Artigos

Sobre as paixões humanas em Thomas Hobbes

On the human passions in Thomas Hobbes

Raphaela Cândido Lacerda
Faculdade Católica de Fortaleza, Brasil
Lara Rocha
Universidade Federal do Ceará, Brasil

Sobre as paixões humanas em Thomas Hobbes

Griot: Revista de Filosofia, vol. 21, núm. 3, pp. 1-14, 2021

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Recepción: 22 Junio 2021

Aprobación: 30 Septiembre 2021

Resumo: O artigo tem como objetivo identificar as principais paixões que perpassam o corpus teórico hobbesiano. Para tanto, iniciar-se-á a exposição analisando o mecanismo das paixões fundamentado pelo autor. A seguir, será destacado de que modo as paixões desenfreadas inviabilizam a convivência pacífica entre os indivíduos, estabelecendo um cenário em que os conflitos são inevitáveis. Tendo isto em vista, duas delas serão analisadas mais pormenorizadamente: a vanglória e o medo. Após ressaltar que o homem hobbesiano tende naturalmente para o benefício próprio, para a competição e para a dominação, representando uma ameaça para o outro, será assinalado como o Estado se afirma como o artifício que objetiva disciplinar as paixões. Esta parte da argumentação analisará as paixões desejáveis para a manutenção da vida civil, com destaque para a esperança, para o desejo de conforto e deleite, para o desejo de conhecimento e das artes, assim como para o próprio medo e a vanglória.

Palavras-chave: Thomas Hobbes, Paixões, Estado de Natureza, Vanglória, Medo, Esperança.

Abstract: The article aims to identify as the main passions that run through the Hobbesian theoretical corpus. To this end, the exhibition will begin by analyzing the mechanism of the passions founded by the author. Next, it will be highlighted how unbridled passions make peaceful coexistence between individuals unfeasible, establishing a scenario in which conflicts are inevitable. Two passions will be analyzed in more detail: vainglory and fear. After emphasizing that the Hobbesian man tends naturally to his own benefit, to competition and to domination, representing a threat to the other, it will be pointed out how the State asserts itself as the necessary that aims to discipline like passions. This part of the argument will analyze as desirable passions for the maintenance of civil life, with emphasis on hope, the desire for comfort and delight, the desire for knowledge and the arts, as well as for fear and vainglory itself.

Keywords: Thomas Hobbes, Passions, State of Nature, Boasting, Fear, Hope.

“Não ter nenhum desejo é o mesmo que estar morto”

(HOBBES, 1974, p. 74)

Para uma mecânica das paixões

Hobbes inicia o Leviatã com uma série de capítulos dedicados à investigação filosófica sobre o homem. O sentido dessa trajetória argumentativa gravita em torno da identificação de que para compreender o Estado é preciso antes analisar o que é próprio de seus integrantes, desvelando a complementariedade existente entre a política e a antropologia hobbesianas. Inspiradas na escolha metodológica-argumentativa proposta pelo autor, optamos por lançar luz sobre os homens, mais precisamente o que caracteriza sua natureza: as paixões. Com efeito, em De Cive o autor enumera as faculdades da natureza humana: força corporal, razão, experiência e paixão (Cf. HOBBES, 1993).

Como os conceitos basilares para pensar a moralidade são característicos da Commonwealth, ou seja, posteriores ao ato jurídico que estabelece o pacto social, o homem em condição natural não pode ser considerado moralmente mal, mas não-sociável, já que usufrui do pleno direito de decidir sobre o que e quem contribui para sua sobrevivência, o que pode fomentar conflitos. “Os desejos e paixões não são em si mesmos um pecado. Nem tampouco o são as ações que derivam dessas paixões, até ao momento em que se tome conhecimento de uma lei que as proíba; o que será impossível até o momento em que sejam feitas as leis; e nenhuma lei pode ser feita antes de se ter determinado qual pessoa deverá fazê-la” (HOBBES, 1974, p. 80). Assim, é possível compreender que, no estado natural, o homem é essencialmente movido por suas paixões e pelo interesse em saciá-las. Quando cada indivíduo se volta para o seu próprio bem, o conflito e a hostilidade são potencialmente inevitáveis.

Segundo Limongi (1999), a importância de compreender a ciência das paixões hobbesianas é que ela lança uma centelha sobre a ciência política formulada pelo autor. Porquanto o homem se caracteriza como um ser de paixões, a tarefa primeira da filosofia3 seria identificá-las e analisá-las, a fim de, a partir daí, colaborar efetivamente com a convivência entre os indivíduos. Defendendo esta compreensão, Strauss (2009, p. 167) afirma que “o homem pode garantir a realização da ordem social justa porque é capaz de conquistar a natureza humana através da compreensão e manipulação do mecanismo das paixões”. Tal como as partes do corpo são categorizadas, a fim de combater mais eficazmente seus possíveis males, conhecer mais a fundo a natureza humana pode facilitar a compreensão sobre o sujeito e sobre as condições de possibilidade da manutenção do Estado. Deste modo, para identificar as paixões, a sugestão do autor é empreender o movimento looket into myself.

Este olhar para si é essencial para identificar as paixões, o que pode ser feito a partir da compreensão do que nos causa desejo e do que nos provoca aversão. De acordo com Hobbes (1974), o indivíduo considera bom os objetos que agradam aos sentidos, os alvos de seu desejo e que viabilizam o movimento voluntário dos seus corpos; de modo contrário, é mau tudo aquilo que causa aversão e desconforto e que, por consequência, diminui ou paralisa tal movimento voluntário. Esta afirmação possui uma consequência imediata: dizer que, na amoralidade do estado de natureza, o que é desejado ou indesejado pelos sujeitos depende de como um determinado objeto é percebido pelos sentidos e pelas sensações que ele desperta significa afirmar que não se pode esperar que os homens, por si mesmos, cheguem a um consenso sobre o que é desejável e indesejável para todos – se o ponto arquimediano é o próprio sujeito, não há compartilhamento inato sobre estas noções, mas uma multiplicidade de percepções de desejo e aversão. Nesse sentido, percebe-se por que o homem é naturalmente egoísta: agindo de acordo com seu benefício próprio, a medida de seu desejo e aversão e, consequentemente, do que lhe parece bom ou mal, é ele mesmo. Por conta disso, autores como Silva (2009, p. 77) apontam que as paixões não possuem “um conteúdo universalmente válido e capaz de atuar como medida comum no estado de simples natureza”.

Vale ressaltar que o desejo de preservar a própria vida é uma paixão compartilhada por todos os homens. No entanto, este imperativo natural não é suficiente para que, sem a mediação do Leviatã, eles consigam chegar a um consenso sobre o que é benéfico para todos, posto que priorizam seu benefício próprio e a sua existência particular. Assim, por mais que a vida seja um bem e que tudo o que impele ao movimento vital seja interpretado pelos sentidos e conatus como bom, enquanto o oposto é considerado mal, não há, antes do Estado, uma uniformização do que pode coletivamente ser intitulado bom e mau, mesmo que eles preexistam à fundação do Estado civil, posto que fundam e conferem significado às leis naturais.

Aferir que as paixões correspondem à busca por possuir o objeto desejado e que o que é bom para os homens não é necessariamente aquilo que é moralmente aconselhável, mas o fruto de seu desejo individual, implica afirmar que cada sujeito cria suas próprias regras de conduta, cuja bússola é a consecução do que aspiram. Como o critério de ação dos sujeitos em estado de guerra primitiva4 é subjetivo, contrário à objetividade moral e legal que só existe após a fundação do Estado, o que impele os homens a agir é a busca por conquistar o que desejam e se afastar do que os causa desconforto. No entanto, o que fazer quando as regras subjetivas criadas pelo indivíduo movido por suas paixões se chocam frontalmente com as premissas estabelecidas por outrem?

O que fica claro na análise hobbesiana sobre as paixões é que elas antecedem as ações e, por isso, podem motivá-las. De acordo com Conceição e Sousa (2020), as primeiras se iniciam a partir de juízos de valor que os indivíduos fazem sobre o que apreendem sensivelmente. Tal constatação revela que elas não são meras reações frente à objetos externos, mas consequências de reações indiretas, frutos da apreensão, da imaginação5 e da sensação. Para Limongi (1999, p. 32), as paixões são “produto de uma série de conatus, que enquanto se somam e se subtraem, sem ainda produzirem um efeito visível, funcionam como uma espécie de escala, em que o movimento recebido se reequaciona para produzir um novo movimento, que é a ação ou movimento voluntário”. Tais conatus ganham nomenclaturas diversas, que variam de acordo com os sentimentos que despertam e com a sensação que os objetos desejados causam.

Sobre os processos fisiológicos que originam as paixões, Souza (2008, p. 30) afirma que:

No conatus, fonte de todos os movimentos, não se encontra inscrita nenhuma determinação prévia rumo a um ou outro movimento voluntário, mas um conteúdo sempre novo a proporcionar o desencadeamento dos movimentos ligados à percepção e à imaginação [...]. Hobbes quer provar, pelo conceito de conatus, que estamos submetidos a desejos e paixões internos variados e, por vezes, discrepantes e contraditórios, que têm como ponto de partida o sujeito sentinte e os objetos externos a ele. Os desejos podem ser inatos, ligados às necessidades biológicas e independentes da presença do objeto desejado; ou adquiridos, isto é, advindos da experiência em relação ao objeto desejado. E a trama da diversificação desses desejos ocorre da seguinte maneira: o desejo encontra-se preso à preservação da vida; depois de suprida essa necessidade, fatores fisiológicos e empírico-sensoriais vão determinar os novos objetos a serem desejados, bem como sua intensidade. No caso dos desejos adquiridos, há um aumento em sua quantidade, na proporção em que aumenta também nossa experiência em relação aos objetos [...]. Isso ocorre porque a pressão dos objetos nos órgãos dos sentidos ativa os nervos e o cérebro, produzindo representações e aparências que, por sua vez, provocam os movimentos de aproximação ou afastamento.

Sendo o conatus6 a gênese do movimento voluntário7, nota-se que as paixões, além de dinâmicas, são partes constituintes da natureza humana. Do ponto de vista da física hobbesiana8, é no conatus que se iniciam os movimentos voluntários dos indivíduos, inclusive os de repulsa e de aproximação. Para defender tal argumento, Hobbes (1974) afirma que eles são mais ou menos semelhantes em todos os homens, mesmo que os objetos que os despertam possam ser infinitamente diferentes entre os indivíduos. Afinal, todos vivenciam alegrias, tristezas, desespero, esperança, cólera, entre tantas outras paixões apontadas e definidas no capítulo VI do Leviatã.

Cabe aqui utilizarmo-nos da análise de Leivas (2009) sobre a mecânica das paixões formulada por Hobbes: a paixão é um atributo humano natural, um movimento voluntário que, somado aos movimentos corpóreos que compartilhamos com os demais animais, nos constituem enquanto seres humanos. Desde muito cedo, os sujeitos compreendem e deliberam sobre o que desejam ou o que lhes causa repulsa, assim como agem em prol da preservação de suas vidas, mesmo instintivamente. A paixão direciona os indivíduos a se aproximar do objeto de seu desejo, e é esta dinâmica de desejo-realização-nova busca que constitui a vida.

No entanto, no decorrer de suas existências, a partir de suas experiências, os homens passam a calcular as consequências das suas ações, a fim de evitar o que os desagrada e se aproximar do que apreciam9. Nestes termos, tornam-se racionais à medida que calculam o que fazer para evitar prejuízos, se esquivar de riscos e realizar desejos. Esta dinâmica torna o homem um “composto de movimento animal, movimento passional e razão calculadora” (LEIVAS, 2009, p. 64). Se a natureza humana é movimento, as paixões também o são.

Entretanto, é mister indicar que não há uma cisão intransponível entre a razão e as paixões na filosofia hobbesiana; antes, o que se afirma é a possibilidade de uma colaboração entre ambas: enquanto a razão calcula e aponta o caminho para a realização dos desejos10, a paixão impele os homens em direção ao movimento da vida, instiga-os a agir. É, inclusive, através desta consonância que o medo impele à razão a conceber uma solução coletivamente mais benéfica e exequível no que tange à convivência entre os indivíduos. Se tal relação não existisse, não seria possível que as leis naturais (ditas leis da razão) dialogassem com as paixões. Com efeito, para compreender como esta conexão é possível devemos analisar mais pormenorizadamente as paixões, pois, de acordo com Frateschi (2008), não se pode equacionar a razão calculadora com a expectativa de uma vida livre de paixões e, consequentemente, inumana. É o que será feito a seguir.

Paixões que inviabilizam a convivência harmônica entre os homens

Algumas paixões merecem destaque na filosofia hobbesiana. A vanglória, por exemplo, pode ser descrita como a “invenção ou a suposição de capacidades que não se possui [...], alimentada pelas narrativas, verdadeiras ou fictícias, de feitos heroicos” (HOBBES, 1974, p. 40). Ela se origina no desejo que os homens têm de serem reconhecidos pelos demais, mesmo que isso seja feito hiperbolizando qualidades e atributos. Quando a paixão da vanglória é ferida, ou seja, quando não se é reconhecido e admirado pelos demais, o que pode irromper é a vingança, ou seja “o desejo de causar dano a outrem, a fim de levá-lo a lamentar sobre seus atos” (HOBBES, 1974, p. 39). De acordo com Bobbio (1991), a vanglória é sinal da natureza egoística dos homens, voltados maximamente para si e para o culto às suas potencialidades.

Sendo a glória vã uma manifestação da disposição natural dos indivíduos em dominar e dispor de poder, esta paixão certamente colabora para a inviabilização da convivência em ambiente natural. No décimo terceiro capítulo do Leviatã, Hobbes (1974, p. 79) identifica que ela “leva os homens a atacar uns aos outros tendo em vista a reputação”. Movidos pela vanglória, os homens facilmente usam de violência, trocam-se “por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente dirigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão” (HOBBES, 1974, p. 79).

No primeiro capítulo do De Cive, Hobbes (1993) arrazoa sobre como a vanglória influencia perigosamente as relações: quando o que o indivíduo pensa sobre si mesmo, a imaginação hiperbólica de seus atributos e de seu poder, não é compartilhado pelos demais, ocorre um combate entre os espíritos, lócus de onde se originam severas contendas. A glória vã se origina na comparação entre os indivíduos, pois seu prazer “consiste em encontrar pessoas que, se nos compararmos com elas, nos fazem sentir triunfantes e com motivo para nos gabar” (HOBBES, 1993, p. 30). No entanto, a consequência direta da elevação dos homens é que, em uma situação em que todos tenham sua vaidade satisfeita, ou seja, se todos forem igualmente elevados, será impossível que todos possam tirar proveito de tal situação. Ao não ter a precedência nas relações, os indivíduos podem acabar agindo violentamente para obtê-la, pois “supondo-se superior aos demais, [o homem movido pela vanglória] quererá ter licença para fazer tudo o que bem entenda, e exigirá mais respeito e honra do que pensa ser devido aos outros” (HOBBES, 1993, p. 29).

Outra paixão que ganha destaque na filosofia hobbesiana é o medo. Vale ressaltar que não há uma definição unívoca no corpus teórico do autor sobre ele: em De Cive, Hobbes afirma que “o medo recíproco consiste, em parte na igualdade natural dos homens, em parte na vontade mútua de se ferirem” (HOBBES, 1993, p. 94). No Leviatã, o medo é descrito como “a crença de dano proveniente de um dado objeto” (HOBBES, 1974, p. 38). Para Leivas (2011, p. 342):

a paixão do medo é a combinação da aversão com a opinião do possível dano causado pelo objeto temido. Por esse motivo, envolve a representação do tempo, isto é, prognósticos sobre males futuros amparados em lembranças de experiências passadas [...]. De fato, em Do Cidadão o medo é concebido como a antevisão de um mal futuro. O medo é um desprazer esperado resguardado por um tempo que ainda não começou e compõe, com outras paixões (em especial, a esperança, ou seja, a antevisão de um bem futuro) o espaço da previsibilidade concernente às ações humanas.

Do receio de sofrer quaisquer danos, especialmente da morte violenta, considerada por Hobbes como o summum malum, gera-se um estado de desconfiança generalizada, em que o outro é visto como uma potencial ameaça a ser combatida. Em De Cive, Hobbes (1993) afirma que todos os homens possuem medo, em maior ou menor grau, e que o enfrentam oras fugindo, oras atacando. De modo similar, Kayser (2006) afirma que os sujeitos em estado natural atacam os demais por dois motivos principais: medo e ganância.

Sobre o medo da morte violenta, em Elementos da lei, Hobbes (1983) indica que tal paixão pode, com facilidade, fazer com que os indivíduos atentem contra a vida dos outros, em vista de libertarem-se tanto do medo quanto do desprazer por ele gerado. Segundo Leivas (2011, p. 343), “a morte é o mal supremo por que o tempo dado por natureza para perseverar o movimento que mantém vivo um indivíduo humano é passível de ser interrompido violentamente por outros indivíduos de sua espécie”.

Em um cenário em que o medo é a paixão predominante, não é difícil identificar porque a convivência entre os homens é praticamente inviabilizada: a possibilidade de morrer a qualquer momento faz com que os indivíduos fiquem ansiosos “diante da incerteza e do desconhecimento relativos às reais intenções dos prováveis algozes” (LEIVAS, 2011, p. 343). A ansiedade e a insegurança causada pelo medo da morte violenta podem fazer com que os indivíduos, a fim de se antecipar e se preparar para possíveis ameaças, acabem reagindo desproporcionalmente, identificando em cada sujeito um inimigo em potencial. “A guerra de todos contra todos congrega o medo de todos em relação a todos” (LEIVAS, 2011, p. 343). Desse modo, o desejo de preservar a própria vida e o medo da morte podem ser considerados as faces da mesma moeda.

Por outro lado, é importante salientar que a natureza humana não pode ser equacionada apenas com o conflito, pois se assim fosse sequer o Estado conseguiria facilitar a associação entre os indivíduos. Nesses termos, os conflitos acontecem sob o palco da igualdade e da desconfiança natural, cenário no qual, com facilidade, os outros se colocam como um empecilho à realização de nossos objetivos (LIMONGI, 1999). Em um contexto no qual não há limitações para as ações, como ocorre na liberdade radical do estado de natureza, qualquer corpo (indivíduo) que represente um entrave para o movimento de alguém será considerado um inimigo que deve ser afastado. Nestas condições, antecipar-se a um possível ataque se torna estratégia de defesa, o que fomenta ainda mais o estado natural de belicosidade11.

Assim, o cenário natural concebido por Hobbes é de um estado em que os homens seriam movidos por suas paixões desenfreadas e por seus interesses12. Nesse contexto, os conflitos seriam iminentes, pois com relativa frequência os desejos se entrecruzam, favorecendo as disputas. Neste quadro, a paixão que mais se afirma é o medo, pois como os indivíduos representam uma ameaça à realização dos desejos e paixões de outrem, isso pode acarretar na possibilidade de uma morte violenta. Em condições belicosas, preservar a própria vida, o maior de todos os desejos humanos, é um desafio que move os indivíduos de modo ainda mais urgente. Desse modo, para a realização deste desejo, é preciso garantir um estado em que a paz seja mais proeminente do que possíveis conflitos.

Algumas outras paixões também são daninhas à convivência, tais como a vaidade (homens vaidosos, além de se deliciarem em se autointitularem valentes, tendem mais facilmente para ações irrefletidas), a pusilanimidade (apego às coisas pequenas, paixão que predispõe à indecisão e, consequentemente, ao desperdício dos melhores momentos para agir) e a ambição (desejo por poder, anseio por possuir cargos elevados e desfrutar de status, paixão que impele facilmente os indivíduos ao confronto e, sob determinadas circunstâncias, ao desrespeito ao contrato social). Para Hobbes, estas paixões devem ser consideradas “enfermidades tão inerentes à natureza, tanto do homem como de todas outras criaturas vivas, que seus efeitos só podem ser evitados por um extraordinário uso da razão ou por uma constante severidade do castigo” (HOBBES, 2004, p. 284). Para discipliná-las, caberia às leis civis “corrigir a irregularidade das paixões” (HOBBES, 2004, p. 291).

A fundação do Estado nos moldes hobbesianos serve justamente para disciplinar as paixões, para dar fim ao estado de natureza e, por conseguinte, para reduzir de modo considerável o medo da morte violenta, o que é obtido convertendo a liberdade irrestrita dos indivíduos em uma mais limitada, a partir da instauração de uma máquina de segurança e obediência, o Leviatã (BOBBIO, 1991). Nesse sentido, fazer parte do Estado, abdicar de parte do direito natural, é também cuidar de si e voltar-se para o próprio bem. Em nome da garantia da vida, a paz civil deve ser instaurada mediante o ato jurídico que estabelece o pacto social. Porém, para facilitar sua permanência, é preciso cultivar nos homens o apreço pelas paixões que colaboram com a manutenção do corpo político.

Paixões que viabilizam a convivência e a existência do Estado

Partindo desta proposta, é importante mencionar que se o medo e a vanglória potencialmente impelem os indivíduos para o estado de guerra de todos contra todos, eles também podem motivar os homens a manterem-se obedientes ao soberano: o medo de ser punido devido ao descumprimento das leis evita que os indivíduos o façam; por outro lado, o desejo de ser admirado pelos seus pares faz com que os homens achem mais vantajoso, para obter tal reconhecimento na sociedade civil, cumprir as regras do que burlá-las13. O medo da espada pública deve ser forte o suficiente para evitar que as leis sejam infringidas, obediência que, em Hobbes, não deve ser restrita ao temor, pois vem acompanhada de outros artifícios que o Estado também pode utilizar com legitimidade, como a instrução, o imperativo do saulus poppuli e a atenção do soberano com a opinião popular.

Concebendo-o como uma paixão que também facilita a vida em sociedade, Guimarães (2014, p. 109) compara o medo da punição do Estado com a prerrogativa divina de punir. Nesses termos, “como Hobbes regularmente descreve o Leviatã como um Deus mortal, o medo que o autor tem em mente é o mesmo que os cristãos sentem diante de Deus todo-poderoso”.

No entanto, cabe aqui uma ressalva essencial: não estamos tratando do medo (no contexto do Estado Civil) que não sabe qual sua origem ou a que se dirige, um estado de temor generalizado intitulado por Hobbes de panic terror, certamente mais próximo do que foi sentido pelos indivíduos comprimidos pelo terror totalitário14.

Sobre o medo como paixão política par excellence, Leivas (2011, p. 346), afirma que:

O que é decisivo em Hobbes é que ao medo negativo da morte violenta no estado natural ele acrescenta um medo positivo atrelado às más consequências resultantes de se faltar com a palavra dada numa condição contratual. O medo de ser punido pela espada pública é o componente motivacional imprescindível para a real efetivação de condições contratuais estabelecidas pela racionalidade pró-paz [...]. O medo que se trata aqui é o medo como paixão política: esse tipo de medo é positivo por que imprescindível ao advento de sociedades humanas: ele forma uma espécie de cumplicidade com a razão calculadora contratual com vista a opor-se àquelas paixões naturais (como a cobiça e a glória) determinantes do interesse próprio imediatista e carregadas de sementes da guerra. A paixão política do medo é o componente passional que pode compatibilizar as razões da paz com a paixão pela paz. Ao fazer parte de um cálculo pró-paz, a paixão-medo marca presença na origem das obrigações contratuais e da obediência civil.

A glória no Estado Civil se funda nas contrapartidas benéficas que a adesão ao contrato social traz para os cidadãos: se, perante as leis, todos os súditos são iguais, é razoável que o soberano distribua o mais equitativamente possível entre eles os cargos públicos e as honrarias concedidas. Sendo os indivíduos agraciados com tais reconhecimentos públicos vinculados ao Estado como nervos e tendões o são com relação ao corpo natural (HOBBES, 1974, p. 146), a constatação destes privilégios, ao passo que gera obediência dos cidadãos neles implicados, faz com que os demais compreendam que obedecer pode fazer com que eles também disponham de tais honrarias e, consequentemente, da reputação que elas geram15. Sobre a última, o próprio filósofo afirma que “a reputação de poder é poder, pois com ela se atrai a adesão daqueles que necessitam de proteção”. (HOBBES, 1974, p. 53).

Sobre a existência do medo e da glória tanto no estado de natureza quanto no Estado civil, Silva (2009) afirma que, como as paixões são comuns a todos os homens, o que diferencia suas vertentes políticas e antipolíticas é o Estado: ao propiciar a transformação do entorno em que os indivíduos vivem, o Leviatã faz com que as paixões que em um contexto natural fomentam a guerra de todos contra todos, após o estabelecimento do pacto favoreçam a manutenção da paz. Desse modo, o que muda não é a essência destas paixões, mas o entorno no qual elas se desenvolvem.

Outra paixão essencial para a convivência harmônica entre os indivíduos é o desejo de conforto e a esperança de obtê-lo através do trabalho pois, de acordo com Hobbes, “com tais desejos se abandona a proteção que poderia esperar-se do esforço e trabalhos próprios” (HOBBES, 1974, p. 65)16. Por outro lado, o desejo de conhecimento e das artes também é uma paixão que deve ser valorizada pelo Estado, já que pressupõe um estado de ócio para se desenvolver e este se situa na zona oposta à da belicosidade. Para que desfrutem de tempo livre é preciso que outrem proteja os indivíduos que se dedicam a estas paixões: para Hobbes, certamente este é um motivo para que estes sujeitos se submetam de bom grado ao contrato.

O desejo de conhecimento e das artes pode ser considerado uma paixão política também porque apenas após a fundação do Estado é possível que os homens desfrutem de conforto, expressem-se artisticamente e fundem ciências que respondam às suas inquietantes indagações. Apenas na Commonwealth os homens sentem-se seguros para fazê-lo, e somente inseridos no corpo político eles dispõem de tempo para tanto, já que, em ambiente natural, estariam voltados quase exclusivamente à preservação de suas vidas.

Por outro lado, o desejo de conhecimento é uma paixão que colabora com a paz não apenas por fornecer o tempo livre que os indivíduos necessitam para buscá-lo, mas também devido à própria compreensão hobbesiana da política como uma ciência: porquanto o conhecimento científico se fundamenta na compreensão das causas e consequências dos fenômenos e objetos, quando os homens passam a calcular as potenciais reverberações calamitosas de suas ações sem a mediação do Leviatã, acatam voluntariamente às leis civis. Assim, tal paixão é essencialmente política, de modo que não seria razoável conceber que este desejo pudesse se realizar plenamente no estado natural. Ademais, sendo a política uma ciência, é esperado que o Estado valorize o apreço dos homens pelo conhecimento e pelo processo de conhecer.

Acerca do desejo de conforto, vale ressaltar que o homem natural é isolado, pois desconfia de todos os outros, e pobre, pois em tal cenário não haveria meios para assegurar o funcionamento das atividades econômicas. O próprio Hobbes afirma que é dever do Estado prover os indivíduos dos meios para saciar seu desejo de conforto: “pertence à soberania todo o poder de prescrever as regras através das quais todo homem pode saber quais os bens de que pode gozar e quais as ações que pode praticar sem ser molestado por nenhum de seus concidadãos: é a isto que os homens chamam propriedade” (HOBBES, 1974, p. 148).

Ainda sobre a paixão do desejo de conforto e a esperança de obtê-lo através do trabalho, em Elementos da lei natural e política Hobbes (1993) aponta o que ele intitula como conforto e como ele só pode ser obtido a partir da instituição do Estado:

A comodidade da vida consiste em liberdade e riqueza. Por liberdade quero dizer que não existe proibição sem necessidade de alguma coisa para o homem, que seria legítimo para ele na lei de natureza; ou necessário para o bem da república, e que os homens bem intencionados possam não cair no perigo das leis, como em armadilhas, antes que sejam alertados. Diz respeito também a esta liberdade que um homem possa ter uma passagem cômoda de um lugar a outro, e não ser aprisionado ou confinado com a dificuldade de caminhos e falta de meios para o transporte de coisas necessárias. Quanto à riqueza do povo, ela consiste de três coisas, a boa ordenação do tráfico, a obtenção do trabalho e a proibição de consumo supérfluo (HOBBES, 1993, p. 207).

Sobre a paixão da esperança, Conceição e Sousa (2020) ponderam que ela impulsiona os indivíduos a crerem que, ao renunciar a uma liberdade sem restrições como a desfrutada no estado de natureza, poderão usufruir de uma vida segura e confortável em um Estado que lhes garanta seu direito à vida, à propriedade e à liberdade. Se o medo é a antevisão de um mal futuro, a esperança é a projeção de um bem a ser vivido a posteriori, previsão possível porque os homens desenvolvem ao longo de sua vida a habilidade de calcular as consequências das situações, ponderando o que deve ser feito para evitar possíveis danos. “A esperança é capaz de calcular em direção ao futuro com vistas à construção de um convívio social que não seja amparado na guerra e na desconfiança, e sim no bem individual” (SILVA, 2009, p. 108).

A esperança se apresenta como paixão essencial para compreender o projeto político hobbesiano, pois é inverossímil imputar a obediência dos súditos exclusivamente ao medo da punição. Na verdade, a esperança na recompensa é um elemento essencial na mecânica da disciplina das paixões, o que equivale dizer que ela é um dos motivadores da obediência ao poder soberano: a esperança como paixão política se ancora na expectativa de viver uma vida segura e confortável ainda neste mundo, sem excluir a promessa de uma vida eterna no plano espiritual. Por conta disso, Ribeiro (2013) destaca que, no projeto político de Hobbes, o medo precisa caminhar pari passu com seu gêmeo, a esperança.

A esperança como paixão política que assegura a permanência e a legitimidade do Estado se baseia na promessa de recompensa, expressa por Hobbes na mecânica de controle das paixões: “só governa propriamente quem governa seus súditos com a palavra e com a promessa de recompensa àqueles que obedecem e com a ameaça de punição àqueles que não lhe obedecem” (HOBBES, 1974, p. 263). Leitura similar foi desenvolvida por Macpherson (1979, p. 81), para quem é somente reconhecendo a autoridade do soberano que os indivíduos podem desenvolver duas formas distintas de esperança: 1) de evitar a morte violenta e quaisquer danos provenientes de sua busca desmedida por poder; 2) de garantir as condições necessárias para viver confortavelmente.

O homem que abandona sua liberdade irrestrita a fim de sujeitar-se ao soberano teme não apenas por sua vida, mas também anseia viver confortavelmente, de forma longeva e próspera. No entanto, devido à hostilidade do estado de natureza, é impossível que tais desejos sejam saciados. É, então, a realização de uma vida segura e confortável que o Estado oferece como recompensa para aqueles que cumprem suas leis, pois não é somente a morte violenta que o Estado visa evitar: é também a morte à míngua, o descaso, a miséria17. Desse modo, a esperança não se baseia apenas na intenção abstrata de desfrutar de uma vida confortável em um futuro longínquo, mas o faz a partir da firme convicção de que a obediência ao Estado pode proporcionar benefícios imediatos e duradouros. Tal concretude se fundamenta na garantia da manutenção dos direitos elementares dos súditos. “É necessário para a conservação [dos homens no Estado Civil] que ele retenha alguns outros direitos, como: direito à defesa do corpo, a usufruir livremente do ar, da água e de tudo o que for necessário para a vida” (HOBBES, 1993, p. 60).

De fato, o medo e a esperança são os pilares do projeto político hobbesiano e, por conseguinte, as paixões principais que justificam e embasam a existência do Leviatã. Tomando-as como base, Conceição e Sousa (2020, p. 172) afirmam que “ao identificar que o homem age sempre no interesse próprio ao buscar para si o que lhe é benéfico e afastar o que não lhe convém, o estado, por meio do manejo das paixões (principalmente o medo e a esperança), move o povo a aceitar a submissão em troca de usufruir o direito de convivência pacífica em meio à pluralidade de interesses”.

Considerações finais

As paixões são um conceito central em Thomas Hobbes, seja com relação às investigações sobre o homem, seja na análise da passagem do estado natural para o Estado Civil, ou ainda na base da justificativa para a manutenção do poder soberano. A diferença que se desvela de modo mais premente entre estas localizações privilegiadas que as paixões ocupam na teoria hobbesiana é que elas tanto são a anima que dão vida aos homens quanto, por outro lado, são capazes também de ameaçá-la.

As paixões impelem tanto o homem como o Estado para o movimento que caracteriza a existência de todas as coisas vivas. Enquanto corpos, seja o natural dos homens, seja o artificial do Leviatã, ambos precisam desta dinâmica para subsistir. A diferença entre eles, entretanto, é que no estado hipotético anterior à sociedade civil, elas se desenvolvem sem impedimentos, condição que frequentemente esbarra nas paixões de outros indivíduos e na disputa pelo mesmo objeto desejado, pois “se um homem se esforça para conseguir algo que lhe gera prazer, mas no seu caminho há outro homem, que não tem motivo para abrir mão do objeto que ama, ter-se-á um conflito iminente” (TEIXEIRA FILHO, 2015, p. 105). Já o Estado, através de seu corpus jurídico, possui a potência para discipliná-las, tanto direcionando-as para os benefícios trazidos pelo cumprimento das leis (caso da glória e do medo) quanto cultivando aquelas que propiciam a associação entre os indivíduos (como a esperança, o desejo de uma vida confortável e a paixão pelo conhecimento e as artes).

Nesta franja argumentativa, é fundamental não reduzir o homem hobbesiano ao medo, como se ele fosse apenas um animalis timore, mas também um ser de esperança. Sempre priorizando seu benefício próprio, o indivíduo reconhece que ceder a sua liberdade irrestrita é mais vantajoso do que conservá-la. É chegando neste consenso que as leis civis se afirmam como peças-chaves da mecânica de controle do poder dos súditos e da disciplinarização de suas paixões individuais.

Assim, a saída encontrada por Hobbes para a violência de um estado anterior à sociedade civil é iminentemente política: se as paixões humanas são mais fortes do que a razão (HOBBES, 1974), o sentido da política seria possibilitar a convivência entre os indivíduos, disciplinando-as, o que seria possível a partir do Estado e da sua mecânica de controle. Com efeito, a boa política, para Hobbes, além de disciplinar as paixões, seria também aquela que calcula mais eficazmente as consequências das ações tomadas pelo poder soberano frente às contingências.

A fim de concluir a trajetória argumentativa empreendida, é necessário fazer uma importante ressalva: dizer que existem paixões que auxiliam a convivência pacífica entre os indivíduos e, por conseguinte, que também colaboram com a manutenção do Estado, equivale a dizer que esta instituição artificial, o Leviatã, não é produzido apenas pela racionalidade humana, mas também por suas paixões. No entanto, tal dedução não pode conduzir os leitores desavisados à apressada conclusão de que o Estado hobbesiano não é racionalmente justificado. Ao contrário, ele é racional ao ponto de administrar, manejar as paixões, arrefecendo as que puserem em risco sua permanência e incentivando aquelas que contribuem com seu fortalecimento.

Referências

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Notas

3 “O conceito hobbesiano de conhecimento filosófico acaba se tornando uma doutrina do movimento. Daí que Hobbes defina os diversos campos do conhecimento científico em termos das diferentes espécies de movimentos: a geometria lida com o movimento simples; a física, com o efeito de um corpo em movimento sobre outro; a moral, com os movimentos da mente. A razão pela qual a filosofia moral deve seguir-se à física é o fato de que os objetos da moral – o desejo, o apetite, a benevolência, a esperança, o medo, etc. [as paixões, de modo geral] – são movimentos da mente.” (FRATESCHI, 2005, p. 9).

4 A expressão estado de guerra primitiva é utilizada por Foucault para caracterizar o estado em que os conflitos pairam como uma ameaça constante, com toda hostilidade e simbolismo bélico. Assim, “o que se encontra, o que se enfrenta, o que se entrecruza no estado de guerra primitiva de Hobbes não são armas, não são punhos, não são forças selvagens e desenfreadas [...]. Há representações, manifestações, sinais, expressões enfáticas, astuciosas, mentirosas; há engodos, vontades disfarçadas em seu contrário, inquietudes camufladas em certezas. Está-se no teatro das representações, numa relação de medo que é uma relação temporalmente indefinida” (FOUCAULT, 1999, p. 146). Jogos de representação constituem o estado de guerra primitiva: táticas de intimidação, demonstrações de vontade de peleja, manifestações de força preexistem aos embates propriamente ditos.

5 Silva (2009, p. 78) analisa como Hobbes compreende a imaginação: “a imaginação é a experiência produzida pela ação dos movimentos dos objetos externos e que fica retida na mente”. O próprio autor compara o funcionamento da imaginação com a experiência de observar o movimento da água quando “cessado o vento, as ondas continuam a rolar durante muito tempo ainda [e o mesmo] acontece também no movimento produzido nas partes internas do homem, quando ele vê, sonha etc., pois após a desaparição do objeto, ou quando os olhos estão fechados, conservamos ainda a imagem da coisa vista, embora mais obscura do que quando a vemos. A imaginação nada mais é que uma sensação em declínio” (HOBBES, 1974, p. 18).

6 “A explicitação do conatus oferece ao pensador inglês as ferramentas para explicar os entrechoques dos desejos, a complexidade interna dos movimentos humanos, a dificuldade de suas escolhas e, o mais importante, a compreensão de que esses movimentos podem ser limitados apenas externamente, já que internamente fazem parte de um corpo-máquina que se move por diversos conatus, conflitantes e independentes. Nesse sentido, o conatus é o ponto de partida que dirige o ser humano rumo a toda ação externa possível” (SOUSA, 2008, p. 127).

7 “In like manner, endeavour [conatus] is to be conceived as motion” (HOBBES, 2004, p. 206).

8 Sobre a influência da física no corpus teórico hobbesiano, recomenda-se a leitura de Zarka (1999) e Sorell (1996).

9 “Como na deliberação os apetites e aversões são suscitados pela previsão das boas ou más consequências e sequelas da ação sobre a qual se delibera, os bons ou maus efeitos dessa ação dependem da previsão de uma extensa cadeia de consequências, cujo fim último poucas pessoas são capazes de ver” (HOBBES, 1974, p. 56).

10 “O desejo é o ponto de partida da deliberação, sendo o último passo da deliberação e o ponto de partida do movimento que gera a ação. A razão, portanto, é responsável por determinar os meios para que se atinja fins postos pelo desejo” (FRATESCHI, 2008, p. 3).

11 Hobbes considera que a desconfiança dos homens com relação aos outros permanece no Estado civil, sob a forma de prevenção. No Leviatã o autor fornece os seguintes exemplos: “Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; quando vai dormir fecha as suas portas; mesmo quando está em casa tranca os seus cofres, embora saiba que existem leis e servidores públicos armados, prontos a vingar qualquer dano que lhe possa ser feito” (HOBBES, 1974, p. 110).

12 Importante mencionar que Hobbes não considera impossível haver associações no estado natural: no capítulo XVII do Leviatã o autor pontua as possibilidades de convivência de pequenos grupos neste estado. Partindo desta leitura, Hampton (2012) arrazoa sobre a possibilidade de diminutas associações no estado de natureza apontando que os indígenas americanos são, para Hobbes, o exemplo da possibilidade da associação de pequenos grupos. No entanto, a sua existência não é suficiente para deixar os indivíduos seguros, haja visto que no estado natural não há meios para administrar as paixões. Assim, a possibilidade da existência de tais grupos não antagoniza com a filosofia política e com a antropologia hobbesianas; antes, corrobora com elas.

13 “O desejo de louvores predispõe para ações louváveis, capazes de agradar aqueles cujo apreço se respeita, pois desprezamos também os louvores das pessoas que desprezamos. O desejo de fama depois da morte tem o mesmo efeito. E embora depois da morte seja impossível sentir os louvores que nos são feitos [...], apesar disso essa fama não é vã, porque os homens encontram um deleite presente em sua previsão, assim como no benefício que daí pode resultar para sua posteridade. Embora agora não o vejam, mesmo assim imaginam-no, e tudo o que constitui prazer para os sentidos constitui também prazer para a imaginação” (HOBBES, 1974, p. 65).

14 Leivas (2011) aponta que o medo como paixão política não corresponde a um terror generalizado porque não se dirige aos cidadãos obedientes; ao contrário, são os que se opõe ao Estado e não se submetem às suas leis que devem temer a força da espada pública. Somente estes “continuariam a sentir os desconfortos do medo na condição de paz civil: medo de serem aprisionados, de terem suas propriedades confiscadas e o medo de morrer de morte violenta via decreto público”, enquanto os cidadãos obedientes não teriam por que temer passar por estas calamitosas situações. Leitura similar é feita por Ribeiro (2013, p. 101), que afirma que: “não cabe para a filosofia hobbesiana o mito totalitário, que em nosso tempo funde o indivíduo no Estado. Pode-se aproximá-la do absolutismo, seu contemporâneo, completado pela economia mercantilista: procurando conservar a vida do corpo político e a de cada cidadão quando possível”. Porquanto a finalidade do Estado é a segurança do povo (salus populis), o Estado hobbesiano não se baseia no panic terror, mas deve ser forte o suficiente para evitar insurreições.

15 Sobre a relação entre glória, reputação e obediência ao Estado, recomendamos a leitura de Pinto Filho (2019).

16 Hobbes encerra o capítulo XIII do Leviatã com a afirmação categórica sobre as principais paixões necessárias à vida cívica: “As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável, e a esperança de consegui-las através do trabalho. E a razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar a um acordo” (HOBBES, 1974, p. 81).

17 Sobre as várias mortes que cabe ao Estado evitar, Kayser (2006) aponta que a miséria de um povo denota improbidade administrativa que, por sua vez, aponta para o descumprimento de uma das partes contratantes do pacto social: o Estado. Este cenário legitimaria a desobediência dos súditos. De acordo com Hobbes “quando um homem está privado de comida, ou de outra coisa necessária à sua vida, e não pode manter-se por nenhuma outra via a não ser por algum ato contrário à lei, então está totalmente desculpado” (HOBBES, 1974, p. 229).

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