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A crítica de G. A. Cohen ao pensamento de Rawls: ethos e incentivos

G. A. Cohen's criticism of Rawls thought: ethos and incentives

Julio Tomé 1
Instituto Federal de Brasília – Brasília, Brasil

A crítica de G. A. Cohen ao pensamento de Rawls: ethos e incentivos

Griot: Revista de Filosofia, vol. 22, núm. 3, pp. 205-219, 2022

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Recepción: 03 Junio 2022

Aprobación: 14 Octubre 2022

Resumo: Nesse trabalho se investigará as críticas apresentadas por Gerald Allan Cohen ao princípio da diferença afirmado pelo filósofo estadunidense John Rawls. Cohen alega que o princípio da diferença permite desigualdades exorbitantes e que essas desigualdades minariam o ethos de solidariedade pressuposto por Rawls. Contra as críticas de Cohen, se salientará o fato de que os princípios de justiça como equidade devem ser lidos em conjunto (leitura holística) e, portanto, as desigualdades permitidas pelo princípio da diferença são muito menores do que acreditava Cohen, uma vez que se precisa também assegurar a igual liberdade, a igualdade equitativa de oportunidades e o valor equitativo das liberdades políticas. Assim, para se assegurar o funcionamento dos princípios em conjunto, se argumentará que o escopo do princípio é muito mais restrito do que julgava Cohen. Sublinha-se que no pensamento rawlsiano não é necessário um crescimento econômico constante, sendo que o princípio da diferença não deve ser visto como um princípio mercadológico, sobre o qual seu objetivo não é ser um mero princípio de reparação, mas um princípio que afirme a reciprocidade entre os concidadãos de uma sociedade democrática.

Palavras-chave: Princípio da diferença, Ethos, Reciprocidade, Rawls, Cohen.

Abstract: In this paper will investigate the criticisms presented by Gerald Allan Cohen of the difference principle asserted by the American philosopher John Rawls. Cohen claims that the difference principle allows for exorbitant inequalities and that these inequalities would undermine the ethos of solidarity assumed by Rawls. Against Cohen's criticisms, it will be emphasized the fact that the principles of justice as fairness must be read together (holistic reading), and therefore the inequalities allowed by the difference principle are much smaller than Cohen believed, since equal liberty, fair equality of opportunity, and the fair value of the equal political liberties must also be ensured. Thus, to ensure that the principles work together, it will be argued that the scope of the principle is much narrower than Cohen thought. It is emphasized that in Rawlsian thought there is no need for constant economic growth, and the principle of difference should not be seen as a market principle, on which its objective is not to be a mere principle of reparation, but a principle that affirms reciprocity between fellow citizens of a democratic society.

Keywords: Difference principle, Ethos, Reciprocity, Rawls, Cohen.

1. O Princípio da diferença

J

John Rawls foi um dos filósofos políticos mais significativos e importantes do século XX. Com o seu livro Uma Teoria da Justiça, publicado originalmente em 1971, tendo sua versão revisada publicada em 1999, Rawls revirou de cabeça para baixo o mundo intelectual – negando o utilitarismo e o perfeccionismo e dando primazia ao justo sobre as concepções de bem. Sua teoria deontológica da justiça ganhou espaço e reverberação acadêmica, transformando-se em uma obra prima para qualquer estudioso(a) da justiça social, filosofia política, economia, direito, ciências sociais etc. Rawls (1999a) procura apresentar princípios de justiça que expressem a ideia de que todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais do autorrespeito – devem ser distribuídos igualmente, a menos que uma distribuição desigual de qualquer um desses valores, ou de todos eles, seja vantajosa para todos.

Para Rawls, os princípios da justiça social regulam a escolha de uma constituição política e os principais elementos do sistema econômico e social, e não devem ser confundidos com os princípios que se aplicam aos indivíduos e às ações individuais em situações particulares2. Os princípios de justiça foram afirmados por Rawls (de modo definitivo em Uma Teoria da Justiça) como:

Primeiro Princípio:

Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total de liberdades básicas iguais, compatível com um sistema semelhante de liberdade para todos.

Segundo Princípio:

As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de modo que, ao mesmo tempo:

(a) tragam o maior benefício possível aos menos favorecidos, obedecendo o princípio da poupança justa; e

(b) sejam vinculadas aos cargos e posições sociais abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades (RAWLS, 1999a, §46, p. 266).

Com os dois princípios, Rawls (1999a) tem como finalidade distinguir os aspectos do sistema social que definem e asseguram as liberdades básicas iguais e os aspectos que especificam e estabelecem as desigualdades sociais e econômicas. No pensamento rawlsiano os princípios da justiça como equidade devem obedecer a uma ordenação serial/lexical – pois, segundo Rawls (1999a), as prioridades lexicais da justiça representam o valor das pessoas – que faz com que o primeiro princípio da justiça se sobreponha ao segundo, assim como a parte b do segundo princípio (princípio da igualdade equitativa de oportunidades) seja anterior à primeira parte (princípio da diferença). O que os dois princípios da justiça definem é uma parte justa no caso de instituições pertencentes à estrutura básica, sobre a qual, para que um arranjo seja justo, cada pessoa deve receber uma parte justa e a contrapartida é que todas as pessoas (incluindo ela própria) façam a sua parte.

Sublinha-se que a estrutura básica é o tema principal da justiça como equidade, isso se deve ao fato de os seus efeitos serem profundos sobre as vidas das pessoas e estão presentes desde o início na vida de qualquer ser humano. Segundo Rawls (1999a), ao afirmar que “a estrutura básica é o assunto principal da justiça”, tem-se como pano de fundo a ideia de sociedade como um empreendimento cooperativo para vantagem mútua, i.e., “[...] a estrutura básica é um sistema público de regras que define um esquema de atividades que leva as pessoas, em conjunto, a agirem visando produzir uma maior soma de benefícios e atribuir a cada uma das reivindicações reconhecidas a participação nos lucros [...]” (Rawls, 1999a, §14, p. 74). Rawls (1999a) afirma que uma estrutura básica deve ser regulada por uma constituição justa que assegure a igual liberdade de cidadania, garantindo as liberdades de consciência e a liberdade de pensamento (P1), bem como o valor equitativo das liberdades políticas e a igualdade equitativa de oportunidades, em oposição à igualdade formal (P2).

Para Freeman (2007a; 2007b), o foco rawlsiano na estrutura básica não é uma tentativa liberal de justificar a busca desenfreada do interesse próprio por parte dos indivíduos, sobre o qual o produto deve ser redistribuído para beneficiar os menos favorecidos. Freeman (2007a) coloca que o foco de Rawls na estrutura básica e seu reconhecimento da necessidade de incentivos não tem nada a ver com isso. Eles são baseados em fontes primárias: (i) fazer da justiça distributiva uma questão de justiça procedimental pura e retificar as desigualdades injustificáveis resultantes das contingências de um sistema de mercado na alocação de capital e trabalho, e na distribuição de renda e riqueza. (ii) O pluralismo de valores. (iii) A ideia liberal de que parte do bem de cada pessoa é ter a liberdade de formar seu próprio plano de vida racional e decidir quais os valores (objetivos) a serem incorporados nele a partir do leque de atividades (intrinsecamente) valiosas.

Rawls (1999a), naquilo que diz respeito ao segundo princípio da justiça como equidade, afirma que ele se aplica à distribuição de renda e riqueza e ao desenho de organizações que fazem uso de diferenças de autoridade e responsabilidade. O segundo princípio da justiça como equidade é afirmado por Rawls (de modo definitivo na obra de 1971) – com sua regra de prioridade – como:

[...] As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de modo que, ao mesmo tempo:

(a) tragam o maior benefício possível aos menos favorecidos, obedecendo o princípio da poupança justa; e

(b) sejam vinculadas aos cargos e posições sociais abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades.

SEGUNDA REGRA DE PRIORIDADE (A PRIORIDADE DA JUSTIÇA SOBRE A EFICIÊNCIA E O BEM-ESTAR)

O segundo princípio da justiça é lexicamente anterior ao princípio da eficiência e ao da maximização da soma das vantagens; e a igualdade equitativa de oportunidades é anterior ao princípio da diferença. Existem dois casos:

(a) uma desigualdade de oportunidades deve aumentar as oportunidades daqueles que têm menos oportunidades;

(b) uma taxa excessiva de poupança deve, em equilíbrio, mitigar o fardo daqueles que suportam essas dificuldades (RAWLS, 1999a, §46, p. 266-67).

Conforme o autor, apesar das partes, na posição original, começarem com um princípio que exigiria a aplicação igual de todos os princípios, a igualdade de renda e riqueza não sobreviveria ao escrutino, uma vez que a eficiência econômica e os requisitos de organização e tecnologia deveriam ser levados em conta. Como consequência, Rawls (1999a), apesar de afirmar um princípio de igualdade nas liberdades básicas (o P1) e um princípio de igualdade equitativa de oportunidades, não afirma um princípio de igualdade nas rendas e riquezas. Desse modo, haveria um princípio de distribuição desigual de renda e riqueza no pensamento rawlsiano. Primeiro Rawls (1999a) afirma que esse princípio de distribuição desigual deveria visar a melhoria de todos e, ao mesmo tempo, as posições de autoridade e de responsabilidade deveriam ser acessíveis a todas as pessoas. No avançar de seu texto, como se sabe, Rawls modifica essa ideia e passa a afirmar o princípio da diferença, i.e., a ideia de que as desigualdades só podem ser aceitas se elas, de algum modo, melhorarem a situação dos menos favorecidos.

Na conferência VII do PL, Rawls (1996) questiona o porquê as partes que são vistas como iguais aceitam uma distribuição desigual de alguns bens primários (renda e riqueza). As partes não deveriam, todas elas, ter uma parte igual desses bens? O autor responde que os requisitos organizacionais e a eficiência econômica devem ser levados em conta na deliberação das partes na posição original e, por isso, não é razoável parar em uma divisão igual.

[...] A estrutura básica deveria permitir uma organização e uma economia em igualdade, desde que estas melhorem a situação de todos, incluindo a dos menos favorecidos, desde que estas desigualdades sejam compatíveis com a igual de liberdade e a igualdade equitativa de oportunidades. Porque partem de ações iguais, aqueles que menos beneficiam (tomando como referência a divisão igual) têm, por assim dizer, um veto. E, assim, as partes chegam ao princípio da diferença. Neste caso, a divisão igual é aceita como referência porque reflete a forma como as pessoas se situam quando são representadas como pessoas morais livres e iguais. Entre essas pessoas, as que ganharam mais do que as outras devem fazê-lo em termos que melhorem a situação das que ganharam menos [...] (RAWLS, 1996, conf. VII, p. 282).

Assim, o princípio da diferença é visto, por Rawls, como o critério adequado para reger as desigualdades sociais e econômicas. De acordo com o autor, o princípio da diferença aplica-se, por exemplo, à tributação do rendimento e da propriedade, à política fiscal e econômica, assim como ao sistema de direito público e aos status. Porém, o princípio da diferença não se aplica em determinadas transações ou distribuições, nem às decisões de particulares e associações. Ele diz respeito apenas ao background institucional contra o qual essas transações e decisões têm lugar.

No capítulo 3 da TJ, Rawls afirma que o princípio da diferença não se destina a ser aplicado em possibilidades abstratas, pois (i) o problema da justiça social não é o de alocar ad libitum várias quantidades de algo – seja dinheiro, propriedade, ou o que quer que seja – entre determinados indivíduos; (ii) tampouco existe alguma substância da qual sejam feitas expectativas que possam ser embaralhadas de uma pessoa representativa (as partes) para outras, em todas as combinações possíveis. Isso se explica porque os dois princípios estão ligados enquanto uma concepção de justiça que se aplica à estrutura básica da sociedade como um todo – não diz respeito às ações entre indivíduos, por exemplo. De acordo com Rawls (1999a), o princípio da diferença não só pressupõe o funcionamento de outros princípios, como também pressupõe uma certa teoria das instituições sociais, baseada na ideia de que em uma economia competitiva (que pode ter ou não propriedade privada dos meios de produção) com um sistema aberto de classe, sobre o qual as desigualdades excessivas não serão a regra, dada a distribuição dos bens naturais e as leis da motivação.

Deve-se aqui destacar que o princípio de eficiência nada mais é do que o princípio de otimização de Pareto – só que formulado visando sua aplicação a uma estrutura básica. Segundo Rawls (1999a), o termo eficiência é mais restrito e significa, de fato, o conceito como ele é – o que não ocorreria com a ideia de otimização –, por isso a sua utilização. A ideia do princípio de eficiência é que uma configuração é eficiente sempre que é impossível alterá-la, de modo a tornar algumas pessoas (pelo menos uma) melhores, sem, ao mesmo tempo, piorar as outras pessoas (pelo menos uma)3. Dessa forma, apesar de não ser em si um princípio para a estrutura básica, o princípio de eficiência pode ser aplicado a ela por meio de referências às expectativas das pessoas representativas (i.e., as partes na posição original).

A ideia é que se pode dizer que uma disposição de direitos e deveres, na estrutura básica, é eficiente se, e somente se, for impossível mudar as regras, redefinir o esquema de direitos e deveres, de modo a aumentar as expectativas de qualquer pessoa representativa (pelo menos uma) sem, ao mesmo tempo, diminuir as expectativas das outras pessoas representativas (pelo menos uma). Significa dizer que uma disposição da estrutura básica é eficiente quando não há como alterar esta distribuição de modo a aumentar as perspectivas de uns sem baixar as perspectivas de outros. O problema, conforme afirma Rawls (1999a), é encontrar uma dessas distribuições que além de ser eficiente, também seja justa. E, portanto, o princípio da eficiência não pode servir sozinho como uma concepção de justiça – ele deve ser complementado de alguma forma – e aqui entraria o princípio da diferença.

Neste ponto, cabe ressaltar que o princípio da diferença é compatível com o princípio da eficiência, porque quando o princípio da diferença é plenamente satisfeito torna-se impossível que qualquer pessoa representativa – as partes – tenha suas expectativas melhoradas sem que piore as das outras pessoas; porém, deve-se elucidar que a justiça é anterior à eficiência e requer algumas mudanças que não são eficientes. Consequentemente, o princípio da diferença estabelece um sistema social pelo qual ninguém ganha ou perde devido ao seu lugar arbitrário na distribuição dos bens naturais, ou da sua posição inicial na sociedade, sem dar ou receber em troca vantagens compensatórias. Com isso, Rawls (1999a) rejeita a ideia de que as ordenações das instituições sempre serão defeituosas, pois representam a maneira como a distribuição dos talentos naturais e as contingências das circunstâncias sociais são injustas, e esta injustiça deve inevitavelmente transitar para arranjos humanos.

Rawls (1999a), portanto, não enfatiza nem a eficiência nem a tecnocracia. “O princípio da diferença representa, com efeito, um acordo para considerar a distribuição dos talentos naturais como, em alguns aspectos, um bem comum e para compartilhar os maiores benefícios sociais e econômicos possibilitados pelas complementaridades dessa distribuição” (RAWLS, 1999a). De acordo com o pensamento de Rawls (1999a, §17, p. 87), “A distribuição natural não é justa nem injusta; nem é injusto que as pessoas nasçam na sociedade em alguma posição particular. Estes são simplesmente fatos naturais. O que é justo e injusto é a forma como as instituições lidam com esses fatos”. Com isso, Rawls afirma uma das ideias mais importantes da teoria da justiça como equidade, a saber, que os sistemas sociais não são ordens imutáveis, que escampam do controle humano, mas um padrão de ação humana.

Nas considerações sobre o princípio da diferença, o princípio de reparação também é lavado em conta, pois é por meio dele que se argumenta que as desigualdades não merecidas exigem reparação, bem como pelo fato das desigualdades oriundas do nascimento e das habilidades naturais serem imerecidas e precisarem ser, de alguma forma, compensadas. Assim, o princípio da diferença defende que a sociedade deve dar mais atenção às pessoas menos favorecidas e aquelas que nascem em posições sociais menos privilegiadas. Rawls (1999a) afirma que a ideia é corrigir o viés das contingências, no sentido da igualdade, sobre o qual os maiores recursos poderiam ser gastos na educação daquelas pessoas que possuem maiores dificuldades educacionais e não naquelas que já proveem de maior inteligência, pelo menos durante um certo tempo de vida, por exemplo, os primeiros anos de escola. O princípio de reparação, diz Rawls (1999a), deve ser ponderado no equilíbrio com os outros, entretanto, o princípio da diferença – ele próprio – não é um princípio de reparação, pois não objetiva nivelar as desvantagens como se todos competissem em uma base justa na mesma corrida.

Daniels (2003) afirma que em vez de apoiar um “gotejamento” dos ganhos da desigualdade, o princípio da diferença atenua os efeitos da loteria social e natural, exigindo um fluxo máximo para aquelas pessoas que estão nas piores situações sociais. Daniels (2003) coloca que o princípio da diferença está longe de ser um “princípio de compensação” que visa compensar as pessoas por todas as contingências sociais e naturais que produzem desvantagens competitivas; ele não nivela completamente o campo de jogo. O princípio da diferença expressa uma concepção de reciprocidade, de benefício mútuo. É a partir dessa visão que as pessoas mais favorecidas, em uma sociedade bem ordenada, podem ver a distribuição de recursos a partir de uma perspectiva geral, sobre a qual reconhecem que o bem-estar de cada pessoa depende de um esquema de cooperação social – e que sem esse esquema ninguém poderia ter uma vida satisfatória. Elas também reconheceriam, afirma Rawls (1999a), que só podem esperar a cooperação voluntária das pessoas se os termos do esquema forem razoáveis e, portanto, se veem como compensadas, por assim dizer, pelas vantagens naturais disponíveis a elas, sem que houvesse uma reivindicação anterior. Elas renunciam à ideia de maximizar uma média ponderada e consideram o princípio da diferença como uma base justa para regular a estrutura básica. O ponto em destaque é que o princípio da diferença parece aceitável tanto para os indivíduos mais favorecidos como para os menos favorecidos.

Rawls (1999a) argumenta que o princípio da diferença possui outro mérito, a saber, o fato dele proporcionar uma interpretação do princípio da fraternidade. De acordo com o autor, o princípio da diferença parece corresponder a um significado natural da fraternidade, uma vez que afirma a ideia de não querer ter maiores vantagens, a menos que isso seja em benefício de outros que estão em pior situação. Desse modo, as pessoas mais favorecidas estarão dispostas a ter suas maiores vantagens somente sob um esquema em que isso funcione em benefício dos menos favorecidos. A fraternidade, portanto, possuiria um lugar na teoria democrática dos princípios de justiça como equidade e imporia uma exigência definida sobre a estrutura básica da sociedade, sobre a qual o princípio da diferença expressa seu significado fundamental do ponto de vista da justiça social.

2. G. A. Cohen e o princípio da diferença lexical

Gerald Alan Cohen, um dos principais, se não o principal, crítico de esquerda ao pensamento rawlsiano afirma que ao se verificar o princípio da diferença sozinho, ele parece legitimar desigualdades exorbitantes, maiores do que aquelas que Rawls poderia aceitar. Cohen é um dos nomes mais proeminentes do marxismo analítico, e alegava que, diferentemente da pressuposição de Rawls, os princípios de justiça não se aplicam apenas à “estrutura básica” da sociedade; o princípio da diferença também seria aplicado para as decisões individuais. A principal crítica de G. A. Cohen (2008) afirma que quando a questão do incentivo é isolada de toda referência ao mérito ou direito, ela gera um argumento a favor da desigualdade que requer um modelo de sociedade em constante violação da condição elementar da comunidade. O autor julga que quando os mais dotados de talentos (os talentosos) afirmam que precisam de incentivos extras para realizarem as suas ações socialmente importantes, eles mostram que não estão comprometidos com o espírito (ethos) da sociedade rawlsiana. G. A. Cohen (2008) pondera que os incentivos aos mais talentosos não passariam no teste da justificação pública e seriam incompatíveis com os laços de amizade cívica (esse teste é chamado pelo autor de teste interpessoal). Os incentivos só poderiam ser aceitos em uma sociedade que carecesse do caráter comunal.

Segundo G. A. Cohen (2008), o argumento dos incentivos fornece aos pobres um motivo para aceitarem as desigualdades (com a promessa de que tanto mais o rico ganhar, mais o pobre será beneficiado), mas o argumento não pode funcionar assim para os próprios ricos, pois, ao contrário dos pobres, eles não precisam de uma justificativa para aceitar as desigualdades, mas para impô-las. O autor acredita que os mais talentosos (e mais favorecidos) lutariam para que os impostos não aumentassem, com a justificativa de que se isso ocorresse, eles produziriam menos bens e, consequentemente, a vida dos menos favorecidos ficaria pior. Assim, para que os menos favorecidos estejam melhores é necessário manter os impostos baixos. G. A. Cohen (2008) afirma que a lógica dos incentivos pode convencer os pobres de que eles devem votar para manter os impostos baixos. Contra o pensamento de Rawls, G. A. Cohen (2008) acredita que uma sociedade justa não precisa usar incentivos especiais para motivar os seus cidadãos (e cidadãs) mais talentosos. G. A. Cohen (2008) afirma que suas críticas ao argumento dos incentivos podem ser resumidas do seguinte modo:

[...] (1) Os cidadãos em uma sociedade justa aderem a seus princípios de justiça. Mas (2) eles não aderem ao princípio da diferença se são maximizadores aquisitivos na vida diária. Portanto (3) em uma sociedade que é governada pelo princípio da diferença, falta aos cidadãos a capacidade de aquisição que o argumento dos incentivos lhes atribui. A resposta a essa crítica fornecida pela objeção da estrutura básica é desta forma: (4) os princípios de justiça governam apenas a estrutura básica de uma sociedade justa. (5) Os cidadãos em uma sociedade justa podem aderir ao princípio da diferença, sejam quais forem suas escolhas dentro da estrutura que ela determina e, em particular, mesmo que suas escolhas econômicas sejam inteiramente aquisitivas. Portanto, (6) a proposta (2) carece de justificativa. Minha resposta preliminar à objeção de estrutura básica diz: (7) a proposta (5) é inconsistente com muitas declarações rawlsianas sobre a relação entre cidadãos e princípios de justiça em uma sociedade. E minha resposta fundamental à objeção da estrutura básica diz: (8) A proposta (4) é insustentável (G. A. COHEN, 2008, p. 139)

G. A. Cohen (2008), destaca-se, divide o princípio da diferença em estrito (onde não haveria oferta dos incentivos extras) e lexical (onde os incentivos seriam ofertados). G. A. Cohen (2008) grifa que o princípio da diferença lexical romperia com o ethos de uma sociedade bem ordenada, a partir da oferta de incentivos que permitiriam uma desigualdade demasiada entre os mais ricos e os menos favorecidos da sociedade (que seriam levados em conta no cálculo do princípio da diferença como aqueles que deveriam ter suas vidas melhoradas por meio das desigualdades e maiores ganhos dos mais ricos). Para G. A. Cohen (2008), as recompensas comparativas só poderiam importar dentro da posição original, e o princípio da diferença só seria aceito se as partes fossem pressupostas como tendo inveja ou rancor, pois, somente desse modo, elas se importariam de modo fundamental sobre como seria a renda e a riqueza das demais partes.

Para G. A. Cohen (2008), quando os mais talentosos exigem maiores incentivos, eles agem de modo contrário a um ethos igualitário subjacente à teoria rawlsiana. E, assim, Rawls deve escolher entre manter o ethos igualitário ou manter o princípio da diferença (lexical). Mas ambos juntos são contraditórios. G. A. Cohen (2008), com base nas teóricas feministas, acredita que o pessoal é político, pois as escolhas pessoais as quais o escrito da lei é indiferente são fatídicas para a justiça social e, assim, o autor sublinha que não pode haver um contraste tão acentuado entre escolhas públicas e privadas (e, por isso, os princípios também regulariam as ações das pessoas no dia a dia). A ideia do autor é que para que o princípio da diferença estrito prevaleça, é necessário que haja um ethos informado pelo princípio na sociedade como um todo, e uma sociedade só se compromete com o princípio da diferença quando é informada (e aceita) de um certo ethos ou cultura de justiça. Para o autor, o princípio da diferença (em sua leitura lexical) não poderia ser visto como um princípio básico de justiça.

[...] Uma sociedade que está dentro dos termos do princípio da diferença, podemos concluir, exige não apenas regras coercitivas, mas também um ethos de justiça que informa as escolhas individuais. Na ausência de tal ethos, obter-se-ão desigualdades que não são necessárias para melhorar a condição dos menos favorecidos: o ethos exigido promove uma distribuição mais justa do que aquilo que as regras do jogo econômico por si só podem assegurar. E o que é necessário é de fato um ethos, uma estrutura de resposta alojada nas motivações que informam a vida cotidiana, não apenas porque é impossível elaborar regras de escolha econômica igualitária cuja conformidade com as quais sempre pode ser verificada, mas também porque seria severamente comprometida a liberdade se as pessoas fossem obrigadas a consultar tais regras para sempre, mesmo supondo que regras apropriadas aplicáveis pudessem ser formuladas [...] (G. A. COHEN, 2008, p. 123).

G. A. Cohen (2008) argumenta que quanto mais igualitário for o ethos de uma sociedade, mais espaço haverá nessa sociedade para uma taxação redistributiva de Pareto consistente. E o autor julga que é mais fácil as pessoas se manterem fiéis ao princípio da diferença em uma sociedade com um ethos igualitário, do que um governo se manter fiel ao princípio da diferença lexical. G. A. Cohen (2008) coloca que sua crítica ao argumento dos incentivos é uma crítica a um argumento de desigualdade, sobre o qual se opõe ao fato de Rawls não ter fornecido uma justificação abrangente das desigualdades permitidas e onde a desaprovação política da desigualdade que o argumento dos incentivos pretende justificar é, filosoficamente falando, uma questão secundária. Sua crítica assim é filosófica e não de políticas públicas, não sendo seu cerne a afirmação de que uma sociedade que é guiada pelas luzes da teoria de Rawls exibe uma desigualdade descomedida (apesar de o autor acreditar que isso ocorreria).

3. Os erros de G. A. Cohen

Contra a objeção que afirma que o princípio da diferença não contém restrições sobre a natureza global das distribuições permitidas, permitindo, por exemplo, desigualdades exorbitantes (parte da crítica de esquerda ao pensamento de Rawls), o autor de TJ responde, em Justiça como equidade: uma reformulação, que essa objeção é incorreta porque ignora o fato de que as partes dos dois princípios da justiça são concebidas para funcionar em conjunto e se aplicam como uma unidade (leitura holística). Para Rawls, o P1 possui implicações econômicas, como exemplo, os efeitos da igualdade equitativa de oportunidades aplicada à educação ou os efeitos distributivos do valor equitativo das liberdades políticas. Além disso, de acordo com Rawls (1971; 1999), a ordem social não precisa estabelecer e assegurar as perspectivas mais atraentes para aquelas pessoas que estão melhores situadas na sociedade, a menos que isso seja vantajoso para os menos afortunados.

Segundo Rawls (2001, cap. 2), o princípio da diferença não exige um crescimento econômico contínuo ao longo de gerações para maximizar indefinidamente as expectativas dos menos favorecidos (avaliadas em termos de renda e riqueza). Rawls, portanto, não descarta a ideia milliana de estado estacionário, onde a acumulação (real) de capital possa cessar. A exigência do princípio da diferença, segundo o autor, é que em um intervalo de tempo apropriado, as diferenças de renda e riqueza auferidas na produção do produto social sejam tais que se as expectativas legítimas dos mais favorecidos fossem menores, as dos menos favorecidos também seriam menores. O fosso da desigualdade, assim, seria menor. E as desigualdades existentes devem contribuir efetivamente para o benefício dos menos favorecidos.

Thomas (2011) afirma que se uma pessoa que escolheu viver em uma sociedade governada pelo igualitarismo rawlsiano é também convidada a complementar sua implementação com um ethos igualitário como o pressuposto por G. A. Cohen, então, as exigências da justiça foram “contadas duas vezes”, tornando-se excessivamente exigente, e, por isso ela deve ser rejeitada. Thomas (2011) acredita que G. A. Cohen negligenciou a conexão holística entre uma ação em um contexto estruturado por um pressuposto de justiça de fundo e como essa ação é descrita4. As relações sociais em um mercado não estão fora do escopo da justiça se suas demandas foram incorporadas na forma como esse mercado funciona e limita os resultados permissíveis das transações de mercado. Para Thomas (2012), G. A. Cohen está equivocado sobre o alcance da teoria da justiça como equidade, pois Rawls aplica sua teoria de justiça aos indivíduos por meio da estrutura básica, assim, o foco na estrutura básica não é um meio de aplicá-la a algo além dos indivíduos, não se tem por objetivo tornar justas todas as relações sociais, como as de família, mas fazer com que as relações se tornem amplamente justas, estendendo-se pelo menos até as decisões individuais ao mercado de trabalho.

Enfatiza-se que, de acordo com Thomas (2011), G. A. Cohen descreveu erroneamente o comportamento econômico de Rawls como permissivamente egoísta dentro de uma estrutura justa, assim como julgou que Rawls acreditava que a única maneira viável de tornar a comercialização do trabalho justa era manipular os efeitos do mercado de trabalho. Como destacado por Thomas (2016), G. A. Cohen é insensível às diferenças entre a estratégia igualitária de Rawls e a estratégia igualitária representada pelo estado contemporâneo, não reconhecendo as mudanças institucionais entre o estado de bem-estar social e a democracia de cidadãos-proprietários e o socialismo. Em uma democracia de cidadãos-proprietários, sublinha Thomas (2011), Rawls não só conseguiria efetivar os princípios da justiça como equidade, como poderia eliminar os incentivos especiais. De acordo com Thomas (2012), com a implementação de uma democracia de cidadãos-proprietários plena, os incentivos especiais permitidos pelo princípio da diferença, que eram o alvo particular da crítica de G. A. Cohen, são significativamente reduzidos (mesmo que não sejam completamente eliminados).

Nesse ponto, salienta-se que para Van Parijs (1993), quando G. A. Cohen questiona se o princípio da diferença justifica as desigualdades de incentivo, é como se estivesse perguntando se o princípio da diferença justifica recompensas que vão além da pura compensação do trabalho árduo, o que pode ser interpretado como a equalização de situações desiguais. Van Parijs (1993) também afirma que algumas desigualdades podem ser necessárias para tornar possível que as pessoas mais talentosas desempenhem os trabalhos, sobre os quais, elas identificaram como sendo socialmente mais úteis. E, assim, as desigualdades genuínas podem ser justificadas, embora não se justifique a existência de incentivos subjetivos. Segundo o autor, as desigualdades permitidas pelo princípio da diferença não requerem nenhum sacrifício da autoestima das pessoas. A situação dos menos favorecidos é maximizada (melhorada) sem nenhum pagamento de incentivo e as pessoas sabem que podem contar com os resultados de suas buscas em torno de seus interesses próprios, dentro do conjunto de escolhas projetados para cada um deles pela estrutura institucional.

Van Parijs (1993) argumenta que as pessoas podem e devem ser deixadas livres para perseguirem os seus próprios interesses e, assim, as recompensas dos seus talentos (acima do necessário) são vistas como compensações ao fardo objetivo associado ao seu uso produtivo, e são legítimas em algumas circunstâncias bastante plausíveis, como naquelas circunstâncias em que o excedente social sustentável seria menor sem elas, devido ao espaço concedido à escolha guiada pelo interesse próprio. Van Parijs (1993) acredita que as desigualdades justificadas, em uma sociedade rawlsiana, são de um âmbito tão modesto que não apenas Rawls, mas também o próprio Cohen se sentiria à vontade para aceitá-las.

De acordo com Freeman (2007a), a crítica de G. A. Cohen ao pensamento de Rawls está baseada em um mal-entendido, no qual não se percebe que o princípio da diferença é limitado em seu domínio à distribuição de certos bens primários e sua aplicação é regulada pela prioridade dos princípios deontológicos que asseguram liberdades básicas iguais, igualdade equitativa de oportunidades, deveres de assistência aos povos sobrecarregados e o dever para com as gerações futuras. Destaca-se que, segundo Freeman (2007b), um papel primordial do princípio da diferença é que ele deve ser aplicado para especificar formas apropriadas de propriedade e direitos e responsabilidades, bem como transações permissíveis e inadmissíveis no sistema econômico. O mesmo vale para a igualdade equitativa de oportunidades e o P1.

Assim, o principal ponto do princípio da diferença é fornecer um critério não mercadológico para decidir a divisão adequada da renda e da riqueza resultante da alocação de recursos produtivos no mercado e do produto social resultante. O princípio da diferença, afirma Freeman (2007b), exige que as instituições econômicas sejam projetadas de forma que a classe menos favorecida desfrute de uma parcela maior de renda, riqueza e poderes econômicos, de forma mais genérica do que desfrutaria sob qualquer outro arranjo econômico (com a importante qualificação de que a distribuição final é compatível com liberdades básicas iguais e oportunidades equitativas de oportunidades). E isso é diferente do que exige o critério de eficiência do liberalismo clássico de justiça distributiva (a igualdade liberal).

Freeman (2007b) afirma que o princípio da diferença não exige simplesmente que a sociedade maximize a posição dos piores dentro do sistema econômico que está em vigor. De acordo com o autor, é justamente o contrário disso. Assim, o princípio da diferença impõe um duplo requisito (i) para instituir essa economia que consistentemente torna a classe mais pobre melhor do que seria em qualquer outra economia (compatível com as liberdades básicas e igualdade equitativa de oportunidades), e então (ii) maximiza a posição dos pobres dentro desse sistema “mais eficaz”. Dessa maneira, o princípio da diferença não exige um sistema eficaz, economicamente falando, mas um que respeite a ideia de que as posições dos menos favorecidos devem ser melhoradas. Segundo o autor, o princípio da diferença só opta por uma economia de mercado quando é aplicado às instituições, à luz do conhecimento sobre a natureza humana e como os sistemas econômicos funcionam. De acordo com Freeman (2007b), no pensamento de Rawls, a justiça distributiva envolve mais do que apenas encontrar o algoritmo correto para alocar aos consumidores direitos à renda e à riqueza que são o produto da cooperação social. Esta é apenas a etapa final de um processo muito mais complicado. Assim, o princípio da diferença é um princípio de justiça para estabelecer a “justiça procedimental pura de fundo”.

[...] a principal aplicação do princípio da diferença não é para a divisão de um fundo de riqueza preexistente, mas que as instituições básicas tornem possível a produção econômica, o comércio e o consumo de riqueza: a instituição legal da propriedade; a estrutura dos mercados; as relações entre capital e trabalho, incluindo o papel e os poderes dos sindicatos dentro das empresas; a lei de contratos, vendas, títulos, instrumentos negociáveis, corporações, parcerias e assim por diante [...] (FREEMAN, 2007b, p. 126).

Para Freeman (2014), portanto, a leitura de G. A. Cohen está ancorada em uma má interpretação do tipo de sistema social que é exigido pelo princípio da diferença. Freeman (2014) julga que o liberalismo de Rawls exige uma economia de mercado, não para acomodar “o egoísmo ilimitado”, mas para garantir a liberdade de ocupação, associação e igualdade equitativa de oportunidades, e para conseguir alocações eficientes de recursos produtivos, que são em benefício de todos. Entretanto, segue Freeman (2014), os mercados não fornecem um critério substantivo para a justa distribuição de renda e riqueza para Rawls, ao contrário do libertarianismo e do liberalismo clássico. Desse modo, é o papel do princípio da diferença ajustar e realocar as distribuições de mercado para que elas atendam às exigências de justiça procedimental de fundo.

Segundo Freeman (2007a), ao se verificar que o princípio da diferença de Rawls se aplica principalmente às instituições e não é projetado para servir diretamente como um guia para as escolhas diárias das pessoas, consegue-se perceber que a justiça rawlsiana não pressupõe um ethos que requer que os agentes econômicos estruturem suas escolhas e planos individuais de modo a beneficiar os menos favorecidos; os menos favorecidos recebem seus benefícios por meio de uma mão invisível guiada pela estrutura básica. E apesar de reconhecer que G. A. Cohen não aceitaria o argumento da mão invisível, Freeman (2007a) afirma que em uma sociedade bem ordenada pelos princípios da justiça como equidade, sobre a qual o princípio da diferença está incorporado em instituições básicas e é geralmente endossado por pessoas racionais, a necessidade de incentivos não se deve às crenças (falsas) das pessoas sobre suas responsabilidades, pois, em uma sociedade bem ordenada, onde todos aceitam o princípio da diferença, as pessoas razoáveis não têm falsas crenças libertarianas, como a autossuficiência. Chega-se assim ao argumento do senso de justiça.

De acordo com Freeman (2007a), os incentivos são necessários, e presumivelmente se justificam, em uma sociedade bem ordenada pelo princípio da diferença, devido à livre adoção e busca de planos de vida que incorporam uma pluralidade de bens (objetivos). Freeman (2007a) afirma que se uma pessoa tem um senso efetivo de justiça no sentido de Rawls, ela deve se preocupar com as perspectivas dos menos favorecidos até certo ponto. Assim, enquanto uma questão de natureza humana, uma pessoa que tivesse um senso de justiça, mas que não se importasse com as perspectivas ou bem-estar dos menos favorecidos, seria uma raridade psicológica, pois o senso de justiça rawlsiano incorpora um desejo de cumprir com os deveres naturais de respeito mútuo e ajuda mútua, sem mencionar os deveres de justiça, equidade e fidelidade.

Maffettone (2010) e Bercuson (2014) também destacam o papel do senso de justiça na teoria rawlsiana como a maneira de se perceber que as críticas levantadas por G. A. Cohen não se seguem e que, de fato, a sociedade rawlsiana é mais justa do que o pensador marxista julgou. Destaca-se que para Maffettone (2010), apesar de em TJ Rawls poder alegar – contra Cohen – que coletivamente as pessoas estão de certa forma interessadas em manter um pluralismo vigoroso e que isso estaria de acordo com a ideia de fraternidade como um dos pressupostos para a estabilidade, nas obras posteriores a 1971, em especial no PL, tal argumentação passa a ser vista como irrealista, pois Rawls começa a defender que não seria mais possível que todas as pessoas (ou muitas delas) pensassem da mesma forma para alcançar a justiça distributiva, mesmo que isso seja inspirado em grande parte por um ethos de justiça que as pessoas poderiam compartilhar.

Desse modo, nos trabalhos posteriores de Rawls, pondera Maffettone (2010), os indivíduos rawlsianos desenvolvem um senso de justiça, que consiste principalmente em uma obrigação moral de cumprir as regras de uma sociedade justa5. Este fato tem profundas implicações para o comportamento individual em contextos de justiça local. Assim, pode-se afirmar, de acordo com Maffettone (2010), que a interpretação de G. A. Cohen do argumento da estrutura básica ou é excessivamente formalista ou sociologicamente vago e, assim, ou (i) G. A. Cohen interpreta o argumento da estrutura básica de uma forma legalista, separando-o das práticas sociais que ele deve cobrir; ou (ii) ele o lê como uma mera prática social, entre outras. Além disso, Maffettone (2010) salienta que parte da crítica de G. A. Cohen evapora quando se considera que não se trata de um argumento interno ao modo rawlsiano de raciocinar.

[...] Prima facie, parece que Cohen é capaz de combinar uma crítica interna a Rawls, baseada na incompatibilidade entre o princípio da diferença e o anti-monismo, com um argumento externo, baseado em sua opção socialista pela igualdade. Tudo considerado, porém, não é assim. De fato, seu ataque ao anti-monismo repousa em uma leitura controversa da estrutura básica e em uma concepção substancialmente não liberal de justiça. E ambos estão claramente fora do quadro rawlsiano de justiça. (MAFFETTONE, 2010, p. 98).

Bercuson (2014), por sua vez, afirma que apesar de ter levantado uma poderosa crítica, G. A. Cohen não cumpriu com seu objetivo, pois a crítica ao pensamento de Rawls depende de uma cisão permanente e insuperável entre o arranjo institucional e a moralidade individual. Mas, para Bercuson (2014), a premissa inicial da imagem revista de Rawls é que não há como distinguir a estrutura básica dos efeitos que ela tem sobre os valores, preferências e escolhas – a moral – dos cidadãos e, assim, o lugar da justiça distributiva – e da justiça em geral – está em toda parte, mesmo que o princípio da diferença em si seja um princípio para as instituições. Assim, o ponto de vista de G. A. Cohen falharia em não perceber que o senso de justiça (ou seja, o compromisso genuíno com os princípios da justiça) é o resultado de viver sob os princípios da justiça, incluindo o princípio da diferença.

Bercuson (2014) destaca que a natureza humana na visão de Rawls é permissiva e se desenvolve à luz das circunstâncias institucionais, assim, não haveria um endosso à uma imagem da natureza humana que é natural e inexoravelmente autointeressada (como pensava G. A. Cohen); e, portanto, deve-se levar em conta a capacidade das instituições de afetar os resultados ao longo da vida das pessoas. Para Bercuson (2014), assim, a crítica de G. A. Cohen atribui ao pensamento normativo de Rawls uma barreira artificial (e aparentemente insuperável) entre instituições e moralidade individual, porém, tal distinção simplesmente não estaria presente no pensamento de Rawls.

a justiça institucional produz o ethos social que inicialmente a suplementa, mas que eventualmente ganha um poder transformador sobre ela: o tipo de sociedade descrita há quarenta anos em Uma Teoria da Justiça ainda está surgindo, e o princípio da diferença é parte da tentativa de Rawls de ampliar – não, expandir – o equilíbrio reflexivo da cultura política pública característica das democracias liberais igualitárias (BERCUSON, 2014, p. 140).

Freeman (2007a) alega que o princípio da diferença é um princípio de reciprocidade, sobre a qual afirma-se que em uma sociedade estruturada pelo princípio da diferença os ganhos não são feitos às custas dos outros. Assim, sob o princípio da diferença, os desvios da igualdade só se justificam se as perspectivas de todos forem melhoradas6. Freeman (2007b) coloca que sob uma condição de reciprocidade estrita, o princípio da diferença exige que o grau em que todos se beneficiam seja condicionado pelos ganhos máximos para os menos favorecidos. Esse requisito não implica simplesmente que mudanças incrementais nas leis e políticas dentro dos sistemas econômicos existentes (como os EUA) sejam projetadas para beneficiar mais os menos favorecidos do que leis e políticas alternativas. É necessário que o sistema econômico, como um todo, seja projetado para que os menos favorecidos se saiam melhor do que os mais favorecidos em qualquer outro sistema econômico (consistente com as liberdades básicas e a igualdade equitativa de oportunidades).

A ideia de reciprocidade rawlsiana permite a distinção entre o princípio da diferença e o princípio da utilidade restrita. Frisa-se que para o autor de TJ, o princípio de utilidade ao pedir aos menos favorecidos que aceitem durante toda a vida menos vantagens econômicas e sociais (medidas em termos de utilidade), em prol de maiores vantagens (medidas de forma semelhante) para os mais favorecidos, demanda mais dos menos favorecidos do que o princípio da diferença solicita dos mais favorecidos. Rawls (1999a) afirma que o princípio da diferença expressa uma concepção de reciprocidade, de benefício mútuo. É a partir dessa visão que as pessoas mais favorecidas, em uma sociedade bem ordenada, podem ver a distribuição de recursos a partir de uma perspectiva geral, sobre a qual reconhecem que o bem-estar de cada pessoa depende de um esquema de cooperação social – e que sem esse esquema ninguém poderia ter uma vida satisfatória. Elas também reconheceriam, sublinha Rawls (1999a), que só podem esperar a cooperação voluntária das pessoas se os termos do esquema forem razoáveis e, portanto, se veem como compensadas, por assim dizer, pelas vantagens naturais disponíveis a elas, sem que houvesse uma reivindicação anterior. Elas renunciam à ideia de maximizar uma média ponderada e consideram o princípio da diferença como uma base justa para regular a estrutura básica. O ponto em destaque é que o princípio da diferença parece aceitável tanto para os indivíduos mais favorecidos como para os menos favorecidos.

Destaca-se que Rawls, em Justice as Reciprocity, alega que o conceito de reciprocidade é fundamental tanto para a justiça quanto para a equidade, pois permite que pessoas livres e iguais reconheçam mutuamente princípios que essas mesmas pessoas se dão. E para o autor, somente com esse reconhecimento de reciprocidade é que pode haver uma verdadeira comunidade entre as pessoas em suas práticas comuns.

Uma prática é justa ou equitativa (dependendo do caso) se estiver de acordo com os princípios que todos os que nela participam poderiam razoavelmente esperar propor ou reconhecer uns aos outros, quando são circunstâncias similares e obrigados a se comprometerem com firmeza, sem conhecimento do que será sua condição peculiar, e, portanto, quando satisfaz o princípio da reciprocidade e suas regras são aquelas que as partes poderiam aceitar como justas ocasiões para que debatessem seus méritos. (RAWLS, 1999b [1971], p. 214).

Desse modo, para Rawls (1999b [1971]), tem-se que o conceito de reciprocidade envolve a aceitação mútua a partir de uma posição geral dos princípios sobre os quais uma prática se baseia, de forma que é o elemento comum nos conceitos de justiça e equidade, e como a concepção de justiça assim enquadrada exige a exclusão da consideração de reivindicações que violam os princípios da justiça. Salienta-se que, segundo Rawls (1996, conf. VII), a teoria da justiça deve regular as desigualdades nas perspectivas de vida dos cidadãos que resultam das posições sociais de partida, das vantagens naturais e das contingências históricas. O autor julga que mesmo que essas desigualdades não sejam, em alguns casos, muito grandes, os feitos decorrentes delas podem ser suficientemente grandes para que, com o tempo, tenham consequências cumulativas significativas.

Por fim, cabe destacar que, de acordo com Anderson (2010), a crítica de G. A. Cohen ao pensamento de Rawls é lançada a partir de termos de terceira pessoa, porque G. A. Cohen rejeita o relato contratualista do que é um princípio de justiça. Sublinha-se que segundo a autora, os igualitários de fortuna (como é G. A. Cohen) seguem uma concepção de justificação em terceira pessoa, enquanto a maioria dos igualitários relacionais segue uma concepção de segunda pessoa ou interpessoal de justificativa. É verdade, reconhece Anderson (2010), que G. A. Cohen possui também uma crítica interna ao pensamento de Rawls, porém, de acordo com a autora, essa para funcionar deve ser lançada em termos de segunda pessoa. Assim, para Anderson (2010, p. 8), “a crítica interna de Cohen fracassa porque o princípio do igualitarismo de fortuna não tem uma lógica interpessoal. Isso implica que as desigualdades na distribuição dos dons naturais são injustas [...]”. Anderson (2010) também critica a divisão entre princípio da diferença estrito e lexical, proposto por G. A. Cohen, pois, de acordo com a autora, o princípio da diferença não dá a ninguém o objetivo de maximizar o benefício aos menos favorecidos, ele apenas restringe a desigualdade permissível.

Mais fundamentalmente, o conteúdo de qualquer ethos igualitário interpessoalmente justificável para os indivíduos será diferente dos princípios de justiça para as instituições básicas da sociedade que compõem seu esquema de cooperação. Isto decorre do fato de que, ao contrário dos indivíduos, a estrutura básica não tem interesses próprios. A única função da estrutura básica é promover os interesses dos membros individuais da sociedade de uma forma justa e imparcial. O princípio da diferença, que exige que a estrutura básica funcione de acordo com regras que são vantajosas para todos, é adequado para a estrutura básica, dada sua função. Mas os indivíduos não têm a única função de promover imparcialmente a vantagem de todos. Eles têm valores, interesses e projetos pessoais próprios (que normalmente não são meramente autointeressados). É por isso que o princípio da diferença não se aplica diretamente a suas escolhas. Os indivíduos podem justificar interpessoalmente uma prerrogativa substancial para perseguir seus valores e projetos pessoais, mesmo que isso resulte em desigualdade salarial. Uma estrutura básica interpessoal justificável deve facilitar isto porque seu objetivo inclui a realização de nossos interesses morais, não apenas na igualdade, mas na liberdade. (ANDERSON, 2010, p. 16).

Para Anderson (2010), destaca-se, G. A. Cohen classificou erroneamente sua intuição ao tomá-la como sendo sobre justiça. Para a autora, Cohen tem apenas uma intuição sobre quais padrões de distribuição seriam moralmente desejáveis e isso ficaria muito aquém de uma intuição sobre o que é devido aos indivíduos. Assim, de acordo com Anderson (2010), é G. A. Cohen, e não os contratualistas, que falhou em identificar "o que é justiça".

[...] as principais disputas normativas que dividem os igualitários de fortuna dos contratualistas se devem à discordância fundamental entre a justificativa de terceira e segunda pessoa. Se as reivindicações de obrigação moral e direito são essencialmente interpessoais, então isso impõe restrições às reivindicações de justiça: elas devem ser feitas em nome de determinadas pessoas com posição moral, devem ser dirigidas a agentes responsáveis e identificar um interesse próprio do reclamante que o agente deve proteger ou promover. A reivindicação igualitária relacional, de que as desigualdades em bens socialmente distribuídos são injustas quando prejudicam as pessoas, e apenas quando elas beneficiam a todos, pode ser justificada dentro destas restrições [...] A afirmação fundamental dos igualitários de fortuna, de que as desigualdades devidas à sorte bruta são injustas, não satisfaz essas limitações porque não identificam um ferimento ou alguém responsável por evitá-lo ou remediá-lo. Ou exprime uma queixa teológica irrelevante para a justiça nos assuntos humanos ou uma forma de maldade para com os outros, seja de inveja ou de despeito [...] (ANDERSON, 2010, p. 21).

Destaca-se que, como afirmado por Vita (2008), com o procedimentalismo (puro) da justiça distributiva pressuposto por Rawls, não só o autor de TJ consegue reduzir a complexidade das comparações interpessoais de vantagem, como abre lugar substancial para a responsabilidade individual. Com as duas capacidades morais básicas asseguradas pelas instituições sociais, as divergências sobre o bem viver (ou a boa vida) não representam um problema para os bens primários. Vita (2011) afirma que se faz julgamentos sobre preferências, ambições e escolhas individuais e sobre a responsabilidade pessoal, mas eles não desempenham nenhum papel na justificação dos princípios de justiça do liberalismo igualitário e não desempenham nenhum papel nas comparações interpessoais de bem-estar baseadas no índice de bens primários. O objeto da justiça, na teoria rawlsiana, é a estrutura básica da sociedade e não o de constituir juízos moralizantes sobre atitudes e escolhas individuais imprudentes ou autocentradas, nem a reparação de supostas injustiças da natureza em casos individuais. Desse modo, diferente de G. A. Cohen, Vita (2011) afirma que somente a garantia da igualdade distributiva na estrutura básica da sociedade torna possível evitar juízos públicos sobre o mérito intrínseco de preferências e escolhas individuais, ou sobre a inferioridade de determinadas desvantagens individuais que se devem à má sorte bruta, e oferece-se um tratamento normativamente apropriado para a responsabilidade pessoal em uma visão liberal-igualitária.

Referências

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Notas

2.Os princípios para os indivíduos seriam escolhidos posteriormente aos princípios para as instituições. De acordo com Rawls (1999a), os princípios para os indivíduos seriam o dever natural de justiça (com os princípios de obrigação complementando-o) e o dever de equidade. Segundo Rawls (1999a), esses princípios correspondem aos dois aspectos da personalidade moral. Como se sabe, a partir dos anos de 1980 Rawls desenvolveu os conceitos de razoabilidade e racionalidade para explicitar suas considerações sobre a personalidade moral das pessoas.

3. Rawls (1999a) exemplifica afirmando que uma distribuição de um estoque de comodities, entre certos indivíduos, é eficiente se não houver uma redistribuição de compra desses bens que melhore as circunstâncias de pelo menos um desses indivíduos sem que outro fique em desvantagem. Outro exemplo afirma que a organização da produção é eficiente se não houver uma maneira de alterar os insumos para produzir mais de algum bem sem produzir menos de outro, pois, se for possível produzir mais de um bem sem ter que abrir mão de outro, o maior estoque de bens poderia ser usado para melhorar as circunstâncias de algumas pessoas, sem piorar as de outras.

4. Brighouse (1997), de modo complementar, aponta que apesar do princípio da diferença (sozinho) não impor limites aos graus de desigualdades materiais permitidas na sociedade; os princípios da justiça como equidade funcionam de modo holístico. Assim, é necessário ver a teoria de justiça como equidade enquanto um todo (i.e., os dois princípios da justiça devem ser vistos em conjunto nas análises sobre as desigualdades permissíveis ou não). O objetivo do princípio da diferença é assegurar que os cidadãos menos favorecidos estejam em melhor situação do que estariam sob qualquer distribuição alternativa, incluindo uma distribuição igualitária. O autor afirma que se a teoria de Rawls estiver correta, então o próprio princípio da diferença dá expressão à justiça na distribuição de renda e riqueza. Daniels (2003) afirma que apesar de não haver um limite absoluto para a quantidade de desigualdade permitida pelo princípio da diferença, sua combinação com os outros princípios e a prioridade que lhes é dada sugerem que existiria uma desigualdade muito menos exorbitante e gritante do que as atuais.

5. Destaca-se que Rawls (1999e [1989]) afirma que o senso de justiça dos cidadãos, tendo em vista seus traços de caráter e interesses como formados por viver sob uma estrutura básica justa, é forte o suficiente para resistir às tendências normais à injustiça.

6. De acordo com Freeman (2014), o princípio da diferença é um princípio de reciprocidade democrática ("no nível mais profundo") que estrutura de forma justa as relações econômicas (incluindo poderes econômicos e controle sobre recursos produtivos) entre cidadãos socialmente produtivos livres e iguais e depois distribuem de forma justa o produto social entre eles.

Notas de autor

1 Doutor(a) em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis – SC, Brasil. Professor(a) do Instituto Federal de Brasília – Brasília (IFB), Recanto das Emas – DF, Brasil.
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