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Os precursores esquecidos de Ludwig Wittgenstein

Ludwig Wittgenstein’s forgotten precursors

Gustavo Augusto Fonseca Silva 1
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

Os precursores esquecidos de Ludwig Wittgenstein

Griot: Revista de Filosofia, vol. 21, núm. 2, pp. 89-114, 2021

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Recepção: 07 Janeiro 2021

Aprovação: 17 Abril 2021

Resumo: No prefácio das Investigações filosóficas, Ludwig Wittgenstein revela que ao “estímulo” do economista Piero Sraffa devia “as ideias mais fecundas” da obra. Curiosamente, porém, segundo Amartya Sen (2003), Sraffa considerava seu ponto de vista – que enfatiza a relação entre a linguagem e o meio sociocultural em que ela é empregada – “um tanto óbvio”, achava tedioso conversar com Wittgenstein e nunca se entusiasmou por ter influenciado decisivamente sua filosofia tardia. Para justificar o comportamento de Sraffa, Sen (2003) argumenta que seu ex-professor julgava trivial a sua abordagem social da linguagem – que se opõe à abordagem lógica do Tractatus logico-philosophicus – basicamente devido à sua formação marxista. Em divergência a essa explicação de Sen (2003), sustenta-se neste artigo que o ponto de vista de Sraffa é realmente “um tanto óbvio”, tendo uma longa lista de precursores que remonta à Grécia Antiga. A fim de comprovar essa afirmação, são retomadas aqui tanto as obras de filósofos com os quais Wittgenstein dialoga em seus textos, como Platão, Aristóteles e Santo Agostinho, quanto autores prestigiados que ele aparentemente desconhecia, entre os quais os linguistas William D. Whitney, Hermann Paul e Ferdinand de Saussure.

Palavras-chave: Precursores de Wittgenstein, Investigações filosóficas, Piero Sraffa, Bronisław Malinowski, Ernest Gellner.

Abstract: :

In his preface to the Philosophical Investigations, Ludwig Wittgenstein reveals that he owed “the most consequential ideas” in his work to the “stimulus” of economist Piero Sraffa. However, and curiously, Amartya Sen (2003) claims that Sraffa not only considered his own view to be “rather obvious”, but also found it tedious to talk to Wittgenstein and never got really excited for having decisively influenced his later works. According to Sen (2003), Sraffa considered his social approach to language, which opposes Wittgenstein’s logical approach in the Tractatus Logico-Philosophicus, to be trivial due to his Marxist theoretical background. In contrast to Sen’s (2003) justification, I aim at discussing the “rather obvious” Sraffa’s social approach to language based on a long list of older philosophers which goes back to ancient Greece. To do so, I will pick up on the works of philosophers to which Wittgenstein refers in his texts, such as Plato, Aristotle, and St. Augustine, as well as examine the works of other prestigious authors whom Wittgenstein apparently did not know, including linguists William D. Whitney, Hermann Paul, and Ferdinand de Saussure.

Keywords: Wittgenstein’s precursors, Philosophical investigations, Piero Sraffa, Bronisław Malinowski, Ernest Gellner.

[A segunda filosofia de Wittgenstein] continua a ser, para mim, inteiramente ininteligível. Suas doutrinas positivas me parecem triviais e suas doutrinas negativas infundadas. Não encontrei, nas Investigações filosóficas de Wittgenstein, nada que me parecesse interessante, e não compreendo por que razão toda uma escola encontra importante sabedoria em suas páginas (RUSSELL, 1960 [1959], p. 193).

A ideia de que Wittgenstein, nas Investigações filosóficas, “propôs uma filosofia da linguagem inteiramente nova” (HACKER, 1995, p. 9) é absurda. Essa alegada nova filosofia era um lugar-comum no clima em que Malinowski e Wittgenstein cresceram (GELLNER, 1998, p. 156).

Introdução

No prefácio das Investigações filosóficas, Ludwig Wittgenstein (1889-1951) afirma que a crítica do matemático e filósofo Frank Ramsey às suas ideias havia contribuído numa medida que ele mesmo mal podia avaliar para que ele reconhecesse os “graves erros” que tinha publicado no Tractatus logico-philosophicus, mas que ao “estímulo” do economista Piero Sraffa devia “as ideias mais fecundas” da obra. Como exemplo dos “estímulos” de Sraffa a Wittgenstein, Ray Monk (1995, p. 240) cita aquele que se tornaria um caso quase lendário: em uma conversa com Sraffa no fim dos anos 1920, Wittgenstein teria insistido que uma proposição e aquilo que ela descreve precisam ter a mesma “forma lógica” (ou “gramática”, dependendo da versão). Em resposta a Wittgenstein, Sraffa teria feito o gesto napolitano de passar as pontas dos dedos no queixo e lhe perguntado: “Qual é a forma lógica disto?”. De acordo com Monk, o gesto teria ajudado Wittgenstein a abandonar a ideia defendida no Tractatus de que uma proposição tem de ser uma “figuração” da realidade que descreve. Na verdade, conforme Monk (ibid., p. 251-252), as conversas com Sraffa acabariam por levar Wittgenstein a desistir de tentar corrigir a estrutura do Tractatus e a abandonar por completo a ideia de que havia necessariamente uma estrutura comum entre o mundo e a linguagem. Mais que isso: segundo Monk (ibid., p. 240), com o “estímulo” de Sraffa, Wittgenstein adquiriria um modo “antropológico” de examinar as questões filosóficas, passando a enfatizar a relação entre a linguagem e o meio sociocultural em que ela é utilizada.

Sem minimizar o protagonismo exercido por Sraffa na evolução do pensamento de Wittgenstein, Monk (ibid.) confessa achar enigmática a declaração do filósofo de que devia ao “estímulo” desse economista “as ideias mais fecundas” das Investigações filosóficas, dadas as diferenças intelectuais entre os dois. Para o economista Amartya Sen, por sua vez, enigmático mesmo é o fato de que seu ex-professor Sraffa considerava seu ponto de vista “um tanto óbvio”,2 achava tedioso conversar com Wittgenstein e nunca se entusiasmou por ter influenciado decisivamente a sua segunda filosofia (SEN, 2003, p. 1.243 e p. 1.252). Sintomaticamente, revela Sen (ibid., p. 1.242), Sraffa havia se esquecido do episódio do gesto napolitano de passar as pontas dos dedos no queixo quando questionado sobre o ocorrido décadas mais tarde. “Eu não consigo me lembrar dessa ocasião específica”, disse-lhe Sraffa (ibid.). “Eu argumentei com Wittgenstein tão frequentemente e tanto que as pontas dos meus dedos não precisaram falar muito.” Intrigado pelo desinteresse de Sraffa quanto a seu papel ímpar na elaboração da filosofia tardia de Wittgenstein, Sen (ibid., p. 1.241 e p. 1.244ss) basicamente o justifica afirmando que Sraffa achava “um tanto óbvios” os seus “estímulos” a Wittgenstein devido à formação marxista que havia recebido ainda jovem no círculo intelectual liderado por seu amigo Antonio Gramsci.

Em detrimento dessa explicação apresentada por Sen sobre o comportamento blasé de Sraffa em relação ao lugar destacado que Wittgenstein lhe reserva no desenvolvimento de sua obra, argumenta-se neste artigo que o modo “antropológico” de examinar as questões filosóficas, enfatizando a relação entre a linguagem e o meio sociocultural em que ela é utilizada, era algo um tanto óbvio para Sraffa não devido à influência marxista de Gramsci, mas sim porque é realmente um tanto óbvio o fato –negligenciado pelo autor do Tractatus logico-philosophicus, que analisava a linguagem sem relação alguma com as circunstâncias de seu emprego – de que “o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida” (WITTGENSTEIN, 1999 [1953], § 23). A fim de corroborar essa posição, inicialmente demonstra-se que tanto o modo “antropológico” de examinar as questões filosóficas como os jogos de linguagem são um tanto óbvios por basearem-se na constatação feita há milênios por filósofos, linguistas e, mais recentemente, por cientistas sociais de que uma língua é parte constituinte de um meio sociocultural. Em seguida, são explicitadas as razões que levaram Wittgenstein a abandonar no início dos anos 1930 a teoria pictórica do significado – a pedra angular do Tractatus – e passar a defender a teoria de que o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem – o fundamento das Investigações filosóficas. O objetivo é revelar que, com essa transição, Wittgenstein não produziu ideias efetivamente novas sobre a linguagem, mas apenas retomou conhecimentos linguísticos básicos que ele havia ignorado no Tractatus. Para justificar essa afirmação, são perpassadas as obras de pensadores com os quais Wittgenstein dialoga em seus textos, como Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Gottlob Frege e Bertrand Russell. Com o intuito de melhor embasar a discussão, são citados ainda renomados precursores de Wittgenstein que ele aparentemente desconhecia ou desconsiderava, como os linguistas William D. Whitney, Hermann Paul, Michel Bréal, Ferdinand de Saussure e Karl Bühler, além do antropólogo Bronisław Malinowski. A inclusão de Malinowski é particularmente relevante porque em 1923 seu ensaio “O problema do significado em linguagens primitivas” foi publicado como suplemento do livro O significado de significado, de C. K. Ogden e I. A. Richards. Como bem observa o filósofo e antropólogo Ernest Gellner no livro Language and solitude: Wittgenstein, Malinowski and the Habsburg dilemma, apesar de ter considerado essa obra de pouco valor, Wittgenstein defenderia 30 anos mais tarde nas Investigações filosóficas, como se se tratasse de uma verdadeira descoberta, uma abordagem pragmática da linguagem aos moldes daquela apresentada por Malinowski em seu ensaio.

Em tempo, é importante lembrar que Gellner, um dos maiores críticos da filosofia wittgensteiniana desde a publicação das Investigações filosóficas, tornou-se conhecido em 1959 com o livro Words and things, no qual ataca incisivamente a “filosofia linguística” de Wittgenstein, àquela altura uma força dominante na Universidade de Oxford. Amigo de Wittgenstein e partidário da filosofia linguística, o professor de Oxford Gilbert Ryle recusou-se a publicar uma resenha do livro na revista Mind, da qual era editor. Em carta ao jornal londrino The Times, Russell, que havia assinado o prefácio da obra, denunciou a atitude de Ryle, o que só fez aumentar a polêmica. Na década de 1990, ao fim da vida, Gellner escreveria ainda outro livro com reprimendas vigorosas à filosofia wittgensteiniana, o já mencionado Language and solitude. Nesse livro, Gellner mostra que as ideias linguísticas que fizeram a fama do segundo Wittgenstein não somente já haviam sido expostas por Malinowski como eram corriqueiras no ambiente em que ambos nasceram e cresceram, o Império Austro-Húngaro do fim do século 19. Assim, Gellner desvenda em Language and solitude como Wittgenstein apresenta em sua segunda filosofia conhecimentos linguísticos básicos que ele havia ignorado em sua primeira filosofia. No entanto, Gellner o faz de maneira excessivamente restrita, apenas comparando Wittgenstein com Malinowski, cuja antropologia o levou a produzir sua primeira crítica à filosofia wittgensteiniana (GELLNER, 1998, p. ix). Além disso, Gellner limita sua pesquisa ao Tractatus e às Investigações filosóficas, deixando de lado os demais textos de Wittgenstein. Tendo-se procurado superar neste artigo essas deficiências do livro de Gellner, espera-se que o leitor encontre aqui uma crítica ainda mais penetrante do legado filosófico de Wittgenstein.

1.Uma concepção pragmática da linguagem

Conforme anteriormente explicitado, com o “estímulo” de Sraffa é que Wittgenstein teria adquirido um modo “antropológico” de examinar as questões filosóficas, passando a enfatizar em seu pensamento tardio a relação entre a linguagem e o meio sociocultural em que ela é utilizada. Ora, o fato de a perspectiva de Sraffa ter sido caracterizada como “antropológica” revela que a associação entre linguagem e sociedade é uma prática corrente entre os antropólogos. “Com efeito”, lembrou o linguista Roman Jakobson (2003, p. 17) na Conferência de Antropólogos e Linguistas realizada na Universidade de Indiana em 1952 – portanto, um ano antes da publicação póstuma das Investigações filosóficas –, “os antropólogos têm sempre afirmado e provado que a linguagem e a cultura se implicam mutuamente, que a linguagem deve ser concebida como uma parte integrante da vida social, que a linguística está estreitamente ligada à antropologia cultural.” Estando ciente como seus colegas antropólogos de que “a linguagem é [...] o próprio fundamento da cultura” (ibid., p. 18), Malinowski ressalta no ensaio “O problema do significado em linguagens primitivas” que “a linguagem está essencialmente enraizada na realidade da cultura, da vida tribal e dos costumes de um povo, e [...] não pode ser explicada sem uma constante referência a esses contextos mais amplos da expressão verbal” (p. 303). Assim, conclui Malinowski, “o estudo de qualquer linguagem, falada por um povo que vive em condições diferentes das nossas e possuidor de uma cultura diferente, deve ser realizado em conjunção com o estudo da sua cultura e do seu meio” (p. 304).

Ao fim de seu ensaio, ao longo do qual repetidamente acentua a importância de assumir uma “concepção pragmática da linguagem” (p. 313), Malinowski observa que tanto a sua abordagem quanto a teoria de Ogden e Richards “mantêm, enfaticamente, que a linguagem e todos os processos linguísticos derivam seu poder somente dos processos reais que têm lugar através da relação do homem com o seu meio circundante” (p. 330). Coautor de O significado de significado e primeiro tradutor do Tractatus logico-philosophicus para a língua inglesa, Ogden enviou um exemplar de seu livro para Wittgenstein, que considerou a obra irrelevante (MONK, 1995, p. 201). “Não é um livro misérrimo?”, escreveu Wittgenstein a seu ex-professor Russell. Anos mais tarde, porém, com o “estímulo” de Sraffa, Wittgenstein mudaria de perspectiva e adotaria justamente uma concepção pragmática da linguagem como a de Malinowski. Na verdade, como destaca Gellner (1998, p. 148), “é perfeitamente óbvio que, em conexão com povos ‘mais simples’ e seus usos da linguagem, Malinowski já possuía a teoria da linguagem funcional, vinculada à cultura, que mais tarde seria aclamada como a revelação final na filosofia”. Dessa maneira, “pode-se dizer que Malinowski formulou a ideia-chave das Investigações filosóficas, quase nas próprias palavras de Wittgenstein, num período em que este ainda estava afundado na escuridão do Tractatus!” (ibid., p. 149). Mais: pode-se dizer que, como os antropólogos, os linguistas já haviam formulado a ideia-chave das Investigações filosóficas, quase nas próprias palavras de Wittgenstein, num período em que ele ainda não havia sequer nascido.

No quinto capítulo do Curso de linguística geral,3 por exemplo, Saussure separa do sistema linguístico tudo o que lhe é exterior, relegando-o ao que chama de “linguística externa”. Essa linguística, afirma Saussure em seu livro publicado postumamente em 1916, ocupa-se de coisas importantes, incluindo em primeiro lugar “todos os pontos em que [...] faz fronteira com a etnologia, todas as relações que podem existir entre a história de uma língua e de uma raça ou civilização” (p. 53). Assim, estando atento como Paul (1983 [1881], § 9) ao fato de que “tudo o que de qualquer modo afetou a alma humana, a organização corporal, a natureza ambiente, toda a cultura, todas as experiências e vivências, tudo deixou efeitos na língua”, Saussure (2014 [1916], p. 53) pondera que “os costumes de uma nação têm repercussão na língua e, por outro lado, é em grande parte a língua que constitui a nação”. Da mesma forma, em sintonia com a posição assumida por Whitney (2010 [1875], p. 281) de que “vemos numa palavra uma parte de um sistema, um anel de uma cadeia histórica, um termo de uma série, um signo de capacidade, de cultura, um laço etnológico”, Saussure chama a atenção em sua primeira conferência na Universidade de Genebra, de novembro de 1891, para a

capacidade singularmente precisa que assumiu a linguística para a etnografia, a tal ponto que o dado [linguístico] é sempre, até a mais ampla informação, a prova primeira para o etnologista, e que se pergunta como o etnologista, sem esse dado, poderia afirmar, por exemplo (para escolher um exemplo entre mil), que, entre os húngaros, os ciganos representam uma raça totalmente distinta do magiar, que no império austríaco o magiar, por sua vez, representa uma raça totalmente distinta do checo e do alemão; que, em troca, o checo e o alemão, que se odeiam do fundo do coração, são parentes muito próximos; que o magiar, por sua vez, é primo próximo das populações finlandesas do império russo, nas margens do Báltico, das quais jamais ouviu falar, que os ciganos, por sua vez, [...] são um povo saído da Índia (SAUSSURE, 2004, p. 127).

Tomando, portanto, como referência exatamente o ambiente em que Wittgenstein e Malinowski nasceram e cresceram, Saussure não apenas reforça a afirmação feita por Whitney (2010 [1875], p. 272) de que “o antropólogo também é um linguista e sabe [...] o que a linguagem é para o homem e como ela é o que ela é” como ilustra com clareza o fato um tanto óbvio de que “o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida”. Na verdade, insiste Saussure (2004, p. 131), “não se conhece completamente um povo sem conhecer sua língua ou ter dela alguma ideia”, já que “a língua é uma parte importante da bagagem das nações, contribuindo para caracterizar uma época, uma sociedade” (ibid.). Não por coincidência, acrescenta Saussure (2014 [1916], p. 253), “o termo idioma designa com muita precisão a língua como algo que reflete os traços próprios de uma comunidade”, sendo que “o grego idiōma já tinha o sentido de ‘costume especial’” (ibid.).

Compartilhando do posicionamento expresso por Saussure quanto às profundas relações estabelecidas entre um povo e sua língua, Martin Heidegger afirmaria em 1933:

A realidade fundamental dominante nesta convivência (de um com o outro), neste ser com o outro, é a linguagem. Mas a linguagem não é, de forma alguma, um instrumento que, por assim dizer, se dá posteriormente a um grupo, antes, isolado de homens, para com ele se encontrarem uns com os outros, mas ao contrário, o indivíduo, quando de alguma maneira se isola, ele o faz dentro e a partir de uma comunidade de mundo e espírito na linguagem reinante e já fala “na” linguagem de uma língua. A língua só pode ser instrumento de comunicação porque, antes e originariamente, a linguagem preserva e amplia o mundo em que um povo existe (HEIDEGGER, 2007, p. 71).

Ou seja, assim como Saussure, Heidegger seguramente acharia um tanto óbvia a observação de que “o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida”. E mais ainda Aristóteles, que enfatiza na Política (III, V, § 8) que o que se chama justo na oligarquia não é o mesmo que se chama justo na democracia, apesar do fato de que “cada um por seu turno dizendo o que é justo até um certo ponto imagina que o que diz é absolutamente justo” (§ 9). Considerando-se situações como essa, Aristóteles ensina nos Tópicos (II, II):

Deve-se formular que as coisas devem ser descritas na linguagem utilizada pela maioria; mas quando se indaga quais coisas são de um certo tipo e quais não são, é necessário não se prestar mais atenção à maioria. Por exemplo, cumpre dizer, como a maioria o diz, que saudável é o que produz saúde; mas quando se indaga se o objeto em discussão produz saúde ou não, é necessário não recorrer mais à linguagem da maioria, mas à do médico.

Também a par do fato um tanto óbvio de que “o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida”, Platão argumenta no Íon (540b-d) que quem é piloto de navio, médico, vaqueiro, fiandeiro e general compreende as palavras diferentemente de quem não aprendeu suas respectivas atividades. Já em diálogo com Protágoras no texto homônimo (341a-342a), Sócrates chama a atenção para possíveis diferenças de usos das palavras “difícil” e “espantoso” por pessoas de diferentes épocas e formas de vida. No entanto, ao ler os diálogos socráticos, Wittgenstein tinha a sensação de uma “tremenda perda de tempo” (WITTGENSTEIN, 1992a, p. 30). “Qual é o sentido destes argumentos que nada provam e nada clarificam?” Sem nada provar e nada clarificar a Wittgenstein, Platão discorre na República (538c-e), sempre cioso do fato um tanto óbvio de que “o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida”:

[...] retemos desde a infância certas convicções em torno de coisas justas e nobres; com elas somos educados como com nossos pais, obedecemos a elas e as honramos. [...] Há, todavia, outras formas de viver que se opõem a essa e repletas de prazeres, que lisonjeiam a alma e a atraem para eles, mas que não persuadem indivíduos sensatos, que continuam honrando e obedecendo às convicções [herdadas] de seus pais. [...] E então surge alguém que faz a seguinte pergunta: “O que é o nobre?” E quando um indivíduo sensato desses responde o que tem ouvido do legislador tradicional, vê-se refutado pelo argumento, e por força de ser refutado frequentemente e em muitos lugares sofre o abalo de suas convicções, sendo levado a crer que o nobre não é mais nobre do que vergonhoso, o mesmo se aplicando ao justo, ao bom e às coisas que ele tem mais honrado.4

Igualmente zeloso do fato um tanto óbvio de que “o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida”, o filólogo Friedrich Nietzsche se pergunta na Genealogia da moral (I, § 4), do ponto de vista etimológico, pelo significado das designações para “bom” cunhadas por diversas línguas, concluindo que “nobre”, “aristocrático”, é o conceito básico do qual se desenvolveu “bom”, e “plebeu”, “comum”, “baixo”, o conceito básico do qual se desenvolveu “ruim”. Além disso, Nietzsche (ibid., I, § 7) afirma que foram os judeus que inverteram essa equação, aproximando o “bom” do “plebeu” e o “ruim” do “aristocrático”. Contra a moral judaico-cristã, Nietzsche, sempre atencioso ao passado, “com todas as suas formas, com todos os seus modos de viver, com todas as suas culturas estratificadas” (2009a, § 224), detalha na Genealogia da moral os significados das palavras na forma de vida da Grécia Antiga e aconselha: “Aos filólogos, seja lembrado em que sentido são usados όιξυρός, άνολβος, τλήµων, δυστυχεϊν, ξυµφορά [deplorável, pobre, miserável, ser infortunado, desgraça])” (I, § 10). E, aos pesquisadores contemporâneos, seja lembrado que, “para quem sabe interrogá-la, a linguagem está cheia de lições, já que depois de tantos séculos a humanidade deposita nela as aquisições de sua vida material e moral” (BRÉAL, 1992 [1897], p. 17).

2. Jogo da língua, jogo de signos, jogos de linguagem

Diante da constatação de que os “estímulos” de Sraffa que levaram Wittgenstein a adotar um modo “antropológico” de examinar as questões filosóficas eram um tanto óbvios, deve-se perguntar se os jogos de linguagem não seriam também um tanto óbvios. Antes de entrar propriamente nessa questão, é bom salientar que a filosofia da linguagem do segundo Wittgenstein sustenta-se na analogia entre a linguagem e um jogo,5 assim como a primeira filosofia de Wittgenstein baseia-se na teoria pictórica do significado. A história de como Wittgenstein desenvolveu, durante a Primeira Guerra Mundial, a ideia de que as proposições são uma figuração da realidade que descrevem foi anos mais tarde relatada por ele a G. H. von Wright (1990, p. 18-19). Conforme seu amigo, enquanto prestava serviço no exército austro-húngaro, Wittgenstein leu numa revista uma reportagem sobre um processo em Paris sobre um acidente de carro. No tribunal, foi apresentado um modelo do acidente, o que levou Wittgenstein à ideia de que o modelo podia figurar o acidente, dada a correspondência entre as partes – ou seja, casas, carros e pessoas em miniatura e as coisas reais: casas, carros e pessoas. Tendo feito uma analogia entre o modelo do acidente e a linguagem, Wittgenstein concluiu que uma proposição também é um modelo, uma figuração da realidade que descreve: “Na proposição constitui-se experimentalmente um mundo. [Como quando na sala de audiências em Paris se representa com bonecos um acidente automobilístico, etc.]”, anotou Wittgenstein em seu diário em 29 de setembro de 1914 (WITTGENSTEIN, 2004, p. 16). “Nessa analogia”, comenta Monk (1995, p. 117), “poder-se-ia dizer que uma proposição serve de modelo, ou figuração [ou imagem], de um estado de coisas, em virtude de uma correspondência similar entre as suas partes e o mundo.” No entanto, é um tanto óbvio que infinitas proposições não servem de modelo, ou figuração [ou imagem], de um estado de coisas, em virtude de uma correspondência similar entre as suas partes e o mundo – a começar pelas proposições do próprio Tractatus. Não surpreende, portanto, que poucos anos depois de sua publicação o livro tenha sido considerado pelo próprio Wittgenstein como “o sintoma de uma doença”, conforme escreveu no exemplar de Moritz Schlick (GLOCK, 1998, p. 32). Muito menos surpreende a declaração feita por Wittgenstein já no fim da vida de que aquilo sobre o que ele escrevia poderia “ser óbvio para outrem com um entendimento são” (2009a, III, § 295).6

A analogia entre a linguagem e um jogo, por sua vez, de acordo com Norman Malcolm (1990, p. 69), teria surgido a Wittgenstein enquanto ele passeava com Freeman Dyson por um campo onde viu pessoas jogando futebol. A mesma analogia, contudo, já havia sido feita no século 19 por linguistas como Whitney, que faz referência ao “jogo da língua” em suas reflexões sobre a linguagem (2010 [1875], p. 265), e Saussure, que nos manuscritos analisa em seus pormenores esse “jogo de signos que se chama língua” (SAUSSURE, 2004, p. 38). No Curso, Saussure volta a recorrer a essa analogia, afirmando por exemplo que os valores tanto das peças de um jogo de xadrez quanto dos termos de uma língua “dependem [...] de uma convenção imutável: a regra do jogo, que existe antes do início da partida e persiste após cada lance” (p. 130). Ou seja, conforme Saussure, “assim como o jogo de xadrez está todo inteiro na combinação das diferentes peças, assim também a língua tem o caráter de um sistema baseado completamente na oposição de suas unidades concretas” (ibid., p. 152). Dessa forma, ressalta Saussure, a língua “é, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (ibid., p. 41).

A analogia entre a linguagem e um jogo também já havia sido feita antes de Wittgenstein por um dos autores que ele lia quando jovem, o filósofo austro-húngaro Fritz Mauthner. “A linguagem”, pondera Mauthner (1901-1903, I, p. 25 apud JANIK & TOULMIN, 1991, p. 140), “é apenas uma convenção, como as regras de um jogo: quanto maior o número de participantes, mais atraente ele será. Entretanto, não irá apreender nem alterar o mundo real.” Segundo Janik e Toulmin (ibid.), para Mauthner a linguagem é um fenômeno social que deve ser apreendido junto com outros costumes associados das pessoas que a usam. Sendo assim, afirmam os autores (ibid., p. 273), os escritos tardios de Wittgenstein

reviveram muitas posições e teses já expostas por Mauthner em 1901 – por exemplo, a ideia de que as regras da linguagem são como as regras de um jogo, e de que a própria palavra “linguagem” é um termo abstrato geral, que precisamos desembrulhar para ver como, na prática real, os homens empregam as expressões de suas linguagens, nos contextos de todas as suas variadas culturas.

Sem nunca ter devidamente reconhecido seus precursores no emprego da analogia entre a linguagem e um jogo, Wittgenstein introduziu a técnica dos jogos de linguagem, conforme Monk (1995, p. 298-299), em um curso dado no início dos anos 1930 – portanto, pouco depois de ter iniciado suas conversas com Sraffa (ibid., p. 239-240). Seu objetivo, explica Monk (ibid., p. 299), era desfazer as confusões filosóficas decorrentes de considerar a linguagem à parte da “corrente da vida”. Refletindo sua nova postura em relação à linguagem, Wittgenstein lista no § 23 das Investigações filosóficas uma série de jogos de linguagem, como comandar, descrever um objeto, inventar uma história, ler, pedir, agradecer e orar, e declara: “É interessante comparar a multiplicidade das ferramentas da linguagem e seus modos de emprego, a multiplicidade das espécies de palavras e frases com aquilo que os lógicos disseram sobre a estrutura da linguagem. (E também o autor do Tractatus logico-philosophicus.)”. Mas o que os lógicos disseram sobre a estrutura da linguagem é o que disse o autor do Tractatus logico-philosophicus com sua teoria pictórica do significado, que exclui jogos de linguagem como aqueles listados pelo autor das Investigações filosóficas? Um bom ponto de partida para responder a essa pergunta é ver o que disse o pai da lógica, Aristóteles, sobre a estrutura da linguagem. Em Da interpretação (IV), Aristóteles afirma que “chamamos de proposição somente as [sentenças] que encerram verdade ou falsidade em si mesmas” e destaca que “uma prece, por exemplo, é uma sentença, porém não encerra nem verdade nem falsidade”, cabendo por isso seu estudo à retórica ou à poética. Na Poética (19), por sua vez, Aristóteles completa:

No que diz respeito às questões relativas à elocução, um dos objetos de investigação é o das formas de expressão falada, cujo conhecimento cabe à arte do ator cômico e à pessoa versada nessa arte. Trata-se de saber nomeadamente como se expressa o comando, a oração, a narrativa, a ameaça, a pergunta, a resposta e outras coisas semelhantes. A poética não pode se tornar alvo de séria crítica por conta do conhecimento ou ignorância dessas coisas. Quem consideraria um erro aquilo que é criticado por Protágoras, ou seja, que o poeta, ao pretender fazer uma oração, na verdade emite um comando ao dizer: “Canta-me, ó deusa, a cólera...”, pois, segundo ele, instruir alguém a fazer ou não fazer algo é um comando. Renunciemos aqui, portanto, a esse estudo, o qual pertence a uma outra arte, e não à poética.

Com base apenas nesses dois trechos, é possível concluir com tranquilidade que os jogos de linguagem pareceriam um tanto óbvios para Aristóteles. Assim, é realmente interessante comparar o que disse Aristóteles sobre a estrutura da linguagem com o que disse o autor do Tractatus logico-philosophicus. Mas mais interessante ainda é comparar o que disse Aristóteles sobre a estrutura da linguagem com o que disse o autor do Tractatus logico-philosophicus sobre Aristóteles. Nos Últimos escritos sobre a filosofia da psicologia (I, § 525), por exemplo, Wittgenstein não apenas critica Aristóteles com autoridade, apesar de nunca ter lido uma palavra dele (MONK, 1995, p. 438; DRURY, 1984, p. 158), como recrimina: “Má influência da lógica aristotélica. A lógica da linguagem é infinitamente mais complicada do que parece” (ibid., II, II, § 332). Ou melhor: má influência da lógica wittgensteiniana. A lógica da linguagem é infinitamente mais complicada do que parecia ao autor do Tractatus logico-philosophicus, que no § 304 das Investigações filosóficas anuncia: “[...] rompemos radicalmente com a ideia de que a linguagem funciona sempre de um modo, serve sempre ao mesmo objetivo: transmitir pensamentos – sejam estes pensamentos sobre casas, dores, bem e mal, ou o que seja”. Considerando-se o rompimento radical anunciado por Wittgenstein nas Investigações filosóficas, é interessante comparar também o que disse um dos pais da lógica moderna, Frege, sobre a estrutura da linguagem com o que disse o autor do Tractatus logico-philosophicus. No artigo “O pensamento. Uma investigação lógica”, por exemplo, Frege chama de pensamento “a algo sobre o qual se pode perguntar pela verdade” (FREGE, 2002, p. 14) e, com o intuito de esclarecer o que entendia por pensamento, distingue “algumas espécies de sentenças” (ibid., p. 16), aproximadamente como o havia feito Aristóteles:

Não quero negar um sentido a uma sentença imperativa; mas este sentido não é daquele tipo passível de suscitar a questão da verdade. Por isso, não chamarei o sentido de uma sentença imperativa de pensamento. Da mesma maneira, estão excluídas as sentenças que expressam desejo ou pedido. Só serão consideradas as sentenças mediante as quais comunicamos ou declaramos algo. Mas, entre estas, não incluo as exclamações que manifestam sentimentos, gemidos, suspiros, risos, a menos que estejam destinadas, por uma convenção especial, a comunicar algo (FREGE, 2002, p. 16).

Em seguida, Frege passa às sentenças interrogativas, distinguindo interrogações nominais (Wortfragen), como “Quem viu?” e “Onde está”?”, de sentenças interrogativas (Satzfragen), como “João está em casa?” e “Maria foi ao clube?”, que têm como resposta um “sim” ou um “não”. Conforme Frege, “para cada sentença assertiva pode-se formar uma sentença interrogativa” (2002, p. 16), o que o leva a concluir que “uma exclamação não pode ser considerada uma comunicação, já que nenhuma sentença interrogativa correspondente pode ser formada” (ibid., p. 17). Em vista dessas distinções entre algumas espécies de sentenças feitas por Frege, é natural concluir que os jogos de linguagem também lhe pareceriam um tanto óbvios.

É interessante ainda comparar o que Heidegger disse nos anos 1920 sobre a estrutura da linguagem com o que disse o autor do Tractatus logico-philosophicus:

Todo discurso, todo falar tem significação, isto é, todo ato de exprimir um desejo, um pedido, uma indagação, uma ordem, uma enunciação, significa algo. Nem todos esses discursos, porém, são λόγος, ou seja, nem todo discurso é discurso mostrador. Um pedido a alguém não tem o sentido e a função significativa interna de deixar algo claro para esse alguém, de comunicar-lhe algo. Ele só visa justamente solicitar algo dessa pessoa. De maneira correspondente, a ordem também não passa nenhum conhecimento adiante em sentido próprio, mas é apenas uma intimação a agir. Portanto, nem todo discurso é mostrador de um tal modo que se pudesse afirmar que o ato de mostrar algo seria a tendência propriamente dita do discurso. Mostrador é somente aquele λόγος, junto ao qual sucede a algo ser falso ou ser verdadeiro. Naquele discurso que é verdadeiro ou falso, isto é, no enunciado, na proposição, reside algo assim como uma síntese, uma composição (HEIDEGGER, 2009, p. 48-49).

Assim, em conformidade com lógicos como Aristóteles e Frege, e diferentemente de Wittgenstein, Heidegger jamais rompeu radicalmente com a ideia de que a linguagem funciona sempre de um modo, serve sempre ao mesmo objetivo, o de transmitir pensamentos, porque nunca defendeu essa ideia. Pelo contrário: como Aristóteles e Frege, Heidegger contrasta o “discurso mostrador” com outros tantos discursos que não encerram verdade ou falsidade em si mesmos. Por isso, os jogos de linguagem seguramente lhe pareceriam um tanto óbvios.

3. Uma imagem ingênua da visão agostiniana da linguagem

Sem dúvidas, os jogos de linguagem também pareceriam um tanto óbvios a Santo Agostinho, a quem Wittgenstein enganadamente imputa uma teoria pictórica do significado. No primeiro parágrafo das Investigações filosóficas, por exemplo, Wittgenstein cita um trecho das Confissões (I, 8) de Agostinho em que ele descreve como aprendeu, com o auxílio de gestos, as primeiras palavras e pondera que nesse relato haveria uma representação do que se acredita ser a essência da linguagem humana: a de que as palavras denominam objetos e as frases são ligações de tais denominações. “Santo Agostinho não fala de uma diferença entre espécies de palavras”, afirma Wittgenstein. “Quem descreve o aprendizado da linguagem desse modo pensa, pelo menos acredito, primeiramente em substantivos tais como ‘mesa’, ‘cadeira’, ‘pão’, em nomes de pessoas, e apenas em segundo lugar em nomes de certas atividades e qualidades, e nas restantes espécies de palavras como algo que se terminará por encontrar.” Com o intuito de contrapor-se a essa concepção da linguagem, Wittgenstein convida seu interlocutor imaginário a supor um jogo de linguagem no qual manda alguém fazer compras com um pedaço de papel em que está escrito “cinco maçãs vermelhas”. Conforme Wittgenstein, a pessoa leva o papel ao negociante, que abre o caixote sobre o qual está o signo “maçãs”. Depois, o negociante procura numa tabela a palavra “vermelho” e encontra na frente desta um modelo da cor. Em seguida, ele enuncia a série dos numerais até a palavra “cinco” e a cada numeral tira do caixote uma maçã da cor do modelo. “Assim, e de modo semelhante, opera-se com palavras”, conclui Wittgenstein.

No trecho das Confissões citado por Wittgenstein, Agostinho realmente não menciona a aprendizagem de numerais como “cinco” ou de adjetivos como “vermelho”, mas restringe-se à aprendizagem das primeiras palavras, aquelas que denotam objetos. Em outros termos, sabendo que “a criança só aprende modos de emprego ocasionais da palavra, e a princípio mesmo só relações da mesma com alguma coisa concreta que lhe é dada pela observação” (PAUL, 1983 [1881], p. 92), Agostinho apenas lembra o processo de “apontar e nomear objetos, como se ensinam as crianças os primórdios da linguagem” (WITTGENSTEIN, 2005b, § 8). Tendo em vista que Agostinho se atém aos “primórdios da linguagem”, não parece correto associar a ele, como o faz Wittgenstein, algo como a teoria pictórica do significado apresentada pelo autor do Tractatus logico-philosophicus, segundo a qual toda palavra é nome, um nome significa um objeto e frases são ligações de nomes: “Na proposição, o pensamento pode ser expresso de modo que aos objetos do pensamento correspondam elementos do sinal proposicional” (3.2); “Chamo esses elementos de ‘sinais simples’; a proposição, de ‘completamente analisada’” (3.201). “Os sinais simples empregados na proposição chamam-se nomes” (3.202); “O nome significa o objeto. O objeto é seu significado. [...]” (3.203); “À configuração dos sinais simples no sinal proposicional corresponde a configuração dos objetos na situação” (3.21); “O nome substitui, na proposição, o objeto” (3.22); “A proposição elementar consiste em nomes. É uma vinculação, um encadeamento de nomes” (4.22).

Na verdade, seguindo Robert Fogelin (1995, p. 108-109), parece mais justo dizer que “Wittgenstein simplesmente discute ‘uma determinada imagem’ que essa passagem [das Confissões] sugere – uma imagem mais ingênua do que a visão de fato apresentada por Agostinho”. A despeito disso, Hans-Johann Glock, por exemplo, como tantos outros wittgensteinianos (e.g. BAKER & HACKER, 2005; CHILD, 2011; HALLETT, 1985; KENNY, 2006), não somente corrobora no Dicionário Wittgenstein (cf. entrada “visão agostiniana de linguagem”) essa injustiça cometida contra Santo Agostinho como pondera que o autor do Tractatus logico-philosophicus aderiu à “visão agostiniana de linguagem” (p. 355). Contra essa interpretação equivocada, basta recordar que, ao contrário do que afirma Wittgenstein, Agostinho fala sim nas Confissões (X, 15) de uma diferença entre espécies de palavras, citando primeiramente pedra e sol, mas depois a dor do corpo, a saúde do corpo e os números. Assim, dizer que Agostinho não fala de uma diferença entre espécies de palavras é atrelar indevidamente a ele a imagem da essência de linguagem humana do autor do Tractatus logico-philosophicus – isto é, a teoria pictórica do significado.

Em 1913, nas Notas sobre lógica, Wittgenstein já havia afirmado que “nomear é como apontar” (WITTGENSTEIN, 2004, p. 137) e em 1914 já havia escrito em seu caderno que, “na proposição, o nome substitui o objeto” (ibid., p. 58). No entanto, no início dos anos 1930, em vez de só admitir com os “estímulos” de Sraffa que havia cometido um erro ao defender essa imagem da essência da linguagem humana, o autor do Tractatus logico-philosophicus começaria a atribuí-la a Santo Agostinho a fim de refutá-la (e.g. WITTGENSTEIN, 2003, p. 40; 1992b, I, § 1). Mais tarde, ao escrever as Investigações filosóficas, Wittgenstein não apenas continuaria a conferir a Agostinho a teoria pictórica do significado como criticaria a “concepção agostiniana da linguagem” por sua simplicidade (§ 4). Essa confusão, porém, é desfeita pela leitura das Confissões e definitivamente afastada nas páginas do diálogo O Mestre, no qual Agostinho, acompanhado por seu filho, Adeodato, lista diferentes espécies de palavras, como preposições (II, 4), verbos (III, 6), nomes (IV, 8), conjunções (IV, 10), pronomes (V, 13) e advérbios (V, 16), além de explicitar que nem toda palavra da linguagem denomina objetos, exemplificando sua argumentação com as palavras “se” e “nada” (II, 3); a preposição “de” (II, 4; III, 5); verbos como “comer”, “beber”, “estar sentado”, “estar de pé” e “gritar” (III, 6); conjunções como “se”, “ou”, “pois”, “senão”, “portanto” e “porque” (V, 11) e pronomes (V, 13). Contudo, aparentemente sem tomar conhecimento desse texto de Agostinho, Wittgenstein contesta no § 35 das Investigações filosóficas a simples concepção do autor das Notas sobre lógica e do Tractatus logico-philosophicus de que nomear é como apontar, chamando a atenção para o fato de que “apontar a forma” e “ter em mente a forma” é diferente de “apontar este livro” (e não aquele), “apontar a cadeira, não a mesa”, além de ressaltar que aprendemos de modo diferente o uso das palavras “apontar esta coisa” e “apontar aquela coisa”, por um lado, e “apontar a cor, e não a forma”, por outro. Tais observações por certo pareceriam um tanto óbvias a Agostinho, que, novamente antecipando-se ao autor das Investigações filosóficas, esclarece com Adeodato no Mestre (III, 5) que nem todo nome se refere a um objeto, que nem todo nome pode ser apontado com o dedo e que apontar o corpo difere de apontar a cor do corpo:

Agostinho. [...] se eu te perguntasse o que significam estas três sílabas “paries” (parede), por acaso não poderias mostrar-me com o dedo? Assim, eu veria diretamente a própria coisa cujo sinal é esta palavra trissílaba, sendo que tu apenas a mostrarias sem proferir palavra alguma.

Adeodato. Concordo que se possa fazer isto somente com os nomes que significam corpos, desde que os próprios corpos estejam presentes.

Ag. Acaso dizemos que a cor é corpo ou, antes, certa qualidade do corpo?

Ad. É isto mesmo.

Ag. Por que, então, também ela pode ser mostrada com o dedo? Acaso acrescentas aos corpos as suas qualidades de modo que elas, quando estão presentes, possam ser indicadas sem palavras?

Ad. Ao falar de corpos, eu queria que se entendesse tudo o que é corpóreo, isto é, tudo o que se percebe nos corpos.

Ag. Contudo, reflete se também em relação a isto devem ser feitas algumas exceções.

Ad. Boa esta tua advertência, pois eu não deveria ter dito tudo o que é corpóreo, mas sim tudo o que é visível. Pois confesso que o som, o cheiro, o sabor, a gravidade, o calor e outras coisas que pertencem aos demais sentidos, embora não possam ser percebidas sem os corpos, e por isso são corpóreas, contudo não podem ser mostradas com o dedo.

E ainda:

Ag. Acredito que concordas [...] que, quando dizemos um nome, significamos alguma coisa.

Ad. É verdade.

Ag. O que, afinal?

Ad. Certamente o que se menciona como, por exemplo, Rômulo, Roma, virtude, rio e inúmeras outras coisas.

[...]

Ag. Por acaso não há diferença entre estes nomes e as coisas que são significadas por eles?

Ad. Pelo contrário; há muita diferença.

[...]

Ad. Entre o que denominamos nome e estas quatro coisas que subordinamos ao seu significado, parece-me haver a seguinte diferença: que o nome é sinal audível de sinais audíveis, enquanto as coisas audíveis certamente são sinais, mas não de sinais, e sim de coisas, quer visíveis, como Rômulo, Roma, rio, quer inteligíveis, como virtude.

[...]

Ag. Gostaria que me respondesses [...] o seguinte: uma vez que a palavra é sinal do nome e o nome é sinal do rio e o rio sinal de uma coisa que já se pode ver, e conforme a diferença que disseste existir entre esta coisa e o rio, isto é, o sinal, e entre este sinal e o nome, que é sinal deste sinal, qual achas que seja a diferença entre o sinal do nome, que dissemos ser a palavra, e o próprio nome do qual ela é sinal?

Ad. Entendo que a diferença consiste em que as coisas que são significadas pelo nome também o são pela palavra, pois assim como nome é palavra, também rio é palavra; mas nem tudo o que é significado pela palavra também o é pelo nome. Pois também aquele “si” (se), com que começa o verso proposto por ti, e aquele “ex” (de), sobre os quais discorrendo longamente chegamos a estas questões, são palavras, porém não são nomes; e se encontram muitos exemplos semelhantes. Pelo que, uma vez que todos os nomes são palavras mas nem todas as palavras são nomes, acho que está clara a diferença entre palavra e nome, isto é, entre o sinal daquele sinal que não significa nenhum outro sinal e sinal daquele sinal que, por sua vez, significa outros sinais (IV, 7-9).

Em suma: Ad. “Todo nome, e o próprio termo ‘nome’, é palavra; contudo, nem toda palavra é nome, embora o próprio termo palavra seja nome” (V, 11). Nessas palavras encontra-se a verdadeira imagem da linguagem humana segundo Agostinho, a verdadeira concepção agostiniana da linguagem. Uma concepção muito mais complexa que aquela apresentada pelo autor do Tractatus logico-philosophicus, que contraditoriamente7 a desmente em vários momentos do livro:

Na proposição “Rosa é rosa” – onde a primeira palavra é um nome de pessoa, a última é um adjetivo – essas palavras não têm simplesmente significados diferentes, mas são símbolos diferentes (3.323).

[...] (E o dicionário não traduz apenas substantivos, mas também verbos, adjetivos, conjunções, etc.; e trata igualmente a todos.) (4.025)

A possibilidade da proposição repousa sobre o princípio da substituição de objetos por sinais.

Minha ideia básica é que as “constantes lógicas” não substituem; que a lógica dos fatos não se deixa substituir (4.0312).

[...] (O nome mostra que designa um objeto; o numeral, que designa um número, etc.) (4.126)

E com a teoria pictórica do significado – que Platão (Crátilo, 430a-b e 439a) e Bréal (1992 [1897], p. 123) restringem aos nomes/substantivos – o autor do Tractatus logico-philosophicus mostra que desconsiderou as “constantes lógicas”, numerais, verbos, adjetivos, conjunções, etc.; sem tratar igualmente a todos8 e esquecendo “a verdade [...] de que o âmago da linguagem não é constituído de nomes”, sendo “um acidente quando o signo linguístico corresponde a um objeto definido pelo sentido” (SAUSSURE, 2004, p. 197).

4. A primeira combinação das palavras

Sinal maior das contradições em que caiu o autor do Tractatus logico-philosophicus devido a sua simples concepção da linguagem, a frase com que ele apresenta a forma proposicional geral não é uma ligação de nomes: “A forma proposicional geral é: as coisas estão assim”9 (4.5). No início dos anos 1930, porém, com o “estímulo” de Sraffa, Wittgenstein não apenas abandonaria a forma proposicional geral do Tractatus como diria a seus alunos: “Eu não tentarei dar uma definição geral de ‘proposição’, já que é impossível fazê-lo. Isso não é mais possível do que dar a definição da palavra ‘jogo’” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 20). Nas Investigações filosóficas, a questão é retomada, mas Wittgenstein esclarece por meio de seu interlocutor imaginário que se dispensa “da parte da investigação que outrora lhe proporcionara as maiores dores de cabeça, a saber, aquela concernente à forma geral da proposição e da linguagem” (§ 65), concluindo que “as coisas estão assim” não é a forma geral da proposição. Esse fato, claro, pareceria um tanto óbvio por exemplo a Heidegger, que, estando familiarizado com a teoria da verdade e da proposição dos gregos, segundo a qual “a verdade como caráter de uma proposição se mostra como uma ligação entre sujeito e predicado, S – P” (HEIDEGGER, 2009, p. 53), afirmou ainda nos anos 1920:

Com a teoria usual da proposição e do enunciado não se consegue de maneira alguma interpretar nem proposições como “chove” ou “relampeja”, ou seja, as assim chamadas proposições impessoais, nem proposições como “esse homem existe”, isto é, os enunciados existenciais. No momento em que deixamos de ver o todo dos problemas inerentes à proposição e à verdade, essa simples definição da proposição passa a se mostrar questionável (ibid., p. 56).

Sem o mesmo nível de conhecimento da história da filosofia apresentado por Heidegger, Wittgenstein (2003, p. 40) atribui tanto a Platão quanto a Agostinho a ideia de que uma sentença é composta de substantivos e verbos e os critica afirmando que “eles descrevem o jogo de forma mais simples do que é”. De fato, Platão sustenta que uma sentença é composta de substantivos e verbos. Porém, mais uma vez sem nada provar e nada clarificar ao autor da teoria pictórica do significado, argumenta no Sofista (262a-c):

O discurso jamais é composto exclusivamente de nomes falados de maneira sucessiva, e tampouco de verbos falados sem nomes. [...] caminha, corre, dorme e outros verbos que indicam ações: mesmo que alguém dissesse todos sucessivamente, isto não constituiria um discurso. [...] Do mesmo modo, se alguém dissesse leão, cervo, cavalo, e todos os demais nomes que executam ações, essa sequência de palavras não constituiria um discurso, pois em nenhum desses casos as palavras proferidas indicarão ação ou inação, ou o ser de alguma coisa que é ou não é, enquanto essa pessoa não combinar os verbos com os nomes. Feito isso, haverá entrelaçamento das palavras, e sua primeira combinação é uma sentença, surgindo, suponho, o discurso na sua forma simples e mais curta.

Ecoando Platão, o autor da teoria pictórica do significado diria a seus alunos no início dos anos 1930: “Um substantivo na linguagem é usado primariamente para o corpo físico, e um verbo para o movimento desse corpo. Essa é a mais simples aplicação da linguagem, e esse fato é imensamente importante” (WITTGENSTEIN, 2001, p. 119). E esse fato imensamente importante também não passou despercebido a Aristóteles, que nas Categorias (II) pontua que combinações de palavras são encontradas em proposições como “o homem corre” e “o homem vence”. O mesmo fato imensamente importante tampouco passou despercebido a Russell, que em The principles of mathematics, livro cuja leitura atraiu Wittgenstein para a filosofia (MONK, 1995, p. 42-43), afirma que três partes do discurso são especialmente importantes: substantivos, adjetivos e verbos (p. 42). Além disso, nessa obra, Russell não apenas recomenda o estudo gramatical por sua capacidade de jogar luz nas questões filosóficas como toma a gramática como guia de sua análise. O mesmo guia, a propósito, tomado por Santo Agostinho e Adeodato em sua análise das palavras no Mestre e por Frege em sua análise das orações no artigo “Sobre o sentido e a referência” (p. 142-158). O autor do Tractatus logico-philosophicus, por sua vez, não tomou a gramática como guia de sua análise e elaborou sua simples concepção da linguagem, que posteriormente, com o “estímulo” de Sraffa, criticaria de um ponto de vista um tanto óbvio. Na verdade, o caráter óbvio do ponto de vista adotado pelo segundo Wittgenstein contra a teoria pictórica do significado fica ainda mais evidente quando ele explicita as diferentes funções das palavras, como já faziam os gramáticos ocidentais desde ao menos a Grécia Antiga, certos de que, “na língua, tudo se reduz a diferenças, mas tudo se reduz também a agrupamentos” (SAUSSURE, 2014 [1916], p. 177). “Se agruparmos as palavras segundo a semelhança das suas funções, distinguindo deste modo partes do discurso, será fácil ver que podem ser adotadas muitas e diferentes maneiras de classificação”, afirma Wittgenstein no Livro castanho (I, § 10). No § 11 das Investigações filosóficas, Wittgenstein completa:

Pense nas ferramentas em sua caixa apropriada: lá estão um martelo, uma tenaz, uma serra, uma chave de fenda, um metro, um vidro de cola, cola, pregos e parafusos. – Assim como são diferentes as funções desses objetos, assim são diferentes as funções das palavras. (E há semelhanças aqui e ali.)

Com efeito, o que nos confunde é a uniformidade da aparência das palavras, quando estas nos são ditas, ou quando com elas nos defrontamos na escrita e na imprensa. Pois seu emprego não nos é tão claro. E especialmente não o é quando filosofamos!

“Eu confesso que não acho essa linha de raciocínio particularmente persuasiva”, pondera Fogelin (1995, p. 113). “É difícil acreditar que os filósofos tenham sido enganados – e profundamente enganados – pela mera aparência (ou som) da linguagem.” Mas não é difícil acreditar que Wittgenstein tenha sido enganado – e profundamente enganado – pela mera aparência (ou som) da linguagem (SILVA, 2019a). Assim, o que confundia Wittgenstein é a uniformidade da aparência das palavras, quando estas lhe eram ditas, ou quando com elas se defrontava na escrita e na imprensa. Pois seu emprego não lhe era tão claro. Especialmente quando filosofava. Reveladoramente, no § 17 das Investigações filosóficas, Wittgenstein afirma que a função da palavra “lajota” e a da palavra “cubo” – dois substantivos – são mais semelhantes entre si do que a de “lajota” e a de “d” – uma palavra que designa uma cor. Além disso, Wittgenstein ressalta que a maneira como reunimos as palavras em espécies dependerá da finalidade da repartição e da nossa inclinação: “Pense nos diferentes pontos de vista segundo os quais pode-se repartir ferramentas em espécies de ferramentas. Ou figuras de xadrez em espécies de figuras” (ibid.). E pense na afirmação um tanto óbvia de Wittgenstein de que “a gramática distingue substantivos, adjetivos, verbos, etc.” (WAISMANN, 1973, p. 90). Pense agora em Platão, que se valendo do trabalho dos gramáticos para agrupar as palavras segundo a semelhança das suas funções, distinguindo deste modo partes do discurso, reparte as palavras em verbos e nomes (substantivos e adjetivos) (e.g. Sofista, 262a-e; Teeteto, 206d; Crátilo, 425a). Pense também em Aristóteles, que igualmente se valendo do trabalho dos gramáticos para agrupar as palavras segundo a semelhança das suas funções, distinguindo deste modo partes do discurso, reparte a elocução na Poética (20) em letra (o elemento que constitui a sílaba e a palavra), sílaba, conjunção, nome (substantivo e adjetivo), verbo, artigo (incluindo preposições e advérbios), caso e sentença. Pense ainda na história da terminologia gramatical utilizada por Wittgenstein em toda a sua obra, inclusive no Tractatus logico-philosophicus, em que cita substantivos, adjetivos, verbos, conjunções e numerais (3.323, 4.025, 4.036, 4.126 e 5.4733), e nas Investigações filosóficas, em que cita substantivos (§ 1), numerais (§ 8 e § 9), pronome reflexivo (§ 16), pronome demonstrativo (§ 44 e § 411), verbos (II, II; II, X), adjetivo (II, XI), conjunção e interjeição (II, II).

O ponto de vista um tanto óbvio do segundo Wittgenstein de que há diferentes espécies de palavras e de que nem toda palavra denomina um objeto é explicitado de forma categórica no § 27 das Investigações filosóficas:

“Denominamos as coisas e podemos falar sobre elas, referirmo-nos a elas no discurso.” Como se já fosse dado, com o ato de denominar, uma coisa que significasse: “falar das coisas”. Ao passo que fazemos as coisas mais diferentes com nossas frases. Pensemos apenas nas exclamações. Com todas as suas funções distintas:

Água!

Fora!

Ai!

Socorro!

Bonito!

Não!

Você ainda está inclinado a chamar essas palavras de “denominações de objetos”?

Mas pense em quem se confundia com a uniformidade da aparência das palavras e estava inclinado a chamá-las de “denominações de objetos”...

5. Uma confusão que precisa ser resolvida

Pense também na história dos conceitos gramaticais de afirmação (WITTGENSTEIN, 1999 [1953], § 21), de exclamação e de imperativo (ibid., II, XI) e em quantos séculos antes de Wittgenstein citá-los os gramáticos, filólogos e linguistas já estudavam as frases afirmativas, exclamativas e imperativas, analisando-as sintaticamente, distinguindo deste modo partes do discurso. Ciente da longa tradição gramatical no Ocidente e atento ao fato um tanto óbvio de que “fazemos as coisas mais diferentes com nossas frases” (ibid., § 27), Karl Bühler, que “foi e é o mais celebrado pensador pragmático na Alemanha” (NERLICH & CLARKE, 1996, p. 224), não somente detalha algumas das coisas mais diferentes que fazemos com nossas frases, incluindo declarações, ordens, apelos e perguntas (BÜHLER, 1950 [1934], p. 86), como propõe ainda em 1918 o modelo tripartido da linguagem, diferenciando as funções emotiva/expressiva, conativa/apelativa e referencial/denotativa (ibid., p. 41). Igualmente atento ao fato um tanto óbvio de que “fazemos as coisas mais diferentes com as nossas frases”, Malinowski esmiúça em “O problema do significado em linguagens primitivas” (p. 310) as diferentes funções que determinadas frases podem exercer nas mais diversas sociedades ponderando:

Uma simples frase de cortesia, tão usada entre as tribos selvagens como nos salões europeus, cumpre uma função para a qual o significado de suas palavras é quase completamente irrelevante. As perguntas sobre a saúde, os comentários sobre o tempo, as afirmações de algum estado de coisas superlativamente óbvio – tudo são frases trocadas não com a finalidade de informar, nem para coordenar as pessoas em ação e certamente que não para expressar qualquer pensamento. Seria até incorreto, creio eu, dizer que tais palavras servem o propósito de estabelecer um sentimento comum, porquanto este está usualmente ausente de tais frases corriqueiras de intercurso; e quando pretende existir, como nas expressões de condolência, é reconhecidamente espúrio de uma parte. Portanto, qual é a razão de ser de frases como estas: “Ah, você está aqui”, “Como vai?”, “Donde foi que apareceu?”, “Hoje está um belo dia”, as quais servem todas, numa sociedade ou outra, como fórmulas de saudação ou de aproximação?

Indiferentes, porém, tanto à milenar tradição gramatical quanto à obra de precursores de Wittgenstein como Bühler e Malinowski, “os adeptos de WII [o segundo Wittgenstein] gostam de ressaltar, como se isso constituísse uma descoberta, que as sentenças podem ser interrogativas, imperativas e tanto optativas como indicativas” (RUSSELL, 1960 [1959], p. 194)... Monk (1995, p. 299), em particular, aparentemente desconsiderando a crítica de Russell aos adeptos de WII, afirma que Wittgenstein e seu ex-professor “haviam se atido a uma noção rígida demais de proposição e o propósito do método dos jogos de linguagem era, por assim dizer, atenuar tais noções”. Ainda de acordo com Monk (ibid.), Russell e Wittgenstein “haviam sido induzidos ao erro por se concentrar em um tipo de linguagem, a sentença assertiva, enquanto procuravam analisar a totalidade da linguagem – como se esta consistisse apenas em um tipo de frase ou os outros usos da linguagem pudessem ser analisados como variações desse tema básico”. “O mal originário da lógica russelliana”, afirma Wittgenstein (2008a, I, § 38), “bem como da minha no Tractatus, é ilustrar o que é uma proposição usando como exemplos uns poucos lugares-comuns e depois pressupor que isso foi compreendido de maneira universal.” Em outra ocasião, Wittgenstein reiteraria:

Russell e eu esperávamos encontrar os elementos primeiros, ou “indivíduos”, e por conseguinte as proposições atômicas possíveis, por meio da análise lógica. [...] E nos perdemos quando deixamos de dar exemplos de proposições atômicas ou de indivíduos. Nós dois, cada qual à sua maneira, descartamos a necessidade de exemplos. Não deveríamos ter dito: “Não podemos fornecê-los porque a análise ainda não avançou o suficiente, mas chegaremos lá com o tempo” (MONK, 1995, p. 299).

Mas Russell de fato descartou a necessidade de exemplos? Russell realmente ilustrou o que é uma proposição usando como exemplos uns poucos lugares-comuns e depois pressupôs que isso foi compreendido de maneira universal? “Uma causa principal das doenças filosóficas – dieta unilateral: alimentamos nosso pensamento apenas com uma espécie de exemplos”, diagnostica Wittgenstein no § 593 das Investigações filosóficas. Mas Russell alimentou mesmo seu pensamento apenas com uma espécie de exemplos de proposição? Quanto a isso, “há uma confusão que precisa ser resolvida: a que se refere à linguagem lógica perfeita”, alerta Russell (1960 [1959], p. 200). “Se estamos empenhados num trabalho de análise lógica, precisamos de uma linguagem bastante diferente da que usamos na vida diária, mas precisamos dela apenas para tal propósito” (ibid.). Logo na introdução aos três volumes de Principia mathematica, obra publicada por Russell e Alfred North Whitehead entre 1910 e 1913 na qual tinham por objetivo reduzir a matemática à lógica, esse ponto é explicitado:

A estrutura gramatical da linguagem é adaptada a uma grande variedade de usos. Assim, ela não tem nenhuma simplicidade única ao representar os poucos simples, mas altamente abstratos, processos e ideias decorrentes dos encadeamentos de raciocínios dedutivos empregados aqui. Na verdade, a própria simplicidade abstrata das ideias deste trabalho invalida a linguagem. A linguagem pode representar mais facilmente ideias complexas. A proposição “uma baleia é grande” representa a linguagem em sua melhor medida possível, dando expressão concisa a um fato complicado; enquanto a análise verdadeira de “um é um número” nos conduz na linguagem a uma prolixidade intolerável. Assim, obtém-se concisão pelo uso de um simbolismo especialmente destinado a representar as ideias e os processos de dedução que ocorrem nesta obra (I, p. 2).

Décadas depois da apresentação de sua linguagem lógica perfeita no Principia mathematica, Russell reforçaria: “Achava eu que a construção de uma tal linguagem seria um grande auxílio para o raciocínio claro, embora jamais me parecesse que uma linguagem lógica fosse adequada aos propósitos da vida cotidiana” (RUSSELL, 1960 [1959], p. 144). Assim, é um tanto óbvio que, em seu empenho num trabalho de análise lógica, Russell, tal qual Aristóteles em sua lógica, se concentrou em um tipo de linguagem, a sentença assertiva, mas jamais pressupôs que a totalidade da linguagem consistisse apenas em um tipo de frase ou que os outros usos da linguagem pudessem ser analisados como variações desse tema básico. Tanto que ironizou os adeptos de WII por gostarem de ressaltar, como se isso constituísse uma descoberta, que as sentenças podem ser interrogativas, imperativas, optativas ou indicativas.

Em seu empenho num trabalho de análise lógica, Frege também se concentrou em um tipo de linguagem, a sentença assertiva, sem jamais ter pressuposto que a totalidade da linguagem consistisse apenas em um tipo de frase ou que os outros usos da linguagem pudessem ser analisados como variações desse tema básico. No prefácio de sua Conceitografia, obra de 1879 em que primeiro publicou os resultados de sua busca por uma linguagem lógica perfeita, Frege afirma que sua linguagem é bastante diferente da que usamos na vida diária e ressalta que ela não teria qualquer utilidade prática:

Creio que a melhor maneira de elucidar a relação que se dá entre minha conceitografia e a linguagem corrente seria compará-la com a relação que ocorre entre o microscópio e o olho. Este último, pela extensão de sua aplicabilidade e pela versatilidade de sua adaptação às mais diversas circunstâncias, é em muito superior ao microscópio. Contudo, como um instrumento óptico, o olho possui, por certo, muitos inconvenientes, que passam comumente despercebidos por força de seu estreito relacionamento com a nossa vida mental. De fato, se um objetivo científico exigir grande acuidade de resolução, o olho se mostra insuficiente. Por outro lado, o microscópio se afigura perfeitamente adequado para tais fins, embora seja por isso mesmo inadequado para outros.

De modo similar, minha conceitografia foi concebida como um instrumento para servir a determinados fins científicos, e não deve ser descartada pelo fato de não servir para outras finalidades (FREGE, 2009a, p. 46).

Portanto, consciente de que “não se pode confiar na linguagem no que tange a problemas lógicos” e que “não é a menor das tarefas do lógico indicar que ciladas a linguagem prepara ao pensador” (FREGE, 2002, p. 53), Frege, assim como Aristóteles, Russell e os lógicos de modo geral, ateve-se a uma noção rígida de linguagem não por ter sido induzido a um erro, mas por ter feito um recorte da linguagem para um fim específico. Por conta disso, certamente lhe pareceriam um tanto óbvias, como pareceram a Russell, as observações feitas por Wittgenstein sobre a variedade de tipos e de empregos das frases na linguagem corrente.

6. Convenção e consenso no uso e na significação das palavras

Após demonstrar-se que o modo “antropológico” de examinar as questões filosóficas, os jogos de linguagem e a crítica à teoria pictórica do significado são um tanto óbvios, deve-se agora discutir por que a ideia defendida pelo segundo Wittgenstein de que “a significação de uma palavra é seu uso na linguagem” (1999 [1953], § 43) e “as palavras são apenas signos arbitrários” (ibid., § 508) é também um tanto óbvia. Mas antes de mais nada é importante sublinhar que, em desacordo com a teoria pictórica do significado, no próprio Tractatus Wittgenstein já havia adotado o ponto de vista um tanto óbvio da arbitrariedade e convencionalidade dos signos (3.322, 3.328 e 3.342). Com efeito, mesmo antes de escrever o Tractatus, Wittgenstein já havia adotado esse ponto de vista um tanto óbvio nas Notas sobre lógica (WITTGENSTEIN, 2004, p. 142) e nos Cadernos: 1914-1916 (ibid., p. 30). No entanto, seja por que motivo for, precisaria do “estímulo” de Sraffa para abandonar em sua segunda filosofia a teoria pictórica do significado em favor da teoria da arbitrariedade e convencionalidade do significado das palavras. A mesma teoria, aliás, que já havia sido adotada por Hermógenes no Crátilo (384d), cujos argumentos nada provaram e nada clarificaram a Wittgenstein:

[...] ninguém se mostra capaz de convencer-me de que a correção dos nomes é determinada por outra coisa senão a convenção e o consenso. Parece-me que não importa qual o nome que dês a uma coisa, esse é seu nome correto. E se renunciares a esse nome e o substituíres por um outro, o segundo nome nem por isso será menos correto do que o primeiro, tal como quando mudamos os nomes de nossos serviçais. De fato, penso que nenhum nome pertence por natureza a qualquer coisa particular, mas somente devido à convenção e ao costume dos que o empregam e que estabeleceram seu uso.

O ponto de vista um tanto óbvio da arbitrariedade e convencionalidade do significado das palavras já havia sido adotado também por Aristóteles, que, em consideração ao “uso estabelecido da linguagem” e à “nomenclatura estabelecida” (Tópicos, II, I), pontua que “o nome é um som que possui significado estabelecido somente pela convenção” (Da interpretação, II). Na verdade, o ponto de vista um tanto óbvio da arbitrariedade e convencionalidade do significado das palavras já havia sido adotado por inúmeros pensadores antes de Wittgenstein, de diferentes períodos históricos e de diferentes matizes intelectuais. Guilherme de Occam, por exemplo, observa na Summa totius logicae (I, 1) que “o termo falado ou escrito nada significa senão por uma convenção voluntária”. Já Nietzsche chama a atenção para as “convenções da linguagem” no ensaio “Sobre a verdade e a mentira em um sentido extramoral” (p. 30). Schopenhauer, por sua vez, afirma no Mundo como vontade e representação (§ 9) que “a linguagem, como objeto da experiência externa, é apenas [...] um telégrafo muito aperfeiçoado, que transmite com uma rapidez e uma delicadeza infinitas sinais convencionais”. Seguindo essa linha de raciocínio, Frege ressalta no parágrafo inicial de “Sobre o sentido e a referência” a arbitrariedade da associação de símbolos com a coisa designada e enfatiza: “Ninguém pode ser impedido de empregar qualquer objeto ou evento arbitrariamente produzido como um sinal para qualquer coisa”. Na mesma toada, Saussure esclarece em seus manuscritos que não estabelece “nenhuma diferença séria entre os termos valor, sentido, significação, função ou emprego de uma forma” (2004, p. 30), tendo-os como sinônimos. No Curso de linguística geral, Saussure não somente elege a arbitrariedade o primeiro princípio dos signos linguísticos (p. 108-110) como pondera, um tanto exageradamente talvez, que tal princípio não é contestado por ninguém (p. 108). Em todo caso, é indiscutível que o princípio da arbitrariedade dos signos linguísticos já havia sido apresentado por vários pensadores ao longo dos séculos e era invocado por autores contemporâneos a Saussure, como Whitney, que, conforme ressaltado no Curso, defendia que “a língua é uma convenção e a natureza do signo convencional é indiferente” (p. 42). Realmente, logo no segundo capítulo de A vida da linguagem, Whitney explicita o princípio da arbitrariedade dos signos linguísticos afirmando:

[...] pode-se dizer [...] que toda palavra transmitida é um signo arbitrário e convencional: arbitrário, porque qualquer outra palavra, entre as milhares que utilizamos e as dezenas de milhares que poderíamos utilizar, poderia ter sido aplicada à ideia; convencional, porque a razão para empregar esta e não aquela é que a sociedade à qual a criança pertence já a emprega (2010 [1875], p. 32).

Por certo, “todo meio de expressão aceito numa sociedade repousa em princípio num hábito coletivo ou, o que vem a dar na mesma, na convenção” (SAUSSURE, 2014 [1916], p. 108), já que “a língua [...] não está limitada por nada na escolha de seus meios, pois não se concebe o que nos impediria de associar uma ideia qualquer com uma sequência qualquer de sons” (ibid., p. 116). Esse fato um tanto óbvio, porém, foi ignorado pelo autor da teoria pictórica do significado em seu Tractatus logico-philosophicus, “livro que poderia ser resumido não em sete, mas em uma única proposição [...]: Não existe isso de cultura” (GELLNER, 1998, p. 68).

7. Uma propriedade da coletividade

Efetivamente, para Gellner (ibid., p. 63), “o Tractatus parece ser um trabalho autista no qual simplesmente não existem os outros”10. Devido a isso, em sua opinião, não deixa de ser irônico que mais tarde Wittgenstein “adquiriria fama como o homem que mostrou, ou assim ele e seus convertidos alegaram, que não pode haver nenhuma ‘língua privada’ [‘private language’], que a comunidade era imposta a nós pelo próprio fato da fala” (ibid.). Por sinal, como lembra o lógico W. V. Quine (1980 [1968], p. 133), num tempo em que Wittgenstein “ainda sustentava sua teoria da linguagem como cópia”, o filósofo John Dewey já apregoava que o significado é “uma propriedade do comportamento” (1925, p. 179) e a linguagem, “um modo de interação de, pelo menos, dois seres, um locutor e um ouvinte”, pressupondo “um grupo organizado ao qual essas criaturas pertencem e do qual elas adquiriram seus hábitos de discurso” (ibid., p. 185). Vista a linguagem sob essa perspectiva, comenta Quine (1980 [1968], p. 133), salta aos olhos que “não pode haver, em nenhum sentido útil, uma linguagem privada”. Decerto, “uma língua não é propriedade do indivíduo, mas da coletividade” (WHITNEY, 2010 [1875], p. 146). Assim,

se a língua não estivesse organizada dentro da natureza humana sobre bases da coletividade, não seria o instrumento indicado para o convívio geral. Pelo contrário, o fato de servir como tal tem como consequência necessária que ela repele tudo o que de puramente individual tenta impor-se-lhe, que não aceita nem conserva nada que não seja sancionado pela concordância dum certo número de indivíduos que se encontrem em contato uns com os outros (PAUL, 1983 [1881], § 9).

Dessa maneira, “eu não sou livre para mudar o sentido das palavras, nem para construir uma frase segundo uma gramática que me seria própria” (BRÉAL, 1992 [1897], p. 168). Afinal, “a língua circula entre os homens, [...] ela é social. Se faço abstração dessa condição, se eu me divirto, por exemplo, escrevendo uma língua em meu escritório, nada do que vou dizer sobre a ‘língua’ será verdadeiro, ou não será necessariamente verdadeiro” (SAUSSURE, 2004, p. 86). Em vista disso, observa Saussure (2014 [1916], p. 160), mostrando que não pode haver nenhuma língua privada, “a coletividade é necessária para estabelecer os valores cuja única razão de ser está no uso e no consenso geral: o indivíduo, por si só, é incapaz de fixar um que seja”. Consequentemente, sentencia Whitney (2010 [1875], p. 146), “uma língua que ninguém compreende exceto um único indivíduo não teria direito ao nome de língua”.

8. Uma concepção ingênua do significado de uma palavra

Como visto nas seções anteriores, por ter ignorado no Tractatus logico-philosophicus conhecimentos filosóficos e linguísticos básicos acumulados no Ocidente desde a Grécia Antiga, Wittgenstein cometeu “graves erros” que ele mais tarde, com o “estímulo” de Sraffa, corrigiria retomando esses conhecimentos filosóficos e linguísticos básicos e ressaltando, como se isso constituísse uma descoberta, que “o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida”; que “a significação de uma palavra é seu uso na linguagem”; que “as palavras são apenas signos arbitrários”... À luz dessa constatação, é imperativo concluir que as “ideias mais fecundas” das Investigações filosóficas são realmente um tanto óbvias. Porém, orgulhoso de haver estudado pouca filosofia (MONK, 1995, p. 438; DRURY, 1984, p. 158), Wittgenstein nunca se deu conta dessa situação. Além do mais, como o fez ao atribuir a teoria pictórica do significado a Santo Agostinho, Wittgenstein injustificadamente estendeu às outras pessoas seus “graves erros”. Em anotações de uma conversa filosófica que teve com Wittgenstein em 1949, por exemplo, o filósofo americano O. K. Bouwsma relata:

O que W. queria dizer era que aprender uma linguagem é aprender uma técnica. Quando compreendemos a palavra “chuva”, aprendemos a compor e a utilizar toda espécie de frases que comportam essa palavra. [...] Toda a importância desta insistência na técnica está em ajudar-nos a desfazermo-nos da impressão comum de que a linguagem é como um espelho, e de que, sempre que uma frase tem sentido, há qualquer coisa, uma proposição, que lhe corresponde. Usar a linguagem é exercer uma técnica (BOUWSMA, 2005, p. 68).

Mas quem tinha a impressão de que a linguagem é como um espelho, e de que, sempre que uma frase tem sentido, há qualquer coisa, uma proposição, que lhe corresponde? “No meu livro, eu disse: A frase é a imagem”, lembrou Wittgenstein ao colega americano (ibid., p. 64). De fato, no Tractatus logico-philosophicus, Wittgenstein não somente afirma que a lógica “abrange tudo e espelha o mundo” (5.511) como defende que “a lógica não é uma teoria, mas uma imagem especular do mundo” (6.13). Nas notas ditadas a G. E. Moore na Noruega, em abril de 1914, Wittgenstein já indicava essa perspectiva, ponderando que “uma linguagem que pode exprimir tudo espelha certas propriedades do mundo pelas propriedades que ela deve ter; e as proposições ditas lógicas mostram de um modo sistemático aquelas propriedades” (WITTGENSTEIN, 2004, p. 160). Persistindo nessa ideia, Wittgenstein anotaria em seus cadernos, em outubro do mesmo ano: “A proposição só afirma algo na medida em que é uma imagem!” (ibid., p. 18). Mesmo depois de conhecer Sraffa, Wittgenstein manteria a impressão de que a linguagem é como um espelho, e de que, sempre que uma frase tem sentido, há qualquer coisa, uma proposição, que lhe corresponde. No início dos anos 1930, por exemplo, Wittgenstein (2001, p. 27) disse a seus alunos que “uma proposição é como, ou algo como, uma imagem”. Escritas na mesma época, as Observações filosóficas são perpassadas pela teoria pictórica do significado e por comparações entre linguagem e imagem: “Se você pensa em proposições como instruções para construir modelos, sua natureza pictórica torna-se ainda mais clara” (p. 43); “A ideia de que você ‘imagina’ o significado de uma palavra quando a ouve ou lê é uma concepção ingênua do significado de uma palavra. [...] Contudo, a teoria ingênua de formar-uma-imagem não pode estar inteiramente errada” (ibid., p. 44); “A concordância de uma proposição com a realidade somente lembra a concordância de uma imagem com o que essa imagem retrata, o mesmo ocorrendo no caso da concordância de uma imagem da recordação com o objeto presente” (ibid., p. 47). Ainda nesse período, Wittgenstein trocaria a lógica pela “gramática”, mas insistiria que “a gramática é um espelho da realidade” (WITTGENSTEIN, 1980, p. 9). Verdade seja dita, até nas Investigações filosóficas há comparações entre linguagem e imagem (cf., p. ex., § 522 e II, XI). Assim, ao que parece, nem mesmo com todo o “estímulo” de Sraffa, Wittgenstein conseguiu abandonar por completo a teoria pictórica do significado.

Considerações finais

Conforme detalhado neste artigo, as “ideias mais fecundas” das Investigações filosóficas são mesmo um tanto óbvias, havendo uma lista milenar de precursores da visão sociocultural da linguagem adotada pelo segundo Wittgenstein. Por isso, não espanta que Sraffa nunca tenha se entusiasmado por sua influência na evolução filosófica de Wittgenstein. Espanta, porém, que seja frequentemente atribuída a Wittgenstein a autoria de uma concepção da linguagem inteiramente nova. Com efeito, inclusive historiadores das ideias linguísticas acabaram por erroneamente creditar a Wittgenstein a apresentação nas Investigações filosóficas de uma revolucionária teoria pragmática da linguagem. Marie-Anne Paveau e Georges-Élia Sarfati, por exemplo, afirmam no livro As grandes teorias da linguística: da gramática comparada à pragmática que “a pragmática nasceu da filosofia da linguagem” e que o surgimento da pragmática é fruto da chamada “virada linguística da filosofia”, que se deu entre fins do século 19 e o início do século 20 e se caracterizou pela eleição da análise da linguagem como condição primordial para a resolução dos problemas filosóficos (p. 215). Figura central desse movimento, Wittgenstein é apontado por Paveau e Sarfati como aquele que, “afastando-se de seus primeiros trabalhos de lógica, [...] formula, em Recherches Philosophiques [Investigações filosóficas], as grandes linhas de um programa de pesquisa inédito, relativo ao exame das relações que uma língua natural estabelece com a categorização da experiência, a percepção, o mundo da cultura” (p. 216). Ora, como anteriormente demonstrado, aquelas que são tidas como as mais importantes ideias linguísticas de Wittgenstein já haviam sido defendidas por grandes pensadores e foram tomadas como meras premissas por filósofos, linguistas e antropólogos ao longo dos séculos. Dessa forma, não é correto dizer que o programa de pesquisa formulado por Wittgenstein nas Investigações filosóficas era inédito. Evidência disso, bem como de que a pragmática não nasceu da filosofia da linguagem, é o fato de Michael Halliday ter fundamentado sua linguística funcionalista, nos anos 1950 e 1960, não na filosofia da linguagem de Wittgenstein ou na pragmática filosófica, e sim na “tradição etnográfico-descritiva em linguística: de Saussure e Hjelmslev, de Mathesius e a Escola de Praga, de Malinowski e Firth, de Boas, Sapir e Whorf”11 (HALLIDAY, 1994, p. 5).

No livro Language, action, and context: the early history of pragmatics in Europe and America, 1780-1930, Brigitte Nerlich e David D. Clarke desconstroem a ideia equivocada de que a pragmática nasceu da filosofia da linguagem ordinária desenvolvida por autores como Wittgenstein, J. L. Austin, Peter Strawson e Paul Grice recordando, entre outros pontos, as origens da riquíssima tradição etnográfico-descritiva em linguística. “Nós queremos mostrar que houve grandes figuras do passado que não apenas tiveram uma teoria dos atos de fala como também uma teoria intencional do significado (no sentido griciano), e [...] uma teoria do significado como o uso das palavras no contexto da vida e ação social, tal qual mais tarde proposta por Wittgenstein”, esclarecem Nerlich e Clarke (1996, p. 2) logo na introdução da obra. “O que foi considerado por alguns como uma ‘revolução filosófica’ (Strawson 195412:99; cf. também Austin 196213:3) era na verdade menos revolucionário do que pareceu”, advertem (ibid.). Para complicar ainda mais a avaliação específica do legado de Wittgenstein, muitas das principais contribuições filosóficas creditadas a ele não são realmente de sua autoria. A ideia das “semelhanças de família” (WITTGENSTEIN, 2008b [1958], p. 45-46; 1999 [1953], § 66), por exemplo, apesar de ser amplamente atribuída a Wittgenstein (e.g. ROSCH & MERVIS, 1975, p. 574-575), teria sido adquirida por ele ou ao ler o poema de Goethe “A metamorfose das plantas” (MONK, 1995, p. 276), ou ao ler o livro O declínio do Ocidente, de Oswald Spengler (MCGUINNESS, 2012, p. 9, n. 16, e p. 301; SOMAVILLA, 2010, p. 175), ou ao ler o livro Além do bem e do mal, de Friedrich Nietzsche (GLOCK, 1998, p. 324), ou ainda ao ler o livro Geometry in the sensible world, de Jean Nicod (ibid.). Independentemente, porém, daquela que seja a fonte exata da qual Wittgenstein assimilou a ideia das “semelhanças de família” – que, a propósito, conta com um sem-número de precursores que remontam à Grécia Antiga (e.g. ARISTÓTELES, 2013, II, 2; KANT, 2013 [1781/1787], B 91-92 e B 755-756; SCHOPENHAUER, 2011 [1819], § 28 e § 36; NIETZSCHE, 2009c [1873], p. 34-35; TOLSTOI, 2002 [1897], p. 64; JAMES, 1991 [1902], p. 29; MOORE, 1999 [1903], § 112 e § 114; HEIDEGGER, 2009 [1928-1929], p. 44) –, o fato é que Wittgenstein nunca a identificou devidamente. Pior: Wittgenstein muitas vezes apresentou como seus os insights filosóficos de outras pessoas. McGuinness (2012, p. 229), por exemplo, revela algumas observações feitas por Sraffa a Wittgenstein que foram reproduzidas no Livro castanho sem que lhe fosse dado crédito algum. Já Glock (1998, p. 229) informa que a comparação entre a linguagem e uma “velha cidade”, feita no § 18 das Investigações filosóficas, consta nos textos de dois autores que Wittgenstein havia lido em sua juventude: Ludwig Boltzmann e Fritz Mauthner. Glock (1998, p. 290) também especula que a concepção defendida por Wittgenstein de que uma sentença é uma unidade mínima para a realização de um lance em um jogo de linguagem tenha sido inspirada em parte em Bühler, apesar de ressaltar que a ideia se origina de uma visão anterior, partilhada por Platão, Aristóteles, Bentham e Frege: a de que somente as proposições, e não as palavras individuais, dizem ou comunicam algo. Novamente, porém, nenhum crédito foi dado a autor algum por Wittgenstein. O próprio “estímulo” a enfatizar as formas de vida em que se dão os jogos de linguagem jamais recebeu na obra de Wittgenstein a devida identificação, sendo também frequente e incorretamente atribuída a ele a autoria dessa ideia central em sua filosofia tardia. Segundo Kai Buchholz (2009, p. 79 e p. 148) e Glock (1998, p. 30), Wittgenstein teria adquirido o conceito de forma de vida de Spengler. Janik e Toulmin (1991, p. 270-271), por sua vez, cogitam a possibilidade de Wittgenstein tê-lo adquirido de Eduard Spranger, autor do best-seller vienense do pós-Primeira Guerra Lebensformen (“Formas de vida”). Spengler ou Spranger, o certo é que o conceito de forma de vida já tinha “uma longa tradição na filosofia alemã (Hamann, Herder, Hegel, Von Humboldt)” (GLOCK, 1998, p. 174). Tradição essa largamente ignorada por Wittgenstein (MONK, 1995, p. 438; 2005, p. 13), mas não por críticos de sua obra como Russell e Gellner.

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Notas

2 “rather obvious”.
3 Para uma análise do Curso de linguística geral e dos manuscritos inéditos de Saussure, que foram escritos do fim do século 19 até 1911 e reunidos nos Escritos de linguística geral, ver Silva (2018a).
4 Para uma reafirmação da maiêutica socrática frente ao método por exemplos de Wittgenstein, ver Silva (2020a).
5 A filosofia da matemática de Wittgenstein igualmente se sustenta na analogia entre a matemática e um jogo – analogia esta que já havia sido feita antes de Wittgenstein por autores como o matemático David Hilbert (GOLDSTEIN, 2008, p. 115). Para uma discussão específica das inconsistências do pensamento matemático de Wittgenstein, ver Silva (2018b, 2018d).
6 Para um exame detalhado das contradições do Tractatus, ver Silva (2019b). Para uma crítica comparativa entre a primeira e a segunda filosofia de Wittgenstein, ver Silva (2018d, 2021a).
7 Para a discussão de outros aspectos contraditórios da filosofia wittgensteiniana, ver Silva (2018b, 2018c, 2018d, 2019a, 2019b, 2020a, 2021a).
8 Para uma análise específica das contradições do autor do Tractatus logico-philosophicus em consequência de sua teoria pictórica do significado, ver Silva (2019b).
9 “Die allgemeine Form des Satzes ist: Es verhält sich so und so.”
10 Para uma “mudança de aspecto” dessa observação de Gellner à luz do diagnóstico póstumo de que Wittgenstein era autista, ver Silva (2019a).
11 Para uma discussão da hipótese Sapir-Whorf, ver Silva (2021b).
12 Resenha das Investigações filosóficas. Mind N.S. 63. 70-99.
13 How to do things with words. Oxford University Press.

Autor notes

1 Doutor em linguística teórica e descritiva pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte – MG, Brasil.
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