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Ludwig Feuerbach: por quê seu ateísmo é ponderável?
Ludwig Feuerbach: why his ateism it would be ponderable?
Ludwig Feuerbach: por quê seu ateísmo é ponderável?
Griot: Revista de Filosofia, vol. 22, núm. 2, pp. 187-205, 2022
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Recepción: 03 Abril 2022
Aprobación: 31 Mayo 2022
Resumo:
: O artigo busca retratar o tema da inversão da teologia em antropologia em Feuerbach alcançando o contexto da tradição filosófica para redimensionar em que sentido é correto entender que o filósofo do século XIX não é ateu e também não se reduz a servir de mero ponto de passagem entre dois grandes autores: Hegel e Marx. Focalizando a questão candente da história da filosofia, naqueles que olharam mais fundo para o homem, que muito clama por encontrar alento, sentido, paz, diante do vazio, da dor, produzida pela incerteza, a finitude, angústias, impotência e sofrimentos, percebe-se estar revestida desta densidade o trabalho filosófico de Feuerbach que será bem compreendido ao inseri-lo no contexto de discussões presas ao campo de nosso mundo atual, pois o problema com o qual se ocupa diz respeito aos temas centrais da filosofia desembocando nas meditações sobre Deus, religião, teologia, e tudo o que com isso se relacione na vida teórica e prática, revendo a estrutura e funcionamento da religião e dos eventos religiosos como tal, para além de poder ser julgado um mero ateu.
Palavras-chave: S: Deus, Essência, Religião, Cristianismo, Antropologia, Liberdade.
Abstract:
: The article searches to retract the theme of the inversion of theology in (on the )anthropology in(of) Ludwig Feuerbach, achieving the context of the philosophical tradition to create another vision in what sense it is correct to comprehend what the 19th century philosopher is not an atheist and also does not reduce to serving as a little point between two great authors: Hegel and Marx. Focusing(Proposing) on the an important question on the history of the philosophy, in those who looked deeply to the man, that claims a lot to find spur (encouragement),sense or peace, if in font of emptiness, of pain, produced by uncertainty, scarcity, anguish, impotency and suffering, can be realized all of this density that brought on the Feuerbach's philosophical work, which will be so much understood by inserting it in the context of discussions , tied on the field of our presenting world, because the problem that it is concerned there is the central themes of the philosophy leading to meditations on God, religion , theology, and everything that will be related to it in theoretical and practical life. Reviewing the structure and functioning of religion and the religious events as such, to the beyond that can be judge an atheist by the way.
Keywords: God, Essence, Religion, Christianity, Anthropology, Freedom.
Introdução
Ao leitor, de Feuerbach, que engatinha na trilha de sua produção, ao dar ouvidos a boatos, aparecendo no caminho, fica a impressão de que é um autor visitado e suas questões resolvidas, ou que é pobre, enquanto filósofo, não podendo gerar maior interesse. Pois o enfrentamento de seus textos e mesmo a divulgação de suas ideias, é algo, entretanto, recente, carecendo, na verdade, de mais trabalho!
Meu propósito é tocar aqui um dos tópicos centrais de suas buscas, suas pesquisas, visando atrair o interesse pelo seu pensamento no intuito de prestigiá-lo, com a consequente aproximação de novos leitores, que é seu “ateísmo”, o qual não poderia, sendo algo inegável, ser feito absoluto, pois é suscetível visivelmente de ponderação. Mas, por que penso dessa maneira? Eis o tema que devo tratar aqui muito rapidamente! Essa interpretação haverá de passar por sugestões de reparos em termos didáticos e metodológicos, assim como poderíamos fazer com outros aspectos de sua obra, devido certos desserviços das exegeses ligeiras, precipitadas, que não se preocupam, aliás, em instruir, em orientar, corretamente, o leitor. Mas vamos por partes:
1ª PARTE
1. Henri Arvon, incomodado ante o desprezo manifestado pela obra de Feuerbach, colaborando para o crescimento do interesse em torno deste enquanto filósofo na França, em primeiro lugar, com a sugestiva pesquisa e estudo, publicado em 1957, enquanto livro, intitulando-o Ludwig Feuerbach ou la transformation du sacré, sendo este tido enquanto panorâmico em face de sua obra, o que nos parece exagerar quem assim o aprecia.2
Julgando não se tratar, no caso do filósofo de Landshut, de um “pensador de segunda ordem” (Arvon, 1957, p. 01) por reconhecer a existência de um valor teórico que é carregado nele mesmo, diz o comentador que “munido de um princípio filosófico próprio, Feuerbach o aplica ao problema religioso” (Id., p. 45). Enquanto avançam as análises, sem imperar esse entendimento, o filósofo segue reduzido, entretanto, a mero ponto de passagem entre Hegel e Marx, sufocado, preso, como intermediário, sem contar com luz ou própria habilidade intelectual, destituído de expressão, sem maior reconhecimento público. Argumenta Arvon, noutro escrito, arrematando sua exegese, em curso de desenvolvimento, pensando em como se haveria de contornar isso:
Se portanto se quer render justiça a Feuerbach, convém o liberar de tudo, ao menos, nisto que concerne certos aspectos de seu pensamento, dos liames marxistas que o sufocam a fim de lhe restituir esta relativa independência que ele está no direito de reclamar, tanto em relação a Marx, que o segue, quanto de Hegel que o precede (ARVON, 1964, p. 19-20).
Pode-se entender que se desfruta de outro estágio na relação com a filosofia feuerbachiana, agora, no século XXI, no ambiente filosófico, no ponto de Blanca Castilla y Cortázar (1999) poder iniciar a introdução de seu pequeno livro, comentando-o na Espanha, dizendo que: “desde faz um tempo o pensamento de Feuerbach vai cobrando interesse por si mesmo” (p. 09), abandonando gradativamente a posição subalterna que ocupava. Dispensando a necessidade de contar com modismos e sem mesmo haver um exagero em torno de sua importância, ou de sua profundidade e originalidade: “progressivamente, vai-se admitindo que [...] resulta chave para entender as tendências do pensamento contemporâneo, e se reconhece nele não só o fundador da antropologia senão o precursor de várias tendências dentro dela”(p. 09).
Indo além disto, a intérprete o considera enquanto “profeta do humanismo ateu” que, a despeito da desconsideração de Paul Ricoeur, criticado, aliás, por Van Harvey (1995) por isso, que vê aí uma falta, pois este: “não só se adianta aos filósofos da suspeita, como denomina Ricoeur a Marx, Nietzsche y Freud, senão” (p. 09), que sem ter a ver, falando agora por sua conta, com o posicionamento exatamente de Harvey, também diz antecipar aspectos de “Kierkegaard, (do) existencialismo e (do) personalismo” (Id., ibid.).
Nesta pegada torna-se de interesse por antecipar discussões do pensamento atual e estabelecer, parafraseando Cortázar, uma reformadora filosofia do tu, uma filosofia dialógica, chamando atenção, por exemplo, de Martin Buber, filósofo judeu, que o estuda, elevando-o no presente. Ademais, por outro lado, introduz uma importante reflexão sobre a “diferenciação sexual”, antecipando-se, mas se fazendo distinto de Freud, para melhor talvez, já que este último, com seu determinismo, o “configura em todas suas dimensões”, restringindo grandemente a esfera de desfrute da liberdade.
Não obstante, os textos e observações de Henri Arvon, sobre a obra do filósofo de Landshut, destacando seu caráter inovador, original, podem ser perfeitamente retomados, caso interessar, visto contar não apenas com valor histórico, de modo que se consegue explorá-los, tendo-os como fonte de uma hipótese de trabalho importante, mesmo que apareça em segundo plano, de certa forma, em exegeses recentes, como vimos logo atrás.
Observe-se que, nesta época, Manoel Cabada Castro, sendo inaugurador deste interesse maior por Feuerbach, na Espanha, ao publicar o livro El humanismo premarxista de Ludwig Feuerbach, identifica, reconhece, este lugar comum, antes apontado por Arvon, variando um pouco a linguagem, tendo-o como um “pensador preso entre dois blocos gigantes, um pensador da teoria, Hegel, e outro o pensador da prática, Marx” (CADABA CASTRO apud CORTÁZAR, 1999, p. 09) sugerindo que se desfaça essa corrente, sem partilhar o mesmo reconhecimento de seu valor na originalidade, na fundamentação exaustiva exemplar, ainda que sua atualidade, para este, esteja garantida, assegurada, indicando a possibilidade da inexistência de consenso geral entre os leitores do filósofo, o que é compreensível. Mas verdade, em resumo, é que:
Feuerbach quis tomar a sério o homem como ponto de incidência do todo, e suas intuições críticas, em que pese seu radicalismo e carência de fundamentação teórica definitiva, são – em todo caso – uma advertência e um novo impulso (CABADA CASTRO, 1975, p. 218).
2. Concordo com o comentário do exegeta francês, de que Feuerbach contém um elemento original, inovador, deixando de lado, portanto, esta suspeita particular, esta dúvida específica, nutrida, por exemplo, por Cabada Castro (1975), ainda que tais exegeses mantenham um lugar comum ao pensarem que julgar e avaliar Feuerbach a partir dele mesmo, suspendendo-se, o quanto for possível, este impacto das impressões geradas naqueles em que ecoa de fato, em Marx especialmente no momento, juntamente com Engels, no esforço deles para interpretá-lo, devendo isso auxiliar, conforme Arvon, no resgate daquilo que entende poder buscar-se na sua obra.
Desejo rastrear, entretanto, outro elemento, ao qual favorece igualmente melhor elucidar sua produção. Logo, tendo a crer que esta mesma ideia contribui para se avaliar, com maior precisão, o ateísmo por ele estabelecido, cogitando ponderá-lo em alguma medida, porque este é relativo; e isso se viabiliza ainda mais, por certo, quando se separa, na escrita sobre a especulação aparentemente monotemática de nosso autor, a argumentação positiva e a argumentação negativa que Marx produz, acompanhado de seu parceiro intelectual, o modesto Friedrich Engels.
É fato que ambos os especuladores realizam uma crítica ferrenha, dura, pesada, em relação a religião, sobretudo a cristã, e o credo necessário no Deus abstrato, absoluto, onipotente, onipresente, eterno, por este defendido, em virtude de seu tamanho, seu volume, e sua repercussão, ou melhor, seu impacto negativo causado. Feuerbach não deve ser reduzido, porém, à imagem dele criada pelo crítico maior do capitalismo à época, ao avançar seus estudos e análises críticas, com sua guinada negativa, acompanhado de Engels, haja vista auxiliar o desenvolvimento de um equívoco robusto de fato. Se o saber sobre a relação de Marx & Engels, mesmo que em termos elementares, com Feuerbach, é fundamental para compreender-se, inclusive, a evolução do pensamento de Marx, também serve para avaliar-se o autor de A essência do cristianismo com maior correção, até mesmo entendendo melhor o que significa negar-se Deus, no seu caso específico.
Atender a esse clamor presente nos críticos especializados, independentemente de discordarem em outros aspectos, é cooperar para quebrar-se a cadeia marcada ainda pelo tom pejorativo saliente em Engels que por sua vontade e risco, afirmo por minha conta, ganharia outro caráter, que seria apenas homenageá-lo, rendendo-se a seu mérito. Arvon afirma que não é essa “a versão que foi popularizada pela célebre exposição de Friedrich Engels, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã” (ARVON, 1957, p. 01). Ou seja, conservar este quadro significa perpetuar, portanto, a dinâmica desfavorável ao reconhecimento merecido do autor e não ampliar o interesse na sua obra: “preso entre os imperialismos exclusivos e tirânicos de Hegel e Marx, ele aparece como uma simples passagem que, da coesão conservadora do primeiro, conduz à análise destrutiva do segundo” (p. 01).
3. Este reparo, este exercício, para fins didáticos, e acerto, quem sabe, no sentido metodológico, visando indicar o que Feuerbach quer fazer com a crítica da religião, da teologia, pontuando melhor onde reside sua descrença, apontando apenas o que existe de falso e que sugere alienação em termos morais enquanto produto da consciência religiosa, cristã especialmente, é beneficiado por esta trilha no caminho e tempo certo. Feuerbach, antigo aluno de Schleirmacher e Hegel, ressaltando o valor da crítica religiosa naquele momento, é ciente das dificuldades apresentadas, mantendo o compromisso de ultrapassá-las, encontrando solução razoável e efetiva. E o pai do materialismo antropológico não tinha sido estudado exaustivamente, fora do mundo germânico especialmente, enquanto não apareceu Arvon, as traduções dos textos do filósofo por Althusser, ainda que se duvide que pudesse gerar curiosidade maior.
Aproveitando este ensejo em que não carece de se mutilar sua obra, buscando valorizar a apreciação correta de seu ateísmo, é uma noção que se completa pelo recurso à imagem alimentada com a passagem que muito se visita do prólogo do 2º vol. de suas Obras Completas publicada em 1846, com a anuência de Feuerbach, quando revela seu senso humanista, condenando aqueles que só sabem julgá-lo como ateu inveterado em razão de compreenderem, aliás, que sua meta é maior do que essa, deixando de lado a intenção de se mover no âmbito, digamos, simplista, denunciando análises viciadas e falsas, reiterando erros colossais, dizendo-o ateu em termos absolutos. Transcrevo-a, para melhor cumprir o propósito ilustrativo que persigo aqui, distante de pretender chegar ao fecho total da questão, ao tempo em que me preocupo com essa utilidade que lhe cabe, ante tanta precipitação que acontece no âmbito exegético, destacando esta prioridade reservada ao homem:
Quem não sabe de mim senão que sou ateu, não sabe nada de mim. A questão de si Deus existe ou não, a contraposição de teísmo e ateísmo, pertence aos séculos XVII e XVIII, mas não ao XIX. Eu nego a Deus. Isto quer dizer em meu caso: eu nego a negação do homem. Em vez de uma posição ilusória, fantástica, celestial do homem, que na vida real se converte necessariamente em negação do homem, eu proponho a posição sensível, real, e, portanto, necessariamente política e social do homem. A questão sobre o ser ou não ser de Deus é em meu caso unicamente a questão sobre o ser ou não ser do homem. (ARRAYÁS. “Estudio preliminar”, XXXI apud FEUERBACH, 1993, “Prólogo”).
Lendo este fragmento, encontra razão Blanca Castilla y Cortázar (1999), para dizer, que “em tão breve parágrafo condensa-se de forma expressa o testemunho da prioridade do humanismo em seu pensamento”(p. 13). O problema, o dilema, a dificuldade, entretanto, surge condensada na página anterior do estudo sobre Feuerbach: “O ateísmo [que não pode ser eliminado absolutamente, mas só em partes], é premissa e consequência do que a ele importa: o homem” (idem, p. 13).3
4. Semelhante perspectiva sombria, desfavorável, que impõe este rótulo relativamente dispensável, servindo a carapuça de ateísta inveterado a Feuerbach, remete a uma questão sem desfecho total, definitivo, ante a posição do autor, mas exige que se pondere, mesmo assim, diminuindo-o, fazendo-o mais estreito, aceitável, e compreensível.
Dizer-se que o filósofo não é, realmente, ateu no sentido convencional não é possível; também este exagero da crítica negativa, destrutiva, não se faz de todo correto, acertado, legítimo, pois a descrença não assume-se enquanto valor absoluto, existindo apenas como um fenômeno que tem este sentido plástico, passível de ser produzido na experiência, mas apreendido, depois, enquanto conceito, como ateísmo, relativo, parcial.
O livro que o consagra, colocando-o no centro da cena, enquanto promotor de uma ruptura efetivamente, o qual o impõe como pioneiro, dando forma ao materialismo antropológico e suspendendo o idealismo, a filosofia especulativa, abstrata, a teologia como uma solução, não traz na parte constituída, onde é condenada a base falsa da religião, uma recusa, portanto, da sempre acalentada dignidade humana.
É certo que poderíamos reunir a colaboração de Engels, neste escrito, ao estabelecer seu texto definitivo, ao atender ao pedido dos editores da revista Tempos Novos [Die Neue Zeit] que solicitou que comentasse o livro de Starcke sobre Ludwig Feuerbach publicado em Stuttgart em 1885, daí resultando Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, publicado em 1886 por este, na citada revista, e como folheto a parte, em segunda edição, em 1888.
Importa dizer ao leitor que Engels parecia desejar inicialmente com sua escrita, em nome dele e de Marx já morto, homenageá-lo com a oportunidade que se apresentava, mas este carrega seus preconceitos ao efetivar seu plano, transportando também, sem se importar muito, seus contrapesos visíveis para o lado que não seria desejado, aterrissando naquilo, na verdade, que não se busca quando se é movido por uma espécie de sonho de felicidade, por algo alegre, bem sucedido, esperado.
Esse, perto do final de sua vida, conforme relata na “nota preliminar” do texto que pretendia escrever, corrigindo-o e ajustando-o nesta 2ª edição, que sairia em separado do periódico, ou seja, dois anos depois, destaca que havia certa dívida de gratidão para com Feuerbach, vendo-o separado de Marx, apreendendo-o por ele mesmo, pela recepção que este mesmo realiza, antes de notar que a crítica de Feuerbach precisaria ser completada, porque o texto que encontra feito 40 anos antes é insuficiente. Veja-se que segundo Engels, em face do trajeto percorrido, lhe parecia:
cada vez mais necessário expor, de um modo conciso e sistemático, nossa atitude ante a filosofia hegeliana, mostrar como nos havia servido de ponto de partida e como nos separamos dela. [...] também que se tratava de saldar uma dívida de honra reconhecer a influência que Feuerbach, mais que qualquer outro filósofo pós-hegeliano, exercera sobre nós durante nosso período de combate e luta (ENGELS. Nota preliminar apud ENGELS, 2016, p. 14)
Essa ideia se reforçou, a ideia de assumir este tom paradoxal, ao retomar o contato com o propósito de A ideologia alemã que havia sido deixado na forma de manuscrito sem que os dois soubessem, isto é, ele e Marx, texto então que ainda não havia sido publicado, acontecendo apenas recentemente, após avançarmos mais de três décadas no século XX, o qual escrevera, com Marx, em Bruxelas, na Bélgica, entre 1845-6, numa espécie de exílio intelectual, devendo-se este atraso a “novas circunstâncias imprevistas”, ligadas ao cerceamento da liberdade, no próprio espaço ou ambiente em que haveria de ser impresso inicialmente. Assim, tendo de esperar o momento propício, tiveram de tolerar – Marx ainda vivia – encontrando neles o entendimento, a compreensão, mesmo com a surpresa da notícia, isso porque o papel havia sido cumprido com a reflexão realizada, que era, segundo eles, afastá-los de vez da consciência filosófica anterior, fundada em fontes idealistas, abstratas, intelectualmente falando, teológicas, alienadas, portanto, entendidas comumente, à época, enquanto hegelianas.
Então, Engels sentencia, sem a presença de Marx mais, na aludida “nota preliminar”, retratando seu sentimento ao tomar ciência da não publicação, até aquele momento, do escrito conjunto. “Entregamos o manuscrito à crítica roedora dos ratos, de muito bom grado, pois nosso objetivo principal – esclarecer nossas próprias idéias – já fora atingida” (p.13), com o que se imprime uma espécie de consolidação do fundamento materialista de suas ideias.
Mas Engels está ciente, ali, da contribuição, na proposta inicial, de Feuerbach, fazendo coro com vários leitores quando se refere ao aparecimento de A essência do cristianismo (1841), mesmo que haja quem enxergue na adjetivação atribuída aos hegelianos de esquerda, em especial ele e o filósofo de Trier, os quais são feito feuerbachianos, sendo estes interessados em acelerar o tempo do afastamento de Marx em relação ao filósofo de Landshut, entendendo-a enquanto uma mostra de exagero, semelhante valorização das ideias, visto que se tem um assentimento dos limites e defeitos. Voltemos ao final da “Nota preliminar” e vejamos, para confirmar, a expressão de Engels, antes de ter este texto de abertura pronto, quarenta anos depois, e mesmo o próprio escrito, já concluído:
Antes de mandar estas linhas à imprensa, voltei a procurar e a repassar o velho manuscrito de 1845-6. A parte dedicada a Feuerbach não está terminada. A parte acabada se reduz a uma exposição da concepção materialista da história, que só demonstra o quanto eram incompleta, por aquela época, nossos conhecimentos da história econômica. No manuscrito não figura a crítica da doutrina feuerbachiana; não servia, pois, para o objetivo desejado (ENGELS, Nota preliminar apud ENGELS, 2016, p. 14).
A contrapartida aqui é ter encontrado um velho caderno contendo as 11 teses acerca de Feuerbach que ele mesmo publicara enquanto anexo em apêndice, a seu texto, pois não havia sido construída para isso inicialmente por Marx, representando, entretanto, algo muito relevante no tangente a esta nova concepção de mundo. Ou seja, em sentido metodológico, é fundamental entender que antes de A ideologia alemã, concebida entre 1845-6 e as 11 teses, nesta mesma época, não há uma recusa de Feuerbach, e sim um reconhecimento de seu mérito.
Alfredo Llanos (1974) tradutor de importantes textos ao espanhol do jovem Feuerbach contribui, mostrando que há, no século XIX, compreensão do porquê Feuerbach se prende a essa tarefa que ele realiza, e o quanto é grande seu mérito neste contexto em que se tem de dar vida ao novo. Ante tantas resistências tradicionais e que o nome maior é o de Hegel no campo teórico-filosófico, tudo leva ou têm de passar – digamos dessa forma – por seu crivo e sistema.4
5. É certo frisar que aquele simples desejo de prestar reconhecimento ao solitário de Bruckberg, homenageando-o, nutrido pelo parceiro intelectual de Marx, encarando tal como uma dívida a ser paga, perto já do termo final de sua vida, com 74 anos, em agosto de 1895, com a retomada do material produzido nos anos quarenta, do qual terminou por resultar a necessidade de estabelecer uma nova versão, foi o móvel, donde adveio em 1886, para o texto citado, justificando robustecer-se enquanto produção em separado, pois não dava conta antes do que era preciso.
É possível que tenha mesmo vindo ganhar essa ambiguidade maior ao despertar o senso de envolvimento e compromisso dele com toda uma vivência, cuja diferença com aquilo que seria um trabalho estritamente teórico se sabe que existe, possuindo um poder maior, pois, de exercer contágio, tocando as paixões, os desejos, quer dizer, envolvendo o corpo, a sensibilidade, além da própria razão e do intelecto.
Nesse movimento individual de recuperação da memória registrada deles, da lembrança da publicação, por parte de Engels depois de 40 anos, de A essência do cristianismo em 1841, neste período que vem triunfar definitivamente a ação dos hegelianos de esquerda, contrários aos obscuros, teóricos, reacionários, adeptos de Hegel, mas colocados em defesa da ruptura com a tradição, tendo em Feuerbach o representante da trincheira mais admirável, e propositiva, eis que se fizeram contrários a esta realidade sombria de fato, tornando-se momentaneamente feuerbachianos. E Engels se beneficia por não perder esta oportunidade de se pronunciar sobre a representatividade do autor, tecendo alguns comentários sobre seu papel, fazendo voltar ele mesmo, pois, aos recursos da memória, parecendo semelhante gesto algo de grande importância.
Passando-se a palavra a Engels, no corpo do famoso texto, ao final do primeiro capítulo, quando se refere a Feuerbach pela primeira vez, sem pretender aqui estudar de todo o ensaio do autor, consegue-se notar o contágio do escrito, captando o caráter diferenciado da ação do autor d’A essência do cristianismo, distinguindo-se dos outros jovens hegelianos que se fazem moderados; isso quando reduz o impasse em torno da baixa unidade e da contradição, decidindo sobre a fonte da essência e da verdade, ao referir-se ao lançamento do livro maior em pauta, o qual se ocupa com um dos problemas centrais da filosofia.
Próximo ao final da primeira seção de seu impactante, mas marcado ensaio, diz que Feuerbach encontra solução para semelhante dificuldade, relacionada ao maior enigma, tendo-o na teologia invertida, ao final, que é o mesmo que dizer na antropologia, fazendo-a o fundamento. Veja-se a narrativa do autor, ressaltando a ação de Feuerbach, utilizando-se da trincheira5 própria por ele aberta para combater as condutas titubeantes, frouxas, condenáveis:
A grande maioria dos jovens hegelianos mais combativos, levados pela necessidade prática de lutar contra a religião positiva, tiveram que se voltar para o materialismo anglo-francês [...]. Foi então que apareceu A essência do cristianismo de Feuerbach. De repente, essa obra [...] apesar de todas as suas reservas críticas, - pode ser visto em A sagrada família. [...] Os próprios defeitos do livro contribuíram para seu sucesso momentâneo [...] Feuerbach quebrou o sistema e o pôs simplesmente de lado [...] Veremos adiante como isso se fez (ENGELS, 2016, p. 28).
Mas antes disso, quer dizer, antes de indicar como irá mostrar aí o que refere na última frase, da citação acima, após concluir esta primeira parte do texto, Engels fecha afirmando que deixará as seguintes páginas (próximo de 40 páginas, divididas em mais duas sessões ou capítulos) para se ocupar com o que é indicado por ele.
Mesmo que não objetive estudar aqui de todo, o resto do escrito, antes de seguir, é útil, contudo, transcrever, para meu propósito, as últimas linhas que vem fechar a primeira sessão uma vez que contribui neste mapeamento de quando este deixa de ser admirado pelos jovens hegelianos, combativos e progressistas, especialmente Marx & Engels, mas que apenas agora estaria voltando a pensar, rememorar: “nesse interim, veio a revolução de 1848 e pôs de lado a filosofia, com a mesma desenvoltura com que Feuerbach pusera de lado seu Hegel. E, com isso, o próprio Feuerbach passou a segundo plano” (Id., p. 28).
Se havia uma atmosfera favorável a Feuerbach com a publicação de A essência do cristianismo que consuma o nascimento do materialismo antropológico, estando refletido este reconhecimento em Marx n’A Sagrada Família, apesar de já se notar ressalvas; este quadro é interrompido, no olhar positivo, com a Ideologia alemã e as Onze teses, verdadeiramente, sendo arrematado, todavia, com a revolução de 1848 que coloca em xeque toda o pensar filosófico.6
2ª PARTE
6. Está claro que não é nossa meta aqui se dedicar a estudar o ensaio de Engels completamente, mas parece válido indicar alguns elementos prós e contras ainda, que retiram a oportunidade do trabalho representar na versão publicada e separado algo somente positivo no exercício exegético de praticar a história do pensamento, mantendo fidelidade à memória, sem mascará-la, esclarecendo porque tem de ser lido atentamente, para haver justiça, honestidade, para com ele.
Feuerbach, afastando-se o descuido ou a despreocupação muito presente em quem não está pesando o prejuízo que pode significar sua falta de interesse, sua incompreensão, se deseja motivar a ampliação do crédito, da leitura, do reconhecimento, conservando-o distante do ostracismo; na escrita de Engels, tem-se algo para ser analisado, ponderado, visto que também apresenta um elemento positivo sobre o solitário de Bruckberg, e não apenas um elemento de recusa.
Engels, logo após a morte de Marx em 1883, lembra que eles nunca mais haviam se ocupado em falar de Feuerbach após o impacto que causou, embora o tivessem feito sobre Hegel esparsamente. E recorda o pensamento positivo de ambos naquele momento, apesar de manter já alguma ressalva que não chega a representar desmerecimento, cabendo o mesmo para Marx, como é atestado pela Sagrada Família, primeira obra, como sabemos, em parceria dos dois, saída em 1845, no ponto de um artigo antes citado, presente em Héritages de Feuerbach, tomar essa obra enquanto a mais feuerbachiana de todas, reconhecendo que este influi menos já no quadro avançado em O capital, ainda que possa ser julgado presentemente em menor medida.
Engels aceita o elemento de fratura trazido por Feuerbach, com o qual é sepultada a filosofia clássica alemã, acontecendo isso, primeiramente, em termos mais efetivos em 1839, embora se desse o esboço desde o começo do percurso, com a epístola anexada à tese cuja orientação tivera sido feita por Hegel, alvo específico do ensaio acima intitulado Para a crítica da filosofia de Hegel, antes lembrado, tendo tradução recente ao nosso idioma. Isso é prova de que seu escrito não se apresenta, na consumação dessa ideia, só enquanto a divulgação de algo efêmero, passageiro, sem tanta relevância para o Marx que viria pela frente, sendo contestável a ideia de “por um momento”, aderimos, etc.
Engels também, como Marx inicialmente, valorizando a noção ambígua sobre o texto, que talvez não tivesse, antes de fazê-lo, justifica o fato de não haver espaço para atacar a realidade política diretamente, razão pela qual o trabalho de Feuerbach, em um momento, referendado por Engels, reconhecido noutro lugar, por Marx, centraliza-se na condenação religiosa exatamente, vindo mostrar como considerar a história, a realidade concreta, importante, representativa, por tabela. Alfredo Llanos mostra que neste momento, como referimos, há compreensão de porquê Feuerbach se prende a essa tarefa que ele realiza, e o quanto é grande seu mérito nesse sentido.
7. Agora, a ruptura, ainda que haja contestação depois em centrar a história e a política no elemento religioso, que torna Ludwig Feuerbach diferenciado, entre os jovens hegelianos, é algo que se dá em 1841 com a obra A essência do cristianismo onde enfrenta diretamente o idealismo hegeliano, inaugurando, dessa forma, o materialismo antropológico. Então, rompe o velho entendimento de que tudo seria uma emanação das ideias, uma decorrência do que se passa no âmbito abstrato que quanto mais se sobrepunha ao real, ao concreto, ao homem de carne e osso, mais consistência ganhava.
Para Feuerbach, isso que serve de base ao idealismo, sendo sustentado pela filosofia especulativa, não é mais do que um disparate uma vez que nós criamos os conceitos, as ideias, os pensamentos, desde o nosso agir cotidiano, tornando claro uma viva insurgência que mantém contra o processo de alienação, causado pela filosofia abstrata, o teologizar das ideias, com seu foco no ideal, no absoluto, sendo inspirado em uma motivação e um suporte religioso, mítico, equívoco, que sabe, aliás, penalizar o homem, criando a ideia de: falta moral, pecado, culpabilidade, remorso e, consequentemente, de sofrimento, algo amparado, avalizado, feito da tradição, reinando por mais tempo intensamente, com o trunfo da decadência do cristianismo.
Veja a própria ponderação de Feuerbach, na crítica realizada aos cristãos, nos Aforismos teológicos satíricos, onde afirma que até Cristo seria ateu ao ver o nível de decadência da religião cristã por sua perda de vida, de força, de vibração, de energia. Essa visão, ancorada no preconceito, ainda não está totalmente estabelecida na crítica de Marx e Engels a Feuerbach, algo que só se consolida com as Onze teses sobre Feuerbach (1845) e a Ideologia alemã (1845-6). As teses foram publicadas apenas em 1886, isto é, postumamente, mas enquanto apêndice, anexo, ao escrito de Engels; e a Ideologia alemã também, mas só no século XX, em 1932. Antes disso, não é de conhecimento do público essa visão negativa do modo como se apresenta hoje.
Certo de que Feuerbach é fundamental para compreender-se a formação do pensamento de Marx devido seu humanismo, todavia, Rodolfo Mondolfo alerta que: “o pensamento de Feuerbach não está apresentado no seu real e genuíno conteúdo e significado” (MONDOLFO, 1960, p. 15) nas teses, que não se caracteriza por ser: “a antítese (exata) da posição (deste)” (Id., p. 16). Ora, “para bem compreender Marx é necessário, pois, ter compreendido corretamente Feuerbach” (Id., ibid.) de quem se faz um devedor na sua síntese humanística e de crítica social e política, mas antes religiosa. É preciso ter cuidado, portanto, para não nos deixarmos levar por aqueles pontos da recepção de Feuerbach da obra de Marx que não o traduzem integralmente, induzindo-nos, de quebra, ainda a um erro.
8. Pode-se imaginar o impacto de semelhantes ideias que visam nortear um novo quadro de crenças, levando ao desenvolvimento da dúvida, da suspeita, sobre os alicerces em que estão assentadas nossas bases morais e religiosas. Muita convicção e bastante coragem eram precisos para levar em frente este entendimento, e Feuerbach manteve-se firme no que pensava visto que tinha certo o que desejava ganhasse a cena no debate, ou melhor, que não tivéssemos apenas debate: visava beneficiar o homem e dar sobrevida às instituições dignas disso, e não simplesmente limitar-se neste exercício de execrá-las, condenando-as gratuitamente. Sua razão de ser é o homem e sua redenção, seu trunfo realmente, no mundo. Cabada Castro (1975) afirma:
Toda a ‘teoria’ de Feuerbach está em função de uma opção fundamental pelo homem, pela plenitude de sua existência concreta [...] Tem razão Feuerbach ao dizer, e sua própria filosofia do homem ‘a nova filosofia, como filosofia do homem, é também essencialmente a filosofia para o homem; tem essencialmente – sem prejuízo da dignidade e independência da teoria – uma tendência prática em seu mais profundo sentido (p. 205-6)
Cabada Castro (1975) permite notar que a prioridade dada ao homem, por Feuerbach, é clara no sentido de despertá-lo para sua vida aqui neste mundo, mas sugere a dramaticidade desta construção, lendo-o desta forma, e talvez o filósofo só queira que lhe caiba se tornar livre, responsável, ligando-o ao que está a seu alcance:
E na realidade, ao negar Feuerbach a existência pessoal noutra esfera, estava impulsionando o homem a se ocupar unicamente desta vida; ao substituir o amor abstrato de Deus pelo amor ao homem, estava pondo os fundamentos da igualdade e convivência humanos; ao substituir a fé em Deus pela fé no homem, responsabilizava ao homem nas tarefas deste mundo: assim, refletia Feuerbach ante seu auditório de Heidelberg, ao concluir suas aulas públicas sobre a essência da religião (Id., p. 206).
Pode-se imaginar o peso de semelhante pensamento já firmado na obra do crítico da religião, quando correm aqui vários anos após a publicação de sua maior obra, estando-se em 1851.
9. Engels no seu ensaio Ludwig Feuerbach, posto em questão, deixou que entendesse o peso carregado por semelhantes ideias críticas do autor naquele instante, representando estas muito, com o livro-chave de 1841, fazendo-o impactante. E Marx, mais jovem que ele, concluindo seu doutorado neste ano, mesmo, também se impressionou, tendo ele, embora veladamente, o respeito comum a Hegel, dado ao método com o qual opera, principalmente, sendo sua tese impulsionada, todavia, por uma temática hegeliana.7
Cabe lembrar que Marx, não obstante, é visto como um pensador ciente do papel positivo de Feuerbach quanto a sua crítica da religião, que representa algo que chega ao campo da crítica política. Cabada Castro escreve: “quase todos os intérpretes do pensamento de Marx, qualquer que seja sua tendência, admitem o influxo do pensamento feuerbachiano no jovem Marx. As referências de Marx, explícitas ou implícitas, à ideologia feuerbachiana são múltiplas e variadas” (1975, p. 163)
Segue o comentador de língua espanhola falando, mais a frente, da conexão de Marx com as ideias de Feuerbach:
É importante observar todavia que não somente a crítica mesma da religião em Marx é de origem diretamente feuerbachiana, senão que também a estrutura, os esquemas mentais da crítica política ou econômica do Marx jovem são muito afins a análise ou a explicação da projeção religiosa de Feuerbach. Marx concebe de fato sua crítica política em conexão direta com a crítica religiosa de Feuerbach: ‘a crítica da religião – diz Marx – é o pressuposto de toda crítica... A primeira tarefa da filosofia, ao serviço da história, é – uma vez desmascarada a figura sagrada da auto-alienação humana – desmascarar a auto alienação em suas figuras profanas. De este modo, a crítica do céu se transforma em crítica da terra, a crítica da religião em crítica do direito, a crítica da teologia em crítica da política (Id., p. 169).
Avancei a passada em Marx para recuar, primeiramente, a Feuerbach. E aqui vale lembrar que, se este tinha por meta chegar a universidade, consolidando uma cátedra, defende seu doutorado sob orientação de Hegel em 1828, contando com 24 anos de idade, precisou rever essa ideia. Pois seu destino foi selado 4 anos depois, com a repercussão de seu livro saído anonimamente, quando resolve pôr em questão crenças que só a imaginação pode alimentar, levando a se fecharem as portas para ele, perdendo precocemente seu espaço acadêmico.
Agora Marx nutria essa expectativa em 1841 ao escrever sobre o materialismo de Demócrito e Epicuro, revestindo-o de caráter hegeliano, porém arca com um destino não menos pior, de certa forma, que o de Feuerbach, visto que a universidade era um espaço, no seu entender, importante, sob o ponto de vista político, mas fato é que desconheceu esse acesso, mesmo que rápido, tendo esta expectativa frustrada. Se Feuerbach chegou a experimentar a vida acadêmica, não carecendo recorrer a outro meio de vida, Marx, sem contar com semelhante alternativa, enveredou ao campo jornalístico, podendo cunhar a ideia do papel que cabe a um jornal, assumindo a posição de editor chefe, por breves momentos, cumprindo antes seu papel com um bom volume de artigos.8
Feuerbach, não obstante, convicto de sua noção materialística, estimula por ele mesmo críticas muito firmes, desmascarando verdades, ou falsas verdades, tradicionais, muito batidas, da religião e sua avaliação crítica, histórica, radical, da teologia cristã, também confirmando sua maneira de se fazer contrário à divindade, ao mito, da salvação em outra vida, e outro mundo, sendo impositiva como se o homem fora sempre uma criança. Pois, no âmbito de A essência do cristianismo (1841), seu maior escrito e mais ambicioso de seus projetos, deixa entender, no prefácio de sua 2ª edição, que é de 1843, sobre o verdadeiro fundamento, empírico e concreto, palpável, que sustentam o pensar e as ideias, os conceitos, dispensando as mentiras comuns, desnecessárias, visto que não contribuem com o crescimento, revelando-se materialista antropológico, fazendo sentido o que diz:
As ideias do meu livro são apenas conclusões de premissas que não são meros pensamentos, e sim fatos objetivos, atuais ou históricos – fatos, que apesar da sua existência bruta em incunábulos não tinham absolutamente lugar em minha cabeça.
Em geral, condeno incondicionalmente qualquer especulação, material, autossuficiente- a especulação que tira a sua matéria de si mesma. Sou astronomicamente diferente dos filósofos que arrancam os olhos da cabeça para poderem pensar melhor; eu para pensar necessito dos sentidos, mas acima de todos os olhos, fundamento de minhas ideias sobre materiais que podemos buscar sempre através da atividade dos sentidos, não produzo coisas a partir do pensamento, mas inversamente os pensamentos a partir das coisas (FEUERBACH, L. Prefácio à 2ª edição (1843). p. 20-21. A essência do cristianismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007)
3ª PARTE
10. Feuerbach trabalha com pensamento de se fazer negativo, sem tergiversar as críticas que precisam ser feitas, pois somente, assim, é possível pleitear-se a novidade, a verdadeira superação, a síntese de fato, que não se revela fragmentariamente e fora do seu tempo, obedecendo a seus próprios ditames. E a Essência do cristianismo seria uma obra nesse sentido, mas somente naquilo que faz pouco caso do homem no seio da religião, e de toda a cultura, uma vez que é a afirmação deste que o interessa, fato este negligenciado pela teologia e pela filosofia tradicional, abstrata, desfibrada, dogmática, que não emana da própria essência humana, como o faz a filosofia nova que visa professar, de modo positivo, esta consideração pelo homem. Tanto na partida quanto na chegada, superando o momento das expressões negativas, a qual se constitui num momento apenas de construção radicada na segunda parte do livro, o maior por ele produzido, é assim que efetivamente se observa.
Considerando em especial as Teses sobre Feuerbach, Marx teria dificuldade para entender isso, pois o revela, segundo Mondolfo, as faces de um teórico: “Se Wesen des christentums quer provar que a teologia é antropologia [xi-xiii], que Deus é espelho do homem (72-3, 92-3), que o mistério da família celeste se explica com a terrenal e seus afetos naturais (99-102), não quer, sem embargo, fazer obra simplesmente negativa (xi-xiv)”(MONDOLFO, 1960, p. 67). Trata-se de obra negativa, portanto, apenas no sentido de que não quer mobilizar qualquer paixão, crença, ou esperança, sonho, propriamente humano, servindo de impulso à história, quer dizer; “somente quanto à essência não-humana, não quanto à essência humana da religião” (id., p. 21-22) razão pela qual o ateísmo de Feuerbach é passível, a meu ver, de ponderação, de ser avaliado na sua origem e sentido, pois Deus e religião o interessam naquilo que lhe toca e que precisa estar presente, sob pena de encontrarmos vazio e ser agraciados com a inércia. Isto é, caberia a religião fazer papel diferente, sendo fonte de vidas; e pode-se imaginar o estranhamento que essa afirmação poderia gerar neste ambiente cultural tomado pela maneira de pensar tradicional, conservadora e impositiva.
Haveria motivo para tê-lo enquanto negativo somente, e, portanto, como um ateísta ferrenho, inveterado, abominável, por seu caráter pernicioso, se fosse o caso, para a preservação da força, do vigor, e da expansão humana, se o livro lançado em 1841, produzindo sucesso, contasse apenas com a segunda parte. Ali aparece o fundamento teológico e falso da religião, manifesto enquanto uma projeção humana, reveladora da impotência e miserabilidade, que encontra bases verdadeiramente não na teologia, mas na antropologia, pois é o homem mesmo que acaba se revelando; embora neste traço negativo, psicológico, mostre-se, na verdade, o elemento positivo, nua e cruamente, ou seja, o fundo humano é o que se apresenta.
Tem-se aqui um verdadeiro ganho com semelhante revelação, deixando-se de acolher verdades falsas, podendo-se reorientar a vida humana na sociedade. A essência do cristianismo, enfim:
Divide-se em duas partes, das quais, conforme a importância, é a primeira afirmativa, a segunda (inclusive o apêndice) negativa, não totalmente, mas em sua maior parte, em ambas, porém, é demonstrada a mesma coisa, apenas de modo diverso ou mesmo oposto. A primeira é a solução da religião em sua essência, em sua verdade, a segunda a solução da mesma em suas contradições; a primeira, desenvolvimento, a segunda polêmica; aquela, pela própria natureza do assunto, mais tranquila, esta, mais viva (Prefácio à 2ª ed., p. 23).
Temos a confirmação da ideia de que o problema da teologia se resolve na antropologia, a qual seria o sustentáculo verdadeiro da existência de Deus e da religião ficando o contorno destes delineados. O resto é considerado simulacro, quimera, fantasia, ilusão, o qual pode-se admitir enquanto existente, pois nós não precisamos nos enganarmos neste sentido; contando-se com o pleno direito de sonhar, projetar conquistas, dentro do que nos é permitido e possível, chegando-se a ser desafiado em elevado grau, vislumbrando chance de tais conquistas, mantendo-as como humanas, e não ações milagrosas de Deus, mas sim o resultado de empenho e ação persistente. Enfim, concluindo a parte pertinente aqui, para nós, da escrita do ‘prefácio’, à 2ª edição, articulado por Feuerbach:
a primeira parte é, portanto, a prova direta, a segunda a prova indireta de que a teologia é antropologia; por isso a segunda conduz necessariamente à primeira, não possui um sentido autônomo, deve somente demonstrar a meta, que o sentido no qual a religião foi lá tomada deve ser o certo, porque o sentido contrário é um nonsense (Id., p. 23).
11. O filósofo de Landshut faz de Marx & Engels, e os outros hegelianos de esquerda, feuerbachianos de modo efetivo quando assume corajosamente a tarefa de, ao tempo que reconhece o mérito e a genialidade de Hegel com a dialética por este estabelecida, com o que se atinge níveis avançados de síntese e de apreensão da totalidade, como jamais havia acontecido antes, caminha no ponto de buscar superá-la; Para a crítica da filosofia de Hegel (1939) talvez seja o primeiro movimento efetivo deste enfrentamento que encontra um ponto de consumação com a Essência do cristianismo, embora se possa pensar que a ruptura completa é algo que não acontece jamais:
Hegel começa com o ser, ou seja, com o conceito de ser; porque não hei - de poder começar com o próprio ser, ou seja, com o ser real? Ou porque não com a razão, uma vez que o ser, ao ser pensado, tal como é objeto na Lógica, me reenvia imediatamente à razão? Será que eu começo com um pressuposto quando começo com a razão? Não, eu não posso duvidar da razão, não posso abstrair dela, sem declarar como desprovidas de razão meu próprio duvidar, o meu próprio duvidar, o meu próprio abstrato (FEUERBACH, 2012, p. 29).
É certo que as estrelas não são objeto de uma intuição sensível imediata, mas a coisa principal, e nós a sabemos – e que elas obedecem às mesmas leis que nós. É, pois, vã toda a especulação que quer ir para além da natureza e do homem – tão vã como a arte que nos quer dar alguma coisa de superior à humana, mas só nos dá caricaturas (Id., p.62).
Ele arvora-se em recusá-lo devido sua doutrina essencialmente abstrata, idealista, que não abre mão de ser fechado em termos formais, lógico, mas sem contar com a substancialidade que lhe julga própria. Quer dizer, seu mestre maior, seu admirado ex-professor e orientador de seu doutoramento, G. W.F Hegel, mesmo mantendo posto de referência intelectual e acadêmica maior, juntamente com o escopo de supremacia que exerce, neste ambiente cultural europeu e germânico, o ideário cristão, não foge de ser alvo da recusa uma vez que Feuerbach, fazendo-se bom aluno, se julga poder questioná-lo, indagá-lo, recusando o esforço de avistar a teologia suplantando a antropologia sempre, e negando ao final, portanto, o homem de carne e osso, o que lhe parece inaceitável e impróprio para ser admitido por ele, mesmo que sua representatividade teórica seja grande.
Ao buscar trazer as bases, as fundações, do materialismo antropológico, reivindicando o trunfo do homem de tipo integral, Feuerbach, querendo solucionar um problema importante, no plano do saber elaborado, inaugurando outros tempos na filosofia, deixa claro que o pensamento, o conceito, isto é, a dimensão abstrata é decorrente da inserção humana no mundo. Ou seja, este advém da história que se materializa pouco a pouco concretamente, da experiência paciente ou imediata que seria desfrutada ou vivida pelos homens, desde os acontecimentos mais simples que os absorvem ou os assaltam, tornando cada homem lançado ao mundo, sendo convidado a fazer sua vida, sua história, mostrando-se, verdadeiramente, responsável a cada momento, a cada conduta que assume.
Impõe-se, por certo, um trabalho árduo, um processo conceptivo de construção e desenvolvimento da humanidade integral do homem que sempre vai estar a caminho de sua completude, mesmo que exista uma essência potencial manifesta, virtualmente estabelecida. Mas este precisa se deparar com um mundo e uma cultura real, minimamente equilibrada e saudável até, para trazer a ocasião propícia para gerar este saber. A partir deste quadro se pode exigir do indivíduo que aí aparece, fazendo-se recém-chegado, a condição que permite compreender a exigência toda que estaria a ele sendo feita.
Se em sentido abstrato, teórico-filosófico, a demanda parte, impondo-se à intelectualidade, à época, do mundo sensível, da realidade política e social, da hegemonia exercida, por estes dois grandes pensadores, aos quais Feuerbach surge, digamos, cercado, que seriam os grandes Hegel e Marx, com os quais é convidado a lidar9. E o filósofo de Landshut se faz um outro, em termos teóricos, na medida em que encontra a oportunidade que busca criar de negá-los por saber que carrega algo gestado por ele mesmo, não sendo apenas por força do arbítrio que ambos acabam assumindo e também exercendo em face dele, e de sua própria sociedade ou mesmo época, o desejo de poder. Enfim, Serrão comenta:
Quem pretende delinear um itinerário seguro para a interpretação do pensamento de Ludwig Feuerbach poderá decerto buscá-lo na temática antropológica, mas somente na condição prévia de entender esta antropologia como uma doutrina do ‘homem integral’. Quer seja perspectivada na eficácia teórica de uma categoria filosófica, na função crítica que avalia o curso histórico e as representações dominantes da tradição, ou ainda na vertente prospectiva de um ideal orientador do futuro, o motivo da integralidade humana constitui, mais do que um simples tema, o núcleo teórico estruturante do pensamento feuerbachiano, foco de convergência de muitas áreas reflexivas e intuições dispersas que se desenvolvem por vezes sem aparente ou imediata articulação (2007, p. 167).
Mais a frente, completaria Serrão:
Afastada fica a interpretação da integralidade como um qualquer estereótipo de perfeição ou da apoteose feuerbachiana do homem como a sua absolutização ou divinização. Embora isento de cisões ou de clivagens, o homem integral está longe de ser o homem perfeito ou acabado, marcado que está pelo caráter paradoxal de uma inteireza que é impotência, de uma totalidade que é incompletude, de uma riqueza que provém da carência, de uma grandeza que é finitude ou de uma liberdade que é contingência (Id., p. 175).10
E disso acaba por resultar, devido a coragem que o filósofo de Landshut tem de se manter na senda que entende lhe ser própria, um rico material servindo de subsídio para nossa reflexão, com toda a limitação presente em uma ‘filosofia nova’, radicada em meras ‘teses’ e ‘princípios’ que requereriam um maior desenvolvimento e fundamentação para trazer resultado, permitindo uma posterior análise.
O que se presencia, ao invés de manifestação de um simples ateísmo, é uma proposta de afirmação do homem quando se vê o filósofo cobrar pelo seu reconhecimento na integralidade de suas forças humanas. E isso, considerando-o de acordo com o que é feito pela natureza, e segundo a ordem e o tempo que essa define, alinhando tal pensamento com o naturalismo de orientação estoica e epicureia, que trabalham com a noção de “viver segundo a natureza”, mas já abrindo espaço para a subjetividade, imprimindo um caráter existencial.
12. Se é lícito falar de elevação do humano, esta exige que se pense no homem enquanto corporalidade, racionalidade, espiritualidade, tocado pelo dinamismo próprio do que é vivo e também finito, perecível, mutável e, portanto, bastante complexo. Aqui está implicado, afastando a senda do niilismo, reconhecer que bem-estar, justiça, amor felicidade, são possíveis, mas requerem nossa participação, e presença no mérito do gênero humano, o qual estaria para revelar-se ante o atual desafio, sob pena da razão ficar para o que, ao final, é pensado por alguns contemporâneos de Feuerbach no século XIX, especialmente Schopenhauer. Ainda que reconheça o valor da compaixão, na base do pensamento ético, não julga – este outro inimigo de Hegel – que a felicidade seja possível, diferentemente do que é nutrido pelo solitário de Bruckberg, que se conserva este otimista, encontrando a alternativa de se sonhar.
Há um instinto de felicidade no homem que aparece indicado no texto Ethique; l’Eudémonisme (1867-1868) escrito 3 anos antes de seu falecimento (publicado postumamente), consumando seu projeto ético cuja inclinação sombria é neutralizada. Mas antes uma concepção de origem do conhecimento que coordena com o que é pensado por Aristóteles, Feuerbach abandona, em partes, a concepção platônica de saber, assumindo essa conduta de que este emana da luta, do empenho, do trabalho árduo.
Essa confiança e otimismo com relação ao que pode o homem que não é maculado e rebaixado no interior da cultura e na convivência humana, não pode ser algo resultante do autor, fosse ele fosse pobre espiritualmente, vazio, estreito, acreditando na falta de sentido para a vida, mas não parece ser seu caso.
E cogitarmos a possibilidade de viver sem religião é pensar que podemos viver sem sonhar, sem abrirmo-nos para sentimentos utópicos, confabulando com as desesperanças somente. A isso haveria de nos levar os quadros possivelmente vazios em que o dado hegemônico e consensual advém do ateísmo, numa época onde se vê um déficit incrível de espiritualidade e de sofrimento psíquico e de visão negativa da existência concreta se estabelecer.
Conclusão
Embora sempre se tenha aquelas leituras dos escritos de filosofia e dos temas enfrentados e conclusões com um nível de aceitação maior é possível dissidências sempre, ou seja, ruptura de unanimidades, de consensos, etc.
Às vezes contribui-se com uma proposta de leitura não por esta trazer uma novidade, mas por estimular algum cuidado maior, quando se escreve, buscando-se ser mais didático, mais claro, terminando-se por produzir também reparos, mas estratégicos. Pois aqui referendamos a necessidade de considerar Ludwig Feuerbach mais do que um pensador de transição, um elo entre Hegel e Marx, entre teoria e prática, entre idealismo e materialismo, visando evitar mutilar-se sua obra, pois ele representa o pensamento que inaugura um momento novo da filosofia. Mas, ele não é suficientemente conhecido e considerado inicialmente do público, uma vez que seu desafio é grande aparecendo refletido no modo como ele se coloca, sendo mais fácil julgá-lo de forma rasteira, sem estudá-lo a partir dele mesmo, o que dirá se isso só for possível conhecendo o idioma alemão, carregado de dificuldades para apreender-se rapidamente.
Esse mesmo empenho, visando elevá-lo, entendendo que se acessa boas traduções, vertidas às línguas neolatinas, atualmente permite, devido o caráter complexo de seu ateísmo – passível de ponderação – realizar este projeto de conhecê-lo alcançando suas linhas gerais. E o ponto de chegada é este mesmo da relativização de sua descrença religiosa por julgá-la parcial, atingindo apenas aquilo que estimula uma recusa do humano.
Feuerbach consegue manter alguma coisa do essencialismo de Platão, atestando um pensador contemporâneo que dá crédito ao grego,11 ao mesmo tempo em que o filósofo alemão reivindica a forma de pensar, a construção do saber, desde a experiência, a inserção no mundo, gerando a plasticidade característica da filosofia que tem o selo materialista, sem se fazer um dogma, fechado.
Sua perspectiva, assim, é conceder ou reivindicar espaço para o homem concreto visando torná-lo agente e responsável. Não está em jogo aqui se prender em uma recusa de Deus e da teologia, fixar-se à temática que cabe em se tratando de religião no sentido estrito. O alvo que Feuerbach estabelece, que tem na sua cabeça, é afirmar o homem, com o exagero quase inevitável, à época, de reduzir o problema da teologia à antropologia, dada às condições de seu tempo, mas que tem o aval, o assentimento dos jovens hegelianos, que se fazem feuerbachianos, com seu, por assim dizer, “manifesto antropológico”, mas o problema que o impulsiona é o problema filosófico, e este não deixa de tocá-lo.
Ante a crise do mundo atual, entender-se-ia que isso, sendo feito agora, não estaria representando ateísmo no sentido absoluto e negativo da religião, mas a reivindicação desta enquanto algo que imprime o caráter vivo à cultura, tornando-o sólido, sensível, corporificado, além de conter o discernimento da razão, da lógica, enfim, se tornando um resultado da ação do homem integral, capaz de seguir em frente, malgrado os obstáculos, afirmando sua fé no homem, naquilo que lhe compete dar conta, fazendo-se uno, inteiro, absoluto, não podendo ver-se aqui a conduta de um ateu inveterado, nem uma ação doutrinária, para o que vale a recusa da escrita marxiana e marxista que, desde um momento dado, específico, resolvem então negar-se, porque seguem movendo-se com estes princípios, no restante do percurso, e pela mão de escritores menos credenciados, tornando-se passível, para estes, de serem postos de lado.
Repita-se que se infunde, para Feuerbach, o ateísmo contanto que se relacione à recusa absoluta do homem enquanto subjetividade, ao tempo que o reconhece, enquanto ser genérico, coletividade abstrata, mas que se constitui, em primeiro lugar, enquanto indivíduo, fazendo-se um ser de carne e osso – ele acredita – , alcançando a objetividade no mundo externo com a dignidade que lhe é própria.12
Mas isso é o aceito como o que é razoável, sendo recusado apenas mais tarde. Com o comentário de Osier13, o crédito ao autor alcança um fórum mais amplo, sugerindo a centralidade do filósofo de Landshut, com a problemática apresentada; exagero ou não, o que parece é não haver espaço, ao final, para a indiferença no sentido amplo, e o ateísmo ser mesmo um aspecto notadamente ponderável.
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Notas
2 “Importante pelo pioneirismo, mas considerado, ao mesmo tempo, de caráter genérico” (SABOT, Philippe. “(Re) lire Feuerbach”. In. Philippe Sabot (éd.) Héritages de Feuerbach. Lille: Presses Universitaires du Septentrion, 2008, p. 12.
3 Por essa leitura: “O fato em que se centra [...] alcança uma importância de dramática intensidade” (CASTILLA Y CORTÁZAR, 1999, p. 12).
4 “Feuerbach não é um continuador do idealismo alemão, embora esteja envolto na sua mesma problemática e mostre, com os matizes exigidos pelas circunstâncias, idêntica garra especulativa; constitui também a ave de tormenta que anuncia o corte que há de sofrer o movimento filosófico imediato, carregado de obscuros presságios e não poucas esperanças” (LLANOS, A. “Feuerbach y su tempo”(prólogo) in. FEUERBACH, L. Aportes para la crítica de Hegel. Trad. de Alfredo Llanos. Buenos Aires: Editorial La Pleyade, 1974, p. 08).
5 Encontrei essa expressão em: GIANOTTI, José Arthur. Marx; para além do marxismo. Porto Alegre: L & PM, 2009, p. 27-28. Este se mostra disposto em não exagerar no elogio de Feuerbach, duvidando até que ele possa ter causado todo esse impacto, mesmo que se faça referência a um só momento de supremacia geral mobilizando a todos.
6 A Sagrada Família foi o primeiro trabalho escrito em parceria pelos dois autores, embora a parte de Engels não passasse de poucas páginas, em torno de 10 provavelmente. Parece valer referir, entretanto, o artigo onde é estudado a relação de Marx e Feuerbach intitulado “Feuerbach dans le capital” do livro Heritáge de Feuerbach de 2008. Este indica que A Sagrada Família (1845) é o momento em que os jovens hegelianos se mostram mais feuerbachianos. Em detrimento de quem, como Gianotti, por exemplo, não gosta de exagerar na adesão a Feuerbach, embora saiba de sua importância para Marx, há quem entende que o início da presença expressiva deste na cultura revolucionária europeia, em filosofia, se inaugura na sua recusa de Hegel considerando o ensaio de 1838 que abre sua ruptura, mais incisiva, com o idealismo e possui uma década de hegemonia cessando mesmo em 1848 com o momento que atinge a especulação filosófica como um todo.
7 Alexis Philonenko, de sua parte, declara que o afastamento, a desvinculação total de Hegel, não chega a acontecer. Haveria uma intenção de conservar-se este respeito, quanto a Hegel, por parte de todos eles. O mesmo considera acontecer, quanto a Feuerbach, Yannis Constántinidès; esse o vê afastar-se só gradativamente do mestre: “D’abord disciple enthousiaste de Hegel, Ludwig Feuerbach (1804-1872) pousse sa fidélité au programe de l’idéalisme allemand jusqu’à le dépasser”(CONSTANTINIDÈS, Yannis. In.: FEUERBACH, L. Pour une reforme de la philosophie. Clamecy: Mille et une Nuits, 2009)
8 Para este tópico do interesse de Marx pela vida acadêmica e sua desistência deste projeto, ver o pequeno livro de Hans Georg Flickinger chamado Marx; nas pistas da desmistificação do capitalismo publicado pela L&PM, em 1985. De modo rápido, somos esclarecidos sobre este assunto, este projeto, e seu valor. Quanto ao outro tema, em Marx, escrevi um trabalhinho, saído em Serviço social em revista, chamado Marx e a gazeta renana, tem alguns anos, que gerou algum interesse.
9 Se é preciso ressaltar o papel de “transição” que o pensamento de Feuerbach cumpri, não podemos nos reduzirmos a isso, achando que é possível, assim, dar-se conta de sua especulação sem lê-lo como se este não tivesse o propósito de fazer-se original, enquanto filósofo, Veja-se a lembrança deste caráter intermediário em: LIMA VAS, H. C. Antropologia filosófica I. SP: Loyola, 1991, Vol. I, p. 125-126 (passagem transcrita em SOUZA, 1994, p. 19).
10 “Que a realidade existente não se confunde com a totalidade possível prova-o sobejamente toda a vertente crítica da desumanização e da inumanidade, que constitui uma das linhas constantes em toda a obra de Feuerbach. A esta luz, a tarefa crítica não deve ser entendida como simples acto negativo ou demolidor, mas como diagnóstico de um desafasamento entre realidade e possibilidade. O homem integral é o único critério aferidor da crítica da supra-humanidade das religiões, da inumanidade das teologias e filosofias abstractas, mas também das formas civilizacionais e sociais de desumanização” (SERRÃO, 2007, p. 175).
11 Platão manifestou, com seus esforços, a meta de encontrar a verdade absoluta, e de atingir a universalidade teórica, que seria algo a caracterizar a sabedoria filosófica naqueles que se assumem autenticamente enquanto filósofos, capazes de se tornarem referentes, no juízo idiossincrático ou imparcial, de quem resolver apreciá-lo, como é feito por Whitehead, no século XX, ao concluir: “a mais segura caracterização geral da tradição filosófica europeia é que ela consiste de uma série de notas de rodapé a Platão”. (Whitehead, Alfred North. Processo e realidade (1929). In. Burton, Nell. O mundo de Platão. Trad. de Mário Molina. São Paulo: Cultrix, 2013, p. 46).
12 Schmidt, escrevendo um importante livro, comenta: “Quizá nuestro presente posteísta logre assimilar la pretensión entera – que históricamente hay todavia que rescatar – del pensamiento de Feuerbach de que la religión es en esencia ‘la fe del hombre en la infinitud y verdad de su própio ser” (SCHMIDT, Alfred. Feuerbach o la sensualidad emancipada. Trad. de Julio Carabaña. Madrid: Taurus, 1975, p. 231-232).
13 É bem importante o comentário de Osier da “Apresentação” do grande livro de Feuerbach, valendo ser lido todo na edição francesa, da Gallimard, de 2011. Ali o comentador enaltece-o devido o caráter da problemática que enfrenta, sendo o cerne da filosofia moderna, fazendo-se pioneiro de uma importante abordagem. “É necessário ler A essência do cristianismo [...]. Feuerbach é, com efeito, a raiz (ou o tronco) de uma árvore genealógica de braços tão diversos que não existe quase ninguém, filósofo ao menos, que não seja mais ou menos seu descendente: Marx por certo, Nietzsche também, mas também os teólogos ‘modernos’ (Barth, Bultmann), sem falar certos marxistas. Essas filiações diversas fazem, portanto, de Feuerbach um lugar central de nossa consciência filosófica, boa ou má, talvez de nossa insconsciência” (OSIER, Jean-Pierre. “Apresentação”. In.: FEUERBACH, Ludwig. L’essence du christianisme. Paris: Éditions Gallimard, 2011, p. 9)
Notas de autor