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Quando devemos silenciar outras pessoas: a dimensão positiva do silenciamento epistêmico
Rodrigo Gottschalk Sukerman Barreto
Rodrigo Gottschalk Sukerman Barreto
Quando devemos silenciar outras pessoas: a dimensão positiva do silenciamento epistêmico
When we ought silence other people: the positive dimension of epistemic silencing
Griot: Revista de Filosofia, vol. 22, núm. 1, pp. 168-185, 2022
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
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Resumo: Neste artigo, analisamos a dimensão positiva dos silenciamentos para as práticas epistêmicas. Uma vez que: (a) o silenciamento refere-se a um impedimento comunicativo; e (b) ao menos parte de nossa agência epistêmica depende desta capacidade para que nos expressemos e nos façamos entender, caberia concluir que (c) os silenciamentos, necessariamente, prejudicam as nossas interações epistêmicas. Contudo, Barrett Emerick (2019) nos lembra que, em certos casos, o silenciamento ajuda a preservar a integridade e dignidade daqueles que têm sua agência epistêmica violada. Baseados neste insight inicial, elencamos três premissas que culminaram na justificativa para silenciarmos outras pessoas: (1) silêncios epistêmicos decorrem de processos sócio-históricos e das relações de poder que os permeiam; (2) os limites das agências epistêmicas são estabelecidos por meio de normas e convenções sociais que afetam de diferentes maneiras as identidades; e, (3) a dignidade da pessoa humana deve ser o critério para estabelecer os limites entre o que deve ou não ser dito. Considerando que para agirmos da maneira correta não precisamos apenas de justificativas, mas também saber o momento adequado de agir, defendemos que a concepção aristotélica de virtude da sensatez (phronesis) fará com que saibamos quando devemos silenciar outras pessoas.

Palavras-chave:SilenciamentoSilenciamento,Injustiças EpistêmicasInjustiças Epistêmicas,Dignidade da Pessoa HumanaDignidade da Pessoa Humana,PhronesisPhronesis.

Abstract: In this article, we will analyze the positive dimension of silencing for epistemic practices. Since: (a) silencing refers to a communicative impediment; and (b) at least in part our epistemic agency depends on this ability to express and make ourselves understood, it would be possible to conclude that (c) silencing necessarily harms our epistemic interactions. However, Barrett Emerick (2019) reminds us that in some cases silencing helps to preserve the integrity and dignity of those whose epistemic agency is violated. Based on this initial insight, we listed three premises that culminated in the justification for silencing other people: (1) epistemic silences stem from socio-historical processes and the power relations that permeate them; (2) the limits of epistemic agencies are established through social norms and conventions that affect identities in different ways; and, (3) the dignity of the human person must be the criterion for establishing the limits between what should or should not be said. Considering that in order to act correctly it is necessary not only the justifications for acting, but also the appropriate occasion, we defend that practical wisdom (phronesis) is the proper virtue for individuals, groups and institutions to know when to silence other people.

Keywords: Silencing, Epistemic Injustices, Dignity of the Human Person, Phronesis.

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Artigos

Quando devemos silenciar outras pessoas: a dimensão positiva do silenciamento epistêmico

When we ought silence other people: the positive dimension of epistemic silencing

Rodrigo Gottschalk Sukerman Barreto1
Universidade Federal da Bahia, Brasil
Griot: Revista de Filosofia, vol. 22, núm. 1, pp. 168-185, 2022
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Recepción: 02 Septiembre 2021

Aprobación: 12 Febrero 2022

Introdução

Em 2019, Barrett Emerick publicou um artigo intitulado “The Violence of Silence” (EMERICK, 2019). Indo além das posições comumente defendidas na recente literatura filosófica das injustiças epistêmicas (DOTSON, 2011; FRICKER, 2007; MEDINA, 2013) e na abordagem feminista da teoria dos atos de fala (LANGTON, 1993; HORNSBY, 2003), Emerick explora o uso abrangente e pragmático da expressão “silenciamento”, englobando, inclusive, os casos que podemos considerar o silenciamento como algo moral e epistemicamente justificável. Por exemplo, um professor que impede seus alunos de usarem argumentos sexistas em sala de aula, está moralmente justificado em fazê-lo – qual seja, o de preservar a integridade e dignidade daqueles que têm sua agência epistêmica violada devido ao seu gênero. Concordamos com Emerick em relação a sua proposta de usar uma definição mais abrangente de silenciamento. Consideramos que explorar os silêncios a partir de uma perspectiva mais ampla pode revelar outros mecanismos e estratégias que operam por meio deles sem predefini-los como algo pernicioso.

Tomando como ponto de partida os aspectos positivos e negativos dos silenciamentos, temos como objetivo oferecer um modelo de identificação de silêncios nas práticas epistêmicas que nos permita avaliá-los como justificáveis ou não-justificáveis. Para isto, elencamos três premissas que culminaram na justificativa para silenciarmos outras pessoas: (1) silêncios epistêmicos decorrem de processos sócio-históricos e das relações de poder social que os permeiam; (2) os limites das agências epistêmicas são estabelecidos por meio de normas e convenções sociais que afetam de diferentes maneiras as identidades; e (3) a dignidade da pessoa humana deve ser o critério para estabelecer os limites entre o que deve ou não ser dito. Considerando que para agirmos da maneira correta não precisamos apenas de justificativas, mas também saber o momento adequado de agir, defenderemos que a concepção aristotélica de virtude da sensatez (phronesis) 2fará com que saibamos quando devemos silenciar outras pessoas.

Situando os silêncios epistêmicos

Recentemente, o tema do silenciamento tem ganhado atenção dentro da epistemologia social, principalmente, nas discussões sobre as injustiças epistêmicas. Grosso modo, injustiças epistêmicas referem-se a um tipo de injustiça causado pelo déficit ou excesso3 de credibilidade oferecido à autoridade epistêmica de pessoas ou instituições. Assumindo que a maior parte das coisas que conhecemos depende do que outras pessoas nos dizem, ao criarmos obstáculos ou facilitadores indevidos, construímos condições propícias para o cultivo da ignorância (ALCOFF, 2007). Sendo assim, o silêncio de determinadas vozes tem sido apresentado como uma consequência indesejável desse tipo de específico de injustiça.

O silenciamento é o ato de impor silêncio. No que concerne às nossas práticas comunicativas, o silenciamento significa impedir que alguém se comunique (EMERICK, 2019). A comunicação, por sua vez, é o modo pelo qual tornamos uma mensagem pública, seja vocalizando, escrevendo, representando, gesticulando, ou de algum outro modo por meio do qual consigamos expressar para uma audiência um conteúdo significativo. Enquanto agentes epistêmicos, dependemos das nossas capacidades comunicativas para expressar as nossas crenças, responder aos desafios que nos são colocados, nos fazer entender diante das múltiplas possibilidades de interpretação, ou, de modo mais abrangente, “utilizar recursos epistêmicos compartilhados de forma persuasiva dentro de uma determinada comunidade de conhecedores, a fim de participar da produção de conhecimento e, se necessário, da revisão desses mesmos recursos” (DOTSON, 2014, p.115). Sermos impedidos de nos comunicar, no sentido apresentado acima, é um obstáculo para o pleno usufruto da nossa agência epistêmica e, portanto, não deve permear as nossas práticas de produção de conhecimento.

Não por acaso, filósofas e filósofos contemporâneos têm empreendido esforços em avaliar e oferecer explicações sobre o mecanismo dos silenciamentos perniciosos, sejam eles derivados do déficit ou excesso de credibilidade ofertado a determinadas identidades ou das lacunas interpretativas que faz com que algumas pessoas não consigam se expressar e serem entendidas (FRICKER, 2007; MEDINA, 2013), de uma ignorância confiável perniciosa (DOTSON, 2011) ou de vícios epistêmicos, como a arrogância intelectual (GOLDBERG, 2016; TANESINI, 2016). Afinal, para que conduzamos as nossas interações cognitivas com alguma garantia de que os esforços coletivos produzam bens epistêmicos como a verdade, o conhecimento ou o entendimento, devemos remover os obstáculos que obstruem nossas performances epistêmicas – por exemplo, nos desfazendo de preconceitos e dando a devida credibilidade que um sujeito merece enquanto conhecedor e com base no que se entende por dignidade da pessoa humana4(o que será discutido mais adiante) (KANT, 2013).

Corroborando com essa ideia, ao levarmos em conta as desigualdades sociais que fundaram parte significativa das sociedades contemporâneas, é provável que a maioria dos silenciamentos esteja, de fato, associada a violações das expectativas normativas das trocas epistêmicas – por exemplo, a falta de reciprocidade, responsividade ou prestação de contas oferecida aos grupos marginalizados. Sendo assim, caso a natureza do silenciamento diga respeito a violações normativas, os silêncios, em si, seriam perniciosos para as práticas epistêmicas. No entanto, não é tão óbvio que toda imposição de silêncio seja uma violação da agência epistêmica de pessoas e instituições.

Em outra direção, Emerick (2019) sugere que abordemos o silenciamento a partir dos seus efeitos pragmáticos, avaliando-os caso a caso e sem que correspondam a mecanismos epistemicamente perniciosos ou vícios intelectuais. À primeira vista, essa interpretação pode parecer arriscada, pois sugere que temos o direito de cercear a liberdade de expressão e opinião de outras pessoas. Como a liberdade individual é condição para desenvolvermos nossa autonomia intelectual (a possibilidade de sermos escolhedores), toda ação que viole essa condição, em princípio, é um contrassenso.

Por outro lado, a vida cotidiana parece não corroborar com essa posição, pelo contrário, a ação de impedir a propagação de mensagens é relativamente comum e, em algumas situações, parece ser um dever moral silenciar determinadas mensagens. Por exemplo, como autoridade em sala de aula, é moral e epistemicamente desejável que um professor refreie alunos que defendem posições baseadas em premissas classistas, sexistas ou racistas – “ele é pobre porque é preguiçoso”, “mulheres não são capazes de entender ciências duras” ou “mulheres negras se colocam como vítimas para conseguir benefícios do governo”. Em um diálogo racional ou em deliberações coletivas, esperamos que nossos julgamentos sobre os eventos do mundo não estejam fundamentados em preconceitos e estereótipos (assim como não devemos formar nossas crenças sobre as horas com base em um relógio quebrado), buscamos dados objetivos e fatos que nos ajudem a sustentar nossos argumentos e esperamos que nossos interlocutores façam o mesmo.

Antes de discutir mais detidamente os casos em que estaríamos legitimados a silenciar outras pessoas, precisamos ter uma imagem geral do que o silêncio e o silenciamento podem representar. Aidan Russell (2019) traz uma posição clara dos papéis que os silêncios e o silenciamento podem desempenhar em diversas circunstâncias das nossas experiências sociais:

[…] o silêncio é uma ausência na fala de um indivíduo, uma suspensão das palavras ou das coisas que ele não diz. O conceito de silêncio, por outro lado, também evoca omissões coletivas, coisas que ninguém vai dizer. Pode ser uma questão de etiqueta e delicadeza, ou de desconforto ou determinação para evitar palavras problemáticas, ou de tristeza, terror ou dor inexprimível de qualquer outra forma. Pode ser a ausência literal de quaisquer palavras, ou pode ser a elisão de um assunto ou uma voz ou uma história em meio a conversas intermináveis ​​de outras coisas. Pode ser um verbo ativo – o silenciamento de outras pessoas ou o silenciamento de uma verdade, opinião, observação ou experiência particular. Pode ser um ato de negação ou um ato de proteção, encontrar refúgio em palavras que não foram ditas. Pode ser uma cicatriz, o sinal externo de uma ferida aberta ou pode ser o único espaço possível de cura. Pode ser um ato de poder, seja imposto a outros ou adotado por si mesmo, uma ferramenta de dominação ou uma arte de resistência, ou um espaço muito mais ambíguo de engajamento e desapego entre eles. (RUSSELL, 2019, p.1)

Resumidamente, devemos ter em mente que não existe um tipo de silêncio, mas vários. Isto significa que uma simplificação binária entre aqueles que podem falar e os que não podem, ou o que pode ou não ser dito, não compreende de modo suficientemente adequado a complexidade que os silêncios representam. Antes disso: “devemos tentar determinar as diferentes maneiras de não dizer tais coisas, como são distribuídos aqueles que podem e aqueles que não podem falar deles, que tipo de discurso é autorizado ou que forma de discrição é exigida em cada caso” (MEDINA, 2004, p.563). Nesta passagem e ao longo do artigo “Meanings of Silence”, Medina ampara-se na noção wittgnesteiniana de “jogos de linguagem” para nos chamar atenção para o fato de que: (1) os significados e a intenção que desejamos expressar a partir dos nossos atos de fala recebem os seus sentidos a partir das nossas práticas da vida [life-praxis]); (2) uma análise filosófica da linguagem exige a elucidação das nossas performances linguísticas enquanto agentes (o que fazemos ou deixamos de fazer por meio da linguagem); e, o fato de que (3) usamos a linguagem com base em expectativas normativas (tácitas ou explícitas) que tornam determinadas performances adequadas ou não, “movimentos corretos e incorretos dentro do jogo” (MEDINA, 2004, p.563-564). Quando colocadas dentro de um contexto considerando as possíveis interseccionalidades “devidamente situadas”, dizer ou não dizer coisas podem significar ação ou inação, aceitação ou recusa, atenção ou falta de vontade em ouvir, condescendência ou desacordo, um estado de prazer ou de profunda dor.

A partir desse escopo, é notável que algumas pessoas e grupos, a depender do contexto, podem ter a sua capacidade de fazer, não fazer ou desfazer coisas por meio das suas palavras “significativamente diminuídas e, em alguns casos, até mesmo negada” (MEDINA, 2004, p.567). Dito de outro modo, algumas identidades são excluídas da possibilidade de participarem de determinados “jogos de linguagem” – ou seja, de usufruírem plenamente da sua agência discursiva dentro das expectativas de alguns dos seus interlocutores. O que está em questão é que os “espaços simbólicos” e as “perspectivas discursivas” que membros de diferentes grupos compartilham entre si, podem diferir dos espaços simbólicos e perspectivas discursivas já socialmente estabelecidos de tal modo, que alguns discursos podem ser prontamente acolhidos ou serem parcial ou completamente ignorados (MEDINA, 2004, p.571). Em alguns casos, essa interação pode ocasionar a exclusão e os silêncios radicais (a impossibilidade de terem as palavras inteligidas) das vozes marginalizadas.

Um caso paradigmático desse tipo de silenciamento é trazido por Rae Langton (1993) que é o da recusa das mulheres às investidas sexuais dos homens. De modo sucinto, ela defende que quando uma mulher diz “não” às investidas sexuais dos homens e, ainda assim, as suas intenções comunicativas são frustradas, as mulheres são ilocutoriamente silenciadas. O argumento se estrutura do seguinte modo: enquanto emissores, necessitamos que nossos interlocutores reconheçam as nossas intenções comunicativas. Ao dizer “não”, diante de uma investida sexual, há uma expectativa comunicativa de que o interlocutor entenda o que está sendo dito como um ato de recusar. Na medida em que o ato de recusar é distorcido ou não levado a sério pelos homens, a agência discursiva das mulheres é diminuída ou negada, isto é, a dimensão ilocutória dos atos de fala é impedida de se tornarem ações no mundo. Desse modo, mulheres são objetificadas diante da primazia do desejo masculino, logo, não há reciprocidade, nem um reconhecimento mínimo das intenções das mulheres.

É importante observarmos que, ao trazer esse caso em específico, Langton aponta a violência de determinados comportamentos e formas de entender as mulheres – um conjunto de normas e performances naturalizadas pelos grupos de homens. Os argumentos da Langton se dirigirem aos discursos que a pornografia promove, mas se dirige, mais amplamente, ao imaginário social5 que fazem com que homens entendam que o ato de recusar da mulher é apenas parte de um “jogo sexual”. Dentro desse jogo, “certos movimentos são apropriados porque as mulheres querem ser estupradas, legitima[ndo] a violência” (LANGTON, 1993, p.323-324).

Tornar discursos legítimos, significa criar condições de felicidades e infelicidade para práticas discursivas, ainda que essas práticas sejam morais ou epistemicamente reprováveis – que ofendam e violem a integridade das pessoas, promovam o cultivo da ignorância ou um ambiente de desconfiança acerca daquilo que outras pessoas nos dizem. Sendo uma prática amplamente difundida, corre-se o risco de legitimar determinados “espaços simbólicos” e, em contraste, deslegitimar outros, além de valorizar desproporcionalmente determinadas “perspectivas discursivas”, em comparativa e contrastivamente com outras (MEDINA, 2011, p.18). Desse modo, criamos ambiente ou espaços relacionais permeados por mecanismos e estratégias silenciadoras baseadas em ignorâncias perniciosas. Segundo Kristie Dotson, a ignorância confiável perniciosa refere-se “a um tipo de incompetência contrafactual em relação a algum domínio do conhecimento.” (DOTSON, 2015, p. 242). Isto é, um agente epistêmico que sofre um desajuste em sua competência em rastrear sobre determinado, de modo que: se p for falso, ele ainda acreditaria em p, ou, caso fosse verdadeiro, ele não acreditaria que p.

Apesar de haver entendimentos hegemônicos (aqueles que validam ou desvalidam o que a maioria das pessoas deve assumir como verdadeiro sobre determinado assunto), eles não são os únicos possíveis. Existem perspectivas soterradas e periféricas, pequenos grupos que compartilham suas experiências pessoais, as suas necessidades e preocupações, que resistem às violências sofridas e tentam criar fissuras nas estruturas dominantes. A partir de “outros lugares”, temos a nossa agência reconhecida e nossas palavras apropriadamente entendidas (MEDINA, 2004, p.567).

Quando Miranda Fricker definiu a injustiça hermenêutica como uma “distorção nos recursos hermenêuticos compartilhados” (FRICKER, 2007, p.148), ela a exemplificou a partir das experiências de agressão e insinuações sexuais vividas por Carmita Wood e do trabalho que as suas advogadas empreenderam para tornar aquela experiência de violência inteligível para sociedade norte-americana. Wood era uma funcionária do instituto de física nuclear que sofria, contra a sua vontade, constantes investidas sexuais de seu chefe. A situação ocorreu no contexto norte-americano dos anos 70, onde “não havia conversa cultural – muito menos estrutura legal – em torno do que ela estava vivenciando” (ARON, 2017). Além de sofrer toda dor e humilhação dessa experiência, ela não teve nenhum amparo legal que a acolhesse ou a indenizasse. Com a ajuda de um grupo de advogadas e ativistas feministas, elas cunharam o termo “assédio sexual”, termo que designava os abusos e importunos sexuais que Wood e várias outras mulheres relatavam sofrer nos mais variados contextos de suas vidas.

Para Fricker, essa lacuna interpretativa das experiências sociais vivida pelas mulheres, foi justiçada ou, ao menos, epistemicamente restaurada, a partir da produção de um recurso hermenêutico que pode trazer ao debate público a situação de violência e opressão que esse tipo de importuno causava às mulheres. O argumento de Fricker contempla a perspectiva daqueles que sofreram o esvaziamento das suas experiências pessoais e as lutas que tornaram as suas vozes audíveis. Contudo, a perspectiva dos opressores e o mecanismo utilizados para silenciá-las não é a ênfase dada por ela. Autores que discutem epistemologia da ignorância colocam que a naturalização de comportamentos violentos parte de estratégias e mecanismos que visam a garantir a sua situação de privilégio – a sua posição hierárquica e a não necessidade de cumprir as expectativas das interações linguísticas e epistêmicas (legitimar o não cumprimento de normativas

Na próxima seção, analisaremos como o poder e o privilégio contribuem para formação de vícios intelectuais e com a violência epistêmica contra grupos.

Ignorância derivada de privilégios e suas consequências: vícios intelectuais e discursos de ódio

Nesta seção, argumentaremos que a ignorância ativa, somada ao privilégio social de alguns grupos, produz condições para que seus detentores se sintam eximidos das suas responsabilidades epistêmicas e desfrutem de vantagens ilegítimas. Concluímos que esses contextos prefiguram as condições para a efetivação do silenciamento pernicioso.

É comum considerarmos apenas os aspectos passivos da ignorância, isto é, aqueles atribuídos à “ausência de crenças verdadeiras” ou à “presença de uma crença falsa” (MEDINA, 2016, p.191). Essas características até podem constituir aquilo que comumente chamamos de ignorância, porém, essa definição não contempla suficientemente a extensão que o conceito de ignorância abrange. Uma ignorância de tipo passivo é facilmente solucionável, pois se faltam crenças verdadeiras ou se há crenças falsas, basta que surjam crenças verdadeiras para que as falsas sejam rechaçadas. Em outro sentido, quando há um mecanismo que distorce a percepção do receptor sob o que está sendo dito, ou, para que, minimamente, ele reconheça que o emissor tenta transmitir uma crença como verdadeira, existe um tipo de resistência ao conhecimento – uma resistência em pensar sobre outra perspectiva. Ou seja, se trata de uma ignorância “não como uma característica da prática epistêmica negligente, mas como uma prática epistêmica substantiva em si mesma” (ALCOFF, 2007, p.39). Essa forma de ignorância, podemos chamar de ignorância ativa.

Esse tipo específico de ignorância reflete uma insensibilidade às necessidades e preocupações de outras pessoas expressa por: (1) “resistências cognitivas”, como os “preconceitos” e “lacunas conceituais”; envolve também uma (2) dimensão afetiva, como “apatia” e uma “vontade de não saber”; (3) manifestações físicas e emocionais, como “ansiedade”, “agitação” ou “irritabilidade”; e, por fim, (4) mecanismos e estratégias de defesa, como “desviar de desafios” ou “mudar o ônus da prova”. (MEDINA, 2016, p.191). Por exemplo, um júri que se nega a aceitar as evidências trazidas pela parte acusada, apenas porque julga inconcebível que pessoas negras estejam em uma posição de vantagem em relação a elas, não está apenas acreditando em uma falsidade ou sendo ingênuo, ele está intencionalmente evitando reconhecer as evidências que contrariem as suas crenças e expõem seus preconceitos. Sobre este ponto, é preciso considerar sob que circunstâncias as resistências ao conhecimento podem ser cultivadas.

A seguir, argumentaremos que o privilégio social é o terreno ideal para que alguns grupos se eximam das suas responsabilidades epistêmicas.

Privilégios são vantagens de uma pessoa ou de um grupo em relação a outros. Essas vantagens não são necessariamente prejudiciais às práticas epistêmicas. Estar em uma posição privilegiada pode ser algo circunstancial e epistemicamente vantajoso para uma comunidade epistêmica. Por exemplo, estar em cima de uma árvore e ver um tigre à distância, confere uma vantagem perceptual a um agente em relação àqueles que não estão em cima da árvore (CRAIG, 1991, p.11-12). Esse privilégio também pode decorrer da posição social que um grupo ocupa. Segundo Amandine Catala (2015), estando em posição de marginalização, os indivíduos teriam experiências opressivas de primeira ordem e, nesse sentido, seu discurso sobre as experiências de desigualdade que sofrem, tende a ser legítimo. Ela destaca:

Como colaboradores epistêmicos em relação à opressão, membros de grupos não dominantes atendem, assim, ao critério substancial de legitimidade. Além disso, por serem oprimidos, os grupos não dominantes não têm o mesmo interesse que os grupos dominantes em manter o status quo e em perpetuar a injustiça social. Seu ponto de vista expressa um compromisso fundamental com a justiça social e, portanto, um interesse em não ocultar o que é contrário a ela. Como colaboradores epistêmicos em relação à opressão, os membros de grupos oprimidos atendem, assim, ao critério processual de prestação de contas: seu objetivo é possível e eles estão dispostos a se envolver em uma fundamentação transparente para apoiá-lo. (CATALA, 2015, p.434-435)

Como Linda Alcoff nos chama a atenção: “[a]s vantagens e desvantagens epistêmicas não se aplicam às localizações sociais per se, mas apenas às localizações conforme existem em relação a tipos específicos de investigação”. (ibid., 2007, p.43). Ou seja, a depender do assunto em questão e da autoridade epistêmica dos agentes sobre eles, a localização do agente pode ser vantajosa. Por outro lado, outros tipos de vantagens que os membros dos grupos dominantes têm em relação aos marginalizados podem conter um caráter prejudicial às práticas epistêmicas.

O privilégio social e/ou econômico é responsável pelas desproporções na distribuição dos recursos materiais e humanos necessários para uma participação mais equânime das diferentes identidades nas colaborações epistêmicas coletivas. Por exemplo, apesar de não ser injusto que os membros das elites econômicas forneçam as melhores condições para formação intelectual de seus filhos (acesso às melhores escolas, tecnologia, acompanhamento ostensivo de tutores, cursos de formação complementar e de idiomas, intercâmbios etc.), a desigualdade no acesso a esses bens tende a gerar a exclusão daqueles que não podem se beneficiar deles – não conseguindo melhores empregos, não tendo voz ou representatividade política, sendo entendidos e tratados como inferiores e não merecedores de melhores condições de vida etc. Este segundo sentido de vantagem é o que eu tenho em mente quando falo de grupos privilegiados. A partir desta interpretação, articularei a posição de privilégio social com os aspectos normativos das práticas epistêmicas e analisarei os silêncios resultantes desta relação.

Segundo Sanford Goldberg (2018), em nossas interações sociais, sejam elas cotidianas ou institucionalizadas, esperamos que nossos interlocutores realizem determinadas performances e correspondam a certos padrões. Por exemplo, quando vamos a um médico, pressupomos que ele possui formação em Medicina, bem como informações relevantes sobre nossa enfermidade. Além disso, temos a garantia de que instituições como o conselho de medicina e o código de ética médico subsomem e normatizam os limites das suas práticas. Sob este tipo de expectativa, Goldberg nos chama atenção para o fato de que elas não são meramente preditivas, mas normativas. Pensando no exemplo do médico, se confiamos em um profissional e ele erra no seu diagnóstico, nossa reação não é apenas a de rever as nossas expectativas sobre o seu conhecimento e declinarmos, mas de criticar o seu desempenho e avaliá-lo como ruim – inclusive, tomando as medidas legais, caso seja necessário.

Contudo, é necessário salientar que nem todas as nossas expectativas são legítimas. Quando fazemos avaliações em relação às performances de outras pessoas, assumindo determinados padrões, podemos fazê-las de forma equivocada ou distorcida. Por exemplo, expectativas que assumem que “a educação é um marcador legítimo de conhecimento e credibilidade em questões onde é necessário um julgamento baseado na educação”, e que “o uso da gramática padronizada é um marcador de educação e, portanto, de credibilidade”, podemos concluir que pessoas que usam a gramática inadequadamente não são críveis em contextos que exigem “julgamentos instruídos”. Apesar de parecer ser algo plausível a se considerar, quando partimos de “sociedades que privam sistematicamente grupos sociais desfavorecidos do acesso a uma educação decente, o uso de tais marcadores na avaliação da credibilidade tenderá a excluir esses grupos de uma maior participação na investigação.” (ANDERSON, 2012, p.169). Ou seja, mesmo que o uso adequado da gramática seja relevante como marcador de credibilidade como nos contextos acadêmicos, não é legítimo invalidarmos o conhecimento que moradores de comunidades possuem da opressão que eles sofrem, ainda que não façam necessariamente uso da gramática padrão.

Partindo de condições epistêmicas mínimas, podemos obter características mais gerais das nossas expectativas epistêmicas em relação a outras pessoas. Como Goldberg pontua, é legítimo esperar de outras pessoas que: “elas tenham certo conhecimento, empreguem/restrinjam-se a certos métodos de formação de crenças, consultem certos especialistas ou fiquem a par de certas fontes de evidência”. (GOLDBERG, 2018, s.p.). Enquanto agentes epistêmicos, temos direitos e deveres em relação às colaborações epistêmicas coletivas. Em relação aos direitos, nos deve ser garantida a possibilidade e condições para que nos expressemos e sejamos ouvidos; “sermos reconhecidos enquanto agentes (tal qual nosso valor intelectual exige)” e; “desafiar legitimamente” e sermos críticos ao que nos oferecem como uma crença verdadeira. No que diz respeito aos nossos deveres, nos é exigido que “ofereçamos respostas aos desafios lançados” e “prestemos contas sobre o que dizemos” (TANESINI, 2016, p.77).

No modo como está sendo empregado, um grupo privilegiado ocupa uma posição em que usufrui dos direitos que lhes são cabíveis e não precisa cumprir os deveres que são exigidos. O que, consequentemente, gera vantagens ilegítimas dos privilegiados em relação aos marginalizados – continuar tendo suas crenças aceitas como verdadeiras mesmo desconsiderando melhores evidências, dando pouca atenção ao que outras pessoas falam, desprezando o que outras pessoas falam, insultando posições diferentes das suas etc. Mas como isso se torna possível?

Os privilégios são construídos e mantidos ao longo do tempo, os grupos beneficiados por eles variam de sociedade para sociedade e as relações intergrupos podem ser mais ou menos violentas. Quando questões como, por exemplo, distribuição das riquezas, criação das leis, profissões de prestígio, políticas públicas etc. são construídas favorecendo indevidamente determinados grupos e desprestigiando outros, o contexto moldará as expectativas que cada grupo terá um do outro. A partir das diferentes organizações e identidades sociais, Goldberg defende que formamos:

tipos de expectativas dos outros que derivam de seus papéis de gênero, etnia, religião, identidade racial, identidade socioeconômica, profissão, filiação a um ou outro grupo cívico ou social e assim por diante. Com certeza, muitas dessas expectativas são ilegítimas; derivam de normas ou padrões que devem ser condenados como injustos ou antiéticos, ou baseados em práticas ou instituições ilegítimas. E nem todas as expectativas em si são normativas: algumas são completamente de natureza preditiva. Mas mesmo aqui descobrimos que tais expectativas preditivas podem afetar as normativas, como quando ajustamos o que normativamente esperamos de um grupo de pessoas a partir de uma expectativa preditiva a respeito de como elas normalmente se comportam. (GOLDBERG, 2018, s.p)

Um problema epistemológico grave que surge dessas relações hierarquizadas é a falta de atrito epistêmico (epistemic friction) entre diferentes perspectivas (MEDINA, 2013, p.50). No sentido em que está sendo empregado, o atrito é o encontro entre duas ou mais posições que reivindicam para si a verdade de suas crenças. Por sua vez, a falta de atrito (frictionless) corresponde a uma impossibilidade do desacordo intelectual o que, consequentemente, permite o trânsito livre e irrestrito de apenas uma perspectiva ou forma de compreender e nos expressarmos sobre o que experienciamos no mundo a partir da nossa situacionalidade (ibid, 2013, p.48).

Devido às expectativas que grupos sociais estabelecem uns com os outros, aqueles que são privilegiados têm a condição de reivindicar efetivamente os seus direitos, enquanto os marginalizados, dificilmente os terão. Como consequência desta condição, membros de grupos marginalizados terão um esforço duplo em relação às expectativas epistêmicas normativas: uma em relação ao seu próprio grupo; outra em relação ao grupo aos quais estão imersos. Por conseguinte, membros dos grupos marginalizados tenderão a compartilhar entre si as mesmas necessidades e preocupações sobre os assuntos que lhes são caros, enquanto moldarão suas performances cognitivas para atender os padrões exigidos pelo grupo privilegiado.

Por outro lado, aqueles que são privilegiados compartilharão preocupações e necessidades entre si, mas sentirão que não precisam responder aos desafios colocadas por outros. Gaile Pohlhaus pontua que “não há nada na situação do conhecedor dominante que exija que ele investigue partes do mundo à luz das preocupações dos outros” (POHLHAUS, 2012, p.721). Com a organização social funcionando para garantir direitos e estabelecer responsabilidades de alguns grupos, a tendência será a de fornecer as condições necessárias para que as desigualdades sejam estabelecidas nas relações intergrupais – isto é, para gerar a compreensão distorcida de que a violência contra a integridade daqueles que não cumprem determinados padrões torna-se tolerável ou, em casos extremos, desejável ou mesmo necessária. Consequentemente, aqueles que são mais socialmente vulneráveis serão entendidos como peças necessárias para a satisfação e manutenção dos privilégios dos grupos mais poderosos.

A respeito desta condição, Paulo Freire interpreta o mecanismo opressor como uma relação “bancária”, através da qual membros do grupo privilegiado estabelecem com os oprimidos. Qual seja, uma relação que visa obter lucros, benefícios ou vantagens a partir da condição de vulnerabilidade daqueles que sofrem opressão. Desse modo, as práticas opressoras “tendam a transformar tudo o que os cerca em objetos de seu domínio. A terra, os bens, a produção, a criação dos homens, os homens mesmos, o tempo em que estão os homens, tudo se reduz a objeto do seu comando” (FREIRE, 2020, p.63).

Nesse sentido, é possível concluirmos que o privilégio e a ignorância se retroalimentam e dependem de que grupos estejam em posição de desigualdade para que este tipo de estrutura seja mantido. A consequência disso é que, se por um lado, há espaço para que alguns declarem tudo o que creem de modo irrestrito, por outro, previne que outros compartilhem crenças sobre suas experiências de opressão e denunciem as vantagens indevidas dos privilegiados. Sendo assim, discursos de ódio6 e silenciamentos visam a enfraquecer às resistências que vítimas destes ataques podem manifestar contra os privilegiados e a sua condição de superioridade.

É possível questionar a conclusão de que discursos de ódio e, principalmente, os silenciamentos perniciosos derivam de privilégios pelo simples fato de que, independentemente da identidade de um grupo social, esses tipos de discursos podem ser reproduzidos por qualquer pessoa – inclusive pelos que sofrem os efeitos perniciosos dele. Além disso, nada impede que membros de grupos marginalizados façam declarações caluniosas ou mobilizem-se coletivamente para impedir que membros dos grupos privilegiados se pronunciem em relação a assuntos sobre os quais eles tenham autoridade epistêmica.

De fato, a ignorância e a violência podem ser promovidas por qualquer um, no entanto, isso não invalida o argumento de que o privilégio gera condições para que as isenções de responsabilidades epistêmicas sejam efetivadas. Portanto, inverter a ordem da dominação não resolve a dominação em si mesma. A questão é que para se fazer ouvir e ser entendido, não se deve estar baseado na defesa de exclusividades – na produção de exceções putativas dos nossos compromissos epistêmicos de uns com os outros (TANESINI, 2016, p.75). O privilégio permite que essas violações se estabeleçam como norma; para criarmos condições que promovam práticas epistêmicas justas, devemos combater esse mecanismo.

Dignidade da pessoa humana como critério, sensatez como guia para ação

Nesta seção, basear-nos-emos na noção aristotélica da virtude da sensatez e defenderemos que, ao visarmos a promover a justiça epistêmica, ela pode exigir que silenciemos outras pessoas. A sensatez se trata de uma virtude intelectual de caráter prático, isto é, ela corresponde à avaliação correta dos fatores contingentes de uma ação singular (ANGIONI, 2011, p.315). A partir dessa definição, defenderemos que a avaliação de determinados enunciados em contextos específicos (aqueles que poluem o ambiente informacional e/ou minam as relações de confiança epistêmica) ordena o sensato7 a silenciar os propagadores deste tipo de mensagem. Argumentaremos que, para ser correta, a avaliação sensata deve se fundamentar na análise contextual das enunciações, de modo a alcançar a justiça epistêmica. Somado a isso, o sensato deve considerar os fatores de risco e os resultados que ele pode alcançar em cada situação em particular. Por óbvio, um agente solitário impedirá alguns poucos casos de propagação de desinformação e violência contra grupos (principalmente quando são estruturais). Por essa razão, sustentamos que a sensatez deve ser cultivada coletivamente, tornando-se a diretriz de grupos engajados em impedir que discursos que poluam o ambiente informacional e o entendimento coletivo circulem livremente.

Para iniciarmos nossa defesa, recorreremos à ideia da dignidade da pessoa humana, de forma a pensar os danos causados quando ela é violada. Segundo a abordagem kantiana, enquanto seres humanos, somos fins em nós mesmos. Ou seja, não devemos usar outras pessoas (por conseguinte, não devemos nos permitir sermos usados) como meios para obtenção de fins que vão de encontro à nossa vontade. Antes disso, é necessário garantirmos a inteireza das nossas diferentes agências (comunicativa, social, epistêmica) como uma máxima moral (KANT, 2013, p.207; 264). Nesse sentido, impedir a livre expressão viola a autonomia, fere a dignidade e pode obstruir a vida epistêmica das pessoas – isto é, as condições para que elas possam pensar e agir por si próprias, e mais, serem escolhedoras e críticas em relação às crenças. Partindo desta premissa e assumindo que se expressar e ser entendido é o que permite o livre exercício da nossa agência epistêmica, não assumir a reciprocidade como princípio (HORNSBY, 2003, p.3) significa agir a fim de usurpar uma área significativa da vida das pessoas.

Por essas razões, parece ser contraditório supor que determinados comportamentos e discursos são passíveis de serem refreados, desautorizados ou silenciados – a prerrogativa da liberdade de expressão parece permitir o livre exercício de declarar qualquer coisa, sobre quaisquer assuntos e em qualquer contexto. Entretanto, é preciso considerar que palavras são ações8. Com base nesta acepção, pode-se dizer que discursos que promovem a degradação da dignidade configuram um tipo de atitude que é contraditória ao princípio da liberdade de expressão – reivindicando para si o direito de expressão e negando a existência de outrem.

Por exemplo, um líder de um país que discursa contra grupos minoritários não está apenas emitindo enunciados despropositadamente, já que, devido ao poder que seu cargo lhe confere e à sua representatividade social, tais declarações assumem um caráter autoritativo. Isto é, discursar a favor da destruição de um determinado grupo é o mesmo que promover aversão a eles – causando obstruções cognitivas e afetivas que distorcem a percepção acerca das necessidades e interesses do grupo-alvo. O mesmo ocorre quando uma declaração autoritativa é enunciada para promover a disseminação de crenças falsas. Não precisamos forçar muito a nossa imaginação para compreendermos que receitar uma droga ou procedimento médico ineficaz, promove a circulação de uma crença que pode incidir em mortes. Sobre tais práticas, defendo que a virtude da sensatez, conforme o contexto, impele-nos a silenciar pessoas, grupos ou instituições que promovam a degradação da dignidade alheia ou induzam ao erro.

Por outro lado, não são todos os casos (como no exemplo acima) em que conseguimos distinguir claramente quais discursos efetivamente violam a dignidade da pessoa humana. Baseando-me na posição de Barrett Emerick (2019), destaco duas razões levantadas por ele para apontar essas dificuldades:

(1) os silenciamentos podem ser explícitos ou implícitos, cometidos interpessoalmente ou por instituições. Por exemplo, (a) é diferente um discurso racista feito em público de (b) um professor que ignora ou diminui as contribuições dos seus alunos negros. Isso também difere de (a’) uma empresa fazer propagandas que atribuem a culpa da pobreza à falta de empenho dos pobres, do que ela (b’) não dar espaço para que os funcionários economicamente vulneráveis reivindiquem melhores condições de trabalho durante as reuniões da empresa. Nos casos, (a) e (a’) a agressão é feita abertamente, com o claro intuito de descredibilizar e diminuir as vítimas. Já em (b) e (b’) a agressão é velada, em geral, suas intenções são dúbias e imprecisas, dando margem para desculpas (legítimas ou não) e interpretações tendenciosas;

(2) É preciso levar em conta que se sentir silenciado não significa que a pessoa foi impedida de se comunicar. Por exemplo, em uma conversa familiar alguém pode emitir opiniões políticas, ser ignorado ou censurado e, não por isso, ter a sua agência violada. De outro modo, um idoso que informa sua família que está sofrendo maus tratos em uma casa de repouso e, ainda assim, continuar sendo ignorado, ele tem a sua agência efetivamente violada (EMERICK, 2019). Conclui-se disso que o silenciamento, entendido enquanto violação da dignidade da pessoa humana, diz respeito a uma obstrução efetiva da agência de uma pessoa – isto é, a impossibilidade concreta de fazermos escolhas, tomarmos decisões, sermos reconhecidos enquanto conhecedores ou, de algum outro modo, podermos colaborar para produção de conhecimento.

A partir dessas duas razões, podemos inferir que: em (1), os silenciamentos implícitos serão mais difíceis de serem identificados e as vítimas que sofrem com eles podem não ter evidências suficientes para assumir o ônus da prova; já em (2), a efetividade do silenciamento depende dos efeitos pragmáticos que ela causa. Isso porque, silenciamentos não precisam ser danosos, justos ou injustos, estes efeitos dependerão: (I) do propósito com que foi executado, (II) das consequências que eles trazem para dinâmica comunicativa e (III) do impacto que o impedimento comunicativo causa à integridade dos agentes. A intenção e o efetivo impedimento de fazer alguém se comunicar não necessariamente são epistemicamente injustos ou opressivos. Por sua vez, a violação da capacidade das pessoas exercerem a sua agência epistêmica e crítica (o comprometimento com a verdade e o engajamento reflexivo sobre diferentes posições) afeta diretamente a dignidade e plenitude das nossas agências.

Como argumentamos na seção anterior, o privilégio social e a ignorância se retroalimentam e criam condições para que os poderosos e privilegiados descumpram as normas epistêmicas sem serem punidos. O abuso do poder e os discursos de ódio são exemplos claros de como a ignorância ativa pode poluir nossas interações epistêmicas. Em uma sociedade predominantemente machista, homens que descredibilizam a competência de mulheres contribuírem em assuntos socialmente relevantes, revela a estratégia de dominação (consciente ou não) dos homens sobre as mulheres.

Caso invertamos a situação, por exemplo, imaginando uma situação de misandria na mesma sociedade machista. Ainda que o homem seja injustiçado ou mesmo silenciado (sendo ignorado sempre que tenta se posicionar) por mulheres em um caso específico, o privilégio social dos homens garante que sua capacidade enquanto conhecedor não seja prejudicada – basta sair deste contexto específico que sua vida volta ao normal. Isso não significa que ambos os casos não sejam morais e epistemicamente repreensíveis, antes disso, significa que os efeitos do silenciamento se darão de modos distintos. Por essa razão, o cômputo correto (ortho logos9) do sensato deve considerar as especificidades de cada situação e, consequentemente, medir a ação e o peso que deverá adotar para cada uma delas.

Diferente das outras virtudes intelectuais, a sensatez, tendo como fim a uma ação prática, carrega uma valoração moral. Nesse sentido, fazer a “coisa correta” não significa estar epistemicamente justificado em defender uma crença como verdadeira, como Angioni nos adverte: “a phronesis certamente envolve o entendimento verdadeiro dos fins moralmente corretos, mas sua tarefa essencial não é justificar esses fins, mas sim delimitá-los pela avaliação correta dos fatores singulares” (ANGIONI, 2011, p.331). Ou seja, a sensatez não produz conhecimento ou crença verdadeira, ela cria condições para que elas possam ser expressas e devidamente entendidas. Tendo isto em mente, reivindicamos que o fim correto que nos permite impedir alguém de se comunicar é o de promover a justiça epistêmica.

Transmitir deliberadamente uma informação falsa, dificultar deliberações coletivas, diminuir a importância e o valor do ativismo epistêmico10 e discursar avessamente contra a existência de uma identidade são comportamentos que minam as relações de confiança epistêmica. Por confiança epistêmica, estamos nos referindo à condição de dependência que temos em relação ao testemunho de outras pessoas. Confiar naquilo que outras pessoas nos dizem como verdade é o modo colaborativo como nós, seres humanos, acessamos o conhecimento. Quando esse princípio é maculado por mecanismos viciosos e estratégias fisiologistas, as relações tornam-se desproporcionais e desarmoniosas – os mais poderosos impõem suas perspectivas e impedem que posições alternativas contribuam para o entendimento coletivo. Retomar a confiança epistêmica e impedir a arbitrariedade dos discursos fraudulentos e de ódio são meios que o sensato deve perseguir para promover a justiça epistêmica. Para isso, a sensatez exige que impeçamos que as mensagens desses discursos permeiem as interações epistêmicas, ou seja, nestes casos, a sensatez nos compele a silenciar indivíduos e grupos que tentam violar a dignidade de outras pessoas.

Por outro lado, o sensato também deve considerar os fatores de risco que estão associados ao confronto combativo com os poderosos e privilegiados. Em algumas situações, reivindicar direitos ou cobrar deveres é lutar contra forças muito maiores do que podemos suportar. A simples refutação ou a apresentação de melhores evidências não garante a adesão racional de opositores, pelo contrário, ela pode ser interpretada como uma ofensa. Lembremos do exemplo trazido por Fricker (2007) para ilustrar a injustiça testemunhal. Tom Robinson é acusado de estuprar uma mulher branca. Atticus Finch, advogado de Robinson, comprova a inocência do seu cliente, argumentando que após um acidente ainda criança, o braço esquerdo de Robinson tornou-se inválido, sabendo que os golpes desferidos contra vítima haviam sido desferidos pelo braço esquerdo de alguém, essa pessoa não poderia ter sido ele. No entanto, o júri formado exclusivamente de homens brancos rejeita as evidências trazidas pelo advogado.

Como Medina (2011) nos chama a atenção, o júri de Robinson estava predisposto a condená-lo. Em dado momento, Robinson diz ao júri que ajudava frequentemente a vítima, Mayella Ewell, com suas atividades, porque sentia pena dela. Em um contexto de ideologia racista era um tabu uma pessoa negra cultivar simpatia por brancos (MEDINA, 2011, p.23). Além disso, a credibilidade ofertada tanto à Mayella quanto ao pai dela (o real abusador) foi desproporcional e hierarquizada, o valor de uma mulher branca é superior ao de um homem negro e o de um homem branco é superior ao de uma mulher branca (MEDINA, 2011, p.23). O fato era que Mayella seduzia Tom e o beijou, porém, era inimaginável para aquela sociedade (uma mulher ter iniciativa sexual e desejar um homem negro) e ainda mais inconcebível era o fato de um pai abusar a própria filha. A partir disso, Medina constata que o imaginário social da época refletia a profunda distorção perceptiva que impossibilitou que o grupo dominante pudesse reconhecer crenças verdadeiras como verdadeiras. Considerando esses aspectos, podemos inferir que tentar silenciar as alegações preconceituosas e infundadas do júri, seria um risco para vida de Tom, mesmo ele tendo as melhores evidências e razões para sustentar a sua posição.

Solitários, as nossas ações para promover justiça são muito limitadas, isto é, temos pouca força diante da multidão e do imaginário social. Talvez consigamos silenciar ou fazer com que algum preconceituoso mude o seu comportamento, mas não eliminaremos o preconceito enquanto imaginário social e instituição. Reverter ou dirimir injustiças, por conseguinte, envolve resistência, engajamento e lutas coletivas. Devemos levar em conta que mesmo a nível epistêmico, estamos imersos em contextos e imaginários sociais (expectativas e padrões normativos pré-estabelecidos) que moldam nosso comportamento e entendimento coletivo, independentemente de assumirmos posições e ações alternativas. Por essa razão, sustentamos que resultados efetivos envolvem engajamentos coletivos. Ou seja, a sensatez será mais bem desempenhada quando pessoas se engajarem de forma sinergicamente positiva11e visando à justiça epistêmica – lembremos do engajamento das advogadas no caso de Carmita Wood e o papel que esse caso desempenhou para o combate ao assédio sexual.

Por sua vez, o engajamento grupal exigirá comprometimento das partes com o todo – o respeito ao direito e deveres epistêmicos dos seus membros e o propósito que eles desejam alcançar. Por questão de espaço, não abordaremos os desacordos intragrupos. Para os propósitos deste artigo, basta considerar que desde que os desacordos não sejam ilegítimos, tal como uma pessoa que impede uma deliberação “dizendo cada coisinha tola que passa por sua mente ou seguindo cada pista falsa” (AIKIN; CLANTON, 2010, p. 414). Também não se exclui a possibilidade de membros que tenham um comportamento parasitário (beneficiando-se das conquistas e evadindo-se nas derrotas), nem a de que indivíduos não se reconheçam como pertencentes do seu grupo identitário e trabalhem contra as necessidades e preocupações dele. Ou seja, o comprometimento grupal envolve “pensar de forma criativa, crítica e construtiva. Por exemplo, a capacidade de antecipar e ampliar o pensamento de quem apresenta uma boa ideia diante de um grupo” (AIKIN; CLANTON, 2010, p.414). É preciso, portanto, distribuir equanimemente o poder social/epistêmico, monitorando e fazendo com que privilegiados prestem contas sobre suas alegações.

Por fim, à luz do que tratamos até agora, usarei o caso trazido por Scott Aikin e Caleb Clanton (2010) para mostrar como a sensatez pode nos conduzir a silenciar outras pessoas. Eles colocam o caso da seguinte maneira:

O argumentador ferozmente adversário discute pontos irrelevantes, regularmente tenta retratar a situação como aquela em que o outro lado está confuso ou irracional e considera qualquer falha argumentativa do outro lado como evidência de assimetria cognitiva entre os dois. Discutir com essas pessoas é possível, pois elas não precisam necessariamente quebrar nenhuma regra para um diálogo crítico. Mas deliberar com eles é o problema. Na verdade, muitas dessas pessoas se consideram argumentadores particularmente bons e se sentem regularmente atraídos por discussões críticas. Mas, em vez de energizar essas discussões, essas pessoas as esvaziam exatamente por causa da maneira como tratam os outros. Às vezes, é difícil falar com os idiotas argumentativos – você pode argumentar com eles, mas quer ir embora ou dar-lhes uma introdução não tão educada aos seus punhos. Como tal, em vez de encorajar a opinião de qualquer parte, o agressor argumentativo reivindica a discussão para si, tornando o custo emocional de continuar a discussão mais alto do que pode valer a pena. Os debatedores podem calcular da seguinte maneira: a questão X é interessante e digna de ser investigada, mas não vale a irritação sentida ao discuti-la com o orador S. E, como tal, como poucos contribuem, o valentão dialético se mantém. E uma vez que não há objeções às suas opiniões expressas, ele pensa que está certo - e outros também podem pensar assim. E, o que é mais, isso pode ter o efeito de limitar o conjunto geral de argumentos considerado pelo grupo deliberativo, convidando os problemas consequentes à polarização do grupo. (AIKIN; CLANTON, 2010, p.415, grifos nossos).

Três aspectos cruciais surgem nessa passagem. A primeira é a afirmação de que discutir com debatedores agressivos é possível, mas deliberar não. O segundo é o fato de como poucos se dispõem a enfrentar esse tipo de agressor, a palavra dele se mantém e pode convencer outras pessoas a reproduzi-la. Uma terceira questão que pode ser levantada é: em que contexto o debate está ocorrendo e qual o poder social desse agressor?

Sobre a primeira questão, devemos entender a prioridade da deliberação sob o mero debate. Devemos considerar que produções epistêmicas exigem esforços coletivos – tanto na tarefa de reunir evidências, como na de tornar o conhecimento acessível a todos. Um bem epistêmico serve a uma comunidade, não às vaidades e interesses de um grupo ou de uma pessoa. Debater para sair um ganhador, desconsidera o bem coletivo e os benefícios comunitários e sociais. Em relação à segunda, o fato de não encontrar um contraponto, de fato, faz com que o silêncio dos outros se tornem uma evidência de alta ordem, isto é, “ela considera o silêncio dos outros em face dessas afirmações como uma indicação de sua aceitação das afirmações e, portanto, considera o silêncio deles como evidência da (pelas luzes dos outros) aceitabilidade das suas asserções”. (GOLDBERG, 2016, p.105). Nestes casos, o agressor adquire vantagens indevidas e contribui para marginalização epistêmica de grupos vulneráveis. Por fim, ainda que pessoas e grupos se comportem dessa maneira seja moral e epistemicamente reprovável, dado o contexto e o poder social dos agressores, silenciá-los pode ser algo arrisco para comunidade. Neste ponto, a sensatez faz com que evitemos uma ação precipitada e nos envolvamos numa organização maior para uma ação coletiva. De qualquer maneira, estaríamos justificados a silenciar os perpetradores de informações falsas e comportamentos epistemicamente opressores.

Obedecendo os critérios de avaliação do silenciamento, vemos que: (I) o propósito de impedir a promoção da desconfiança epistêmica, legitima que silenciemos seus perpetradores; (II) a dinâmica comunicativa é melhorada com o impedimento de discursos epistemicamente irresponsáveis, e; (III) a integridade dos agressores não é violada, pelo contrário, não propagar mentiras e violência contra o contraditório, é um modo de responsabilizar nossas falas e pressionar para que nos comprometamos com as crenças que circulam pela nossa comunidade.

Considerações finais

Os silêncios não são necessariamente negativos para a produção coletiva de conhecimento. Ainda que a maior parte dos silêncios estejam associados à violência ou injustiças, o silenciamento pode ser usado para impedir o abuso de poder e a propagação de crenças falsas – atuando como uma ferramenta para restaurarmos a confiança epistêmica. Nesse sentido, argumentamos que os silêncios negativos são aqueles que resultam de mecanismos opressivos e hierárquicos. Já os positivos, decorrem de ações que visam a reabilitar pessoas a participarem de práticas epistêmicas coletivas, garantindo a integridade da agência epistêmica, a autonomia intelectual e a dignidade de todas as pessoas.

De todo modo, rastrear as causas e os impactos do silenciamento não é uma tarefa fácil. Nos casos dos silêncios negativos, as verdades estão escondidas em grupos que não as emitem para proteger as suas vidas, algumas outras estão perdidas na multiplicidade de vozes. Já quando tentamos silenciar as pessoas de forma positiva, podemos ter dificuldades devido à maneira quase imperceptível por meio da qual esse silenciamento pode se manifestar, ou, por conta da força das perspectivas hegemônicas.

Considerando essas dificuldades, sustentamos que os silêncios devem ser tratados caso a caso e contextualizados a partir das relações de poder social e da sua extensão temporal. Ao longo dos anos, os significados das palavras ganham novas conotações e o limite entre o que pode ou não pode ser dito é modificado. Concluímos que contextualizar os silêncios a partir da nossa época, contrastando-a com o passado, é uma maneira sensata de projetar propostas mais inclusivas para o futuro.

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Notas

2 Phronesis também é traduzida como prudência ou sabedoria prática. Neste artigo, estamos usando a interpretação do Professor Lucas Angioni (2011) que defende que a Phronesis é mais bem traduzida pela palavra portuguesa “sensatez”.

3 Na literatura das injustiças epistêmicas, há uma disputa em torno do problema de o excesso de credibilidade poder ser considerado uma injustiça testemunhal ou não. Fricker (2007, p.20) discorda dessa posição por considerar que os efeitos epistemicamente negativos se manifestam apenas “cumulativamente”, mas nunca de modo imediato. Para ela, danos imediatos em trocas epistêmicas, decorrem apenas do déficit de credibilidade. Medina (2011), por outro lado, contesta a posição de Fricker destacando que a credibilidade depende de um desdobramento histórico-social e deve ser tratado em contraste e proporcionalmente em relação aos demais grupos. Ou seja, uma injustiça testemunhal não diz respeito a casos isolados e danos imediatos; antes disso, ela está condicionada a uma construção social previamente estabelecida. Neste artigo, assumimos que o excesso de credibilidade também é responsável por injustiças testemunhais e seus efeitos colaterais.

4 É importante destacar que não estamos fazendo uma defesa da doutrina da virtude de Kant. Apenas consideramos que o argumento da dignidade da pessoa humana é sólido o suficiente para que defendamos a integridade de toda e qualquer pessoa.

5 Segundo Castoriadis, sempre que percebemos, pensamos ou fazemos algo, projetamos elementos da nossa imaginação como se fossem parte constituinte do fenômeno que experienciamos. Isto significa que o acesso à realidade não se reduz a causas puramente biológicas – como se o nosso organismo simplesmente reagisse ao meio como um ser autômato ou um reflexo animal. Antes disso, a percepção, o pensamento e as ações humanas envolvem a criação de imagens que modificam a realidade – a experiência humana acerca dela. A modificação do real, a qual Castoriadis se refere, consiste na nossa capacidade humana de “evocar a existência, de fazer as coisas emergirem, de ser incapaz de existir sem postular outra coisa que é ao mesmo tempo eu e não-eu, incapaz de existir sem fazer existir” (CASTORIADIS, 2015, p.63, grifos nossos).

6 Por discurso de ódio estou partindo da definição de Adela Cortina, qual seja, “o discurso [que] se dirige contra um indivíduo, não porque esse indivíduo tenha causado danos algum ao falante, mas porque goza de um traço que o inclui em um determinado coletivo. No coletivo dos ‘teus’, que é diferente dos ‘nossos’.” (CORTINA, 2020, p.43).

7 Segundo Angioni (2011, p.313), quando o sensato (phronimos) “alcança a ‘verdade prática’, é porque sua correta avaliação dos fatores relevantes em cada circunstância singular o levou a realizar, em última instância, exatamente aquilo que era desejado no propósito”.

8 Nos referimos a teoria dos atos de fala desenvolvido pelo filósofo britânico John L. Austin em “How to do things with words” (1962).

9 Segundo Angioni, o ortho logos: “Trata-se do procedimento pelo qual a parte calculativa da alma, da qual a phronesis é a virtude, submete um ‘alvo’ (suposto como fim) a uma delimitação ulterior, que a específica de modo mais claro e adequado aos casos particulares” (ANGIONI, 2011, p.308).

10 Ativismo epistêmico é um termo usado por José Medina (2019) para se referir a ações de resistência contra os obstáculos epistêmicos e afetivos. Segundo Medina, o ativismo envolve mais do que “pedir e dar razões”, anteriormente a isso, diz respeito ao engajamento político através de meios que reivindiquem visibilidade e audibilidade como, por exemplo, gritando, pintando paredes, criando narrativas, memoriais e espaços de enfrentamento. Esses movimentos visam a “mudar as atitudes cognitivas e hábitos cognitivos que medeiam os padrões de ação e inação (...) reconfigurando a imaginação de tal forma que possamos compreender, ter empatia e agir com os outros de novas maneiras, e disponibilizando novas formas de responsividade” para pessoas e grupos em situação de vulnerabilidade (MEDINA, 2019, p.24).

11 Essa expressão é usada por Aikin e Caleb (2010) para traçar uma distinção entre as sinergias positivas e negativas, como nos casos em que: “o grupo amplifica os erros dos indivíduos, negligencia a extração das informações que os membros individuais realmente possuem ou promove um efeito cascata (...) em que o cego conduz o cego” (AIKIN; CLANTON, 2010, p.412)

Material suplementario
Notas
Notas de autor
1 Doutorando(a) em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador – BA, Brasil. Bolsista do(a): Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil.
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