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A origem da antropologia kantiana
José Henrique Alexandre de Azevedo
José Henrique Alexandre de Azevedo
A origem da antropologia kantiana
The origin of kant’s anthropology
Griot: Revista de Filosofia, vol. 22, núm. 3, pp. 230-243, 2022
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
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Resumo: A origem da Antropologia de Kantiana aponta para a coerência do projeto de filosofia deste autor: a proposição de padrões para a resolução de problemas humanos segundo uma finalidade prática da experiência social. Assim, este artigo tem como pano de fundo a ideia que apesar de Kant iniciar a sua filosofia crítica buscando as condições de possibilidade de cientificidade da metafísica, ele flexionou seu projeto, após 1793, em vista do principal objeto de qualquer teoria filosófica moderna, o homem, sendo a antropologia sua ciência. Com isso, exporei que a antropologia não surgiu da psicologia empírica, apesar de ter dela se servido em seu início por falta de um melhor manual de teoria empírica; isso significa que apesar da noção de sujeito ser essencial na filosofia crítica, ela não satisfaz as finalidades humanas, que se vinculam à espécie, em geral. Finalmente, mostrarei que a geografia física é o marco inicial da antropologia kantiana, devido o fato de ser um conhecimento do mundo físico e humano, cuja importância deste último tornou inevitável sua independência, em vista da fundação da ciência do homem. Este artigo também ajuda lateralmente a compreender certo esquecimento da antropologia kantiana por parte da antropologia social e cultural, que se consolidou no século XIX.

Palavras-chave: Antropologia kantiana, Psicologia Empírica, Geografia Física, Origem, Antropologia Social, Finalidades Humanas.

Abstract: The origin of Kantian anthropology drives to the coherence of his philosophical project: the proposition of patterns to solve human problems according to a practical finality of the social experience. Thus, this article has as background the idea that although Kant began his critical philosophy by searching for the conditions for the possibility of the scientificity for Metaphysics, he flexed his project in 1793 in view of the human being, the main object of every modern philosophy, which has Anthropology as its correspondent science. Then, I intend to expose that the Kantian Anthropology did not come from the Empirical Psychology, despite to have used it in the beginning of the reflection, due to a lack of a better manual of empirical theory; it means that although the notion of subject being essential to the critical philosophy, this notion does not satisfy human finalities, which commit to the human species, in general. Finally, I intend to show that the Physical Geography is the initial point of Kant’s Anthropology due to be the knowledge of the world as physical as human and also to the importance of man as the main object, which has made inevitable its independence from Geography, once the aim was to found the science of man. This article also shed some light on comprehending a kind of forgetfulness of Kant’s Anthropology by the current social and cultural Anthropology, which was consolidated in the 19th century.

Keywords: Kantian Anthropology, Empirical Psychology, Physical Geography, Origins, Social Anthropology, Human Ends.

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A origem da antropologia kantiana

The origin of kant’s anthropology

José Henrique Alexandre de Azevedo1
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Griot: Revista de Filosofia, vol. 22, núm. 3, pp. 230-243, 2022
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Recepción: 01 Junio 2022

Aprobación: 11 Octubre 2022

Introdução

Pretendo expor a genealogia do modelo de ciência do homem erigida por Kant. Alguém pode com total razão perguntar: mas qual é o objetivo ao tratar de um aspecto aparentemente desimportante da obra daquele filósofo, mostrando a origem de um saber completamente marginal? Ora, a antropologia de Kant não é de modo nenhum um aspecto desimportante de sua obra, mas sim, pelo contrário, é a disciplina principal e finalidade de sua filosofia, tal qual demonstrei em outras oportunidades. Isso significa que a finalidade prática de todo o projeto crítico, exposta desde a Crítica da razão pura (doravante KrV), necessita de uma instância pragmática para a efetivação, a qual encontrou na antropologia o saber principal para satisfazer as finalidades da razão: a ciência que tem o homem e seu futuro como objetos. Além disso, revelar a origem desta disciplina também remete a descortinar um sutil déficit da Antropologia social e cultural (etnologia e etnografia) contemporânea, que ganhou contorno de ciência social no século XIX, em relação à filosofia kantiana.

Há uma grande dificuldade por parte dos antropólogos de estabelecer a real origem de sua disciplina; segundo Paul Mercier (1974), é necessário ter muito cuidado ao traçar a história da antropologia e estabelecer um precursor, contudo ele atribui ter a antropologia se tornado ciência no século XIX quando de sua verdadeira maturação. Por outro lado, Claude Lévi-Strauss (1991) e George Stocking Jr. (1996), pensar ser o século XVIII o marco inicial da antropologia social, na medida em que já havia ali a ideia de ciência em geral consolidada e reguladora de qualquer discurso com validade universal e necessária; ambos, entretanto, atribuem a Rousseau (2005) o início da antropologia ao fundamentá-la na passagem da natureza para a cultura. Eu defendo algo similar a esta última corrente, contudo em vez de Rousseau penso que foi Kant o iniciador da antropologia social uma vez que ele propôs um método (pragmático) e um objeto (Homem) para ser apreciado por este método; além disso, ambos, método e objeto, estão inseridos em um sistema de pensamento fundado sob o modelo científico do século XVIII, o qual, no caso de Kant, tem os destinos da humanidade como objetivo a ser perseguido.

Neste artigo não aprofundarei, especificamente, a relação entre a Antropologia social e a filosofia Kantiana, mas sim apenas mostrarei como a antropologia kantiana corresponde em sua gênese a uma forma de pensar relações sociais objetivas que devem suplantar características meramente regionais, em vista daquilo que Kant chamou abstratamente de humanidade. Esta visão de Kant encaixa-se perfeitamente à fundamentação do chamado neocolonialismo do ponto de vista de seu fundamento racional, subsumindo diversas culturas em um paradigma universalista que fundamentou o processo civilizador, o qual fora uma cortina de fumaça para o real objetivo de fundo, a saber, afanar as riquezas da África, Ásia e Oceania.

No entanto, para que minha posição fique clara aqui, é necessário notar que a própria antropologia de Kant foi historicamente negligenciada não apenas por antropólogos profissionais, mas também pelos comentadores e intérpretes da filosofia kantiana. Ela foi tratada como algo acidental ou desimportante (Paton, 1997; Alison, 1983); além disso, todo o caráter antropológico que veio à tona nos últimos dez anos de reflexão de Kant (1793 -1803) foi tomado como contido, de antemão, em sua Antropologia de um ponto de vista pragmático (Anth). Ora, parece haver certo paradoxo entre a ideia de que sua principal disciplina foi negligenciada e, ao mesmo, foi influente para a fundamentação de uma nova onda colonial no século XIX.

Contudo, não há paradoxo algum, uma vez que foram os filósofos continuadores da filosofia kantiana, e os comentadores de sua obra, que negligenciaram a antropologia; isto não se aplica aos cientistas que empreendiam expedições de cunhos coloniais tais como aqueles da História da Natureza, que gestou a Biologia e o evolucionismo de Darwin e Wallace, e da Geografia física cujo principal expoente é Alexander von Humboldt. Os trabalhos de Kant foram fundamentais em ambas as disciplinas e, apesar da aparente desimportância, Kant pode ser tomado como influência indireta.

O pressuposto que exporei, com isso, é que apesar da negligência quanto aos conteúdos da antropologia de Kant, o seu modelo de ciência do homem foi fundamental ao início da antropologia social, a qual, entretanto, demonstrou mais interesse por sua forma de argumentação transcendental do que propriamente pela pragmática antropológica. Malgrado este aspecto, sua ciência do homem encaixava-se perfeitamente nos ditames da filosofia social do século XIX, cujas principais características são o universalismo, a necessidade de organizar a humanidade como uma totalidade e um cosmopolitismo como paradigma de futuro.

Assim, apesar de Kant iniciar sua filosofia crítica questionando se seria possível a metafísica como ciência (uma metafísica não dogmática e com um caráter determinante do pensar lógico de viés transcendental), a fim reaver a filosofia da disfarçada desimportância que ela se encontrava século XVIII e liberar os três grandes objetos da metafísica (Deus, Alma e Mundo) do âmbito meramente escolar (dos dogmas universitários da época), ele propôs em 17932 estabelecer uma atualização de sua filosofia de modo que a antropologia passa a ser disciplina mais importante do seu sistema devido a tratar do objeto mais importante: o homem. Kant vai construindo a antropologia como a ciência do conhecimento pragmático do homem no mundo desde os nos anos de 1770. O conceito de pragmática aparece pela primeira vez nas Vorlungen uber Anthropologie (V-Anth/Fried) de 1775, três anos após o início da disciplina de antropologia na Albertina Universität Königsberg.

A genealogia da ciência antropológica é capaz de mostrar que, apesar de não planejado por Kant até 1793, a antropologia encaixou-se perfeitamente como o saber central e finalidade de sua filosofia, a qual aquela fora elevada. Ora, esta ciência em construção restou inacabada, primeiramente, por que Kant não completou seu projeto antropológico, apesar de ter lançado várias obras com aquele cunho (inclusive uma Anth, que deriva dos mais de 25 anos de ensino sobre antropologia), ele não conseguiu resolver o déficit existente entre a ciência antropológica de caráter cosmopolita e alguns grupos humanos (precisamente negros, mulheres e indígenas) que, segundo sua visão, não tinham tanto talento ao cosmopolitismo.3

Segundo, a antropologia é uma ciência que trata de um objeto com causalidade livre e, portanto, imprevisível e incognoscível em sua natureza mesma, restando com isso postular formas e padrões por meio dos quais a humanidade buscaria satisfazer aquilo que a razão propõe como o melhor possível à espécie humana; tais padrões precisam ser constantemente atualizados, pois a humanidade muda suas feições sociais e costumes ao longo da história, evidenciando seu caráter inacabado e em eterna construção. Sei que esta posição é marginal, pois tanto não há ninguém mais a defendendo, senão eu, quanto devido ao fato de que mesmo internamente à economia sistemática da filosofia kantiana não estava ainda evidente quando Kant verdadeiramente se dedicou a construir uma ciência antropológica. Entender a genealogia da antropologia ajudará a compreender seus desdobramentos na obra do autor e da antropologia social, em geral.

Debate inaugural sobre a questão: o que é a antropologia pragmática?

O debate inaugural sobre a origem da antropologia kantiana deriva da compilação das obras completas de Kant na virada do século XIX para o XX. Época da fundação de várias sociedades científicas na Europa; no caso aqui em questão, fundou-se primeiramente uma revista, Kant Studien, em 1896, antes da própria fundação da Kant Gesellschaft. De qualquer modo, neste contexto do final do século XIX iniciou-se a compilação das obras completas de Kant capitaneada por Wilheim Dilthey e Erick Adickes; no caso da antropologia, ambos defendiam posições diferentes.

A origem da Antropologia de Kant foi inicialmente debatida entre Wilhelm Dilthey e Erich Adickes no que concerne ao lugar da Antropologia na Kants Gesammelte Schriften. Nas sete cartas trocadas entre si, ambos editores queriam enquadrar a antropologia segundo suas próprias interpretações sobre a posição sistemática daquela nas obras de Kant. Dilthey argumentava que as lições de antropologia advieram do trabalho de Kant sobre cosmologia e geografia física, concluindo que a Antropologia deveria ser impressa junto com sua Geografia Física. Adickes respondeu que as lições de antropologia surgiram da psicologia empírica, que era uma seção das lições de metafísica de Kant. Apesar de Dilthey ter tido sucesso ao convencer Adickes, a Antropologia e a Geografia Física foram impressas em volumes separados. (WILSON, 2006, 17.)4

Ora, a discussão inicial entre Dilthey e Adickes sobre a origem da antropologia se baseava quase que exclusivamente na Anth, na medida em que era uma obra que Kant publicou em vida e de próprio punho. Neste período de discussão da compilação, apenas a Lição anotada por Menschenkunde era conhecida, mas marginalmente e somente por alguns comentadores; além disso, o conhecimento sobre as cartas de Kant ainda era muito precário. Esta única lição até então conhecida “tal como Allen Wood nota […] foi publicada em 1831, sob o título de Immanuel Kants Menschenkunde oder philosophischer Anthropologie. Nach handschriftlichen Vorlesungen herausgegeben von Friedrich Christian Starke […] uma nova edição se seguiu em 1838 […] o editor usava o pseudônimo de Adam Bergk.” (LOUNDEN. In: KANT, 2013, 283.)5

O debate entre Dilthey e Adickes não dizia respeito diretamente sobre o papel da antropologia em si mesma, mas sim apenas sobre sua filiação, ou seja, se esta era parte da psicologia empírica, portanto, da metafísica, parte pura da filosofia kantiana, ou da geografia física, parte marginal das obras de Kant explorada apenas por curiosos na época (e talvez até hoje). Tais posições eram em si mesmas problemáticas ao contexto de interpretação da época, pois se a metafísica determina de maneira a priori o conhecimento de todos os objetos, a antropologia não poderia ser uma parte muito feliz dentro deste sistema; e se a geografia física é a casa a qual a antropologia deve ser guardada, esta última seria de fato um saber marginal ao extremo.

Odo Marquard (2002) é de grande valia para entender esta posição, pois, a seu ver, a antropologia de Kant nasce de uma dupla condição, compartilhada por todas as antropologias filosóficas que surgem neste período, a saber, primeiramente, uma dupla renúncia que recai tanto à metafísica quanto à ciência da natureza mecanicista e, segundo, após estas renúncias, a antropologia deve voltar-se à natureza, mas no sentido de natureza humana não mecanicista, a fim de se colocar como alternativa à filosofia da história. No entanto, Marquard está bem mais interessado na relação entre o conceito kantiano de pragmático e o de Lebenswelt de Husserl do que, propriamente, entender até que ponto é possível que a antropologia kantiana seja a finalidade de sua filosofia.

Marquard mostra um quadro que apesar de estar longe de ser vasto, tais como as interpretações sobre a filosofia crítica, é bastante profícuo e se põe como um dos primeiros debates sobre a pragmática na filosofia kantiana. Remontar a construção da disciplina antropológica empreendida por Kant fará refletir sobre a maneira como o seu pensamento amadureceu ao longo do tempo e como uma disciplina de caráter eminentemente popular conseguiu fazer a filosofia crítica trabalhar em vista dela. A construção paralela de uma filosofia pragmática e popular e sua alçada à filosofia principal desnorteia, até os dias atuais, as interpretações sobre a filosofia kantiana. Alguns bons comentadores pensam a antropologia como projeto principal, mas levam o debate para uma instância, demasiadamente, formalista sem revelar a real dimensão pragmática que a antropologia precisa para funcionar a contento como uma teoria cosmopolita, enquanto algo que a todos os humanos interessa.6

O interesse de Kant pela antropologia não surgiu na década de 1770, quando de seu início oficial como disciplina acadêmica; o primeiro registro do termo antropologia parece nas anotações de Herder durante as aulas de Metafísica que datam, provavelmente, de entre os anos de 1762-4 (WILSON, 2006, 7). Ora, nesta altura de seu pensamento, Kant se via muito influenciado pela filosofia Britânica e exercia severas críticas às metafísicas de Wolff e Baumgarten. Kant usava, mormente, como manual de suas disciplinas de Lógica e Metafísica (adaptado também a outras disciplinas satélites) as obras de Meier e Baumgarten.7

Entretanto, os conteúdos que, de fato, farão da antropologia uma disciplina de caráter popular, advêm dos cursos de Geografia Física. A partir do primeiro anúncio seu do curso de Geografia Física de 1759,8 Kant expõe que o conhecimento do mundo também precisa envolver a relação dos humanos com o ambiente. A filosofia da época, e Kant por suposto, preocupava-se, principalmente, com a possibilidade de investigar a cientificidade da metafísica,9 contudo outras maneiras de abordar e ampliar este saber de mundo começavam a vir à tona naquela época. A geografia física foi o laboratório da antropologia ao relacionar formas de ser de grupos humanos e seus ambientes.

Não é fortuito que desde os primeiros momentos de sua carreira como professor universitário Kant tem como objeto de interesse, mesmo que de modo ainda obscuro nesta altura, a humanidade, em geral. Desse modo, a maneira como Kant, primeiramente, formulou suas ideias sobre o homem e o modo como ele as sistematizou para encaixar em uma disciplina própria, merecem uma abordagem especial. O início das lições de Antropologia congrega elementos de geografia e de psicologia. Por conta disso, analisarei, primeiramente, a influência da psicologia empírica no início dos cursos de Antropologia e, segundo, a influência dos cursos de Geografia Física para a ciência do homem.

Influência da psicologia empírica no início das lições de antropologia

Segundo Allen Wood (General Introduction, In: KANT, 2013, 4.), “a estrutura das lições de Antropologia de Kant, principalmente no seu começo, é orientada pelo texto de Baumgarten e faz uso das faculdades da mente humana como princípios organizadores. Estes conteúdos carregam uma decisiva afinidade com a discussão sobre a psicologia empírica, a qual se localiza nas lições de metafísica de Kant.”10 Esta constatação de Wood, apesar de, aparentemente, correta, carrega nuances que têm de ser mais bem compreendidas. Deve-se analisar se esse caráter psicologista persistiu como fundamento último da disciplina antropológica ou se perdeu ao longo do tempo.

A primeira pista está no modelo de educação das universidades prussianas; a política educacional obrigava o professor a ser uma espécie de leitor de manual, que auxilia os alunos a acessarem certos conteúdos. Isto impulsionou Kant a usar em sua disciplina de antropologia, no seu início em 1772, um texto de caráter empírico e que tinha como principal função observar os comportamentos diversos dos seres humanos, a fim de enquadrá-los em uma teoria antropológica; tal texto é a Metaphysica de Baumgarten, mais precisamente, sua Psicologia Empírica: “o primeiro pensamento que nos ocorre quando observamos a nós mesmos expressa o Eu.”11 (KANT, 1997, 10.)

Ora, vê-se aqui que a grande preocupação de Kant neste primeiro curso de antropologia está voltada à maneira como podemos entender a nós mesmos, a partir do momento que nos colocamos como objeto de autoinspeção. Ao mesmo tempo em que procura mediar um debate com Wolff e Baumgarten, Kant expõe suas discordâncias sobre se uma psicologia empírica deva ser considerada como parte empírica da metafísica, na medida em que ela “nada tem que ver com a cognição experimental. A psicologia empírica pertence à metafísica tanto quanto a física pertence à metafísica” (Idem, 8).12 Este ponto é essencial para entender que a psicologia empírica possui um grande arroubo independentista e por mais que ele a tenha em conta como um ótimo ponto de início de um conhecimento de mundo antropológico, conhecimento de si por meio do conceito de Eu, é possível notar as limitações doutrinárias do manual de Metaphysica usado nesta disciplina.

Com isso, não há dúvidas que Kant iniciou sua disciplina de antropologia na academia, fazendo uma ponte entre conhecimento de mundo e psicologia empírica, tanto que na V-Anth/Parrow pode-se ler que a psicologia empírica é uma doutrina natural que constitui o objeto do sentido interno (Idem, 243).13 No entanto, é possível afirmar que isso ocorreu em parte por conta de fins burocráticos da academia, que exigia o uso de um manual que se encaixasse na temática; também é latente que a antropologia como disciplina teve um decréscimo de influência em relação à psicologia empírica ao longo da própria década de 1770, isto é, à medida que o saber antropológico foi amadurecendo a psicologia empírica foi sendo esmaecida na ciência do homem.

Riccardo Martinelli (2004, 213.) mostra que Kant muda o modo de encarar os temas propostos por Wolff, na medida em que os aspectos egoísticos sinalizados na psicologia deste não poderiam dar conta de maneira ampla de um conhecimento de mundo mais profundo, incluindo povos inteiros os quais não podem ser abarcados por meio de um “Eu” coletivo, daí que a abordagem de Wolff se mostrava limitada para tratar do mundo e do ser humano de maneira aprofundada. No entanto, a psicologia racional de Wolff e a antropologia de Kant possuem uma exigência filosófica comum, a qual fica clara após a publicação da Anth.

Uma comparação entre a psicologia de Wolff e a antropologia kantiana pode ser parte dessas considerações. Em Kant, a Característica (doutrina antropológica do método) integra a didática (doutrina dos elementos), garantindo assim as observações empíricas sobre o eu, considerado num sentido pragmático, um critério seletivo e uma conexão orgânica que não se dá com a metafísica, mas sim com a kosmische Betrachtung da filosofia. Existe, portanto, um paralelismo formal entre as duas partes da antropologia e as duas psychologiae de Wolff. Isso não significa que em seu conteúdo Kant dependa de Wolff, mas indica - como dissemos no começo - a existência de uma necessidade filosófica comum. (MARTINELLI, 2004, p. 222.)14

Ora, os cursos de Kant de antropologia mostram bem a separação entre didática e característica, avançando do indivíduo em direção à espécie. O indivíduo sempre é pensado e caracterizado, pelo menos desde 1775, em vista da espécie e de como a espécie pode melhorar, começando pela educação de seus alunos em sala de aula, tal como uma pequena amostragem do laboratório do que é o mundo.

A garantia de uma antropologia independente daquela psicologia (ainda profundamente vinculada à velha metafísica dogmática) aparece, para Kant, com o desenvolvimento do conceito de pragmático como próprio à antropologia. No entanto, tal conceito é pensado por Kant em reboque da ideia de conhecimento de mundo. Este último, já aparece na primeira vez que ele concebe a disciplina, inclusive, em paralelo com a geografia física; no entanto, Kant, após o término deste primeiro curso, em 1773, reelabora-o de maneira que o conhecimento de mundo sobrepuja a mera psicologia empírica wolffiana. Isto pode ser comprovado em carta a Markus Herz datada do final de 1773 em que Kant diz estar, pela segunda vez, lecionando o curso de Antropologia; Kant traz ao debate a sabedoria e a prudência como marcas de distinção da disciplina (KANT, AA X, 146.).15

Além disso, o conceito de pragmática surge da ideia de que os humanos precisavam cultivar-se na prudência ou habilidade para determinada tarefa. No entanto, antes deste conceito aparecer com todas as letras 1775-6, o que fica claro aqui é a intenção de Kant de formular uma disciplina própria que possui um quadro conceitual teórico também específico. Na V-Anth/Fried em 1775-6, Kant mostra aos alunos o desenvolvimento de seus estudos na área, deixando a brecha para a ideia de que ela deve ser uma ciência que busca um conhecimento voltado ao conjunto da humanidade que, para tal, necessita partir de um sujeito, em geral. Com isso:

No final, toda habilidade que alguém possui requer conhecimento do caminho que devemos fazer uso. O conhecimento básico para a aplicação é chamado conhecimento do mundo. Conhecimento do mundo é conhecimento do estágio em que podemos aplicar toda a habilidade. Há um duplo tipo de perfeição de conhecimento, teórico e pragmático. O teórico consiste em saber o que é necessário para certos propósitos finais e, portanto, diz respeito ao entendimento. O pragmático consiste na capacidade de julgar, valendo-se de toda habilidade. É necessário selar toda a nossa habilidade. A base do conhecimento pragmático é o conhecimento do mundo, onde se pode fazer uso de todo conhecimento teórico. Por mundo, entendemos aqui a soma total de todas as relações nas quais os seres humanos podem entrar, onde podem exercitar suas percepções e habilidades. O mundo como objeto do sentido exterior é a natureza, o mundo como objeto do sentido interior é o ser humano. Assim, os seres humanos podem entrar em relações duplas, em relações nas quais precisam de conhecimento da natureza e em relações nas quais precisam de conhecimento do ser humano. O estudo da natureza e do ser humano constitui o estudo ou conhecimento do mundo. (KANT, 1997, 469.)16

O conhecimento de mundo aqui colocado em prática não põe fim à influência da psicologia empírica sobre a antropologia, mas parece, no fim das contas, começar a moldar de maneira mais clara qual é o papel das ideias de Wolff no conhecimento pragmático esboçado por Kant. A psicologia empírica se mostra como um momento específico, o qual a reflexão racional precisa entender como o sujeito pode se realizar na humanidade. Não fortuito, neste sentido, o grande esforço de Kant ao longo do curso de 1775-6 para mostrar que um caráter bem cultivado consegue sobrepujar um temperamento desajustado. Este é um tema clássico do humanismo renascentista, cuja ideia de humanidade estava, completamente, ligada à de auto-cultivo intelectual, da qual Kant é de algum modo um herdeiro.

É importante notar que, no que concerne ao declínio e limitação da psicologia empírica, a lição de 1777-8 (V-Anth/Pillau), reporta ainda uma boa influência de Baumgarten, mas com os limites já melhores traçados, apesar de aparecer fragmentada, o que sugere, segundo Allen Wood, tradutor da edição inglesa, que tenha sido anotada por um só sujeito, no caso, Pillau. Além disso, também fica clara a influência de Rousseau, o qual ajudou Kant a se distanciar da psicologia de Wolff:

Rousseau mostra como uma constituição civil deve estar ordenada para alcançar o fim supremo da humanidade. Ele mostra como a juventude deve ser formada em vista de preencher perfeitamente os fins da natureza. Ele mostra em qual constituição vários povos devem adentrar de maneira que as guerras bárbaras se transformem em disputas amigáveis. Assim, ele mostra, em geral, que em nós estão os germes para o cultivo de nossa vocação […] Mas se nós abolirmos a constituição civil que temos atualmente, daí voltaríamos ao estado de natureza. O ser humano não foi feito para vagar pelas florestas, mas para viver em sociedade. (Idem, 847.)17

É necessário prudência ao ter em mente que o conceito de conhecimento pragmático aqui em voga difere daquele teorético desenvolvido por Kant na KrV e da limitação do conhecimento de fenômenos físicos. O que aqui importa é chamar a atenção para a evolução do conceito de pragmático nas suas disciplinas voltadas ao conhecimento de mundo em comparação com o trabalho, cada vez mais limitado, da psicologia empírica no cômpito geral da disciplina antropológica.

Assim, apesar de Kant usar de alguma maneira a psicologia wolffiana como método de observação para sua antropologia, principalmente na década de 1770, na KrV (A 841 / B 869), ele rompe com este saber, negando-o lugar na metafísica e o estabelecendo temporariamente, talvez por serviços prestados à sua disciplina de antropologia, no contexto antropológico.18 Apesar de na primeira edição da KrV, Kant ter as colocado ladeadas, nas lições de antropologia do ano de 1781-2, ele faz uma distinção clara entre aquilo que concerne a uma habilidade para determinada tarefa e aquilo que diz respeito a um conhecimento pragmático de alguém que necessita ter o mundo.

A psicologia, dentro da listra tríplice e hierárquica do saber antropológico, deve ser vista como de caráter escolástico, isto é, com uma lógica interna irreparável, mas sem aplicação possível no mundo. A doutrina da habilidade, a qual Kant dicotomiza com a doutrina da sabedoria, cuja tarefa é definir os fins últimos, racionalmente, buscados e direcionar os humanos em vista destes, responde ao mais baixo grau do saber antropológico. Esta posição da psicologia, nesta altura da sua reflexão, se manterá, doravante, constante. Entretanto, vale ressaltar que apesar desse rebaixamento conceitual, a psicologia não é descartada de maneira alguma do saber antropológico, mas apenas vê limitada a sua tarefa e seu desempenho como possível saber superior.

Ora, na lição V-Anth/Mensch, Kant também afirma que “por não haver outro livro sobre antropologia, nós usaremos a Psicologia da Metafísica de Baumgarten como guia. Texto de um homem que é muito rico em substância e muito curto em matéria de execução” (KANT, 1997, 859.).19 Com isso, fica claro que o uso e a ideia de um saber psicológico por parte de Kant aqui é circunscrito a um contexto de limitação da liberdade de cátedra e também a uma desconfiança intelectual por parte dos doutos da época sobre a antropologia pragmática. Assim, na V-Anth/Busolt (1788-9), Kant fortalece sua visão acerca do que considera ser uma antropologia completa, trazendo, pela primeira vez, a designação de ciência a ela: uma ciência da experiência e da observação.

Uma tal antropologia pragmática é agora o nosso propósito. Não se pretende que seja uma antropologia teórica, que apenas levanta questões e contém apenas investigações psicológicas, mas queremos dar uma instrução sobre como conhecer a natureza dos seres humanos pela observação, a fim de usá-la para nosso propósito. Assim, uma questão que poderia ser levantada é a seguinte: se é possível obter uma antropologia completa. (Idem, 1436.)20

O declínio da psicologia empírica apenas evidenciou que Kant estava evoluindo em vista de um manual próprio de antropologia, o qual não podia advir diretamente da Geografia física, pois não havia manual algum desta última até 1778, quando o ministro da educação autorizou Kant a ensinar tal disciplina secundum dictata sua (MARCUZZI, Max, «Introduction», In: KANT, 1999b, 11.). Ora, em 1778, Kant já havia lecionado cinco cursos de antropologia, criando esquemas e maneiras para evoluí-la. Não era conveniente mudar, abruptamente, e usar parte do material da Geografia ali, pois também nesta disciplina Kant precisava de um material específico.

Ele afinou sua disciplina de antropologia para ser cada vez mais um paralelo da geografia física e se distanciar, mesmo em corrente e limitado uso, da psicologia empírica de Baumgarten. Isto ocorreu devido ao fato de o manual de antropologia pragmática (Anth) apenas ter surgido após a sua aposentadoria. No entanto, apesar de haver um decréscimo conceitual da psicologia empírica ao longo dos cursos de antropologia, alguns comentadores de Kant que se dedicaram a estudar a antropologia pensam que esta tem sua origem na psicologia empírica, tais são, além do supracitado Erick Adickes: Reinhart Brandt (1999), Norbert Hinske (1966) e Paul Menzer (1911).

Segundo Norbert Hinske, a antropologia kantiana surgiu em seu formato de disciplina acadêmica como uma ciência da experiência empírica, de modo que sua origem não poderia ser outra, senão a psicologia empírica. Para Hinske, a ciência que busca os fundamentos que dão base para se pensar sobre a experiência ainda é a metafísica e, por conta disso, a antropologia seria uma ciência subalterna a esta, que se radica nas mesmas bases da psicologia empírica. Entretanto, Hinske confunde a importância da busca por fundamentos com a importância da aplicação dos fundamentos, a qual, após 1793, passa a ser a obsessão da filosofia kantiana, por meio da pergunta antropológica; esta confusão obnubila a visão de Hinske, inclusive, quanto à origem da antropologia.

Reinhart Brandt, por sua vez, segue a linha de Hinske ao afirmar que “a origem da Antropologia é a psicologia empírica; no começo, certamente, não há a ideia de completar a filosofia moral” (BRANDT, 1999, p. 16.).21 A posição de Brandt mostra uma espécie de privilégio total da filosofia crítico-transcendental kantiana em detrimento de qualquer aspecto pragmático, revelando ser bastante influenciado pela história dos comentários sobre Kant.

Ora, Brandt pensa que a antropologia não apenas se originou da psicologia empírica, mas também que esta, enquanto parte da metafísica de Baumgarten, foi libertada daquele quadro conceitual de maneira a tornar-se uma ciência independente, mudando a denominação posteriormente para antropologia pragmática, o que comprova sua visão formalista da filosofia kantiana. Brandt também afirma que: “como doutrina da sabedoria, ela se refere à interação das pessoas como um todo, sem se limitar aos interesses da moralidade. Mesmo na edição final de 1798, não há indicação de que a antropologia estivesse, pragmaticamente, no que concerne ao sistema acima mencionado, relacionada com a filosofia moral pura” (Idem).22

Isto quer dizer que a disciplina antropológica e o campo antropológico de investigação, tornados público em 1798, não teriam nenhuma relação com a filosofia crítico-transcendental, tampouco teriam sido formatados para tal. Ora, a libertação daquele quadro conceitual não significou sua inserção na filosofia crítica. O conflito de Brandt se dá entre a história da interpretação da filosofia kantiana e a letra de Kant, que afirma que todos os interesses da razão recaem na antropologia. Devido este último aspecto ter se revelado fruto de sua evolução de pensamento e não ter aparecido anteriormente em nenhuma das três críticas, comentadores como Brandt tendem a diminuí-lo como sendo um episódio acidental que se gerou em sala de aula e foi mal colocado ao público leitor.

Quanto a Paul Menzer, ele lança em 1911 uma obra acerca do desenvolvimento dos conceitos de natureza e história em Kant, trazendo a ideia de que este foi um filósofo que pensou, sobretudo, a experiência dentro desses dois domínios. Ele é um dos primeiros comentadores do século XX a abordar a questão da antropologia e seu lugar no pensamento kantiano. Menzer trata de algumas afirmações de Kant acerca da psicologia como ciência da observação do homem feitas na década de 1760 (mais precisamente das anotações de Herder sobre a lição de Metafísica lecionada por Kant e outra passagem da Nachricht, AA II, s. 309) como provas de que a antropologia é um saber que se derivou da psicologia empírica de Baumgarten. Menzer (1911, 151-152.) também usa uma carta de Kant enviada a Herz como prova de suas afirmações: “com base na psicologia empírica evocada por um interesse renovado pelo homem a antropologia surgiu, agora parece apropriado considerar a ciência que originalmente a servia como plano básico. Kant nunca entregou uma antropologia detalhada, mas, resolutamente, colocou em execução o ponto de vista pragmático.”23

Menzer cai na mesma armadilha dos outros comentadores supracitados, a saber, confunde a função do manual que dá legitimidade à lição com o objetivo principal desta que é um conhecimento pragmático de todos os aspectos da natureza humana, não apenas o psicológico. Menzer foi fortemente influenciado pelos neokantianos, inclusive no que diz respeito à ideia de cultura. Com isso, o seu comentário, apesar de tratar do conceito de história, ainda possui um forte aspecto formalista e a psicologia empírica de Baumgarten, como um primeiro aspecto de sua metafísica, encaixa bem nesta maneira de ler Kant.

Ora, até mesmo na própria Anth, apesar de seu distanciamento teórico de Baumgarten e tentativa de fundar uma nova maneira de abordar a filosofia, alguns comentadores ainda enxergam Kant como um psicólogo da natureza humana. Pois, se na Didática Antropológica se encontra alguma semelhança com a psicologia empírica, ao estilo de Wolff, por conta da doutrina das faculdades, na Característica há uma separação própria em relação a este, uma vez que evolui em direção a um conhecimento pragmático, metodologicamente formulado.

Com isso, é possível concluir que a importância da psicologia empírica na disciplina de antropologia decaiu à medida que o curso foi evoluindo e, assim, atribuir a origem da disciplina antropológica à psicologia empírica é algo um tanto enviesado do ponto de vista do contexto de ensino o qual Kant estava submetido. Mais precisamente, para conseguir, minimamente, tratar de um assunto de natureza empírica, Kant tinha que se aliar a um autor já conhecido e amplamente usado nos cursos regulares da universidade de Königsberg e este foi Baumgarten.

Como o próprio Kant afirmou que na falta de um material melhor deve-se usar Psychologia Empírica como ponto de partida e de discussão, a qual, inclusive, foi, ao longo da evolução da disciplina, bem mais um elemento de crítica que de concordância. A psicologia empírica apenas forneceu elementos empíricos do ponto de vista da subjetividade, mas inviáveis no que concerne à perfeição da humanidade que se dá na espécie. Com isso, penso que a antropologia derivou seu estatuto da geografia física e usou a psicologia empírica como mote de manual e pequeno contributo para entender a subjetividade.

Geografia física e a origem da antropologia

Kant não iniciou o trabalho antropológico em vista da consolidação da psicologia empírica, posto que a Weltkentnnis, conceito chave, já vinha sendo gestado em vista do homem desde o início das lições de geografia física (Kant, AA II, s. 9). Com isso, é da geografia física que se origina a antropologia. Ora, Kant foi fortemente influenciado por seus professores no seu Colégio na infância e adolescência a seguir alguma área de ciências exatas e, após sair da universidade, ele iniciou sua carreira acadêmica com teses de habilitação em ciências naturais (Kuenh, 2001, 61). O curso de Geografia física se iniciou no início da carreira acadêmica de Kant e se tornou um curso popular com um viés de conhecimento de mundo. Apesar de continuar a lecionar cursos que envolviam temas de ciências da natureza, a geografia física era o mais bem-sucedido, de modo que nos anos de 1760, ele aprofunda algumas relações teóricas que envolvem diretamente interesses no estudo específico do ser humano (Kuenh, 2001, 100).

Isso não significa que já houvesse na década de 1760, ou mesmo na de 1770, uma teoria antropológica sistematizada e esperando para ser publicada como saber fundamental surgido da Geografia Física. Entretanto, isto nos sugere que a antropologia estava de alguma maneira envolvida o tempo todo no desenvolvimento dos trabalhos de Kant e, mesmo que não estivesse em seus planos torná-la saber fundamental do sistema filosófico, senão na década de 1790, tal saber não pode ser desconsiderado como algo de pouca importância em sua estima intelectual.

Com Von den verschiedenen Racen der Menschen (VvRM), Kant inicia pública e oficialmente o seu Weltkentnnis, uma vez que este ensaio de 1775 serve como introdução e anúncio de suas lições tanto de Geografia física quanto de Antropologia deste ano. Este é o primeiro anúncio público sobre a disciplina de Antropologia que se iniciou em 1772; este dado também reforça a hipótese de que à medida que desenvolvia a ideia de uma antropologia, tal disciplina se livrava das limitações da psicologia empírica e reforçava sua verve de conhecimento de mundo aparentando-se, gradativamente, à geografia física. Segundo Holly Wilson (2006, 15), as duas disciplinas estão completamente interligadas de modo que “a antropologia começa onde a geografia física termina.”24 Ora, a geografia física foi moldada para ser uma disciplina que mostra os diferentes aspectos geográficos da terra e suas relações com os seres humanos vivendo sob estes.

Com isso, concordo com Holly Wilson (2006) e Georg Gerland (1905); ambos pensam que a antropologia se originou da geografia física e nenhuma psicologia empírica teria vigor suficiente para fundamentar um projeto antropológico da maneira ousada como queria Kant. Para Wilson (2006, p 126.), “a psicologia empírica providenciou, desse modo, apenas o material, isto é, as observações, mas certamente não a ideia guia.”25 Contudo, penso que nem mesmo um método completo de observação pode ser retirado da psicologia empírica, devido o caráter limitado de seu alcance.

As observações psicológicas foram superdimensionadas, por conta de Kant ter lançado na década de 1760 a Beobachtungen (GSE, AA 02), na qual expõe, psicologicamente, a relação das pessoas com os sentimentos do belo e do sublime. Contudo, creio que Kant inaugurou, de uma maneira própria, uma etnologia dos salões de Königsberg para entender alguns aspectos da natureza humana, por meio do estudo sobre as observações de um grupo de pessoas. Ora, este foi um excelente teste para o autor entender como deve se portar intelectualmente caso queira fazer algo mais amplo, que envolva a humanidade como um todo, em vez de entender toda a humanidade por meio de uma pequena amostra ali observada.

Assim, a origem da antropologia é a Geografia Física, por conta também de que não é possível separar o estudo da terra de sua relação com o ser humano, uma vez que “a geografia é uma descrição racional de tudo o que é visível na terra” (MARCUZZI, Introduction, In: KANT, 1999b, 17).26 No entanto a amplitude da ciência geográfica não podia dar conta de um objeto tão específico como o homem e, com isso, Kant trouxe à tona um saber que se preocupa com o aprofundamento deste aspecto da Weltkentnnis. De fato, a Geografia física ficou limitada sem conseguir dar conta da natureza humana como objeto mor do conhecimento do mundo.

Assim, as observações de convivas nos salões de Königsberg diferiam, sobremaneira, daquela de homens longínquos, assim como a comparação de ambos: “as experiências da natureza e do homem constituem juntos o conhecimento do mundo. O conhecimento do homem nos é ensinado pela antropologia, o conhecimento da natureza nos mostra a geografia física ou descrição da terra” (Idem, 66).27 A antropologia que se torna um saber pragmático do homem em sua condição atual frente a ideia de como ele deve e pode progredir nos aponta para cravarmos que a geografia física deu todos os subsídios que Kant necessitava para gestar e desenvolver uma ciência que deve mediar a racionalidade e as ações concretas humanas no mundo.

Considerações Finais

É interessante haver no caráter científico da geografia física, que influenciou, diretamente, na formação da disciplina antropológica, um contraste com a ideia mesma de metafísica (que à época de Kant significava ontologia, fundamento das causas primeiras da existência), a qual desde seu nascimento com Aristóteles tem como intuito ser a ciência das causas primeiras, a ciência fundamental. Para Kant, a antropologia de viés e caráter pragmático tem de, inevitavelmente, ser a ciência das finalidades últimas (por mais pleonástico que isto soe), ou seja, dos efeitos de seguir as diretrizes que a razão é capaz de pensar para a humanidade, a fim de melhorar a vida cotidiana dos homens e mulheres com a tentativa de efetivação da liberdade nas relações sociais.

Com isso, o objetivo de Kant ao gestar uma antropologia que deriva da geografia é mostrar conceitualmente sob quais paradigmas a humanidade deve avançar e não é fortuito que o caminho que Kant traçou para descortinar tais paradigmas esteja vinculado à aceitação incondicional do modo de vida e pensamento europeu. Esta constatação passa justamente por aquilo que Kant chama de estado de civilização (contrapondo o estado de natureza); mais precisamente, é necessário levar a cabo um estado de direito mediado por uma constituição civil que proteja tanto os cidadãos quanto o Estado de guerras ofensivas, promovendo, em contrapartida, a ciência, a moral e a religião como pontos de melhoramento da natureza humana.

A Psicologia empírica modelada por Baumgarten era incapaz de fundamentar a experiência social que Kant tinha em mente quando fundou a antropologia em 1772, ou seja, um padrão formal, não empírico, para dar base a uma metafísica não dogmática em relação não apenas à alma (objeto desta psicologia), mas também ao mundo e a Deus. A KrV colocou a Psicologia empírica de lado, contudo em concomitância ao avanço do projeto crítico, a antropologia ia ganhando contornos mais robustos em sala de aula, de modo que em 1793 Kant estava ciente de sua importância como ciência principal para o manejo da experiência social humana.

As etnografias que antes estavam circunscritas à Geografia física ascenderam ao pensamento sobre as condições de possibilidade de a humanidade, em geral, progredir para o melhor, corrigindo as eventuais imperfeições das culturas específicas, em vista de uma cultura geral cosmopolita. Este projeto último de Kant nunca foi terminado por ele, pois o ser humano não é um objeto cognoscível por conta de sua causalidade livre, restando, assim, projetar finalidades pensadas pela razão que a todos devem interessar; entretanto, segundo Kant, mulheres, negros e indígenas, apesar de humanos em sua constituição natural, não têm talento ou aptidão para atingir a vocação cosmopolita humana (AZEVEDO, 2019).

Portanto, Kant tinha uma ciência do homem, que não conseguia dar conta de maneira completa de seu objeto, malogrando seu projeto antropológico, que pese sua tentativa de termina-lo até o último suspiro. A conclusão que tiro desta origem da antropologia na Geografia física é a de que o caráter formalista que a tradição atribuiu a Kant como fundamento de seu pensamento não é completamente acurado, uma vez que a finalidade de sua filosofia, maturada ao longo de seu projeto crítico, é o manejo social em vista das finalidades cosmopolitas.

Referências

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AZEVEDO, Henrique. A Antropologia como finalidade da filosofia em Kant. Campinas: Tese de Doutorado defendida na UNICAMP, 2019.

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WILSON, Holly. Kant's Pragmatic Anthropology: Its origin, meaning and critical significance. New York: State of New York University Press, 2006.

Notas

2. 1793 é a data em que aparece para o público a resposta à terceira das perguntas que interessam à razão, precisamente na Religião nos limites da simples razão (doravante Rel). Neste mesmo ano Kant escreve em envia uma carta a Stäudlin de 04/05/1793, na qual delineia o projeto por vir, voltado a uma quarta pergunta: ‘o que é o homem?’ A resposta a esta questão passa a ser a obsessão principal dos últimos anos de vida de Kant, não sendo completamente satisfeita com o lançamento da Anth.

3. AZEVEDO, 2019.

4. “The origin of Kant’s Anthropology was initially debated between Wilhelm Dilthey and Erich Adickes as they discussed the placement of the Anthropology in Kants gesammelte Schriften. In the seven letters they exchanged, both editors wanted to place the Anthropology based on their understanding of its systematic position in Kant’s works. Dilthey argued that the anthropology lectures arose out of Kant’s work in cosmology and physical geography, and he concluded that the Anthropology should be printed with Kant’s Physical Geography. Adickes responded that the anthropology lectures arose out of the empirical psychology section of Kant’s metaphysics lectures. Despite Dilthey’s success in convincing Adickes, the Anthropology and the Physical Geography were printed in separate volumes.” Este e os seguintes textos deste escrito, cuja edição usada seja a original, foram traduzidos ao Português por mim.

5. “As Allen Wood notes […] It was published in 1831, under the title Immanuel Kants Menschenkunde oder philosophischer Anthropologie. Nach handschriftlichen Vorlesungen herausgegeben von Friedrich Christian Starke […] A new edition followed in 1838 […] the editor, was a pseudonym for Johann Adam Bergk.” LOUDEN, Robert. Translator’s Introduction.

6. Por exemplo, Daniel Omar Perez (2018) pensa que o homem descrito por Kant no projeto antropológico é um operador de juízos. Patrick Frierson (2013) também pode ser descrito dentro deste contexto uma vez que o autor dá uma grande ênfase a uma frase isolada de uma reflexão marginal de Kant escrita na borda de um caderno e a torna o ponto principal de sua filosofia; referimo-nos, a saber, ao conceito de antropologia transcendental. Frierson o faz funcionar de maneira tal que o conceito de pragmático se obscurece, a fim de atender a um posicionamento logicista. Estes dois exemplos refletem bem a problemática, a qual enfrento.

7. “De Baumgarten adota três tratados: um para o curso de metafísica (Metaphysica, 1757, em latim) e dois para o de ética (Ethica philosophica, 1740 e Initia philosophiae practicae primae, 1760, também em latim). De Meier, discípulo de Baumgarten, para ocurso de lógica adota o Extrato da doutrina da razão (Auszug aus der Vernunftlehre, 1752), um resumo da volumosa Doutrina da razão.” Cf. CASTILHO, Fausto. “Introdução”. In: KANT, 2002, 16.

8. Intitulado Entwurf und Ankündigung eines Collegii der physischen Geographie nebst dem Anhange einer kurzen Betrachtung über die Frage: Ob die Westwinde in unsern Gegenden darum feucht seien, weil sie über ein großes Meer streichen (EACG). Cf. https://korpora.zim.uni-duisburg-essen.de/kant/verzeichnisse-gesamt.html

9. “Ich trage dieses zuerst in der natürlichen Ordnung der Classen vor und gehe zuletzt in geographischer Lehrart alle Länder der Erde durch, um die Neigungen der Menschen, die aus dem Himmelsstriche, darin sie leben, herfließen, die Mannigfaltigkeit ihrer Vorurtheile und Denkungsart, in so fern dieses alles dazu dienen kann, den Menschen näher mit sich selbst bekannt zu machen, einen kurzen Begriff ihrer Künste, Handlung und Wissenschaft, eine Erzählung der oben schon erklärten Landesproducte an ihren gehörigen Orten, die Luftbeschaffenheit u. s. w., mit einem Worte, alles, was zur physischen Erdbetrachtung gehört, darzulegen.” KANT, EACG, AA II, s. 9. In: https://korpora.zim.uni-duisburg-essen.de/kant/verzeichnisse-gesamt.html

10. “The structure of Kant's lectures (on Anthropology), especially at the beginning, is oriented to Baumgarten's text and makes use of faculties of human mind as organizing principles. These contents bear a decided affinity with the discussion of empirical psychology that takes place in Kant's lectures on metaphysics.”

11. Esta nota foi tomada durante o primeiro curso de antropologia dado por Kant e anotada por Collins. “Der erste Gedancke der uns aufstößt, wenn wir uns selbst betrachten drückt das Ich aus.”

12. “Aber die Methaphysic hat nichts mit den Erfahrungs Erkenntnißen zu thun. Die empirische Psychologie gehört eben so wenig, als die empyrische Phisic zur Metaphisic.”

13. “Die empyrische Psychologie ist eine Art von Naturlehre. Sie handelt die Erscheinungen unsrer Seele ab, die einen Gegenstand unsers innern Sinnes ausmachen.”

14. “Da queste considerazioni può forse ripartire un raffronto tra la psicologia di Wolff e l’antropologia kantiana. In Kant la Caratteristica (dottrina antropologica del metodo) integra la Didattica (dottrina degli elementi) garantendo così alle osservazioni empiriche sul sé, considerate in senso pragmatico, un criterio selettivo e un raccordo organico che stavolta non è con la metafisica, ma con la kosmische Betrachtung della filosofia. Vi è dunque un parallelismo formale tra le due parti dell’antropologia e le due psychologiae wolffiane. Questo non significa che nei contenuti Kant si affidi a Wolff, ma indica – come si è detto in apertura – il sussistere di un’esigenza filosofica comune.”

15. “Ich arbeite in Zwischenzeiten daran, aus dieser in meinen Augen sehr angenehmen Beobachtungslehre eine Vorübung der Geschiklichkeit der Klugheit und selbst der Weisheit vor die academische Iugend zu machen welche nebst der physischen geographie von aller andern Unterweisung unterschieden ist und die Kentnis der Welt heissen kan.” In: https://korpora.zim.uni-duisburg-essen.de/kant/aa10/146.html

16. “Alle Geschicklichkeit, die man besitzt, erfordert am Ende eine Kenntnis von der Art, wie wir davon Gebrauch machen sollen. Die Kenntnis die in der Anwendung zum Grunde liegt, heißt die Kenntnis der Welt. Die Kenntnis der Welt ist eine Kenntnis des Schauplatzes, auf dem wir alle Geschicklichkeit anwenden können. Die Kenntniße sind von zwiefacher Art3, theoretische und -pragmatische4 Vollkommenheit. Die theoretische besteht darinn, daß wir wißen, was zu gewißen Entzwecken erfordert wird, und geht also den Verstand an, die pragmatische besteht in der UrtheilsKraft sich aller Geschicklichkeit zu bedienen, sie ist nötig zum Siegel aller unserer Geschicklichkeit. Der Grund der pragmatischen Kenntnis ist die Kenntniss der Welt, wo man von allen theoretischen Kenntnißen Gebrauch machen kann.”

17. “Rousseau zeigt wie eine bürgerliche Verfassung seyn muß um den gantzen Zweck der Menschen zu erreichen. Er zeigt wie Jugend muß erzogen werden um diesen Zweck der Natur vollkommen zu erfüllen. Er zeigt in welche Verfassung verschiedne Völcker treten müssen, damit die vielen barbarischen Kriege in freundschaftliche Streite gerathen. Er zeigt also überhaupt, daß in uns die Keime der Ausbildung zu unserer Bestimmung liegen; und daß wir deswegen die bürgerliche Verfassung nöthig haben um die Zwecke der Natur zu erfüllen; Wenn wir aber in der bürgerlichen Verfassung jetzt stehen bleiben, so war es besser in den Stand der Wildheit zu kehren.”

18. “Assim, a psicologia empírica deve ser completamente banida da metafísica e já está dela completamente excluída pela ideia desta ciência. Contudo, deveria nela reservar-se-lhe um pequeno lugar, segundo o uso da Escola (mas somente como episódio), e isto por motivos de economia, porque não é ainda tão rica para constituir isoladamente um estudo e todavia é demasiado importante para que se possa repelir inteiramente ou ligá-la a outra matéria, com a qual tivesse ainda menos parentesco do que com a metafísica. É, portanto, simplesmente um estranho, ao qual se concede um domicílio temporário até que lhe seja possível estabelecer morada própria numa antropologia pormenorizada (que seria o análogo da física empírica).” KANT, 2010, 667-8 (A 848-9 / B 876-7).

19. “Da es kein anderes Buch über die Anthropologie giebt, so warden wir die metaphysische Psychologie Baumgartens, eines Mannes, der sehr reich in der Materie, und sehr kurz in der Ausführung ist, zum Leitfaden wählen.”

20. “Eine solche pragmatische Antropologie ist nun unser Zwek. Sie soll nicht eine Theoretische Antropologie seyn, die bloß fragen Aufwirfft und in sich nur psichologische Untersuchungen enthält: sondern wir wollen eine Anweisung geben, wie man durch eine Beobachtung die Beschaffenheit der Menschen kennen lernt, um sie hier zu unsern Zwek gebrauchen zu können. Noch eine frage könnte man aufwerffen obs möglich sey, daß man sich eine Vollständige Antropologie verschaffen könne.”

21. “Der Ursprung der Anthropologie ist die empirische Psychologie; am Anfang steht also sicher nicht die Idee der Ergänzung der Moralphilosophie.”

22. “Als Klugheitslehre bezieht sie sich auf das Interagieren der Menschen im ganzen, ohne auf die Belange der Moral eingeschränkt zu sein. Auch in der Endredaktion von 1798 fehlt jeder Hinweis darauf, daß die Anthropologie in pragmatischer Hinsicht in der genannten Systembeziehung zur reinen Moralphilosophie steht.”

23. “Auf der Grundlage der empirischen Psychologie, hervorgerufen durch ein neues Interesse am Menschen, war die Anthropologie entstanden, jetzt erscheint sie geeignet, die Wissenschaft, die ihr ursprünglich als Grundriß diente, in sich aufzunehmen. Eine solche ausführliche Anthropologie hat Kant niemals geliefert, vielmehr hat er den pragmatischen Gesichtspunkt mit aller Entschiedenheit durchgeführt.”

24. “The anthropology begins where a physical geography ends.”

25.“The empirical psychology provided, then, only the material, that is, the observations, but certainly not the guiding idea.”

26. “La géographie est une description raisonnée de tout ce qui est visible à la surface de la Terre.”

27. "Les expériences que nous avons de la nature et de l‘homme constituent les connaissances du monde. L‘anthropologie nous enseigne la connaissance de l‘homme; nous devons la connaissance de la nature à la géographie physique ou description de la Terre.”

Material suplementario
Notas
Notas de autor
1 Doutor(a) em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas – SP, Brasil. Professor(a) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza – CE, Brasil.
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