cercadas e isoladas do mundo. A vida cotidiana é militarizada. É outorgada liberdade aos comandantes militares locais para usar seus próprios critérios sobre quando e em quem atirar” (MBEMBE, 2018b, p. 48). Não gratuitamente, Mbembe interpreta, a partir de contextos territoriais diversos, os modos como a violência e a morte são os novos produtos coloniais “oferecidos” às colônias, com discursos baseados no estabelecimento da paz: “Era particularmente o caso dos pobres ao cuidado da sociedade e dos vagabundos e delinquentes, supostamente nocivos para a nação. Era uma tecnologia de regulação dos movimentos migratórios” (MBEMBE, 2017, p. 23). Acerca disso, no início do livro Sair da grande noite (MBEMBE, 2019) encontramos um relato biográfico que destaca o “assombro” do colonizador em presença do “desconhecido”:
Eu nasci num dia de Julho, quando o mês se aproximava do fim, naquela região da África que foi chamada, tardiamente, de ‘Camarões’, como lembrança do assombro dos marinheiros portugueses do século XV quando, subindo o rio nos arredores de Duala, não puderam deixar de notar a presença de um infinidade de crustáceos, e assim batizaram o local de ‘Rio de Camarões’(MBEMBE, 2019, p. 34).
Essa passagem destaca como os locais fora do território europeu enfrentaram, no processo de colonização e pós-colonização, dificuldades de autodenominarem-se diante das escolhas e atribuições dadas pelos colonizadores. O exemplo de Camarões evidencia o efeito desse movimento colonializador: ignorar as nomenclaturas e as contextualizações produzidas através de gerações daquele local e inserir aquelas que estão em conformidade com o imaginário colonial. Tal como relata Mbembe (2019, p. 34): “Eu cresci à sombra dessa região sem nome próprio porque, num certo sentido, o nome que ela recebeu é apenas o produto do espanto de um outro – um equívoco, deve-se dizer, léxico”. Um espanto que enfatiza o ato de nomear o “outro” como o primeiro artifício colonial responsável por subtrair a multiplicidade cultural, étnica e social de grupos diversos em favor de uma unidade que retira a potência do colonizado: “os colonizadores, ao substituírem as diversas autodenominações desses povos, impondo-os uma denominação generalizada, estavam tentando quebrar as suas identidades com o intuito de os coisificar/desumanizar” (SANTOS, 2015, p. 27). Não importando se com o passar do tempo outras significações surjam, pois se mantém o caráter negativo como forma de domínio em prol de uma unificação. Tal como aconteceu com a palavra “África”:
‘África’ é, portanto, a palavra com a qual especialmente a era moderna se esforça para designar duas coisas. Primeiro, uma determinada figura litigiosa do humano emparedado na precariedade absoluta e no vazio do ser. E, a seguir, a questão geral da inextricabilidade do humano, do animal e da natureza, da morte e da vida, da presença de uma na outra, da morte que vive na vida e que lhe dá a rigidez de um cadáver (MBEMBE, 2018a, p. 96).
Nessa “morte que vive na vida e lhe dá rigidez de um cadáver” já se observa como vida e linguagem envolvem-se em um jogo colonial em que o colonizador aplica para regular, até mesmo retirar, a humanidade daquele que lhe aparece. Isso pode ser observado no conceito de necropolítica publicado em um ensaio homônimo em 20035.. Tal conceito relaciona-se à vivência nas sociedades pós-coloniais que em sua variação enfatiza a aglutinação do agir soberano entre a ampliação do poder com o direito, pois “o soberano pode matar em qualquer momento ou de qualquer maneira [...] o terror colonial se entrelaça constantemente com um imaginário colonialista, caracterizado por terras selvagens, morte e ficções que criam o efeito de verdade” (MBEMBE, 2018b, p.36). Com tal prerrogativa, o poder de morte sobre o direito de vida propicia ao soberano uma atuação de criar territórios de mortes:
Propus a noção de necropolítica e necropoder para dar conta das várias maneiras pelas quais, em nosso mundo contemporâneo, as armas de fogo são dispostas no interesse da destruição máxima de pessoas e da criação de ‘mundos de morte’, formas novas e únicas da existência social, nas quais vastas populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o status de ‘mortos-vivos’ (MBEMBE, 2018b, p. 71).
Esse status de “mortos-vivos” provoca uma banalização, uma prática recorrente pela força do Estado em matar, como aconteceu em junho do ano de 2018 em uma operação na Maré na cidade de Rio de Janeiro. Marcos Vinícius da Silva, um adolescente negro de 14 anos, morto por policiais com tiros na costas. Uma operação composta por policiais militares, civis e soldados do Exército6., com a justificativa de exterminar seis suspeitos envolvidos na morte de um inspetor da polícia. Um “tiro acidental”, que para a mãe de Marcos Vinícius, a doméstica Bruna de Silva, revela “um Estado doente que mata criança com roupa de escola” (BETIM, 2018, s/p). Tanto que Marcos Vinícius interrogou a mãe, minutos antes de morte, se os militares não viram o seu traje de escola. Tais ações repressivas reforçam a situação de que “à cabeceira do Estado independente jaz o crânio de um parente morto” (MBEMBE, 2019, p. 38).
Essa morte de Marcos Vinícius ressoa o “símbolo do exílio” proveniente dos séculos anteriores que persegue a população africana da diáspora através de uma pergunta: a qual lugar pertenço? Transformando o ser africano naquele que reside em um local, um território, que ingratamente caracteriza-se por uma institucionalização da morte, pois não diz respeito ao controle de certos corpos e sim pelos territórios habitados por tais corpos. Essa diferenciação torna-se visível em grande parte pelas questões: como legitimar corpos como descartáveis? Como normalizar certos locais como sendo de mortes em vida? Mesmo que no local não predomine a violência, ela permanece como um dispositivo pelo qual o soberano fragmenta e estereotipa uma parte da humanidade com o intuito de imaginá-la como “inimigo”. Assim, adverte a mãe de Marcos Vinícius: “Dizem que minha comunidade é violenta. Mas a minha comunidade não é violenta, ela é muito boa. É a operação que, quando vai lá, vai com muita truculência” (BETIM, 2018, s/p). Uma truculência alimentada pelo racismo que, conforme comenta Luís Carlos Ferreira dos Santos (2019, p. 61), é uma práxis na democracia brasileira como “uma ferramenta de muita importância no regime necropolítico, na medida em que cria uma relação sem desejo”. Uma relação baseada no terror e no horror presente em quaisquer sociedades pós-coloniais, pois “[...] vive-se com a persistência do terror, em várias regiões do mundo. O terror transmuta-se de diferentes formas, em regiões como na África e na América Latina, cada um com as suas singularidades” (SANTOS, 2019, p. 62).
Com tais caracterizações, analisaremos em seguida como a figura do soberano apresenta elementos diferentes na metrópole e na colônia. Principalmente pela característica desse soberano que possui a dinâmica de abandonar os corpos na morte em vida.
O abandono do Soberano
Em abril de 2019, por ação do Exército brasileiro, o músico Evaldo dos Santos, um homem negro de 51 anos, foi executado na zona norte do Rio de Janeiro com 80 tiros. Esse evento relatado de uma pessoa presente no local, ilustra como as ações repressivas do Estado movimentam-se a partir da imagem criada sobre quem é uma real ameaça:
Estava tendo tiroteio em Guadalupe, então eles acharam que era do carro. Eles atiraram e uma familiar minha, que pegou o filho dela que estava no carro, gritou: ‘É carro de família’. Não tinha vidro fumê, foi execução. Eles atiraram, só teve tempo dos outros saírem do carro, menos o marido dela, que estava de motorista. Depois que o tiro acertou, eles continuaram acertando. Tem vídeo mostrando quantos disparos foram, foi execução (COELHO et. all, 2019, s/p).
A série ininterrupta dos tiros evidencia uma problemática que, para Mbembe, corresponde ao significado que o termo “negro” possui contemporaneamente: um sinal politicamente orientado para uma relação íntima entre morte e vida. Uma relação “[...] que se tornou quase impossível delimitar nitidamente a fronteira que separa a ordem da vida a ordem da morte” (MBEMBE, 2018a, p. 104). Ainda oriundo dessa relação, Mbembe problematiza como o termo “negro” corresponde contemporaneamente ao “devir”, que transforma o mundo em um imenso túmulo vazio.
Para fundamentar tal interpretação, o autor recorre à figura do Kolossos, retirada das pesquisas de Jean-Pierre Vernant (2007) sobre a civilização grega e definida como aquilo que reproduz os vestígios do defunto, dando a ilusão de sua aparência. Essa ilusão cria um simulacro para projetar a vida na morte, apesar de que “[...] o Kolossos não é uma imagem; é um duplo, como o próprio morto é um duplo do ser vivo” (VERNANT, 2007, p. 534). Partindo dessa definição para pensar a atualidade, Mbembe (2018a) argumenta que a primeira máscara do soberano se configura na atribuição do termo “negro” à função de preenchimento do imenso caixão vazio que se tornou o mundo. Um preenchimento como um mnema, um sinal, que “[...] cada vez que se evoca a palavra ‘negro’, são trazidos à luz do dia os detritos do nosso mundo, esse excedente cuja ausência do túmulo é tão insólita quanto aterradora.” (MBEMBE, 2018a, p. 103). Em outras palavras, o “negro” é o Kolossos do mundo.
Tal afirmação fundamenta a norma necropolítica de abandono a certos indivíduos quando comparada a atuação no regime biopolítico. Para compreender o abandono, recorremos, inicialmente, à Agamben (2010) e à interpretação de homo sacer. Essa interpretação trata da dupla exceção entre o direito humano e o divino que a pessoa sofre e tem a sua vida como “insacrificável”, porém “matável”, “[...] como uma excrescência do profano no religioso e do religioso no profano, que configura uma zona de indiferença entre sacrifício e homicídio” (AGAMBEN, 2010, p. 85). Contudo, no necropoder os fenômenos “nascer” e “morrer” comungam vida e morte para descartar corpos, destituindo a sacralidade sobre a vida: “Condenado à aprendizagem para toda a vida, à flexibilidade, ao reino do curto-prazo, deve abraçar a sua condição de sujeito solúvel e fungível, a fim de responder à injunção que lhe é constantemente feita – tornar-se um outro” (MBEMBE, 2018a, p. 17). Um “outro” que ressoa na exposição de George Bataille (1991) acerca da soberania pois, para o autor, o soberano extrapola a morte em seu significado e a define como “excesso” que inutiliza a vida. Por conseguinte, a soberania abandona o limite da morte para ratificar a sua presença no mundo: “O soberano é ele quem ele é, como se a morte não fosse... não respeita os limites de identidade mais do que os da morte, ou ainda, esses limites são os mesmos; ele é a transgressão de todos esses limites” (BATAILLE, 1991, p. 222).
Outros aspectos nas sociedades pós-coloniais (mesmo em suas variações) possuem proximidades com o paradoxo da soberania biopolítica em que “[...] tendo o poder legal de suspender a validade da lei, coloca-se legalmente fora da lei” (AGAMBEN, 2010, p. 22) e também aquilo que Roberto Esposito (2010) problematiza como “dispositivo imunitário”. Esse dispositivo se determina a partir da constituição subjetiva de uma recusa à resistência por causa do atrelamento do individualismo moderno ao absolutismo: “[...] não só a independência do poder de qualquer limite externo, mas, sobretudo o efeito de libertação que projeta sobre todos os homens” (ESPOSITO, 2010, p. 94). Inclusive, pela expectativa de um grupo privilegiado da população acerca da ação soberana, firma-se um “contrato” que retira os indivíduos de uma condição naturalmente belicosa para uma aparente paz civil. A manutenção dessa paz legitima-se pelo uso das tecnologias de poder sobre o corpo dos outros para apaziguar os ânimos da população privilegiada, pois “a burguesia não se interessa pelos loucos, mas pelo poder que incide sobre os loucos; a burguesia não se interessa pela sexualidade da criança, mas pelo sistema de poder que controla a sexualidade da criança” (FOUCAULT, 2016, p. 29).
Além disso, as diferenças entre as ações bio e necropolíticas nas sociedades pós-coloniais podem ser condensadas na afirmação de Fanon (2013, p. 55): “Ali, nasce-se em qualquer lugar, de qualquer maneira. Morre-se em qualquer lugar, de qualquer coisa”. Uma afirmação que ratifica a racionalidade do abandono em sociedades multirraciais, como a brasileira, por produzir dispositivos e propiciar o avanço da necropolítica. Essa racionalidade, na interpretação de Sueli Carneiro (2005), articula políticas raciais brasileiras com o biopoder com a intenção de formar um “dispositivo de racialidade”, o qual inferimos ter proximidade com uma necropolítica por meio da ação pelo/no corpo, que “[...] disciplina as relações raciais nas sociedades pós-coloniais e as relações de soberania entre as nações racialmente inferiorizadas” (CARNEIRO, 2005, p. 75). Para efetuar tal ação as categorias de gênero e de raça são acionadas como meios para justificar aqueles e aquelas que devem viver ou que devem morrer: “No que diz respeito ao gênero feminino, evidencia-se a ênfase em tecnologias de controle sobre a reprodução, as quais se apresentam de maneira diferenciada segundo a racialidade; quanto ao gênero masculino, evidencia-se, a simples violência (CARNEIRO, 2005, p. 72).
Desse modo, Carneiro compreende que a noção de biopoder fornece a via interpretativa de como a “guerra de raças” consolida-se naquilo que Foucault denominou como racismo de Estado que, em comunhão com o colonialismo, “[...] vai irromper em certo número de pontos privilegiados, que são precisamente os pontos em que o direito à morte é necessariamente requerido. O racismo vai se desenvolver primo com a colonização, ou seja, com o genocídio colonizador” (FOUCAULT, 2010, p. 216, grifo do autor). O racismo torna-se um mecanismo fundamental do poder, intervindo politicamente na organização populacional através de procedimentos médicos, como na condução de envelhecimento da sociedade. Para Carneiro, essa situação promove o surgimento de técnicas disciplinares que permitem avaliar a população, os fenômenos coletivos e o poder de fazer viver e de deixar morrer. Ainda para autora, esse é o momento em que Foucault entende como “[...] o Estado moderno possibilita incluir aí práticas de racismo institucional e não legalmente instituídas” (CARNEIRO, 2005, p. 74). A partir disso, formula-se “[...] o corte entre o que deve viver e o que deve morrer” (FOUCAULT, 2010, p. 214) e, por consequência, permite a Carneiro interpretar a perspectiva da negritude como signo de morte:
É nessa perspectiva que inscrevemos a negritude sob o signo da morte, a partir da análise das distinções que se apresentam no processo nascer-adoecer-morrer ou simplesmente no processo viver-morrer de negros e brancos na sociedade brasileira, em que se aliam predisposições genéticas com a produção de condições de vida diferenciadas (CARNEIRO, 2005, p. 74).
Essa produção de condições de vida, para a autora, implica a estratificação social, em atributos raciais, determinando quais tarefas se adequam a certos grupos populacionais. Uma adequação normalizada através de um “contrato racial”7., baseado em um projeto de embranquecimento estético e eugênico fundamentado na construção do “outro” como “Não-ser” à luz de “[...] experiências e pesquisas, que tiveram negros e índios como cobaias para o desenvolvimento de tecnologias para o bem estar dos corpos brancos” (CARNEIRO, 2005, p. 45). Ou, ainda, pela aplicação de uma política imigratória sobre grupos estereotipados seja para excluí-los ou integrá-los em uma série de benefícios sociais. Nesse cenário brasileiro, o biopoder, conforme explica a autora, não precisa da raça como categoria institucionalizada para matar, mas apenas provocar a hostilidade e/ou o desprezo em nível social relacionado ao grupo racial. Por isso, o dispositivo de racialidade na incapacidade de disciplinar ou de subordinar, elimina o indesejável por meio de um dinâmica de “cídios” em variadas expressões “[...] como ação ou omissão do Estado, suportado pela conivência, tolerância ou indiferença da sociedade” (CARNEIRO, 2005, p. 93).
Em certa ordem, as técnicas disciplinares utilizam da racialidade para gerar o processo saúde-doença-morte conforme as características distintas de cada grupo populacional. O dispositivo de racialidade agregado ao biopoder provoca um “[...] mecanismo de produção de dupla consequência: promoção do vitalismo dos brancos e multicídios de negros na esfera do biopoder” (CARNEIRO, 2005, p. 94). Portanto, no âmbito brasileiro as visões raciais são produzidas historicamente com a operação de um “[...] instrumento de produção e reprodução sistemática de hierarquias raciais e, mesmo, produção e distribuição de vida e de morte” (CARNEIRO, 2005, p. 94).
Como aconteceu com o músico Evaldo dos Santos, seu extermínio é mais um exemplo de como o “dispositivo da racialidade” aciona o necropoder, permitindo a sua ação contundente modificando a norma biopolítica de “fazer viver, deixar morrer” para aperfeiçoar o matar e abandonar à morte. Inclusive pelo aparato maquínico de guerra que “militariza-se a vida cotidiana. Outorga-se aos comandantes militares locais a liberdade de matar a quem apareça e de onde apareçam” (MBEMBE, 2018b, p. 53). No entanto, nem todos os corpos são matáveis, como bem analisa Eliseu Amaro Pessanha (2018), já que apenas se refere àqueles que estão sob a “iminência de morte a todo instante, sob o corpo matável opera a lógica da moral invertida, ou uma moral suspensa, a política da morte segue os seus próprios valores e tem como parâmetro definidor, a raça” (PESSANHA, 2018, p. 37). Tanto que o exército “confundiu” o carro do Evaldo com aquele do suposto atirador, mas essa confusão de olhar não se deu por acidente, e sim por um procedimento necropolítico que visa se o corpo habita um território de “mortos em vida” para aplicar uma execução já pré-determinada.
Uma pré-determinação orientada pela “ocupação colonial” que, conforme Mbembe (2019, p. 44), caracteriza-se por “uma soberania vertical” que supervisiona o território, fragmenta e controla o movimento de pessoas, sempre com o argumento de segurança e de precaução de ameaças. Tais ameaças servem de fundamento para ação necropolítica como um dispositivo “[...] que pode determinar em que área e em que momento o estado de exceção pode ser executado sem o menor constrangimento jurídico” (PESSANHA, 2018, p. 39), como acontece nas zonas periféricas dos grandes centros brasileiros. Além disso, a existência de vestígios de negatividade em corpos negros, como destaca Lorena Silva Oliveira (2018), atua como um dispositivo que os rotula de anormais, de delinquentes e de vadios. Sabendo que “[...] tais inscrições foram construídas pelo Eu hegemônico que se sente no direito de falar por nós negros, difundindo no imaginário social, o que lhe convém dizer sobre estes corpos, os quais ele transformou em escravizado” (OLIVEIRA, 2018, p. 77).
Por isso, acompanhando Mbembe, esse trato da vida com um preço “[...] tão baixo que não equivale a nada, nem sequer como mercadoria e, ainda menos, humana – é uma espécie de vida cujo valor está fora da economia, correspondendo apenas ao tipo de morte que se lhe inflige” (MBEMBE, 2018a, p. 67). Neste sentido, a categoria de valor agregado à tecnologia biopolítica associa vidas negras a meros objetos, ignorando historicamente como “[...] os corpos negros foram a força produtiva suprema por séculos [...] gerando riquezas que viabilizaram a emergência de tecnologias para o nascimento de uma nova forma de produção da vida material, o capitalismo” (OLIVEIRA, 2018, p. 77). Acrescentando que como a produção e o consumo capitalista baseia-se em excesso e descarte, o necropoder funciona determinando quais corpos são descartáveis e, por conseguinte, o trabalho deixa de dignificar humanos para ser uma estratificação da espécie humana:
Na perspectiva da razão mercantilista, o escravo negro é simultaneamente um objeto, um corpo e uma mercadoria. Enquanto corpo-objeto ou objeto-corpo, possui uma forma. É também uma substância potencial. Essa substância, que gera seu valor, deriva de sua energia física. É a substância-trabalho. O negro é, desse ponto de vista, uma matéria energética. Essa é sua primeira porta de entrada no processo de troca (MBEMBE, 2018a, p. 145).
Essa mudança de ordem colonial reverbera nas modulações do soberano, pois como ficou explicitado até aqui, a soberania corresponde a um direito de matar para o soberano não cometer qualquer ilegalidade. O problema é quando a morte deixa de ser uma eventualidade da vida para ser aquilo que a gerencia, ou melhor, a vida tem preço dependendo da distância ou da proximidade com a morte. Justamente nessa espacialidade que se torna visível a necropolítica, movimentando-se e relegando o colonizado a uma zona indeterminada entre o estatuto de sujeito e de objeto. Uma zona que merece uma análise nessa última seção do artigo.
Necrotério dos vivos
A criação do “ficcional inimigo” por parte do poder soberano direciona para a colônia o símbolo principal de residência daqueles e daquelas perdidas entre os impulsos predatórios e a guerra sem paz: “[...] a colônia representa o lugar em que a soberania consiste fundamentalmente no exercício de um poder à margem da lei (ab legibus solutus) e no qual a ‘paz’ tende a assumir o rosto de uma ‘guerra sem fim’” (MBEMBE, 2018b, p. 32-33). Nas colônias, em qualquer momento, a ordem judicial pode entrar em suspensão e os seus habitantes sobrevivem em uma zona que necessita da “violência do estado de exceção [que] supostamente opera a serviço da ‘civilização’” (MBEMBE, 2018b, p. 35). O direito soberano de matar sendo executado em qualquer tempo e maneira por não se sujeitar a qualquer regra, acaba por regular aquela parte da humanidade reduzida a denominação de “outros” e de “necessária” formação em conforme com os “valores civilizacionais”, mesmo se para isso requerer o uso da violência. Essa prerrogativa acontece justamente por produzir uma série de argumentos acerca da possibilidade do “outro”, e sua existência tratar-se de um atentado contra a vida da civilização. Portanto, a “[...] eliminação biofísica reforçaria meu potencial de vida e segurança, é este, penso eu, um dos muitos imaginários de soberania, característico tanto da primeira quanto da última modernidade” (MBEMBE, 2018b, p. 20).
Esse panorama se fundamenta naquilo que Mbembe define como alterocídio, ou seja, compreender o “outro” como um dessemelhante e pensá-lo “como objeto propriamente ameaçador, do qual é preciso se proteger, se desfazer, ou ao qual caberia simplesmente destruir, na impossibilidade de assegurar seu controle total” (MBEMBE, 2018a, p. 27). O símbolo dessa impossibilidade é o “negro”, um significante reduzido àquilo que se odeia e aberto ao terror, consumindo-se em um “ser-outro”: “[...] vigorosamente forjado pelo vazio e cujo negativo havia penetrado todos os momentos da existência - a morte do dia, a destruição e o perigo, a inominável noite do mundo” (MBEMBE, 2018a, p. 30). Para o imaginário colonial, o “negro” corresponde a uma confusão entre o humano e o animal que em sua natureza abriga a própria morte. Um abrigo que se torna um elemento balizador do cerne desse início de século, acelerado pela globalização dos mercados, pela privatização do mundo e pela regulação neoliberal. Elementos próprios de uma engrenagem caracterizada pela “[...] crescente complexificação da economia financeira, do complexo militar pós-imperial e das tecnologias eletrônicas e digitais” (MBEMBE, 2018a, p. 53) que para Mbembe formam o neoliberalismo e institui “a época ao longo da qual o tempo curto se presta a ser convertido em força reprodutiva da forma-dinheiro” (MBEMBE, 2018a, p. 15).
Um domínio neoliberal que orienta ações políticas em salvaguardar a economia financeira ao invés da preservação da vida humana, tornando-se um “necroliberalismo” que naturaliza a oportunidade de viver e de morrer de grupos humanos: “Esse sistema sempre operou com a ideia de que alguém vale mais do que os outros. Quem não tem valor pode ser descartado” (MBEMBE, 2020, s/p). Um descarte que produz a indiferença regulada pela normatização paranoica de códigos sociais, repleto de estatísticas e abstraindo os conflitos sociais em prol de uma racionalização do mundo através de lógicas empresariais:
Já não há trabalhadores propriamente ditos. Só existem nômades do trabalho. Se, ontem, o drama do sujeito era ser explorado pelo capital, a tragédia da multidão hoje é já não poder ser explorada de modo nenhum, é ser relegada a uma ‘humanidade supérflua’, entregue ao abandono, sem qualquer utilidade para o funcionamento do capital (MBEMBE, 2018b, p. 15-16).
Aqui se percebe como o “abandono do soberano” é uma reação neoliberal com o intuito de controlar e descartar corpos. Para tanto o necropoder apropria e aplica as tecnologias governamentais biopolíticas com a pretensão de subjugar corpos e populações em uma espacialização da violência. Um movimento que Sayak Valencia (2010) entende como “Capitalismo sangrio”, o qual “tem como fim comercializar o processo de provocar morte” (VALENCIA, 2010, p. 147). A autora observa que nessa época globalizada há uma intensificação da vulnerabilidade extrema, tratando o corpo como uma mercadoria que tem os seus direitos encobertos em prol de uma eficiência financeira. Essa importância do corpo-mercadoria é vendida aos “sujeitos assujeitados” para dessacralizar o próprio corpo e o do outro em um comportamento de risco baseado pela aposta e pela renúncia. Por fim, “aderindo-se a uma lógica kamikaze que indubitavelmente levará à destruição corporal e a perda da própria vida, com um preço a pagar, dentro do enriquecimento sangrio que se ancora nos pressupostos do empréstimo bancário” (VALENCIA, 2010, p. 141).
Com isso, a morte aparece como um exorcismo de entidades que atrapalham o equilíbrio pacífico entre os cidadãos e urge em retirá-las da sociedade: “Há uma negociação com a morte, seja esta por meio da adoção strictu senso das lógicas capitalistas ou de um modo sincrético entre capitalismo e ritual.8” (VALENCIA, 2010, p. 141). Uma junção intensificada pela “lógica kamizake” que, retomando a teoria de Mbembe, entende o quesito da raça e do racismo utilizados pelo necropoder em vista de uma ocupação colonial dos espaços periféricos e um aperfeiçoamento do ato de matar:
Várias outras tecnologias são mobilizadas para esses efeitos, sensores a bordo de veículos aéreos não tripulados (ummmned aír vebicles), jatos de reconhecimento aéreo, prevenção usando aviões com sistema de alerta avançado (Hawkeyeplanes), helicópteros de assalto, um satélite de observação da Terra, técnicas de holograma. Matar se torna um assunto de alta precisão (MBEMBE, 2018, p. 47).
Alta precisão que, ingratamente, visa uma estrutura imaginária fora das limitações do concreto, do sensível e do finito com o intuito de povoar e repovoar regulado por um “[...] sonho louco de um mundo sem os outros” (MBEMBE, 2001, p. 181). Por outro lado, nos adverte Mbembe (2018, p. 69), “[...] é típico da raça ou do racismo sempre suscitar ou engendrar um duplo, um substituto, um equivalente, uma máscara, um simulacro”. Produzindo um “rosto humano autêntico” sempre encoberto por um véu que fomenta uma imaginação desse rosto, como um simulacro perpetuado apenas por uma silhueta que modela um senso utópico de humano, por inserir uma personagem no mundo como ausente de representação. Com essa utopia, o imaginário colonial utiliza-se do racismo para substituir aquilo que é, por uma realidade diferente, já que “[...] para o racista, ver um negro é não ver que ele não está lá; que ele não existe; que ele não é outra coisa senão o ponto de fixação patológica de uma ausência de relação” (MBEMBE, 2018, p. 69).
Em decorrência, a raça se situa como elemento que ultrapassa o ser, ao mesmo tempo que se submete a ele, conduzindo as narrativas de extermínio em consonância com a formação da sociedade. Tal como acontece no cenário brasileiro, a ação repressiva do Estado é sublimada pelo noticiário como não sendo uma ação de racismo, já que a maioria dos policiais possuem um fenótipo similar aos daqueles/as exterminados/as. Diferente entonação quando noticia, por exemplo, uma ação da polícia estadunidense em que habitualmente ouvimos nos noticiários: “um homem negro morto por um policial branco”. Essa diferenciação do racismo torna-se maléfica na própria corporação militar quando os corpos negros são os mais matáveis mesmo no cerne dessa instituição, como apresentou um recente estudo “PMs negros morrem mais do que os colegas brancos de tropa, mesmo sendo um grupo menor na corporação” (ALESSI, 2020, s/p). Ou ainda, como analisa Marielle Franco9. (2014), o número de policiais negros mortos teve um aumento exponencial entre os anos de 2011 e 2104, período de implementação nas favelas do Rio de Janeiro (2009 na Cidade de Deus e 2012 na Rocinha) as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), revelando que “não há como hierarquizar a dor, ou acreditar que apenas será doído para as mães de jovens favelados. O Estado bélico e militarizado é responsável pela dor que paira também nas 16 famílias10 dos policiais mortos desde o início das UPPs” (FRANCO, 2014, p. 99).
Ainda assim, os assassinatos “acidentais” por parte de ações militares nas favelas continuam produzindo exponencialmente maior número de vítimas em relação aos outros lugares da sociedade. Vale lembrar de Amarildo, Claudia e Agatha11 como exemplos de homens, mulheres e crianças com mortes justificáveis, “facilmente” serem confundíveis como “ameaças” por possuírem a cor negra em seus corpos12. E 2020, mesmo sendo um ano a ser lembrado pela pandemia da Covid-19, as ações militares continuam na favela e o número de mortes é maior do que os provocados pela doença 13. Como foi o caso do jovem negro João Pedro, morto por policiais civis dentro da própria casa, atingida com 70 tiros. Um homicídio que ganhou maiores dramaticidades à mãe e ao pai que peregrinaram em hospitais à procura do corpo do filho levado pelo helicóptero da polícia sem qualquer menção aonde seria levado:
Quando chegamos na casa, do lado de fora, os cinco adolescentes estavam sentados no chão. Mais ou menos de 10 a 15 policiais cercando-os, tudo de fuzil. Meu sobrinho olhou pra mim: ‘João...’ Eu falei: ‘O que aconteceu com João?’. ‘João foi baleado’. Comecei a ficar desesperado, perguntar para o policial o que aconteceu. Ele nada de falar’, contou o pai. Os policiais, segundo o pai, só disseram que João tinha sido resgatado de helicóptero. ‘A resposta dele foi essa: socorremos ele, estava com vida’ (FANTASTICO, 2020, s/p).
Os casos do jovem João Pedro, do músico Evaldo dos Santos, como também dos cinco jovens de Costa Barros14, possuem a similaridade de como tais corpos receberam um número excessivo de tiros. Isso ratifica como o corpo negro simboliza uma expropriação da capacidade de gerir a própria vida por serem de uma raça a quem é atribuída “[...] uma espécie de vida que pode ser desperdiçada ou dispendida sem reservas” (MBEMBE, 2018, p. 73). Uma situação que afeta toda a estrutura social, pois como adverte Eduardo Taddeo (2019)15: .Mesmo longe dos sacos de corpos/ Mesmo sem coração crivado de tiros/ Mesmo sem túmulos com a sua foto/ Você aqui jaz no Necrotério dos Vivos”.
Últimas palavras
O presente artigo buscou analisar a correspondência da necropolítica com o cenário social brasileiro. As diferentes notícias nos últimos anos nos serviram como guia para pensar esse proceder que, conforme Mbembe, adquiriu uma forma e explicitou a raça e o racismo como um conteúdo que tem em si o objetivo do extermínio, da eliminação daqueles corpos estranhos aos valores da sociedade. Um valor orientado pelo sistema econômico que privilegia a preservação do ciclo financeiro e banaliza a morte: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre [...] é o que eu digo para vocês: o vírus vai atingir 70% da população. Infelizmente é a realidade. Mortes vão (sic) haver. Ninguém nunca negou que haveria mortes” (VIANNA et all, 2020, s/p).
Com esse cenário, vale destacar ainda do ano de 2020, em que as ações militares nas regiões metropolitanas de São Paulo tiveram um aumento do número em relação aos outros anos16. E necessitou-se do decreto do STF impedindo ações militares nas favelas durante o período de pandemia, para assim registrar uma diminuição de 70% das mortes nesses locais17. Notícias que envolvem uma condição peculiar na nossa sociedade, já que mesmo com a mobilização nos EUA e em outros países pelos 8 minutos de sufocamento perpetrado em George Floyd, com o joelho do policial em seu pescoço18, em 14 de julho assistimos na periferia paulista a filmagem de um policial pisando no pescoço de uma mulher negra19. Tal situação revela como para a população negra das periferias brasileiras é quase um desejo utópico a afirmação: “Viver é ter a opção de não ser torturado” (TADDEO, 2019).
Por fim é importante observar que o necropoder não se limita nessas ações militares, talvez seja uma das mais explícita, ele também exerce seu poder na delimitação ambiental reservada a grupos populacionais. Com isso, a conexão entre necropolítica e racismo ambiental adquire uma face que pelo grau de complexidade e importância será reservado para outro momento.
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Notas
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