Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
A biopolítica da pandemia: Agamben e Bolsonaro entram em um bar
Maikon Chaider Silva Scaldaferro
Maikon Chaider Silva Scaldaferro
A biopolítica da pandemia: Agamben e Bolsonaro entram em um bar
The biopolitics of the pandemic: Agamben and Bolsonaro walk into a bar
Griot: Revista de Filosofia, vol. 21, núm. 3, pp. 319-335, 2021
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: A pandemia de coronavírus que alterou a vida de pessoas em todo mundo desvelou surpreendentes “afinidades eletivas” entre o crítico do Estado de exceção e o fã do Estado de exceção. Nesse trabalho discute-se por que o filósofo italiano Giorgio Agamben apresentou teses sobre a pandemia que mais lembram as falas negacionistas do presidente do Brasil. Mais do que uma mera análise política equivocada da pandemia, entendemos que as teses defendidas por Agamben decorrem da própria teoria da biopolítica que o filósofo elaborou em seus textos mais celebrados. Neste artigo procuramos primeiramente apontar os fundamentos da teoria da biopolítica elaborada por Agamben. Num segundo momento mostramos como as ideias do filósofo italiano estão alinhadas com o que tem sido defendido pelo presidente Bolsonaro. Ao final, indicamos porque os textos de Agamben sobre a pandemia são uma consequência lógica daquilo que ele havia formulado em sua teoria da biopolítica.

Palavras-chave:PandemiaPandemia,BiopolíticaBiopolítica,CoronavírusCoronavírus,AgambenAgamben,BolsonaroBolsonaro.

Abstract: The coronavirus pandemic which changed the lives of people around the world unveiled surprising “elective affinities” between the critics of the State of exception and the fans of the State of exception. This work discusses why the Italian philosopher Giorgio Agamben presented theses about the pandemic that most resemble the negationist speeches of the president of Brazil. More than a mere mistaken political analysis of the pandemic, we understand that the theses defended by Agamben stem from the very theory of biopolitics that the philosopher developed in his most celebrated texts. In this article, we first seek to specify the foundations of the theory of biopolitics developed by Agamben. In a second moment, we show how the ideas of the Italian philosopher are aligned with what has been defended by President Bolsonaro. Finally, we explain why Agamben's texts on the pandemic are a logical consequence of what he had developed in his theory of biopolitics.

Keywords: Pandemic, Biopolitics, Coronavirus, Agamben, Bolsonaro.

Carátula del artículo

Artigos

A biopolítica da pandemia: Agamben e Bolsonaro entram em um bar

The biopolitics of the pandemic: Agamben and Bolsonaro walk into a bar

Maikon Chaider Silva Scaldaferro
Instituto Federal do Espírito Santo, Brasil
Griot: Revista de Filosofia, vol. 21, núm. 3, pp. 319-335, 2021
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Recepción: 09 Mayo 2021

Aprobación: 11 Septiembre 2021

Durante a pandemia de Covid-19 o Brasil se tornou um dos países mais ineficientes no controle da disseminação do vírus. O país que outrora adotou políticas de saúde pública que se tornaram um exemplo para o mundo permaneceu desde os primeiros meses de emergência sanitária no pódio dos países com mais mortos e infectados. Desde o início da pandemia o governo do presidente Jair Bolsonaro sabotou deliberadamente as tentativas de controle do vírus no território nacional, seja fomentando aglomerações, questionando a eficácia de vacinas, estimulando o não uso de máscaras e distribuindo remédios ineficazes para a população. Por conta disso, uma denúncia por genocídio foi encaminhada ao Tribunal de Haia visando responsabilizar Bolsonaro pelo cenário desolador do país (CHADE, 2021). Chama atenção de maneira estarrecedora que boa parte das declarações negacionistas de Bolsonaro, dos membros do seu governo e dos apoiadores do bolsonarismo pareçam retiradas dos textos que Giorgio Agamben escreveu sobre a pandemia. No Brasil tais textos foram reunidos na coleção Reflexões sobre a peste: ensaios em tempos de pandemia.

Agamben se tornou um pensador aclamado no Brasil por causa do seu livro Estado de exceção. Diversos pesquisadores têm visto nos trabalhos do filósofo um referencial teórico importante para compreender o autoritarismo do Estado brasileiro, e isto abarcaria temas que vão desde a violência policial até a arbitrariedade dos operadores do direito na aplicação da lei. Nesse ponto, é macabro a “comunhão de ideia” entre o filósofo crítico do Estado de exceção e o capitão-presidente fã do Estado de exceção, o homem que nunca escondeu sua admiração pelos torturadores que aterrorizaram o país em 30 anos de ditadura militar.

As “afinidades eletivas” entre Agamben e o bolsonarismo precisam ser levadas a sério. Assim como o fascínio de Heidegger pelas “belas mãos de Hitler” depõe contra o filósofo, os textos de Agamben sobre a pandemia precisam ser entendidos como uma mácula na biografia do italiano. Em uma crítica à filosofia heideggeriana, Habermas trouxe à luz o vínculo entre a filosofia de Heidegger e a adesão deste ao nazismo. Para Habermas, os próprios pressupostos filosóficos assumidos por Heidegger o encaminharam para tal posição política. Para nós, o mesmo raciocínio é válido ao analisarmos os escritos de Agamben sobre a pandemia de Covid-19. Os parágrafos chocantes escritos pelo filósofo italiano é a conclusão lógica, o desenvolvimento natural das teses que ele formulou em sua teoria da biopolítica. E é isso que procuraremos demonstrar. Para isso, primeiramente apresentaremos as teses da teoria da biopolítica de Agamben, cujo desenvolvimento se deu primordialmente na obra Homo sacer I: o poder soberano e a vida nua (I). Num segundo momento, mostraremos como os textos de Agamben estão alinhados com a fina flor do negacionismo pandêmico, representada aqui pelo bolsonarismo (II). Por fim, indicaremos porque as teses defendidas por Agamben a respeito da pandemia não são meras “análises equivocadas” ou uma tentativa de torturar e mutilar a realidade para ela caber dentro de um modelo teórico. Agamben só chegou onde chegou porque já em sua teoria da biopolítica estavam dadas as condições para uma análise negacionista da pandemia.

I

Agamben constrói sua teoria da biopolítica visando suprir o que ele considera os déficits da teoria de Foucault. Os termos “biopolítica” e “biopoder” inclusive se popularizaram com o filósofo francês, que nos anos finais de vida ministrou diversos cursos que abordavam o tema. Um dos primeiros textos em que Foucault introduz o tema da biopolítica é A vontade de saber. Em uma passagem marcante, que é recuperada por Agamben em Homo sacer, Foucault afirma: “O homem, durante milênios, permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivo, e, além disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal, em cuja política, sua vida de ser vivo está em questão” (FOUCAULT, 1988 p. 134). Temos aqui uma breve noção do que seria a biopolítica: uma politização da “vida de ser vivo” dos seres humanos, isto é, uma politização da “vida natural”, da “vida biológica” dos seres humanos.

Importante notarmos essa menção que Foucault faz a Aristóteles. Tanto Agamben quanto Foucault elaboram o conceito de biopolítica levando em consideração a distinção grega entre bíos e zoé. Os gregos possuíam duas palavras que podem ser traduzidas para o português como “vida”: bíos e zoé. A mesma coisa ocorre quando essas palavras são traduzidas em outros idiomas. Contudo, em grego o termo zoé se refere à vida biológica (ou vida natural) de todo ser vivo. Já o termo bíos se refere a maneira de viver própria de um indivíduo ou grupo, pensa-se aqui então na ideia de “estilo de vida”. Aristóteles, por exemplo, falava da bíos theoreticos, que era a vida contemplativa dos filósofos, e a bíos políticos, a vida política dos cidadãos da pólis (AGAMBEN, 2002, p. 9). A bíos é uma “vida qualificada” que de certo modo está além do mero aspecto de ser um “ser vivo”. Entre os gregos a zoé, isto é, a vida biológica dos sujeitos, não era um assunto que dizia respeito à pólis. Se usarmos aqui para fins meramente ilustrativos a distinção moderna entre público e privado, é possível dizer que para a política grega a zoé é um assunto privado. A biopolítica surge então com a politização da “vida biológica” dos indivíduos, ela surge quando a zoé se torna uma questão de Estado. Foucault entendia que a biopolítica era um fenômeno próprio da Idade Moderna, Agamben discorda. Para o italiano, esse seria o primeiro déficit da abordagem de Foucault, ele não percebeu que já na Antiguidade a biopolítica havia sido juridicamente estabelecida. O outro déficit que Agamben aponta nas análises de Foucault é que este jamais deslocou sua “investigação para as áreas por excelência da biopolítica moderna: O campo de concentração e a estrutura dos grandes estados totalitários do Novecentos” (AGAMBEN, 2002, p. 12).

Para mostrar que a gestão política da vida biológica já estava institucionalizada na Antiguidade, Agamben examina uma enigmática figura do direito romano: o homo sacer (homem sacro). O homo sacer é uma das penas mais antigas do direito romano. Ser condenado a se tornar homo sacer significa que o poder soberano determinou que alguém é uma pessoa matável, mas não sacrificável (AGAMBEN, 2002, p. 80). “Torna-se matável” significa que qualquer um que assassinasse o homo sacer não seria acusado de homicídio. Por outro lado, o homo sacer não podia ser “sacrificado”, isto é, morto de acordo com os ritos estabelecidos pelas leis que regulamentavam a pena capital. Cabe pontuar que nesse contexto em que há uma mistura entre pensamento religioso e jurídico, os protocolos adotados na execução de um criminoso eram vistos também como ritos religiosos, geralmente ritos de purificação. Deste modo, ser condenado a se tornar homo sacer é também ser excluído dos ritos religiosos.

Agamben observa que é na “figura desta ‘vida sacra’ que algo como uma vida nua faz a sua aparição no mundo ocidental” (AGAMBEN, 2002, p. 107). Por “vida nua” Agamben entende uma vida que foi despida de todos os direitos. O poder soberano exerce seu domínio sobre a “vida biológica” de um indivíduo transformando-a em “vida nua”. Na figura do homo sacer já vemos então um modelo antiquíssimo de gestão da vida biológica de um sujeito, em outras palavras, vemos aí uma biopolítica. O homo sacer tem uma relação paradoxal com o ordenamento jurídico. Agamben afirma que há nessa pena uma “exclusão inclusiva”. Ao mesmo tempo que o homo sacer está excluído do direito quando sua vida se torna matável, ele também está incluído, visto que aqueles que o matam não podem ser juridicamente imputados pelo crime de homicídio, e nem o “homem sacro” pode ser morto de acordo com os ritos previstos em lei, o que mostra que sua vida ainda mantém um vínculo com o ordenamento jurídico.

Agamben investiga como essa figura do homo sacer, “uma vida matável que foi despida de direitos”, reaparece em diferentes códigos jurídicos durante a Idade Média. Mas o que interessa ao filósofo é entender como essa antiga figura do direito romano é reconfigurada na Idade Moderna. Para Agamben, o que diferencia o poder político antigo do moderno não é o nascimento da biopolítica, está já existia na Antiguidade, mas sim um aumento da politização da vida biológica. Em outras palavras, as técnicas biopolíticas de governos se expandem cada vez mais, e, por conseguinte, mais homens sacros são produzidos pelo poder soberano do Estado.

No último capítulo de Homo sacer Agamben constrói uma genealogia da biopolítica moderna, identificando os eventos decisivos para o aumento da politização da vida biológica. A história da biopolítica moderna é a história da inclusão de princípios biológicos-científicos na ordem política (AGAMBEN, 2002, p. 128). De maneira surpreendente, Agamben vê na institucionalização dos direitos humanos um marco decisivo na história da biopolítica. Com a Declaração dos direitos do homem e do cidadão a Revolução Francesa inseriu afirmativamente a vida natural no domínio político. A ideia de direitos humanos indica que um indivíduo possui direitos somente pelo fato de ser um “ser vivo” da espécie humana. Não é uma casta, religião, nacionalidade ou classe que determina o direito de ter direitos, basta ter nascido para ser um destinatário dos direitos humanos. Ao mesmo tempo, nesse processo de institucionalização dos direitos humanos o indivíduo delega ao poder soberano um domínio sobre sua vida biológica, o Estado se torna oficialmente responsável pelo cuidado da “vida natural” de todos os cidadãos de um território.

Para Agamben, outro evento que ajudou a moldar a biopolítica moderna foi a introdução do debate sobre eutanásia na esfera pública. Um marco decisivo desse debate é a publicação em 1920 do texto A autorização do aniquilamento da vida indigna de ser vivida. Os autores da publicação foram Karl Binding, um respeitado especialista em direito penal, e Alfred Hoche, um professor de medicina preocupado com questões sobre ética médica (AGAMBEN, 2002, p. 143). No texto de Binding e Hoche há uma defesa da legitimidade da eutanásia, e os autores fazem isso introduzindo a ideia de “vida indigna de ser vivida”, “vida sem valor”. Como exemplos dessa vida sem valor os autores têm em mente pacientes terminais e doentes com paralisia progressiva. Binding e Hoche defendiam que em situações como essas o aniquilamento da vida sem valor poderia ser autorizado desde que feita uma requisição por parte do paciente, um parente próximo ou um médico. Todavia, a decisão final deveria caber a uma comissão estatal composta por médicos, psiquiatras e juristas (AGAMBEN, p. 146). Para Agamben, a figura do homo sacer reaparece aqui com a ideia de uma “vida indigna de ser vivida”. A juridificação da eutanásia é uma autorização de que a vida do doente terminal é matável, tal como a do homo sacer. Além do mais, tal juridificação define que aqueles que são autorizados a aniquilar o paciente não cometem um homicídio.

A ideia de aniquilar a “vida indigna de ser vivida” se tornou política de saúde na Alemanha nazista. O filósofo italiano pontua que foi no Terceiro Reich que ocorreu como nunca antes uma integração entre medicina, ciência e política. Integração essa que marcará toda biopolítica moderna. Uma publicação de 1942 intitulada Estado e saúde apresentou de forma clara os objetivos da biopolítica nazista. O livro reunia textos de respeitados cientistas alemães e de responsáveis pela política sanitária do Reich (AGAMBEN, 2002, p. 151). A tônica da publicação era ressaltar a importância da saúde da população nos cálculos políticos e econômicos, bem como indicar os méritos da biopolítica nazista, entendida aqui como as políticas de saúde do Terceiro Reich.

As políticas sanitárias da Alemanha nazista se desenvolveram em um contexto de entusiasmo com os estudos sobre genética. Inclusive, diversos especialistas nessa área que foram colaboradores diretos do nazismo eram respeitados na comunidade científica internacional, sendo que, depois da queda do Reich muitos desses pesquisadores continuaram trabalhando em universidades de prestígio. As políticas de saúde pública do nazismo tiveram como pilar fundamental a eugenia, o intuito era promover um melhoramento genético do povo alemão através da “purificação da raça”. Se com a ideia de direitos humanos o cuidado pela vida dos cidadãos é delegado ao Estado, agora o Estado nazista diz: cuidaremos da vida dos alemães protegendo o patrimônio genético do povo alemão. Essa proteção do patrimônio genético do povo alemão implicava garantir que “elementos indesejáveis” não maculassem esse patrimônio com qualidades raciais inferiores e doenças hereditárias. Os “elementos indesejáveis” são identificados como vidas sem valor, passíveis de serem aniquiladas para a preservação da saúde do povo alemão. A biopolítica nazista começou sua gestão dos indesejáveis com doentes incuráveis, deficientes mentais e as assim denominadas “raças inferiores”. Mas ao final do Reich já havia planos de incluir nas políticas eugênicas cidadãos alemães com problemas renais e cardíacos, proibindo-os de ocuparem cargos públicos e terem filhos (AGAMBEN, 2002, p. 157).

A genealogia da biopolítica moderna feita por Agamben culmina numa análise dos campos de concentração, estes seriam espaços por excelência da biopolítica nazista. O filósofo diz:

Quem entrava no campo movia-se numa zona de indistinção entre externo e interno, exceção e regra, lícito e ilícito, na qual os próprios conceitos de direito subjetivo e proteção jurídica não faziam mais sentido (AGAMBEN, 2002, p. 177).

Os prisioneiros do campo de concentração eram “despojados de todo estatuto político e reduzidos integralmente a vida nua” (AGAMBEN, 2002, p. 178). O campo não funciona de acordo com um direito penitenciário, quem o habita não é um mero prisioneiro, o campo é um lugar que não há direito, mas ao mesmo tempo ele é criado juridicamente. O homo sacer reaparece mais uma vez, agora na figura do prisioneiro do campo de concentração. Despido de todo direito, só resta ao prisioneiro sua vida biológica, e esta é capturada e gerida pelo poder soberano do Estado. Por isso Agamben afirma que o “campo é também o mais absoluto espaço biopolítico que jamais tenha sido realizado, no qual o poder tem diante de si a pura vida sem qualquer mediação” (AGAMBEN, 2002, p. 178). Tal como o homo sacer do direito romano, o homo sacer do campo de concentração se torna “vida matável”, e deste modo, aquele que o aniquila não comete um crime. Importante notar que, o que era um evento excepcional no mundo romano se torna algo corriqueiro no Reich. A produção da “vida nua” se dá em escala industrial. Milhões de “homens sacros” são produzidos nos campos nazistas. Tornar o prisioneiro homo sacer fazia parte da própria gestão biopolítica da saúde do povo alemão, visto que, para preservar o patrimônio genético da “raça superior” seria necessário eliminar os “inferiores”, impedindo assim uma “contaminação”. A biopolítica nazista parte do pressuposto de que o “fazer viver” depende sempre de um “fazer morrer”.

Todo o argumento que Agamben constrói no livro Homo sacer culmina em duas conclusões fundamentais. A primeira é de que o ápice da biopolítica moderna é o campo de concentração. É nesse espaço em que medicina, ciência, direito e política colaboram de maneira nunca antes vista na gestão da vida biológica, e na produção de “vidas matáveis”. E tudo isso se dá em nome da “proteção da vida biológica”, da preservação da saúde do povo alemão. O percurso seguido por Agamben na construção do seu argumento leva muitas vezes a caminhos que parecem digressões. É o caso do capítulo 6 da terceira parte de Homo sacer. Nesse capítulo que tem o sugestivo nome de “politizar a morte”, o filósofo reconstrói a história da concepção de “morte cerebral”. Durante séculos os critérios para definir se um indivíduo veio a óbito era a cessação do batimento cardíaco e a cessação da respiração. A “história da morte cerebral” começa quando dois neurofisiólogos franceses, P. Mollaret e M. Goulon, publicam em 1959 um estudo identificando um novo tipo de coma, o coma dépassé, que conhecemos como coma irreversível. Na época o consenso científico era de que haviam três tipos de coma. O coma clássico dizia respeito a uma condição em que o indivíduo não dispõe das “funções de vida de relação” (consciência, mobilidade, sensibilidade e reflexo), mas ainda conserva “funções de vida vegetativa”, isto é, respiração, circulação e termorregulação. Já no coma vígil a perda das funções de relação não é completa, por exemplo, uma pessoa pode estar acordada sem consciência do que acontece no seu entorno. No coma carus o indivíduo tem as funções de vida vegetativa danificada gravemente. Mollaret e Goulon sugerem então um outro tipo de coma, no qual o comatoso tem a abolição total de todas as funções de vida de relação e de vida vegetativa (AGAMBEN, 2002, p. 167), o que eles chamam de coma dépassé (coma irreversível).

O coma dépassé só é possível em um contexto em que surgem as tecnologias de transplante de órgãos. Estas permitiram manter a vida vegetativa do comatoso de maneira artificial. O respirador mecânico, por exemplo, é uma dessas tecnologias. Mollaret e Goulon estavam conscientes do impacto do estudo que realizaram. O coma dépassé colocava em discussão as “fronteiras últimas da vida” e o “direito de fixar a morte legal” de um paciente (AGAMBEN, p. 168). Em que momento o médico poderia determinar a morte de um paciente em coma irreversível? Para responder a isso, em 1968 uma comissão especial da Universidade de Harvard apresentou um relatório estabelecendo os “novos critérios de óbito”, inaugurando assim o conceito de “morte cerebral”. O relatório definia que

uma vez que teste médicos adequados tivessem constatado a morte do cérebro inteiro (não apena do neocórtex, mas também do brainstem), o paciente deveria ser considerado morto, mesmo que, graças às técnicas de reanimação, continuasse a respirar (AGAMBEN, 2002, p. 169).

Agamben enxerga nessas mudanças nos “marcos legais da morte” mais uma faceta da biopolítica moderna. E novamente a biopolítica se manifesta com uma renovação da figura do homo sacer. O filósofo se refere ao comatoso como “uma extrema encarnação do homo sacer” (AGAMBEN, 2002, p. 171). Ele diz que o comatoso foi colocado na condição de um “ser intermediário entre o homem e o animal” (AGAMBEN, 2002, p. 171). Deste modo, o que está em jogo mais uma vez é a “definição de uma vida que pode ser morta sem que se cometa um homicídio” (AGAMBEN, 2002, p. 171). Como já dissemos, esse momento do texto parece uma digressão no raciocínio de Agamben. Afinal, o filósofo vinha construindo toda sua argumentação para sustentar que o ápice da biopolítica moderna era o campo de concentração. Por que então seria importante essa discussão sobre a invenção da morte cerebral? A discussão sobre o coma dépassé é um dos elementos que permitem a Agamben estabelecer conexões entre “totalitarismo” e “democracia”. Se no campo de concentração a biopolítica do Estado totalitário transforma o prisioneiro em homo sacer, no centro de terapia intensivo a biopolítica do Estado democrático transforma em homo sacer o comatoso. Agamben está convencido de que há mais semelhanças do que gostaríamos entre “totalitarismo” e “democracia”. Ele sugere que há uma “íntima solidariedade entre democracia e totalitarismo” (AGAMBEN, 2002, p. 18). O filósofo busca essas semelhanças entre regimes democráticos e regimes totalitários em outros momentos do livro, por exemplo, quando ele lembra que a defesa de muitos cientistas julgados nos tribunais de Nuremberg recorreu ao fato de que as experiências científicas com cobaias humanas realizadas pelos nazistas também foram realizadas em presídios nos EUA.

Ao buscar essas semelhanças entre democracia e totalitarismo Agamben pretende dar sustentação à outra conclusão fundamental do seu livro. A forte tese de que o campo de concentração se tornou o paradigma biopolítico (AGAMBEN, 2002, p. 183). Em outras palavras, o governo da vida biológica por meio da produção de homens “sacros” em escala industrial se tornou a regra em todos os Estado contemporâneos. Agamben chega até mencionar que quando tomamos como referência noções como “biopolítica” e “vida nua”, as distinções políticas tradicionais (esquerda, direita, democracia, totalitarismo, liberalismo, socialismo) perdem sua clareza e inteligibilidade (AGAMBEN, 2002, p. 128).

Em Estado de exceção, obra posterior a Homo sacer, Agamben apresenta essa tese forte (“o campo de concentração se tornou o paradigma político planetário”) com um novo vocabulário. O filósofo diz: “o Estado de exceção tende cada vez mais a se apresentar como o paradigma de governo dominante na política contemporânea” (AGAMBEN, 2004, p. 13). A ideia de um Estado de exceção que se tornou regra permite a Agamben mais uma vez traçar comparações entre democracia e totalitarismo. O Estado de exceção emerge quando o direito é suspenso em nome de uma resposta mais efetiva a situações que ameaçam a integridade do Estado. Hitler, por exemplo, promulgou uma decisão que suspendeu por 12 anos “artigos da Constituição de Weimar relativos às liberdades individuais” (AGAMBEN, 2004, p. 12). Em Homo sacer Agamben se referia ao campo de concentração como “espaço absoluto da exceção” (AGAMBEN, 2002, p. 27). Nesse espaço todo direito estava suspenso, só restava para o homo sacer, a “vida nua”. Sendo o campo de concentração o espaço por excelência da biopolítica, vemos então como para Agamben há uma relação quase simbiótica entre biopolítica e Estado de exceção. E é essa ideia que dá o tom das “denúncias” que o filósofo apresenta nos seus escritos sobre a pandemia. As medidas de saúde pública visando controlar a disseminação do vírus são denunciadas como uma gestão biopolítica operando sob a lógica do Estado de exceção.

II

Os textos de Agamben sobre a pandemia de coronavírus foram publicados no site da editora Quodlibet. Alguns desses textos foram traduzidos pela editora Boitempo na coletânea intitulada Reflexões sobre a peste. Tomamos como referência tanto os textos da coletânea brasileira, quantos os publicados no site da Quodlibet até o final de 2020. Primeiramente, é preciso ter em vista que Agamben interpreta as medidas sanitárias adotadas em diversos países da Europa como mais um capítulo da biopolítica moderna. Para nós, a crítica que Agamben faz da “biopolítica da pandemia” está estruturada em três pontos fundamentais: 1) o menosprezo pela gravidade da situação combinada com um negacionismo científico; 2) o alarmismo em torno da suposta ameaça de um Estado de exceção; 3) uma convocação ao heroísmo suicidário. Esses três pontos coincidem com falas e ações adotadas pelo governo do presidente Bolsonaro. Muitos brasileiros se lessem os textos de Agamben sem saber quem é o autor, pensariam estar lendo transcrições de falas que o presidente do Brasil faz em suas “lives” no Facebook.

No que diz respeito ao menosprezo pela gravidade da situação, Agamben abre um dos seus primeiros textos sobre a pandemia falando de “frenéticas, irracionais e totalmente imotivadas medidas de emergência motivadas por uma suposta epidemia do coronavírus” (AGAMBEN, 2020, p. 9). Alinhado a Agamben, Bolsonaro em março de 2020 chamava a pandemia de histeria (ARCANJO, 2021), e em um comunicado em rede nacional chamou a doença de gripezinha. É certo que quando o coronavírus apareceu ainda haviam muitas dúvidas sobre o potencial da doença. Mas quando Agamben e Bolsonaro manifestam essas opiniões já haviam informações o suficiente para entender a gravidade da situação. Não bastando duvidar da existência da pandemia e chamando de “histéricos” os que se importavam com a gravidade do que estava acontecendo, Agamben culpou a mídia e as autoridades por espelharem um clima de pânico (AGAMBEN, 2020, p. 9). Essa também foi a tônica de Bolsonaro desde o princípio da pandemia. Ao discursar na Assembleia das Nações Unidas o presidente afirmou: “como aconteceu em grande parte do mundo, parte da imprensa brasileira também politizou o vírus, disseminando o pânico entre a população” (EL PAÍS, 2021). O presidente inclusive agiu ativamente para “dirimir” esse pânico, e fez isso estimulando aglomerações, fazendo propaganda de remédios ineficazes, falando que a doença era só uma gripezinha e recomendando as pessoas a não usarem máscaras. Enfim, Bolsonaro viveu como se não houvesse uma pandemia.

O menosprezo de Agamben com a gravidade da situação só é possível graças ao seu profundo negacionismo científico.2 A respeito dos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate ao vírus pesquisando dia e noite formas de salvar vidas, Agamben usa de maneira irônica o termo “assim chamados especialistas” (AGAMBEN, 2020, p. 11). Em um de seus arroubos retóricos Agamben denuncia que a “ciência se tornou a religião do nosso tempo”, e como qualquer religião pode produzir medo e superstição (AGAMBEN, 2020, p. 18). Mas Agamben ressalta que como em toda religião há também uma minoria herética, está seria representada aqui pelos cientistas que duvidavam da gravidade da pandemia, questionando o consenso científico em torno dos protocolos de distanciamento social. Agamben não disfarça sua simpatia pelos heréticos. Talvez ninguém foi mais herético e blasfemou tanto contra a “religião ciência” do que o presidente do Brasil. Tanto é que ele foi demitindo um a um os ministros e especialistas em saúde pública do ministério da saúde, até sitiar o ministério com militares subservientes. Estes militares, contrariando os dogmas da “religião” ciência, rejeitaram os protocolos da Organização Mundial de Saúde, rejeitaram as pesquisas científicas que mostravam a ineficácia dos remédios distribuídos pelo ministério e rejeitaram até a importância das vacinas no combate ao vírus.

Em abril de 2021 o negacionismo e o menosprezo de Agamben pela gravidade da pandemia ganhou um capítulo ainda mais inacreditável. Em um texto que tenta dialogar com Aristóteles e Políbio, Agamben provou ser possível defender com bastante pedantismo uma campanha anti-máscara. Um dos principais consensos na comunidade científica durante a pandemia é que as máscaras faciais são poderosas ferramentas no controle da disseminação do vírus. Agamben não pensa assim, teme que as máscaras faciais estejam tomando a nossa “humanidade”. O filósofo diz: “Um país que decide renunciar ao seu próprio rosto, cobrir os rostos dos seus cidadãos com máscaras em toda parte é, portanto, um país que cancelou de si todas as dimensões políticas” (AGAMBEN, 2021c). Agamben ainda advoga uma suposta preocupação com as criancinhas. A máscara se torna uma ameaça ao próprio processo de humanização. Ele diz: “uma criança que, ao nascer, não vê mais o rosto da mãe, corre o risco de não poder conceber sentimentos humanos” (AGAMBEN, 2021c). Aqui Agamben é desonesto ao sugerir que a recomendação para o uso de máscaras em locais públicos impediria crianças de verem o rosto de seus pais. Mas mesmo que ignorássemos a falta de veracidade do que é sugerido por Agamben, é curioso notar que, antes mesmo da pandemia de Covid-19, países orientais cultivaram o hábito de usar máscaras em espaços públicos. Este é o caso do Japão. Há registros de que já no século XVII os japoneses usavam uma espécie de máscara para cobrir o rosto, visando impedir o “hálito sujo” (VALENCIA, 2021). Mas é depois da gripe espanhola que o uso de máscaras foi incorporado ao cotidiano dos japoneses. Será que Agamben acredita que as crianças japonesas tenham menos “sentimentos humanos” do que as crianças ocidentais? Mais uma vez o obscurantismo do filósofo está alinhado com o do presidente do Brasil. Bolsonaro não é tão filosoficamente competente para construir um argumento anti-máscara por meio de um diálogo com Aristóteles e Políbio, todavia, a postura do presidente contra o uso de máscaras é recorrente, sendo que ele mesmo se recusa a usá-las em aglomerações públicas. Em uma transmissão ao vivo nas suas redes sociais o presidente chegou a divulgar um “estudo alemão” que demonstraria que as máscaras são prejudiciais às crianças. Tal como Agamben, há aqui uma suposta preocupação com as criancinhas. Depois se verificou que na verdade o “estudo” citado nada mais era que uma enquete online que contou com ampla participação de “céticos” da pandemia (STRUCK, 2021).

O alarmismo em torno de um endurecimento do Estado de exceção, que para Agamben já está em vigor em boa parte das democracias, também é parte da avaliação que o filósofo faz das medidas de saúde pública adotadas durante a pandemia. O filósofo denuncia que com as medidas de contenção da circulação de pessoas, visando conter a circulação do vírus, “manifesta-se mais uma vez a crescente tendência de usar o estado de exceção como paradigma normal de governo” (AGAMBEN, 2020, p. 9). Para o filósofo, parece que “esgotado o terrorismo como motivador de medidas de exceção, a invenção de uma epidemia possa oferecer o pretexto ideal para ampliá-las além de todo limite” (AGAMBEN, 2020, p. 11). Agamben especula que está se desenhando um governo de exceção baseado no distanciamento social, baseado numa gestão biopolítica que “abole o nosso próximo” (AGAMBEN, 2020, p.11). Agamben já havia defendido em Homo sacer que o campo de concentração era o paradigma biopolítico vigente, e agora teme um novo paradigma baseado no distanciamento social. Isso significa então que uma gestão biopolítica baseada no distanciamento social é uma piora em relação à gestão baseada no campo de concentração? É bem impressionante notar que quando levamos os argumentos de Agamben a sério acabamos por chegar em uma banalização completa da experiência traumática do campo de concentração. Tal banalização encontramos também nas falas do ministro das relações exteriores do governo Bolsonaro, que foi criticado por associações judaicas depois de comparar as medidas de isolamento social com os campos de concentração nazistas (ALVES, 2021). Aliás, o ministro adora recorrer a um vocabulário, digamos, agambeniano. Por exemplo, em uma mensagem de fim de ano ele alertou sobre os perigos do “covidismo”, “a histeria biopolítica e sua utilização como mecanismo de controle” (TAVARES, 2021). Curioso o fato de que uma pessoa tida como lunática entre os seus pares, principalmente por dizer coisas como esta, use toda a terminologia e argumentação de Agamben, chegando às mesmas conclusões do filósofo amplamente respeitado por seus pares. Parece haver algo de estranho nessa equação.

Assim como Agamben, Bolsonaro declarou publicamente mais de uma vez que estava preocupado com o fato de que as medidas de distanciamento social poderiam desembocar em um Estado de exceção. O flagrante cinismo dessa preocupação se dá pelo fato de que Bolsonaro é um notório entusiasta das ditaduras militares que afligiram a América Latina. Em um discurso para militares no final de 2020 o presidente bradava contra as medidas de distanciamento social: “quando o Estado avança sobre os direitos individuais, dificilmente recua” (AMARAL, 2021.) Já em março de 2021, enquanto pessoas morriam em filas de hospitais por falta de leitos de UTI, Bolsonaro atacava os governadores dos Estados, afirmando que estes estavam decretando “estado de sítio” ao adotarem medidas para diminuir a circulação de pessoas. Mesmo com suas evidentes limitações intelectuais, mesmo com o seu evidente desprezo pelos intelectuais, Bolsonaro foi capaz de chegar à mesma conclusão de um sofisticado intelectual europeu: o isolamento social é a porta de entrada para o Estado de exceção, o caminho em direção à perda da liberdade.

O terceiro ponto da crítica de Agamben à biopolítica da pandemia é, para nós, o mais aterrador. Agamben convoca as pessoas a um heroísmo suicidário. Analisando a sociedade italiana, o filósofo apresenta o seguinte diagnóstico: “a primeira coisa que a onda de pânico que paralisou o país põe em evidência é que nossa sociedade não acredita em mais nada, a não ser na vida nua” (AGAMBEN, 2020, p. 15). O filósofo lamenta que os italianos estejam dispostos a sacrificar “praticamente tudo, as condições normais de vida, as relações sociais, o trabalho, até mesmo as amizades, os afetos e as convicções religiosas e políticas pelo perigo de ficar doentes” (AGAMBEN, 2020, p. 15). O respeito às medidas de saúde pública, que para Agamben são medidas de exceção, seria o reflexo de uma sociedade que não tem outro valor além da sobrevivência (AGAMBEN, 2020, p. 16). Para o filósofo, a Igreja Católica em vez de lutar contra esse cenário tem ajudado a consolidar essa sociedade que só tem como valor a “vida nua”. Diz Agamben:

A Igreja, que, fazendo-se de serva da ciência – que, enfim, se tornou a verdadeira religião do nosso tempo –, renegou radicalmente seus princípios essenciais. A Igreja, sob um papa que se chama Francisco, esqueceu que Francisco abraçava os leprosos. Esqueceu que uma das obras da misericórdia é visitar os doentes (AGAMBEN, 2020, p. 26).

Agamben então diz que se deve refletir como

uma sociedade inteira aceitou sentir-se empestada, isolar-se em casa e suspender suas condições normais de vida, suas relações de trabalho, de amizade, de amor e até mesmo suas convicções religiosas e políticas. Por que não ocorreram, como afinal seria possível imaginar e como normalmente acontece nesses casos, protestos e oposições? (AGAMBEN, 2020, p.18).

A resposta de Agamben é que as pessoas já estavam cansadas da própria vida. Ou seja, o fato de as pessoas não quererem morrer asfixiadas é sinal de que elas estão cansadas da própria vida. Mais do que uma lamentação, o subtexto dessas linhas de Agamben indicam uma convocação ao suicídio heroico. Que Francisco, um idoso com comorbidades, vá às ruas abraçar os infectados! Que as pessoas protestem contra o isolamento social! Só por meio de tais atos de “heroísmo” é possível demonstrar a superioridade da “vida qualificada” (bíos) sobre a “vida biológica” (zoé). O suicídio é uma celebração dos ritos, dos costumes, tradições e da liberdade. Enfim, é a celebração de tudo que está “além” da “mera” vida de ser vivo. Não demorou muito para que chamados como os de Agamben fossem escutados. Na Europa, em lugares como a Alemanha e Áustria, tal chamado foi escutado principalmente por neonazistas e pelo movimento antivacina, grupos organizaram protestos contra as políticas de isolamento social. Já no Brasil, esse “herói” Jim Jones idealizado por Agamben tem sua materialização quase perfeita na figura do presidente da República.

A convocação ao heroísmo suicidário foi feita de maneira menos polida por Bolsonaro, o presidente não possui o “dom da palavra” como o filósofo italiano. Mais ríspido e direto, Bolsonaro disse para um grupo de apoiadores: “é preciso enfrentar a doença como homem, pô, não como moleque” (FERRAZ, 2021). Em novembro de 2020 quando o Brasil já aparecia entre os países com o maior número de mortos, o presidente estimulava as pessoas a não cumprirem as regras de distanciamento estabelecida pelos governadores dos Estados. Em uma cerimônia oficial ele afirmou: “o Brasil tem que deixar de ser um país de maricas e enfrentar a pandemia de peito aberto” (GOMES, 2021). Essa convocação ao heroísmo suicidário parte da mesma premissa que Agamben: há algo mais importante que a “vida nua”, e uma sociedade que coloca a preservação da “vida biológica” acima de todas as prioridades é uma sociedade fraca, decadente. Em um evento em março de 2021, quando o governo federal deixava explícito que nenhuma atitude seria tomada para interromper o morticínio em curso, Bolsonaro disse para seu público: “aos que teimam em desunir lembre-se que existe algo mais importante que a própria vida, a liberdade” (MILITÃO, 2021).

III

Em uma avaliação crítica dos textos de Agamben sobre a pandemia, Martins defende que as análises do filósofo não seriam adequadas para o contexto brasileiro, devido a nossa história democrática “excepcional” (MARTINS, 2020). Todavia, ele entende que haveria algum valor na abordagem de Agamben para outros contextos. O valor da abordagem de Agamben seria o diagnóstico de que situações excepcionais favorecem o surgimento de um Estado de exceção. Ou seja, o mérito da abordagem de Agamben é um truísmo. Faz-se ausente uma fundamentação empírica por parte de Agamben, mostrando então que de fato a situação excepcional que vivemos se encaminha para um Estado de exceção permanente. Sem essa fundamentação empírica, esse truísmo de Agamben se converte em um discurso alarmista capaz de comprometer a saúde pública de qualquer lugar do mundo, e não só do Brasil. Sobra especulação e falta realismo.3 Aliás, esperaria mais realismo de um conterrâneo de Maquiavel que se dispõe a falar sobre política. Não obstante, para nós, a crítica que Agamben faz da biopolítica da pandemia não é equivocada por uma “falha de análise”, ou por um desconhecimento da história da democracia além das fronteiras da Europa. A análise é equivocada por partir de uma teoria equivocada. São frutos podres caindo de uma árvore podre.

Todo raciocínio seguido por Agamben desde Homo sacer até às teses apresentadas nos textos sobre a pandemia pode ser sintetizado de maneira rudimentar no seguinte silogismo: P- Toda biopolítica é ruim, sinônimo de opressão; p- Medidas sanitárias adotadas por diferentes governos durante a gestão da pandemia de coronavírus são uma manifestação da biopolítica; C- Logo, as medidas sanitárias adotadas na gestão da pandemia são ruins, opressivas. Mas o que faz da biopolítica algo ruim? O exemplo que Agamben dá do campo de concentração como máxima realização da biopolítica pode sugerir que essa pergunta é só uma elocubração filosófica desnecessária. Afinal, qualquer um que não tenha danificado suas intuições morais mais básicas consegue entender o que há de ruim com campos de concentração. Reconhecer o horror dos campos de concentração não é o problema. O primeiro problema é que o conceito de biopolítica de Agamben é tão impreciso que tamanha falta de rigor permite com que coisas totalmente distintas sejam agrupadas numa mesma classe. Isto é, a biopolítica é a institucionalização dos direitos humanos, mudanças nos marcos legais que definem quando uma pessoa veio a óbito, experiências com cobaias humanas em campos de concentração e medidas de distanciamento social. Tudo isso é ruim para o filósofo, pois são manifestações da biopolítica, a “captura da vida biológica pelo poder soberano do Estado”. Poderia ser dito que a biopolítica é ruim, pois, produz o homo sacer, a vida matável. Mas quem é o homo sacer da pandemia? Qual é a vida matável que se produz com medidas sanitárias de distanciamento social? Não há nenhuma preocupação por parte de Agamben em responder isso, pelo contrário, há uma defesa explícita de que determinadas “vidas são matáveis”. Em um total desrespeito com os mortos e os familiares, Agamben faz até as contas de quantas mortes são toleráveis para ele:

De acordo com comunicados oficiais à imprensa, os casos positivos de covid-19 na Itália em 28 de outubro totalizaram 617.000, dos quais 279.000 curados. As mortes são de 38.127 (o número refere-se ao número de positivos, independentemente da real causa da morte). Os positivos são, em sua grande maioria, aqueles que já se definiram como portadores saudáveis ​​(agora curiosamente chamados de "pacientes não sintomáticos"). A população italiana é de 60.391.000. Em 2017, 650.614 pessoas morreram na Itália (em 2019, 647.000). As mortes por doenças respiratórias em 2017 foram de 53.372. [...] De acordo com estudos científicos, a IFR (taxa de mortalidade por infecção ou taxa de mortalidade) para covid-19 é de cerca de 0,6% [...]. É com base nesses dados que as liberdades constitucionais foram suspensas, a população ficou apavorada, a vida social cancelada, a saúde mental e física dos homens seriamente ameaçada (AGAMBEN, 2021a, tradução nossa)

Para dizer claramente o que há de ruim com a biopolítica, Agamben não só necessitaria de um conceito mais rigoroso de biopolítica, mas precisaria também abandonar o “criptonormativismo”. O conceito de “criptonormativismo” é introduzido por Habermas (2000) em sua discussão acerca da análise do poder realizada por Foucault. Habermas entende que Foucault mantém ocultos, criptografados, os critérios normativos de sua crítica do poder. Embora o francês se levante contra o poder disciplinador das instituições modernas, ele não esclarece a partir de que critério tais instituições podem ser vistas como “ilegítimas”, “opressivas”. Na esteira desses apontamentos de Habermas, Nancy Frase avalia do seguinte modo a crítica foucaultiana do poder:

Por que a luta é preferível à submissão? Por que resistir à dominação? Somente com a introdução de noções normativas ele [Foucault] poderia começar a nos contar o que está errado com o regime moderno de poder/conhecimento, e porque devemos nos opor a ele (FRASER, 1981, p. 283, tradução nossa).

Não que o critério da crítica de Agamben à biopolítica não exista. Mas é preciso uma leitura atenta. Agamben parece escondê-lo, quase como se tivesse vergonha. Talvez ele pense que deixar claro os princípios normativos de uma teoria seja uma proposta de antiquados teóricos da justiça.

Para Frateschi, a perspectiva normativa que orienta a crítica de Agamben é, no final das contas, o liberalismo. Em outras palavras, o problema da biopolítica da pandemia é que o Estado viola nossas liberdades individuais em nome da segurança. A filósofa afirma que apesar da retórica messiânica de Agamben (quando, por exemplo, ele clama para a Igreja se rebelar contra a ciência e para o papa ir abraçar os contaminados), os textos do italiano “colocam as liberdades individuais no topo da escala de valores” (FRATESCHI, 2020). Entendemos que o que ocorre é justamente o contrário, o “liberalismo” de Agamben é um mero recurso retórico, e é no messianismo que encontramos o fundamento normativo que o filósofo dissimula.

Em Homo sacer Agamben defendeu que quando tomamos a biopolítica como referência, as concepções políticas tradicionais perdem a sua força. Em outras palavras, conceitos como liberalismo, conservadorismo, socialismo, totalitarismo e democracia tendem a se esvaziar. Afinal, tanto democratas e líderes totalitários, quanto liberais e socialistas recorrem à biopolítica para governar. Diante disso, não parece plausível que Agamben tenha qualquer compromisso com uma defesa do liberalismo. Além do mais, Agamben menospreza o que ele considera uma preocupação exagerada das sociedades modernas em se preservar a “vida biológica” ao custo de outros “valores mais nobres”, como os ritos, as tradições, os costumes (AGAMBEN, 2020, p. 18). E como é sabido, desde Locke a “vida biológica” figura entre os direitos naturais defendidos pelo liberalismo ao lado da liberdade e da propriedade. Isso é mais um motivo para vermos Agamben distante da tradição liberal. Contudo, de fato há nos textos do filósofo sobre a pandemia argumentos que poderiam ser classificados como liberais. O que então aqueles argumentos estão fazendo ali? Para respondermos isso é crucial lembrar de uma tese de Axel Honneth: a liberdade se tornou o valor mais importante das sociedades ocidentais (HONNETH, 2015). Podemos até discutir se é realmente o valor mais importante ou um dos mais importantes, não obstante, as mais diferentes concepções políticas modernas têm algo a dizer sobre a liberdade. Até os supremacistas brancos defendem a “sagrada liberdade” de serem racistas. A liberdade em Agamben não está ali como um princípio normativo que estrutura a sua crítica à biopolítica. Tal como uma seita que possui ensinamentos exotéricos e esotéricos, os “argumentos liberais” de Agamben são para os “não iniciados”, servem para mobilizar a revolta destes contra o poder opressivo da biopolítica. Mas, conforme se adentra no “círculo dos iniciados” desvela-se que o paraíso prometido por Agamben não é o liberalismo.

O filósofo italiano reconhece que do ponto de vista historiográfico não se sustenta a tese de que há uma profunda semelhança entre democracia e totalitarismo. No entanto, ele admite que estabelecer essa comparação lhe é útil para desobstruir o “campo em direção àquela nova política que ainda resta em grande parte inventar” (AGAMBEN, 2002, p. 18). Essa nova política não seria pautada pela biopolítica. Mas em que consiste essa nova política? Agamben dá pistas disso em um livro que antecede Homo sacer, uma coletânea de pequenos ensaios intitulada A comunidade que vem. Nesse livro pode-se vislumbrar como toda a crítica à biopolítica feita pelo filósofo está fundada no messianismo. Vejamos.

O conceito de “comunidade que vem” ou “política que vem” já mostra a recusa de Agamben em nomear a perspectiva normativa que adota para criticar a biopolítica. Ele não rejeita a biopolítica em nome do liberalismo, do socialismo, da democracia, da justiça, dos direitos humanos. Ele rejeita a biopolítica em nome da “comunidade que vem”. Se o filósofo é lacunar ao nomear sua perspectiva política, mais lacunar ainda ele é ao defini-la. Ele conceitua a “comunidade que vem” como um “qualquer”. Após apresentar essa oracular definição que é construída por meio de truncados diálogos com a ontologia medieval, o filósofo se dispõe a exemplificar a “comunidade que vem”. Para Agamben, melhor que conceituar, o exemplo é a forma mais adequada de “dizer” o que é “a comunidade que vem”. Em um desses exemplos Agamben é mais uma vez oracular: “Tricksters, ou vagabundos, ajudantes ou personagens de cartoons, eles são os exemplos da comunidade que vem” (AGAMBEN, 2013, p. 9). Mas são exemplos retirados da mitologia judaico-cristã que mais agradam Agamben nessa sua proposta de dizer com o que se parece “a comunidade que vem”.

O limbo é o primeiro desses exemplos da mitologia judaico-cristã utilizado por Agamben. O filósofo recorre a imagem do limbo tal qual foi apresentada por Tomás de Aquino. O limbo seria o local para onde vão as “almas puras”, como as crianças que morreram antes de serem batizadas. No limbo não há recompensa nem punição. Os que vivem no limbo não são nem bem-aventurados nem condenados. O habitante do limbo vive uma espécie de “alegria natural”. Contudo, aquele que habita o limbo está privado da visão e da presença de Deus. A comunidade que vem tem um “quê” de limbo, pensa Agamben, um “quê” de “alegria natural”, seja lá o que o filósofo entenda por isso. Outro exemplo do imaginário religioso usado pelo filósofo italiano é o Sabá judaico. No judaísmo o Sabá é o dia do descanso, no qual se deve abdicar de realizar qualquer trabalho. O Sabá é ao mesmo tempo uma celebração da libertação dos judeus do Egito e uma referência ao dia em que Deus descansou depois de criar o mundo. Mas, além disso, o Sabá seria uma espécie de experiência de como será o mundo na Era Messiânica, isto é, a era que começa depois da vinda do Messias. A comunidade que vem se assemelha a Era Messiânica do judaísmo. Diz Agamben, “não o trabalho, mas a inoperosidade e a descrição são, nesse sentido, o paradigma da política que vem” (AGAMBEN, 2013, p. 70).4 Por fim, Agamben também recorre à experiência religiosa do êxtase para dar indícios do que seria essa “comunidade que vem”. O filósofo aponta que nessa comunidade que vem há “a experiência do limite mesmo, o ser dentro de um fora” (AGAMBEN, 2013, p. 42). Trata-se aqui da ideia do transe religioso, da experiência de sentir ao mesmo tempo fora de si, mas em comunhão com algo (a natureza, Deus, uma consciência coletiva).

A superação da biopolítica, a superação dessa sociedade na qual a “vida biológica” é capturada pelo poder do Estado, seja por meio da promulgação de políticas de saúde pública, seja por meio da institucionalização dos direitos humanos, só se dará com o advento desse deus inominável: a comunidade que vem. Assim pensa Agamben. E os melhores exemplos do que seria essa “comunidade que vem” são: o lugar para onde vão crianças mortas não batizadas, trambiqueiros e personagens de desenhos animados, além da Era que se dará com a vinda de Cristo. É em nome disso que a “mera” vida biológica deve ser sacrificada. A exposição à um vírus mortal durante uma pandemia é um ato de “resistência” contra a biopolítica, mas também é uma invocação do Messias de Agamben por meio de um ritual sacrificial. O holocausto pandêmico abre caminho para “comunidade que vem”, para uma nova política fundada na “inoperosidade”.

O apelo de Agamben ao messianismo para criticar a biopolítica e também a democracia não é uma estratégia original. Iniciativas desse tipo encontramos desde o século XIX com a crítica do romantismo ao iluminismo. “Nesse contexto, merece destaque o fato de que Dionísio, o deus conspirador do êxtase, da loucura e das metamorfoses incessantes passa por uma surpreendente revalorização no primeiro romantismo” (HABERMAS, 2000, p. 132). O messianismo dos românticos é dionisíaco. Decisivo é “o fato de que Dionísio, enquanto deus que está por vir, pôde atrair as esperanças de redenção” (HABERMAS, p. 132). Para os românticos, trata-se de uma redenção da sociedade moderna, que graças ao iluminismo, se tornou “racional demais”, “fria demais”, cindindo os laços sociais e apartando o humano de si mesmo. O retorno de Dionísio simboliza uma redenção dessa sociedade por meio da experiência estética, por meio da arte, da religião, da tradição, da sensação de pertencimento a uma totalidade. Cabe lembrar que na mitologia grega “Dionísio distingue-se de todos os outros deuses gregos como o deus ausente, cujo regresso ainda está por acontecer” (HABERMAS, 2000, p. 133). Agamben não é original nem ao recuperar o messianismo romântico a partir das bases judaico-cristãs. Pois, o fato de Dionísio ser também reconhecido como o deus do pão e do vinho fez com que Hölderlin o comparasse com a figura de Cristo (HABERMAS, 200, p. 133). O “culto” dos românticos a Dionísio está nas origens de uma interpretação filosófica da história fundada na expectativa da “grande redenção” do Ocidente. Tal interpretação permaneceu bastante influente até Heidegger. O heideggeriano Agamben retoma esse modo de olhar para a história. Doravante, quando nos textos sobre a pandemia Agamben nos a uma rebelião contra a biopolítica, o que o filósofo espera é que tal revolta desencadeie o aparecimento desse deus ex machina que trará a redenção.

Para concluir, gostaríamos de chamar a atenção para três pontos. Em primeiro lugar, procuramos mostrar quais são os fundamentos da crítica de Agamben à biopolítica da pandemia, entendida aqui como o conjunto de medidas de saúde pública adotadas por países que buscaram conter a disseminação do coronavírus. Em segundo lugar, ressaltamos que esse texto leva a sério o que os filósofos dizem. Alguns acadêmicos podem considerar os textos de Agamben como uma “polêmica” menor dentro da obra do filósofo, como se estivéssemos falando sobre uma declaração infeliz de alguma celebridade da internet. Filósofos quando fazem uso da “razão pública” querem influenciar uma “opinião pública” que exerce pressão sobre as decisões dos governantes. Deste modo, é necessário investigar quais seriam as consequências práticas dessa “opinião pública” que teses como a do filósofo ajudam a moldar. Por fim, podemos ver que o Brasil se tornou um laboratório a céu aberto para verificar o que ocorre quando as teses de Agamben são levadas a sério na gestão de uma pandemia. Quando ideias como as de Agamben são publicadas no Twitter, a consequência mais imediata pode ser receber a seguinte sinalização da rede social: “Este Tweet violou as Regras do Twitter sobre a publicação de informações enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas à Covid-19”. No entanto, quando ideias como essas são aceitas por um presidente da República, isto é, o principal responsável pela coordenação das políticas de combate a pandemia, o que temos é um cenário de tragédia humanitária: mais de meio milhão de mortos, pessoas morrendo sem oxigênio nos hospitais, falta de medicamentos para sedar pacientes intubados, falta de vacinas e um constante aparecimento de novas variantes do vírus, transformando assim o país numa ameaça global

Referências

AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

AGAMBEN, Giorgio. Alcuni dati. Disponível em: <https://www.quodlibet.it/giorgio-agamben-alcuni-dati> Acesso em: 17 de mar. 2021a.

AGAMBEN, Giorgio. Due vocaboli infami. Disponível em: < https://www.quodlibet.it/giorgio-agamben-due-vocaboli-infamii> Acesso em: 17 de mar. 2021b.

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Editora Boitempo, 2004.

AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.

AGAMBEN, Giorgio. O mistério do mal. São Paulo: Editora Boitempo, 2014.

AGAMBEN, Giorgio. O rosto e a morte. Disponível em: < http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/608961-o-rosto-e-a-morte-artigo-de-giorgio-agamben> Acesso em: 09 de mai. 2021c.

AGAMBEN, Giorgio. Reflexões sobre a peste. São Paulo: Editora Boitempo, 2020.

ALVES, Ana Rosa. Associação judaica dos EUA exige que Araújo se desculpe por comparar isolamento social a campos de concentração nazistas. O Globo. Disponível em <https://oglobo.globo.com/mundo/associacao-judaica-dos-eua-exige-que-araujo-se-desculpe-por-comparar-isolamento-social-campos-de-concentracao-nazistas-24400266>. Acesso em 17 de mar. 2021.

AMARAL, Luciana. Bolsonaro: Se Estado avança sobre liberdade individual, dificilmente recua. UOL. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/12/12/bolsonaro-se-estado-avanca-sobre-liberdade-individual-ificilmente-recua.htm>. Acesso em: 17 de mar. 2021.

ARCANJO, Daniel. Relembre o que Bolsonaro já disse sobre a pandemia, de gripezinha e país de maricas a frescura e mimimi. Folha de São Paulo. Disponível em: <https://folha.com/ml8ndizj>. Acesso em: 17 de mar. 2021.

BERGAMO, Mônica. OAB se mobiliza contra Estado de Sítio e já prepara parecer. Folha de São Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/03/apoio-de-bolsonaristas-a-estado-de-defesa-preocupa-partidos-e-mobiliza-a-oab.shtmlj>. Acesso em: 17 de mar. 2021.

CHADE, Jamil. Bolsonaro é denunciado em Haia por genocídio e crime contra humanidade. UOL. Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/07/26/bolsonaro-e-denunciado-no-tribunal-de-haia-por-crimes-contra-humanidade.htm>. Acesso em: 17 de mar. 2021.

EL PAÍS. Leia a íntegra do discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-22/leia-a-integra-do-discurso-de-bolsonaro-na-ssembleia-geral-da-onu.html>. Acesso em: 17 de mar. 2021.

FERRAZ, Adriana. Bolsonaro diz que é preciso 'enfrentar vírus como homem e não como moleque'. UOL. Disponível: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/03/29/bolsonaro-diz-que-e-preciso-enfrentar-virus-como-homem-e-nao-como-moleque.htm> Acesso em: 17 de mar. 2021.

FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.

FRASER, Nancy. Foucault on modern power: empirical insights and normative confusions. Praxis international, n. 3, p. 272-287, 1981.

FRATESCHI, Yara. Agamben sendo Agamben: o filósofo e a invenção da pandemia. Blog da Boitempo. Disponível em: < https://blogdaboitempo.com.br/2020/05/12/agamben-sendo-agamben-o-filosofo-e-a-invencao-da-pandemia/> Acesso em: 17 de mar. 2021.

GOMES, Pedro Henrique. Brasil tem de deixar de ser 'país de maricas' e enfrentar pandemia 'de peito aberto', diz Bolsonaro. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/11/10/bolsonaro-diz-que-brasil-tem-de-deixar-de-ser-pais-de-maricas-e-enfrentar-pandemia-de-peito-aberto.ghtml> Acesso em: 17 de mar. 2021.

HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

HONNETH, Axel. direito da liberdade. São Paulo: Martins Fontes, 2015.

MARTINS, Ricardo Evandro Santos. O vírus neoliberal no Brasil e a polêmica com Giorgio Agamben. Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, Belém, v. 11, 2020.

MILITÃO, Eduardo. 'Existe algo a perder mais importante que a própria vida', diz Bolsonaro. UOL. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/03/09/existe-algo-a-perder-mais-importante-que-a-propria-vida-diz-bolsonaro.htm> Acesso em: 17 de mar. 2021.

STRUCK, Jean-Philip. Bolsonaro usa pesquisa alemã distorcida para criticar uso de máscaras. DW. Disponível em: < https://p.dw.com/p/3pwcT> Acesso em: 09 de mai. 2021.

TAVARES, Maria Hermínia. Os fantasmas do chanceler. Folha de São Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/01/os-fantasmasdo-chanceler.shtml> Acesso em: 17 de mar. 2021.

VALENCIA, Alejandro Milán. Coronavírus: por que os japoneses já usavam máscaras muito antes da covid-19. BBC. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53452695#:~:text=Eles%20adotaram%20o%20uso%20de,do%20governo%22%2C%20conclui%20Sand.> Acesso em: 09 de mai. 2021.

Notas

2 Incomodado com as inúmeras críticas que recebeu, Agamben usou a carta do “antissemitismo” para tentar constranger seus críticos. Para ele, quem banaliza o uso do termo “negacionismo”, que tradicionalmente foi usado para designar aqueles que negavam a existência do Holocausto, está inconscientemente endossando o antissemitismo (AGAMBEN, 2021b). Soa como cinismo tal acusação vinda do autor que banalizou a experiência do campo de concentração, se referindo a tal lugar como o paradigma da política contemporânea, ao ponto de ver campos de concentração até em salas de detenção de aeroportos franceses (AGAMBEN, 2004, p. 181).

3 Um olhar pormenorizado da realidade mostra que quem deseja instituir um Estado de exceção pode aproveitar a situação excepcional de diversas formas. Vejamos o caso brasileiro. O país vive desde o início da pandemia um quadro de constante ameaça de golpe de Estado por parte do presidente e seus apoiadores, estes almejam instituir um verdadeiro Estado de exceção. E aqui não se trata de aproveitar as medidas de distanciamento social para controlar as pessoas, prendendo-as em suas casas. O presidente da República é contra a prática do “lockdown” ou até mesmo a limitação do horário de funcionamento do comércio. Quem tem adotado essas medidas são governadores e prefeitos do país. Diante dessa situação o presidente chegou a sugerir que poderia decretar Estado de sítio para impedir as medidas de distanciamento adotadas pelos governadores. Ou seja, o Estado de exceção não é instituído em nome do distanciamento social, mas contra o distanciamento social.

4 Em O mistério do mal, livro que Agamben celebra a “grande recusa” de Bento XVI, isto é, a renúncia de Joseph Ratzinger ao papado, o filósofo italiano procura explicar os motivos da decisão do papa. Nesse texto Agamben sustenta que a decisão de Ratzinger é baseada na escatologia, isto é, no estudo cristão do “fim dos tempos”. Assim, Agamben recupera aqui mais uma vez o tema do messianismo, visto que, para o filósofo, a decisão de Bento XVI foi motivada uma compreensão teológica de que tal renúncia permitiria uma “aceleração” do retorno do Messias. Contudo, o que nos interessa nessa discussão é como Agamben recupera a ideia de “inoperosidade” da Era Messiânica. Aqui a “inoperosidade” não é apresentada somente como uma “inoperosidade do trabalho. Trata-se também de uma Era de “inoperosidade da lei” e de “ilegitimidade de todo poder”. E ainda afirma: “É, segundo toda evidência, o que está acontecendo hoje sob nossos olhos, quando os poderes estatais agem abertamente fora da lei” (AGAMBEN, 2014, p. 28). Ou seja, Agamben surpreendentemente sugere que já estaríamos vivendo a Era Messiânica. Isso significa que a “comunidade que vem” já veio? Isso significa que o paradigma da Era Messiânica, da nova política, é o paradigma da exceção? É o paradigma da biopolítica? Difícil encontrar uma resposta lógica para isso no texto de Agamben. Até porque Agamben não parece falar para aqueles que têm o “péssimo” hábito de exigir razões. O filósofo fala para devotos, para fiéis que interpretam a política global por meio da escatologia cristã. Prática que, inclusive é recorrente entre os apoiadores mais delirantes de Bolsonaro. Agamben se satisfaz em apontar o caráter contraditório da Era Messiânica, afirmando que ela é um “já” e um “ainda não” (AGAMBEN, 2014, p. 29).

Material suplementario
Notas
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por Redalyc