Resumo: Este artigo visa resgatar os princípios da Teologia Natural no pensamento de Tomás de Aquino no que se refere à possibilidade de um conhecimento racional de Deus. Tomás, influenciado pela filosofia de Aristóteles, vai afirmar que pela razão pode-se chegar à certeza da existência de Deus. Certeza essa que é evidente, mas que precisa ser demonstrada. Para tanto, elabora cinco vias, chamadas de Provas, para comprovar a existência da divindade baseando-se sempre no pressuposto de que todo conhecimento racional tem sua origem na experiência. Todo o trabalho de Tomás de Aquino possui uma continuidade na Filosofia Contemporânea, sendo estudado e desenvolvido por diversos autores que dão forma ao movimento tomista, particularmente dialogando com outras ciências.
Palavras-chave:Teologia NaturalTeologia Natural,ConhecimentoConhecimento,RazãoRazão,DeusDeus,Tomás de AquinoTomás de Aquino.
Abstract: This article aims to rescue the principles of Natural Theology in the thinking of Thomas Aquinas regarding the possibility of a rational knowledge of God. Thomas, influenced by Aristotle's philosophy, will claim that for the reason he can arrive at the certainty of the existence of God. Certainty that is evident, but that needs to be demonstrated. To this end, it elaborates five ways, called evidence, to prove the existence of divinity, always based on the assumption that all rational knowledge has its origin in experience. All the work of Thomas Aquinas has a continuity in contemporary philosophy, being studied and developed by several authors who give form to the thomist movement, particularly in dialogue with other sciences.
Keywords: Natural Theology, Knowledge, Reason, God, Thomas Aquinas.
Artigos
Prolegômenos da teologia natural em Tomás de Aquino: a possibilidade de um conhecimento racional de Deus
Prolegomenes of natural theology in Thomas Aquinas: the possibility of rational knowledge of God
Recepção: 06 Fevereiro 2021
Aprovação: 02 Maio 2021
A invasão dos bárbaros e a pilhagem de Roma no ano 410 contribuíram para lançar condições à feitura de um novo cenário político e cultural no mundo conhecido daquela época influenciando a construção do saber filosófico e teológico futuro. O estabelecimento de uma sociedade totalmente cristã – societas perfecta, regida pelas normas eclesiásticas de fé e moral, será, inevitavelmente, abalado. À luz dessa conjuntura, o pensamento filosófico e teológico do Ocidente, fortemente tão marcado por um acento apologético, precisará, aos poucos, ser refeito, aproximando-se de outros referenciais teóricos, mormente os da Grécia Antiga, como Platão e Aristóteles.
O diálogo com a filosofia grega por parte da teologia cristã oferecerá, no percurso do tempo e das sistematizações, condições de se estabelecer uma teoria do conhecimento da existência de Deus de modo mais amplo e universal, categorias típicas do pensamento filosófico grego. Ainda que se possa encontrar escrito que a Idade Média foi um tempo de pouca produção de pensamento, não podemos nos esquecer de que por mais que as condições geopolíticas daquele período não se permitissem a conservação de uma veloz produção intelectual, esta não foi totalmente ausente.
É mormente aceito no campo científico que uma sistematização de pensamento possa estar calcada em referenciais teóricos seguros. O tempo de uma não substanciosa produção por parte da filosofia e teologia cristã em parte da Idade Média foi preparatória desses referenciais. O grande esforço, então, dos intelectuais dos primeiros séculos medievais foi compilador. As obras, principalmente as de Aristóteles, cuja difusão havia sido feita anteriormente por Avicena e Averróis, estavam presentes nos mosteiros e foram reproduzidas e utilizadas por pensadores cristãos posteriormente, principalmente por Tomás de Aquino.
Considerando justamente que se trata de uma grande contribuição o uso das obras de Aristóteles por Tomás de Aquino para a Teodiceia cristã, é que desejamos expor os prolegômenos, isto é, os princípios e fundamentos da possibilidade de um conhecimento racional de Deus. Tomás de Aquino se debruça sobre as obras de Aristóteles, principalmente a Física e a Metafísica para a construção do seu pensamento. Não se trata de uma apologia da fé cristã, mas do estabelecimento de diálogo com o saber daquele tempo.
Para cumprir o objetivo desta pesquisa, o artigo se divide em três partes. A primeira trata de uma introdução à Teologia Natural de Tomás de Aquino; a segunda é uma abordagem dos principais argumentos que Tomás utiliza para a organização de seu pensamento e, por último, alguns apontamentos sobre estudos e estudiosos tomistas, no passado recente e na atualidade.
Coutinho (2008, p. 2) afirma que a designação da época histórica, que remonta os Séculos V ao XV chamado de Idade Média tem sua origem entre os renascentistas. A caracterização desse período através do verbete “Média” não se refere apenas a uma localização na régua do tempo, pois os pensadores renascentistas deveriam saber que outras épocas viriam no futuro e assumiriam, portanto, o período mediano. Não se trata somente de estabelecer uma contextualização temporal distinta em que se pudesse localizar a Idade Antiga, a Média e a Moderna. A definição está mais cheia de preconceitos do que precisão histórica. Há uma implicação de juízo de valor na denominação do período. Giovanni Andreia, um bibliotecário, em 1469, foi um dos primeiros a designar tal período como media tempestas. De certo, para os renascentistas a Idade Média “representa um atraso de mil anos” (COUTINHO, 2008, p. 3).
No entanto, de nenhum modo a Idade Média representou uma paralisação universal do saber. Para além dos redutos cristãos, há uma intensa atividade intelectual nos territórios árabe e islâmico. Podem ser destacados como pensadores árabes Al-Kindi, Al-Farabi e especialmente Avicena. Este último, autor de uma grande obra enciclopédica de Filosofia, intitulada A cura da Alma, é tido como o árabe que mais influenciou a escolástica cristã. Um outro, mesmo tendo nascido na Espanha, possui descendência árabe, Averróis é chamado como “O Comentador” das obras aristotélicas, procurou distanciar Aristóteles das influências de seu mestre Platão (COUTINHO, 2008, p.92). Tomás de Aquino absorverá muito dos trabalhos de Aristóteles passados pelo crivo de Averróis, especialmente na elaboração da sua cosmologia naturalista e da Teodiceia.
Além do mais, as especulações teológico-filosóficas eram as dominantes no campo do saber. Não se faz necessário, pelo menos nesta pesquisa, envolvermo-nos na questão de que a Igreja não permitia outro tipo de especulação científica que não fosse realizada e aprovada por ela mesma. É, sobretudo, no tempo da Escolástica que se encontra o apogeu da Idade Média. O auge do médio período foi durante a passagem do Século XIII (Cf. COUTINHO, 2008, p. 112). No tempo do pontificado do Papa Inocêncio III (1198-1216), a cristandade está em paz. As Cruzadas foram finalizadas brecando a velocidade e a atuação dos islâmicos em seus propósitos de expansão e de dominação de territórios cristãos. O ambiente se fez propício para uma grande efervescência cultural.
Cabe lembrar que foi justamente no início do Século XIII que se fundou a grande Universidade de Paris, reunindo quatro Faculdades – Teologia, Filosofia, Direito e Medicina. Posteriormente, surgiram as Universidades de Oxford e Cambridge, na Inglaterra; Bolonha e Pádua, na Itália. Salamanca, na Espanha; Colônia e Heidelberg, na Alemanha, Louvaina, na Bélgica e Coimbra, em Portugal. Tais centros de produção intelectual e cultural foram de tal modo correspondentes aos anseios da época que perduraram ao longo do tempo e estão presentes, cada qual a seu modo, ainda atualmente (Cf. OLIVEIRA, 2007, p. 118). Esses foram os grandes centros intelectuais que iriam abrigar estudos e oferecer contribuições à Filosofia, tendo como referenciais Platão e, principalmente, Aristóteles. Os pensadores escolásticos, especialmente Tomás de Aquino, procuraram estabelecer uma vertente cognoscitiva qualificada, apoiando-se em fontes seguras, no caso as obras do Corpus Aristotelicum.
Só a partir de Santo Alberto Magno e de seu discípulo S. Tomás de Aquino, um Aristóteles mais genuíno – por ser também melhor traduzido diretamente do grego – conseguiu impor-se, ainda que, mesmo que então sem algumas resistências. Uma nova era de grande florescimento e profunda inovação se iniciava então na filosofia e na teologia cristãs da Idade Média (COUTINHO, 2008, p. 144).
Tomás de Aquino nasceu provavelmente em 1224, no castelo de Roccasecca, próximo de Aquino, no Reino de Nápoles. Era filho dos condes de Aquino, Landolfo de Aquino e de Teodora de Teade. Encantado pela vida dos dominicanos, cuja origem estava no suplício mendicante, quis dedicar-se à vida religiosa, oferecendo seu intelecto no esforço do labor teológico. Entrou na Ordem de São Domingos em 1244. Juntamente com São Boaventura, em 1257 obteve o título de mestre na ciência teológica. Foi professor na corte do Papa Urbano IV. Em 1273, é convocado por Gregório X para o Concílio de Lyon (1272-1274), mas faleceu durante a viagem no convento dos cistercienses, em Fossanova, em 7 de março de 1274. Le Goff, grande estudioso do período medieval, testemunha que Tomás de Aquino é o escolástico que deixou maior influência no pensamento europeu até hoje (LE GOFF, 2007, p.188).
Tomás foi um grande escritor no que tange à profundidade de suas obras e na quantidade delas. Em uma época em que era difícil e muito custoso escrever, soube empregar seu tempo de observante dos deveres religiosos e de livre pensador. De suas obras, pode-se destacar as principais: Comentário das obras de Aristóteles (1268-1272); as duas grandes Sumas – Summa contra os Gentiles, também conhecida como Duma Filosófica (1259-1264), a Summa Theologica (1266-1272) que não foi concluída; as Questões – Quaestiones disputate (sobre a alma, a verdade e sobre o mal); Opúsculos filosóficos (1254 – 1270) – De occultis operationis naturae. De motu cordis, De ente et essentia. No levantar-se de suas questões sobre Deus, especialmente tratadas na Suma contra os Gentios e na Suma Teológica, Tomás não elabora proposições que levam as pessoas a conhecer quem é Deus. Para esse propósito, as Sagradas Escrituras servem mais que seus escritos. Tomás busca, então, um caminho racional que comprove a existência divina como causa, princípio de tudo e fim de todas as coisas criadas. Este é o principal prolegômeno da Teodiceia do Aquinate (Cf. CAVALCANTE, OLIVEIRA, 2012, p. 3).
Aristóteles não vai desprezar, de modo algum, o conhecimento através dos sentidos. Para o filósofo antigo, o conhecimento somente é possível de ser realizado porque os sentidos atuam com suas percepções, levando o sistema neural a fazer ligações e conclusões. Tomás de Aquino concorda plenamente com Aristóteles. Não fazendo desdém ao conhecimento sensível como o fizera Platão, e nem mesmo pautando-se na doutrina da iluminação de Agostinho, Tomás deseja que o homem e a mulher entendam que são criaturas capazes de chegar a um conhecimento válido e aproximativo da existência de Deus a partir da empiria e de sua capacidade racional. Nesse sentido, indubitavelmente e diferentemente de outras sínteses filosóficas e teológicas, a Teodiceia tomista se caracteriza por ser uma senda equilibrada, coesa e harmônica: um verdadeiro aprofundamento da empiria aristotélica e da metafísica cristã (Cf. COUTINHO, 2008, p 125).
Na prima pars, ou seja, na primeira parte da Suma Teológica, Tomás de Aquino tratará de Deus em primeiro lugar. O mesmo acontece na segunda parte da Suma Contra os Gentios (Cf. FERREIRA, 2013, p. 239). O que prevalece nas duas obras é a consideração de que os sentidos dão condições para a elaboração das proposições que provam a existência de Deus. Na Suma Teológica (I, q. 2, a. 3), encontramos as cinco vias que têm a intenção de provar a existência de Deus e formar o núcleo da sua Teologia Natural. Para Tomás, a existência de Deus é evidente em si mesma, mas não manifestada à razão humana. Assim, é necessário realizar uma conceituação de evidência. Um ser evidente não precisa de demonstração, uma vez que a confirmação de sua existência é tão certa, vista, medida e calculada, que não são necessários argumentos para prová-la. Nesse sentido, como falar da evidência de Deus, se não pode ser visto, nem medido, nem calculado? Na Teologia Natural tomista Deus é evidente a si mesmo, mas não à razão humana. Nessa dimensão, é preciso que a razão procure demonstrar a si mesma a evidência da existência de Deus que existe soberanamente (Cf. CAMPOS, 2016, p. 57). Na expressão Deus existe, o predicado está todo contido no sujeito, sendo uma proposição que não necessita de demonstração. Entretanto, não é evidente à razão que não pode conhecer o modo de existência de Deus; nesse caso, precisa ser demonstrada porque o conhecimento não é imediato, mas mediado por outras verdades (Cf. CAMPOS, 2016, p. 59).
Algo pode ser evidente por si de duas maneiras: seja em si mesmo e não para nós, seja em si mesmo e para nós. Uma proposição é evidente por si se o predicado está incluído na razão do sujeito. Se, por conseguinte, a definição do sujeito e a do predicado são conhecidas de todos, esta proposição será evidente por si para todos. Se alguém ignorar a definição do predicado e a do sujeito, a proposição será evidente por si em si mesma; mas não para quem ignora o sujeito e o predicado da proposição. Digo, portanto, que a proposição Deus existe, enquanto tal, é evidente por si, porque nela o predicado é idêntico ao sujeito. Mas como não conhecemos a essência de Deus, esta proposição não é evidente para nós [...]”. (TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica. L. I, q. 2, q. 1).
É nesse sentido que é necessário comprovar a existência de Deus. Trata-se de uma evidência que carece de outras verdades para ser demonstrada. Tomás, assim, constrói as suas cinco provas da existência divina. Elas são, no fundo, verdades secundárias que afirmam a existência de uma verdade maior: Deus. No campo das demonstrações, o Aquinate afirma que se pode chegar a uma determinada causa a partir dos seus efeitos. Trata-se da demonstração quia (Cf. TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, L I, q. 2, a. 2). Isso quer dizer que quando a razão não pode chegar à evidência da existência de algo, pode realizá-lo através da prova de seus efeitos que remetem à causa existente. Quando é a certeza de que o efeito depende da causa e quando se chega à fundamentação dos efeitos, se encontra a preexistência da causa (Cf. CAMPOS, 2016, p. 39). Constituem as cinco vias da Teologia Natural de Tomás que, calcadas sobre os efeitos, procuram afirmar a causa: Primeiro Motor; Causa eficiente; Existente necessário; Graus de perfeição e a Ordem Universal,
A primeira via é a do Primeiro Motor (Cf. TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, L. 1, q.2. a.3), também chamada a Prova do Movimento. Para Tomás, à luz da empiria aristotélica, é evidente que há no mundo movimento, seja quantitativo, qualitativo ou físico. As coisas – ente - se transformam, se multiplicam e podem mudar de ambiente. O movimento não é a causa, pois não existe em si mesmo, mas é causado por outro, ou seja, um Primeiro Motor. Se o movimento leva o ente ao desenvolvimento – ato e potência, como a semente que cresce, tornando-se uma grande árvore, ou a sua destruição, no caso a árvore que morre por ter esgotado seu período de existência, é necessário que haja algo que não está destinado ao desenvolvimento, mas já é perfeito e que não esteja determinado pela fruição, sendo sempre o que é. Para Tomás, esse ser perfeito e cheio de vida em si, que move, sem ser movido, é Deus. “O primeiro motor é também essencialmente diverso dos demais. Não é movido, pois é imóvel. É ato puro, pois não tem potência”. (COUTINHO, 2016, p. 44). Não está em movimento, mas move.
A segunda vida é a causa eficiente (Cf. TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, L. 1, q.2. a.3). Por esta via demonstrativa, Tomás afirma que para tudo há uma causa e efeito, um princípio – arché. Como não se pode elevar as causas ao infinito, é preciso considerar que haja uma causa primeira, que não está submetida à geração de efeito, bastando-se a si mesmo. Esta causa, não causada por outro ser, é Deus. O conceito de causa eficiente pode ser formulado na seguinte expressão: um ser pode produzir um outro ser. Esta via não considera o movimento, mas a dependência existencial e essencial das coisas entre elas mesmas. Um ser não pode ser o princípio e causa eficiente de si mesmo ao mesmo tempo, pelo fato de ser anterior, enquanto causa eficiente, a sua própria existência. Desse modo, há algo que é causa eficiente dos outros entes, mas não de sim mesmo. “Logo, é necessário afirmar uma causa eficiente primeira, a que todos chamam Deus” (TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, L. 1, q.2. a.3).
O argumento do existente necessário é a terceira via, também chamada de via da “contingência e do necessário” (TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, L. 1, q.2. a.3). Todos os seres são finitos e contingentes pois não são capazes de subsistirem sozinhos. Por outro lado, nem tudo o que existe deixará de existir, uma vez que é causa de existência dos outros. Se todos os seres forem contingentes não é possível que exista a geração de outros, pois a existência vem do agente necessário, que não é contingente. O contingente não existe em outro contingente. Este ser necessário é a causa da existência de outro, sem o qual não poderia existir. Vive pela sua própria essência enquanto oferece condição necessária para a existência da essência dos demais. “Portanto, é necessário afirmar a existência de algo necessário por si mesmo, que não encontra alhures a causa de sua necessidade, mas que é causa da necessidade para os outros: o que todos chamam Deus” (TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, L. 1, q.2. a.3).
A quarta demonstração é o grau de perfeição dos seres. Todas as perfeições admitem graus que se aproximam ou não das perfeições absolutas. Por exemplo, o ouro possui um grau de perfeição, nem todos os metais possuem esse grau de perfeição, mas apenas perfeições aproximadas. Existem coisas mais ou menos boas, nobres e aceitáveis. Há coisas mais nobres, melhores e mais aceitáveis. Os diferentes graus de perfeição das coisas demonstram que existe um ser que seja perfeito e que não está condicionado ao mais ou menos do ser de perfeição das coisas e que é a causa dos graus de perfeição presente na realidade. “Logo, há um ser, causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo o que existe, e chama-se Deus” (TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, L. 1, q.2. a.3).
A última vida das demonstrações é a prova da ordem universal, também conhecida como governo das coisas. Os seres tendem a um fim. Estão à procura daquilo que lhes seja melhor. Para isso, procuram ordenar-se, organizar-se para uma finalidade à que não chegam por acaso, mas por força da intenção e atração. Os seres não tendem ao fim se não forem dirigidos por um outro ente conhecedor e inteligente que ordena todas as coisas. “Logo, há um ser inteligente, pelo qual as coisas naturais se ordenam ao fim, e a que chamamos Deus” (TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, L. 1, q.2. a.3).
As cinco vias que procuram demonstrar a existência de Deus são, para todo efeito, uma construção filosófica com acentuado fim teológico. São prolegômenos, independentes entre si, que apontam para uma realidade maior que elas mesmas, ou seja, a evidência da existência de Deus. Sabemos que, pelo que já foi explicitado, a Teologia Natural de Tomás está centrada na concepção do real e do ser. Existe uma influência do empirismo aristotélico, o que fez do apriorismo filosófico a base de sua teologia e da cognosiologia realista sobre Deus. De certo, todo o conhecimento é produzido pelos sentidos que torna o ser humano capaz de realizar suas experiências de conhecimento. Todos os seres humanos são dotados de sentidos e de uma faculdade intelectiva que fazem com que os sentidos possam captar a existência e a razão, a essência, ou seja, a quididade – natureza existente na matéria, e as categorias universais (Cf. CAMPOS, 2016, p. 27).
Há a possibilidade de duas maneiras de se chegar ao conhecimento de Deus. Uma é pela fé e a outra, pela razão. Através da fé, quando o ser humano aceita o esforço da manifestação divina, que se revela no tempo da história da salvação explicitada nas Sagradas Escrituras. Por essa maneira, Deus é o agente do conhecimento porque se faz revelar, enquanto o ser humano assente por fé perante o mistério que não pode demonstrar. É Deus que vem ao ser humano e se mostra. Por outro lado, pelo conhecimento racional, é aquele que procura demonstrar a existência de Deus, prescindindo das proposituras da fé, concentrando-se nas premissas da razão. Na Suma contra os Gentios, Tomás afirma o método: “[...] o homem mediante a luz natural da razão e pelas criaturas sobe até o conhecimento de Deus [...]” (TOMÁS DE AQUINO, Suma contra os Gentios. L. IV, I).
A tarefa, então, de procurar elaborar as demonstrações da existência divina cabe ao filósofo e não ao teólogo. A Filosofia considera, através do método natural, que existe a possibilidade de as criaturas chegar à certeza da existência do Criador. Já a Teologia pondera primeiramente a existência do Criador para pautar as criaturas. Não que essas duas ciências são contrárias e radicalmente opostas. Elas são complementares justamente na busca pela razão e fundamentos das coisas, mesmo divinas. O diálogo e a correspondência de ambas fazem nascer uma Teologia Natural, verdadeiro campo de associação entre a Filosofia e a Teologia. O conhecimento mais perfeito que o ser humano pode atingir é a certeza da existência divina, através da evidência demonstrada (Cf. TOMÁS DE AQUINO, Suma contra os Gentios, L. I, V). Embora esse conhecimento seja imperfeito porque a razão humana não é capaz de investigar a essência divina, é a maior aventura racional de uma pessoa e de toda a Filosofia, afirma Tomás.
[...] que embora pouco captemos das substâncias superiores, contudo, este pouco é mais amado e desejado que todo o conhecimento que temos das substâncias inferiores. Conclui-se, pois, do que dissemos, que por mais imperfeito que seja o nosso conhecimento das coisas sutilíssimas, ele traz para a alma a máxima perfeição” (TOMAS DE AQUINO, Suma contra os Gentios, L. I, V).
Para Tomás, o conhecimento intelectual depende, de modo necessário, do conhecimento sensível. A XXII tese ontológica tomista afirma que a existência de Deus necessita ser demonstrada pelo esforço da razão. Nesse sentido, o conhecimento racional sobre o ente divino é realizado de modo a posteriori, jamais a priori. Dentro do desenvolvimento cognoscitivo, a verdade está na adequação à realidade. Tais proposições mantem Tomás de Aquino longe das concepções platônicos-agostinianas que aceitavam certa medida de iluminação divina e de conhecimento inato. Para Tomás, a iluminação divina não é uma forma de conhecimento revelador de Deus a uma determinada pessoa. Tomás acredita que a iluminação divina, como atitude comunicadora, é a própria Revelação.
O conhecimento da existência divina pode ter dois principais graus: o primeiro chamado de pré-científico e o segundo, científico-filosófico. O conhecimento pré-científico é considerado espontâneo, subjetivo e não possui necessidade de demonstração elaborada de modo preciso. Nesse tipo de conhecimento, a pessoa tem como dedução natural, a partir de si mesmo, o estado em que se encontra, eleva-se de sua pequenez finita, limitada e imanente para um ente que seja infinito, ilimitado e transcendente. No fundo, a pessoa, enquanto criatura, é considerada como efeito de um ato maior; no caso, criador e a partir de sua própria condição existencial, questionamentos, buscas, se deparará com sua debilidade que a faz considerar a existência do contrário, em questão, o Criador. Essas considerações são razoáveis e são uma projeção de uma epistemologia autônoma, mas com bases muito subjetivas. Não que esse tipo de conhecimento seja desprezível, mas deve ser considerado como o começo das profundas investigações realizadas pela Teologia Natural (Cf. CAMPOS, 2016, p. 41).
A Teologia Natural, basilarmente construída através da capacidade racional humana de conhecimento, conta que a razão possa fazer a associação na ordem do conhecimento entre a verdade sensível e o princípio da evidência. O conhecimento da existência racional de Deus está justamente no princípio da evidência e não na verdade sensível. É a razão que elencará os princípios do ser, em especial do princípio da identidade e o da não contradição. O princípio da identidade aponta a relação existência que Deus tem consigo mesmo. Deus possui sua identificação consigo mesmo. Sua identidade é própria e completa. Sua existência não é temporal nem corpórea e sua essência é divina – é causa sui. Em Deus existência e essência são coincidentes (Cf. TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, L.I, q, 2. a.3).
Quanto ao princípio da não contradição, oriunda da lógica aristotélica, é preciso considerar que em Deus, existência e essência coincidentes, não havendo em Deus nenhuma realização, ou seja, movimento de potência e ato. Isso significa que Deus não pode ser ao mesmo tempo Ato perfeito e completo, e sob o mesmo ponto de vista, ser potência e realização. Nesse sentido, o ser de Deus não é por participação, como o é de todas as outras coisas. Tomás explica: “se [Deus] não fosse seu próprio ser, Ele seria um ente por participação, e não por essência. Não seria então o primeiro ente, o que é um absurdo. Logo, Deus é o seu ser, e não apenas sua essência” (TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica L.I, q.3, a.4).
Tomás de Aquino também faz opção por realizar uma crítica ao argumento ontológico para ressaltar a contundência de suas cincos vias da existência de Deus. O argumento ontológico foi elaborado com Anselmo, católico, arcebispo de Canterbury. Seu raciocínio baseava-se em afirmar através da lógica de premissas verdadeiras a existência da realidade de Deus. O argumento está descrito na obra Proslógion e se resume no enunciado de que “ não se pode pensar nada maior do que Deus” (ANSELMO, 2016, p.12). Anselmo infere, segundo essa premissa que se algo está na realidade e no pensamento, pessoa ou coisa é maior do que aquilo que se pode apenas considerar no pensamento. Disso advém a necessidade de entender a existência de Deus fora do pensamento, uma vez que a racionalidade é capaz de pensá-lo e por essa própria condição deve existir na realidade. Em outras palavras, se a ideia de Deus ficasse restrita ao intelecto, Deus seria menor que todas as coisas existentes fora do pensamento. Escreve Anselmo:
Mas, sem dúvida, “aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado” não pode existir unicamente no intelecto. Se, na verdade, existe pelo menos no intelecto, pode pensar-se que exista também na realidade, o que é ser maior. Se, pois “aquilo maior do que o qual nada pode ser pensado” existe apenas no intelecto, então “aquilo mesmo maior do que o qual nada pode ser pensado” é “algo maior do que o qual algo pode ser pensado”. Mas isto, é claramente impossível. Existe, pois, sem a menor dúvida, “alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado” tanto no intelecto como na realidade (ANSELMO, 2016, p. 12).
Tomás vai rechaçar tal argumento porque o pondera muito pretensioso ao considerar unicamente a força da razão como condição, a priori, sem a experiência ou o esforço, para a demonstração. O Aquinate não é o único a criticar o ontologismo de Anselmo. Um dos primeiros críticos foi Gaunilo ao afirmar que o fato de ser possível pensar na existência de uma realidade, não quer dizer que ela realmente exista. Isso pode ser pensado tanto no que se refere ao bem quanto ao mal. O pensar de Deus não prova de modo evidente a sua existência. Afirma Gaunilo que na mente estão coisas certas e incertas e tais coisas confusas e imprecisas não existem. Por exemplo, penar na existência de uma bela ilha não prova nada de sua existência; o mesmo acontece quando uma pessoa pensa em um dragão de quarenta chifres (Cf. ATAÍDE, 2016, p. 300).
Com efeito, Tomás de Aquino vai considerar que o argumento de Anselmo não pode ser qualificado como um esforço da razão, mas sim como um ato de fé. Nem todas as pessoas que ouvem pronunciar a palavra Deus ou pensam na existência de Deus são capazes de dar-lhe o significado do qual nada de maior se pode pensar. Para muitos a ideia de um Deus concebido do modo judaico-cristão é ainda um desconhecimento. Para essas pessoas é possível que haja, mesmo no pensamento, realidades maiores que se possa pensar maior que o Deus cristão (Cf. TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, L.I, q. 2, a. 2). Cordeiro afirma que o ontologismo é “um salto da ordem lógica para a ordem ontológica” (CORDEIRO, 2016, p. 2).
Tomás utiliza sua crítica para mais uma vez afirmar que a existência de Deus será evidenciada à luz de uma certeza demonstrativa, jamais através de uma intuição (Cf. CORDEIRO, 2016, p. 3). Encerrando o assunto sobre o argumento de Santo Anselmo, Tomás afirma a invalidez da propositura. Os atributos ou os predicados que são atribuídos a um determinado sujeito devem inevitavelmente corresponder à sua realidade. Quando o sujeito ou a coisa é real, existente, os seus atributos devem ser reais; quando o sujeito ou a coisa for ideal, seus atributos devem ser ideais. Não se pode aceitar como minimamente racional que se possa conjecturar a essência real de algo e sua existência ideal. Enfim, a possibilidade de um conhecimento racional de Deus é feita pela intelecção humana cujas bases são as percepções sensíveis.
De certo, o conhecimento científico pode ser caracterizado como um movimento de continuidade e ruptura com o passado. Continuidade no que tange ao progresso das ideias e de suas experimentações, fato que permite novos diálogos e aprofundamentos. Ruptura quando o conhecimento, não estático e dogmático, pode ser reformado por novas visões e experimentações. O pensamento de Tomás de Aquino responde por essa dinâmica: ao mesmo tempo em que pode ser atualizado, continua sendo base norteadora para a correção e impulsão dos novos modos de pensar. É um referencial teórico que, pelo conteúdo e qualidade, será dificilmente superado e deixado no esquecimento.
Pode-se cair na tentação de reduzir os estudos do pensamento tomista ao âmbito religioso. Isso se deve ao fato de que, por muito tempo, o estudo das obras de Tomás de Aquino tenha amortizado a formulação dos argumentos religiosos e da formação do clero. Não é possível desconsiderar que depois da Encíclica Aeterni Patris, publicada em 1879 pelo Papa Leão XIII, se ressalta a importância da figura de Tomás para o pensamento, não somente do período escolástico, mas também para a modernidade. Na visão de Leão XIII, a Igreja seria a grande responsável por fomentar em seus ambientes, mormente acadêmicos e de formação diversa, o pensamento tomista (Cf. SANTOS, 2016, p. 26). A fomentação dos estudos tomistas foi acolhida em muitos lugares, provocando o surgimento de diversos grupos de pesquisa. Sobre esses grupos, escreve Santos:
Entre esses grupos é possível citar, por exemplo, o Círculo de Cracóvia, na Polônia, um importante grupo de investigação sobre a lógica, a matemática e o método científico que realizava suas pesquisas a partir da obra de Tomás de Aquino; nesse círculo destaca-se a figura do lógico tomista Józef Maria Bocheński, um dos mais importantes lógicos do século XX, Escola Tomista de Lublin, também na Polônia, fundada pelo teólogo tomista Karol Józef Wojtyła – o Papa João Paulo II –; Círculo de Notre Dame, nos EUA, Círculo de Louvain, na Bélgica, Círculo Tomista de Beuron, na Alemanha, o qual tem como um dos seus membros mais ilustres a importante filósofa contemporânea Edith Stein, Círculo Tomista de Lisboa e de Coimbra, ambos em Portugal, Escola Gregoriana, em Roma, Círculo Tomista de Buenos Aires, na Argentina e grupos tomistas espalhados nas principais cidades do Brasil (Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Porto Alegre, etc). (SANTOS, 2016, p. 27-28).
Além desses grupos, podem ser citados alguns personagens que se destacaram pelo estudo e promoção do pensamento tomista: “Étienne Gilson, Cornelio Fabro, Jacques Maritain, Anthony Kenny, Battista Mondin, Józef Maria Bocheński, Karol Józef Wojtyła – o Papa João Paulo II –, Edith Stein, Josef Pieper, Peter Thomas Geach, John Haldane, Mario Micheletti e Frederick D. Wilhelmsen” (SANTOS, 2016, p. 28). Não se pode deixar de mencionar o grande contributo de Henri-Dominique Gardeil. Francês, nascido em Nancy a 20 de junho de 1900, pertenceu à Ordem dos Pregadores, ou seja, os Dominicanos. Morreu em 1974 e é considerado um dos maiores estudiosos do pensamento de Tomás. Destaca-se a obra de Gardeil publicada pela Editora Paulus, recentemente, em dois volumes, intitulada Iniciação à Filosofia de São Tomás de Aquino. Nesses volumes, é possível encontrar uma síntese de Tomás a respeito da lógica, da cosmologia, psicologia e metafísica. No original, cada um desses temas constituí um livro, mas que, na edição portuguesa foram associados nos referidos volumes (Cf. GARDEIL, 2013, p.7).
Outro autor que não pode passar desapercebido é o pensador francês Jacques Maritain. Nascido em 1882 em Paris, faleceu em 1973, em Toulouse. Em seu pensamento, profundamente influenciado por Tomás de Aquino, deixou de privilegiar um determinado impressionismo subjetivista e irracionalista do ser para ressaltar a primazia do ser dotado de inteligência e potencialidades. Em seu célebre livro Humanismo Integral, é possível encontrar o esforço por situar o ser humano no período moderno como agente histórico, nada passivo, porém, atuante. O humanismo, ali proposto, rompe com um antropocentrismo assaz centralizado no homem e na mulher individualistas e não na pessoa humana. Para Maritain, o ser humano é pessoa com individualidade e não individualista e é justamente nesse reconhecimento que é admissível o reconhecimento do outro (Cf. EUFRÁSIO, 2018, p. 85). Não se comete erro propor o pensamento de Maritain como referencial teórico, sobretudo àqueles que se dedicam, atualmente, a pensar o papel da pessoa.
A respeito dos estudiosos de Tomás de Aquino, no Brasil, podem ser citados Fernando Arruda Campos, Alexandre Correia, Urbano Zilles, Gustavo Corção e Henrique Cláudio Lima Vaz (Cf. SANTOS, 2016, p. 28). Este último nasceu em Ouro Preto em 24 de agosto de 1921 e morreu em Belo Horizonte em 2002. Padre jesuíta, ficou enormemente conhecido pela sua formação humanística e grande capacidade de síntese filosófica, especialmente dedicada a Tomás de Aquino. Publicou diversas obras em que versa sobre a filosofia, o pensar em torno da Ética. Também dedicou esforço ao resgate e desenvolvimento da antropologia filosófica. Para Vaz, certas visões modernas sobre o ser humano, assaz imanente, prescindem de um esforço por compreendê-lo sob a ótica da transcendência real do ser, reduzindo-o somente à natureza, cheia de limites, fragilidades. O retorno a Tomás, ou de algum modo, ao conhecimento sapiencial de abertura e alteridade, tem permitido a muitos chegar à conclusão de que não são um fruto apenas da natureza, mas da providência de Deus (Cf. LIMA VAZ, 1997, p. 307-309).
Já Urbano Zilles, nasceu em 1937, em Nova Petrópolis – RS. É membro da Academia Brasileira de Filosofia, publicou vários livros nos quais foram tratadas temáticas, como: Teologia, Filosofia da Religião, Antropologia. Segundo Lara, Urbano Zilles acredita que a Filosofia oferece à religião cristã uma visão crítica do mundo, dando condições de que a fé, também sistematizada nos tempos de agora, possa ser acreditada e aceita. Zilles deixa explícito que a síntese que Tomás de Aquino fez a respeito de fé e razão tem muito a contribuir para o estabelecimento do diálogo da religião cristã com a modernidade (Cf. LARA, 2013, p. 230).
No que se refere aos temas abordados por Tomás de Aquino e que têm sidos retomados e aprofundados na atualidade, pode ser citada a lógica, a ética, filosofia analítica e educação. Tomás de Aquino desenvolveu sólida estrutura de seu pensamento fundamentando-se nas proposições lógicas. A lógica do raciocínio e a formulação dos argumentos têm sido de grande interesse especialmente aplicadas aos estudos de Gottlob Frege, matemático e lógico alemão, nascido em Wismar, (Cf. Santos, 2016, p. 30). No campo da ética, os estudos tomistas têm impulsionado novas contribuições no que tange à compreensão nocional do ser humano como pessoa humana livre e dotado de consciência. A originalidade está na união entre razão e vontade que leva por meio da prática das virtudes humanas, naturais e das virtudes evangélicas, espirituais ao equilíbrio dos relacionamentos humanos e com Deus, se, no caso, a pessoa for crente (Cf. FILHO, 2008, p. 180-181).
A atualidade do tomismo também pode ser percebida nos estudos da filosofia analítica. Pensadores como E. Anscombe, P. Geach, A. Kenny, I. M. Bochenski, M. Krapiec, D. Dubarle, S. Breton, J. F. Ross, W. Redmond, J. Haldame, F. Inciarte, A. Llano, C. I. Massini (Cf. BEUCHOT, 2010, p. 96), se dedicaram aos estudos tomistas, fazendo-os referencial teórico para a elaboração da crítica da linguagem e da teoria do conhecimento modernas. Ideias tomistas também estão sendo desenvolvidas na senda da filosofia da ciência. Não se pode considerar que no tempo da Escolástica não houve ciência. A ciência é reduzida a novas descobertas, mas especialmente, atualização – continuidade ou descontinuidade, com aquilo que já está em exame. Segundo Beuchot, a matemática, impulsionada pela lógica formal, contribuiu muito para o distanciamento da produção científica medieval para a moderna, esta última promotora da experimentação e da adequação à lógica (Cf. BEUCHOT, 2010, p. 97). Por mais que a ciência medieval, em muitos casos não podia ser experimentada com crivo analítico e com poder síntese, não se fechou às provas empíricas, mas de todo modo as incentivou e promoveu.
Em muitos ambientes, nomeadamente católicos, tem sido proposto um resgate do pensamento tomista sobre a educação. Para Tomás de Aquino, o conhecimento pode ser adquirido por meio do sistema educacional de ensino e aprendizagem como processo natural e dedutivo. Processo esse que leva a pessoa a passar das conclusões universais para a elaboração das conclusões particulares. Essa passagem é provocada por um intermediário, ou seja, o professor. Embora o conhecimento seja construído pela razão do aluno, no caso do ensino, o professor é causa do conhecimento. O próprio Tomás diz que no processo de aprendizagem é pressuposto um conhecimento perfeito pelo professor que o ensina e explicita-o ao aluno (Cf. TOMÁS, 2000, p. 32).
Para os grupos que se dedicam por resgatar o pensamento de Tomás, vale considerar que o fazem como um instrumento garantidor de um processo de ensino e aprendizagem totalmente distanciado das ideologias modernas equivocadas sobre a educação. Para Tomás, o ensino comunica o conhecimento verdadeiro que transforma a vida das pessoas e, por consequência, as atrai para mais próximo de Deus. No fundo, trazer Tomás de Aquino para o campo educacional moderno é tentar romper com um ramo possivelmente predominante de uma educação deficitária que não comunica conhecimento e se envolve em questões de foro íntimo dos alunos, como por exemplo, a sexualidade; questões estas, segundo os educadores tomistas, reservadas à educação familiar (Cf. RIBEIRO; LOPES, 2015, p. 96).
Não se tem dúvida de que o tomismo é um esforço de produção de conhecimento na atualidade. Parte da cientificidade da produção das mais variadas pesquisas tem como fundamento os referenciais teóricos que são utilizados. Autores e obras que foram experimentados pelo tempo e pelas mais diversas correntes de pensamento. É indubitável que Tomás de Aquino e suas obras permanecem ao longo do tempo, as quais são retomadas e repropostas como referencial seguro para diversas sendas de pensamento. Vaz afirma que o tomismo, como parte integrante de uma história da filosofia, deve aparecer, certamente como delineadora das demais questões filosóficas (LIMA VAZ, 1997, p. 366).
O pensar de Tomás não é marginal. O saber científico deve testemunhar as várias vertentes das produções. Do contrário, pode-se cair na tentação de fazer o conhecimento científico uma forma de dominação, misturada com ideologia e parcialidade. Um dos maiores contributo de Tomás foi sua elaboração filosófica a respeito da possibilidade racional de um conhecimento de Deus. Para tanto, construiu cinco demonstrações chamadas de provas da existência divina. A razão dessas demonstrações não é primeiramente tornar a pessoa religiosa, mas levar o ser humano a acreditar que é possível se chegar à existência de Deus através da capacidade da razão. Tais provas são racionais e, a posteriori, partem da experiência como base fundamental. Nelas e em todo o desenvolvimento da teoria do conhecimento a pessoa é capaz de ter a existência de Deus como evidente, mas que necessita ser demonstrada.
A pertinência do raciocínio de Doctur Angelicus leva em conta toda a contribuição da filosofia da natureza realizada na Antiguidade grega, sendo um dos maiores expoentes, o filósofo Aristóteles. Especialmente através da leitura da Física. da Metafísica, tem-se conhecimento de que Tomás de Aquino desenvolveu sua Teologia natural, particular senda da razão especulativa, em seus livros Suma Theologica e Suma contra os Gentios, aqui, amplamente referenciados. Ademais, a validade de suas proposições tem ultrapassado as gerações sendo fortemente retomada na atualidade, quer nos ambientes religiosos e clericais, quer em outros segmentos da sociedade científica.
Por fim, que esta pesquisa quer ser mais uma contribuição, mesmo que modesta, às pesquisas que se esforçam por retomar o pensamento de Tomás de Aquino, fazendo-o uma referência válida para diversos estudos atuais no campo, por exemplo, da educação, filosofia, psicologia e outras. Deseja-se, enfim, que as linhas aqui desenvolvidas sejam motivadoras de novos estudos e aprofundamentos do filósofo e doe sua temática.