Resumo: O presente trabalho tem por objetivo debater a ideia de que o enunciado pode vir a ser uma provável categoria de análise, na tentativa de pensar o(s) discurso(s), do mesmo modo que sua geração, na moldura teórica proposta por Michel Foucault (1926-1984). O filósofo francês desenvolveu o enunciado como uma categoria de análise, em obras como As Palavras e As Coisas (1966) e a A Arqueologia do Saber (1969), em um enquadramento capaz de permitir uma determinada autonomia à formulação de um conceito. Desta forma, o enunciado, na tentativa de engendrar essa mesma autonomia a uma teoria a ser erigida, permitiria a gravitação desta nos referidos discursos produzidos pelo indivíduo. O enunciado, foucaultianamente, não se refere em stricto sensu a um arcabouço gramatical, ou estritamente linguístico, mas permite a confluência na formação de noções teóricas, ou mesmo na moldura do(s) discurso(s), possibilitando a consonância de ideias que fundamentam os discursos vigentes nas ciências humanas e que delineiam o status quo. Sendo a proposição de enunciado em Foucault uma categoria não necessariamente científica, isto é, sem a envergadura de uma composição de verdade, assim como de um “dizer verdadeiro”. O enunciado, na proposta do autor, contrapõe-se ao discurso que versa sobre a nomenclatura da verdade e os mecanismos que instituem a constante produção desta e que outorgam as concepções epistemológicas (que constituem as epistemologias vigorantes) nos espaços: social, político, histórico e também cultural.
Palavras-chave: Enunciado, Categoria de Análise, Produção do(s) Discurso(s), Michel Foucault.
Abstract: The present work aims to discuss the idea that the enunciation may be a probable category of analysis, in an attempt to think the discourse(s), like its generation, in the theoretical framework proposed by Michel Foucault (1926-1984). The French Philosopher, developed the statement as category of analysis, in works like The Order of Things (1966) and The Archeology of Knowledge (1969), in a frame capable of allowing a certain autonomy to the formulation of a concept. In this way, the enunciation in the attempt to generate this same to a theory to be put up, would allow the gravitation in the mentioned discourses produced by the individual. The enunciation, in the Foucault’s thought, does not refer in stricto sensu to a grammatical or strictly linguistic framework, but allows the confluence in the formation of theoretical notions, or even in the frame of the discourse(s), making possible the consonance of ideas that base the discourses that prevail in the human sciences and wich outline de status quo. Being Foucault’s proposition of enunciation is a category not necessarily scientific, that is, without the magnitude of a composition of truth, as well as of a “true saying”. The enunciation, in the author’s proposal, contrasts with the discourse that deals with the nomenclature of truth and the mechanisms that institute the constant production of it, and wich they grant the epistemological conceptions (wich constitute epistemologies in force) in social, political, historical e and cultural spaces.
Keywords: Enunciation, Category of Analysis, Production of the Discourse(s), Michel Foucault.
Artigos
O enunciado como categoria de análise na produção do(s) discurso(s) em Foucault
The enunciation as a category of analysis in the production of the discourse(s) in Foucault
Recepción: 05 Julio 2022
Aprobación: 17 Octubre 2022
A formação do discurso, ou dos discursos, na perspectiva teórica foucaultiana, representa parte dos estudos de Foucault sobre a forma como a linguagem é apropriada, pelos sistemas de poder (sejam eles científicos, ou não), na tentativa de se produzir verdades que reverberam e, consequentemente, instituem os pilares do status quo. O exame realizado pelo autor francês pretende demonstrar a produção efusiva de verdades no contexto social e político, no ensejo de que os indivíduos constituam-se a partir dos revestimentos “veridiccionais” que os situam no contexto de sua própria história. A designação de um modo de vida, de um comportamento, de um pensamento, de uma simples ideia são composições, primordialmente, componentes do discurso produzido com o intuito de se estruturar um jogo de poder, assim como um jogo de verdade, atuantes no controle e no embate clássico entre o sujeito e os múltiplos mecanismos de poder.
O enunciado, primariamente, representa um possível marco zero da produção de verdades encortinado pelos signos, pelos conceitos, pelo positivismo científico e metodológico de universalização de epistemologias. Com as quais as estruturas de poder aspiram unificar, por meio de implementos, o conjunto de relações e de manufaturas epistemológicas que descrevem o mundo e o bipolarizam no que concerne ao verdadeiro e ao falso, ao normal e ao patológico, como exposto na obra de Georges Canguilhem (1904-1995), O Normal e o Patológico (1966), ao íntegro e ao pervertido, da mesma maneira que ao asséptico e ao não-higienizado.
Foucault encadeou em sua obra uma discussão concernente à vinculação do enunciado como uma tentativa de autonomizar o discurso, a qual pudesse permitir ao indivíduo refletir para além da produtividade científica e metódica da verdade, criticando veementemente a universalização desta. Pois, com a unicidade da verdade, exclui-se a possibilidade de formulação de jogos de veridicção a partir de problemáticas como a sexualidade, a criminalidade, a patologização individual, a loucura, ou mesmo a morte em sua concepção biológica e medical, isto é, a partir de feixes epistemológicos não consagrados como “pontos de ancoragem”: em um nível científico, ou mesmo discursivo. A fim de compreender a obscuridade corporifica e subjetiva do sujeito.
Este texto propõe, com base em uma metodologia analítica, pensar o enunciado com uma ênfase em sua disposição autônoma de formação primeira do conhecimento: que, como uma espécie de matriz, permite a orientação para a criação de conceitos, e, iminentemente, da fundação de verdades que culminam na elaboração dos discursos. O enunciado possibilita a compreensão do conhecimento, das concepções que compõem o mesmo, de uma forma autônoma que ultrapassa a organização funcional da racionalidade, onde esta é privilegiada como a única vertente capaz de possibilitar a formação de conhecimento e de epistemologias que descrevem parte da historicidade do indivíduo.
A primeira parte deste estudo: “O Enunciado Como Categoria de Análise”, examina a maneira como o enunciado pode ser considerado uma ferramenta, um artefato contundente para se compreender a topografia do discurso e a ação deste por meio dos mecanismos de poder. Assim como, pensar o núcleo da formação dos discursos tangenciados por verdades que cerceiam o indivíduo em uma rede de signos, de simbologias que tentam captar a complexidade da sua subjetividade, assim como de seu corpo.
Na segunda parte do texto: “O Enunciado e o Dispositivo”, a discussão versa acerca da concretude dos discursos a partir dos contrastes discursivos e não-discursivos que abarcam o mesmo nas projeções da epistémê (partícula discursiva) e o dispositivo (partícula não-discursiva). Estes ordenamentos representam parte do arranjo de caracterização do discurso, concebidos por Foucault como prováveis marcos históricos: que definem parte da história da subjetivação individual a partir do século XVI até o século XVIII, adentrando o século XIX.
E, por fim, como possíveis considerações finais, se criticará como o enunciado encabeça o que Foucault argumenta como o que camufla o discurso e permite a sua convenção no espectro social e político: a ficção. Sendo a ficção um dos revestimentos em correspondência com a produção atribulada de verdades, pelas ciências humanas e, em consonância com as estruturas de poder, a passagem da epistémê para o dispositivo na experiência de catalogar e entender como a subjetividade do sujeito é influenciada pela agência dos discursos e a irrevogável produção de verdades. Da mesma forma, intui-se compreender como ambas atuam, por meio dos sistemas de poder, na produção fantasmagórica individual que fabrica a noção de realidade que permeia o discurso e a ideia de uma verdade universalizada e que assombra largamente a existência individual de cada agente, na ficção-mor denominada “mundo”.
O processo de criação de conceitos, na compreensão foucaultiana, estabelece-se a partir do viés de que, primeiramente, esse mesmo conceito materializa uma possibilidade de autonomia no entendimento de uma ideia específica. Como exemplo, compreende-se que Foucault nunca produziu em sua obra um conceito definitivo acerca do poder2. Pode-se conceber que o autor formulou enunciados sobre a problemática do poder, os quais podem evocar alguma espécie de consideração acerca do que concerne ao poder na ótica do mesmo autor.
Partindo-se da problemática que o enunciado para Foucault não está apregoado a um prisma estritamente gramatical, ou mesmo linguístico, reflete-se que o mesmo surge na tentativa do autor de permitir uma maior autonomia na composição de uma ideia: seja ela filosófica, ou não: “O enunciado, longe de ser o princípio de individualização dos conjuntos significantes (o “átomo” significativo, o mínimo a partir do qual existe sentido), é o que situa as unidades significativas em um espaço em que elas se multiplicam e se acumulam.” (FOUCAULT, 2012, p. 121) Dessa forma, é possível conjecturar, que o enunciado representa a categoria mais essencial, assim como primária, da formação de conceitos nos estudos foucaultianos, o que pode vir a garantir a autonomia para a criação de teorias, e de conhecimento, sem a condicionalidade de um status científico (como o saber médico, ou mesmo criminal). Como Foucault (2012, p. 120) expõe em sua obra A Arqueologia do Saber, publicada em 1969:
O enunciado não é a projeção direta, sobre o plano da linguagem, de uma situação determinada ou de um conjunto de representações. Não é simplesmente a utilização, por um sujeito falante, de um certo número de elementos e regras linguísticas. De início, desde sua raiz, ele se delineia em um campo enunciativo onde tem lugar e status, que lhe apresenta relações possíveis com o passado e que lhe abre um futuro eventual.
O enunciado, partindo-se de sua simbologia autônoma, se aproxima do discurso pela sua possibilidade de deslocamento e reordenamento nos denominados “atos de fala”3: “Definir em sua individualidade singular um sistema de formação é, assim, caracterizar um discurso ou um grupo de enunciados pela regularidade de uma prática” (FOUCAULT, 2012, p. 88) Dessa maneira, a consagração do enunciado poderia ser projetada, no discurso, quando atinge o nível de cientificidade, como “enunciado científico”, mesmo assim, o enunciado esvazia-se de uma integridade que culminaria em um valor de verdade, valor este cabal para a edificação do discurso. Em sua aula inaugural no Collége de France, em 02 de dezembro de 1970, intitulada A Ordem do Discurso (publicada em 1971), Foucault (2013, p. 46) comenta acerca de sua percepção sobre o discurso:
O discurso nada mais é do que a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos; e, quando tudo pode, enfim, tomar a forma do discurso, quando tudo pode ser dito e o discurso pode ser dito a propósito de tudo, isso se dá porque todas as coisas, tendo manifestado e intercambiado seu sentido, podem voltar à interioridade silenciosa da consciência de si.
Há de se enaltecer, neste caso, a diferença entre saber e conhecimento na perspectiva de Foucault, que delineia a moldura de status que o enunciado, ou mesmo o conhecimento4, podem vir a adquirir e sua técnica de formulação. Pois, mesmo o enunciado não angariando a alcunha de “conhecimento”, ele pode vir a ser denominado, com as devidas críticas estabelecidas, como um “enunciado científico”: “A descrição do enunciado não é nem análise lógica nem análise gramatical, situa-se em um nível específico de descrição” (CASTRO, 2016, p. 137)5. O conhecimento, irrepreensivelmente, possui um espectro de verdade6, dessa maneira, essa mesma verdade é autenticada no espaço científico das ciências e englobam a moldura de ordenamento dos discursos, sendo a verdade (ou, as verdades) condição sine qua non para a consolidação do discurso, ou dos discursos: “A recusa de Foucault de elaborar uma teoria do poder advém de sua compreensão de que a teoria só existe e é inteligível quando é estabelecida contra e entre práticas culturais articuladas.” (RABINOW; DREYFUS, 2013, p. 247) A verdade, segundo Foucault, para além de uma conceptualização cartesiana, ou mesmo positivista, é instituída para além de um arranjo exclusivamente universal, sendo a mesma produzida de forma a gerar precedentes e dispositivos discursivos no núcleo da sociedade. A partir dessa instância, o discurso é, regularmente, reatualizado e remanejado no preâmbulo das ciências humanas e, simultaneamente, no espaço social.
O discurso é pressuposto, segundo Foucault, como uma prática reguladora elaborada a partir de um constructo arqueológico, isto é, um processo que é designado como basilar: o qual ornamenta o processo de formação subjetiva do indivíduo. Parece pertinente, então, enumerar os níveis procedimentais dessa estruturação da seguinte forma: (I) enunciado; (II) conceito; (III) discurso; e, por fim, (IV) subjetivação: “Ora, o poder não pode disciplinar os indivíduos sem produzir igualmente, a partir deles e sobre eles, um discurso de saber que os objetive e antecipe qualquer experiência de subjetivação” (REVEL, 2011, p. 135). Pode-se afirmar, deste modo, que o enunciado prenuncia a autonomia da formação de ideias e noções, de teorias sobre objetos, antes de tornar-se, efetivamente, um conceito padronizado e, eventualmente, revestir o discurso com sua carapaça científica e normativa: “Ficção: é desse lugar inventado que vai ser feito [um] discurso de verdade (que pouco a pouco se especificará como discurso filosófico, científico, discurso político).” (FOUCAULT, 2014, p. 174)7 Novamente, há a averiguação sobre a autonomia do enunciado que aparenta propiciar uma maior liberdade na produção dos atos de fala individuais, mesmo assim, não há a confirmação de que a verdade seja subsumida na constituição dessa técnica. Acerca do chamado “discurso clássico” e suas desinências, Foucault (2007, p. 169) disserta em sua obra de 1966: As Palavras e As Coisas, proferindo:
Pode-se apreender agora qual seja a unidade sólida e cerrada da linguagem na experiência clássica. É ela que, pelo jogo de uma designação articulada, faz entrar a semelhança na relação proposicional. Quer dizer, num sistema de identidades e diferenças, tal como é fundado pelo verbo ser e manifestado pela rede de nomes. A tarefa fundamental do “discurso” clássico consiste em atribuir um nome às coisas e com esse nome nomear o seu ser. Durante dois séculos, o discurso ocidental foi o lugar da ontologia. Quando ele nomeava o ser de toda a representação em geral, era filosofia: teoria do conhecimento e análise das ideias. Quando atribuía a cada coisa representada o nome que convinha e, sobre todo o campo da representação, dispunha a rede de uma língua bem-feita, era ciência – nomenclatura e taxionomia.
Com base nesta acepção de Foucault em As Palavras e As Coisas é possível vislumbrar que o método de formação do conhecimento, sua tecnologia, conheceu sua ascendência com a consagração do “discurso clássico” na oportunidade de nomeação dos diferentes tipos de objetos e epistemologias. Objetos e epistemologias estes os quais produzem parâmetros no constructo correspondente aos atos de fala, aos atos performativos exprimidos pelos indivíduos no âmbito social e político: “O que é tido por verdadeiro se faz obedecer.” (VEYNE, 2011, p. 167) Nessa interpelação, a problemática foucaultiana referente ao dispositivo, como prática discursiva e não-discursiva, parece incrementar parte do procedimento para a compreensão da existência do enunciado, enquanto ideia autônoma, e, ao que parece indicar, difícil de ser suplantada pelo próprio discurso histórico, o qual parece encontrar dificuldades para “fixar o sujeito” em sua própria “linearidade” discursiva.
O dispositivo, similarmente ao enunciado, também desempenha um papel de regulação do discurso, enquanto prática, assim como na modelagem da subjetividade e da compleição do indivíduo: “É o sistema geral da formação e da transformação dos enunciados.” (FOUCAULT, 2012, p. 159) Para além de uma conjunção puramente emergencial, o dispositivo oportuniza, em certo sentido, a transfiguração do enunciado e sua iminente repetição no firmamento do(s) discurso(s) e, como resultante, no arranjo dos jogos de veridicção os quais integram os indivíduos que compõem o complexo social e político.
Em sua segmentação, o dispositivo pode ser notabilizado como discursivo e como não-discursivo, sendo sua “virtualidade” personificado pelo conceito de epistémê8 e o dispositivo personalizando a “não discursividade” complementar a constituição das práticas discursivas9: “Como tal, resulta o cruzamento de relações de poder e relações de saber.” (AGAMBEN, 2009, p. 29) O enunciado poder ser, nessa perspectiva, concebido como a “pedra de toque” que embasa e interliga os discursos em suas referentes práticas e, conjuntamente, no estabelecimento da subjetividade do indivíduo. Na entrevista Sobre a História da Sexualidade, concedida em julho de 1977, e presente na compilação Microfísica do Poder, Foucault (2014a, p. 364) disserta acerca de sua depreensão sobre o dispositivo:
Por esse termo (dispositivo) tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre esses elementos10.
Os dispositivos de sexualidade, de raça, de segurança, de território, de aliança, ou mesmo um dispositivo de desejo, realinham os discursos na tentativa dos sistemas de poder de realocarem os indivíduos em suas delimitações subjetivas: “O conceito de norma fornece um bom exemplo dessa destituição do nível teórico e do privilégio concedido à abertura de uma problemática.” (CANGUILHEM, 2019, p. 266)11 Desse modo, o enunciado possibilita a articulação das práticas que cerceiam e cooptam o sujeito na tentativa de produzi-lo, sendo essas mesmas práticas, que revestirão sua subjetividade, elas são articuladas no intuito de seduzi-lo, na medida em que não simplesmente o dominam, porém, também, permitem que o mesmo se autoarticule, e, devidamente encouraçado, possa metamorfosear-se a partir das respectivas tecnologias implantadas na interioridade do discurso.
A problemática do dispositivo permite pensar acerca de como os enunciados são estrategicamente compostos, assim como posicionados, no ensejo de permitir ao indivíduo deslocar-se e, se autocriar, autonomamente, concedendo a este o privilégio, através dos aparelhos de poder, de forma sutil, de confrontar-se com os discursos hegemônicos no corpus social: “Para que o discurso seja um discurso da verdade, o conhecimento do verdadeiro não pode ser dado antes a quem vai falar, a verdade tem de ser uma função constante e permanente do discurso.” (FOUCAULT, 2010, p. 300) Seus questionamentos, respeitante ao sujeito, acerca de sua subjetividade, de seu corpo, de seu comportamento parecem, em uma primeira instância, ser respondidos pelos jogos de verdade insuflados nos discursos dos espaços sociais e políticos: “Deve-se notar aqui, no entanto, que os pontos de continuidade e descontinuidade entre a Antiguidade pagã e o Cristianismo devem ser radicalmente repensados” (LORENZINI, 2016, p. 144)12.
O enunciado, então, permite a atualização da linguagem que simboliza o discurso e, da mesma maneira, ele reifica a tentativa dos mecanismos de poder de estabelecerem epistemologias capazes de envolver o indivíduo em sua própria constituição sempre dependente de verdades a serem produzidas, publicizadas, autenticadas, contudo, nunca peremptórias. Como Foucault (2018, p. 143) escreve: “em tudo isso se vê aparecer uma obrigação de verdade em forma de ato de fé, mas uma obrigação de verdade que assume a forma da necessária exploração de si mesmo, da obrigação fundamental de dizer essa verdade.” Foucault parece compreender que existe uma dependência mútua entre o indivíduo e os sistemas de poder, e a constante organização de discursos pelos segundos, com base em uma flutuação contínua e infatigável dos enunciados que tipificam esses mesmos discursos. O enunciado, na circunspecção do dispositivo, parece tornar presente essa referente dependência amplamente necessária à estrutura dos jogos de poder, e, das relações vinculadas entre o sujeito e as instâncias respectivas de poder, que o compelem. Em um questionamento sobre a microfísica do poder, assim como a analítica do poder, ambas as questões presentificadas em sua obra, Foucault (2013a, p. 342) discorre na entrevista de 1983: Estruturalismo e Pós-Estruturalismo13:
É um pouco isso. Pareceu-me que essas formas de racionalidade, que são as que atuam nos processos de dominação, mereceriam ser analisadas em si mesmas, sabendo-se que essas formas de racionalidade não são alheias a outras formas de poder colocadas em ação, por exemplo, no conhecimento ou na técnica. Há, ao contrário, uma troca, transmissões, transferências, interferências, mas gostaria de enfatizar que não me parece possível designar uma única e mesma forma de racionalidade nesses três domínios, que se encontram os mesmos tipos, mas deslocados, e que há, simultaneamente, interconexão fechada e múltipla, mas não isomorfismo.
A estruturação do discurso pelos enunciados, sob o alicerce do dispositivo, ou dos dispositivos, compõe as nuances dos atos de fala que perfazem os discursos no eixo social e político, arquitetando a linguagem das ciências humanas, dos sistemas de poder, dos significados que contam a “história não fixada do indivíduo”: “Por mais tempo que o necessário os filósofos acreditaram que o papel de uma declaração era tão somente um estado de coisas, ou declarar um fato, o que deveria fazer de modo verdadeiro ou falso” (AUSTIN, 1990, p. 21). Os enunciados, também, promovem o prelúdio desse indivíduo fragmentado, onerado por um conjunto de regras estilísticas que sintetizam a imensidão não apreendida de sua subjetividade e de seu corpo. De fato, os enunciados facultam a formação dos conceitos que impregnam os discursos da ciência, estabelecendo relações e entrincheiramentos acerca da posição do indivíduo na complexidade da sociedade, tornando-o um vetor capaz de enunciar esses discursos e ser fatalmente reconhecido pelos mesmos. Assim como a confissão inaugurou um novo “marco zero” do discurso, e, sincronicamente, dos atos de fala, a verdade tornou-se o parâmetro fundamental de autenticação, tal como do caráter genuíno do discurso, permanecendo o enunciado tal como um processo de formação do tecido desse “discurso de verdade”, ou “ato de verdade”.
Em suas ponderações no que tange ao enunciado, Foucault engendrou a possibilidade de pensar a produção de conceitos para além da categoria imperativa da ciência e do positivismo, o que demonstra parte de sua crítica à Modernidade concernente à verdade como atitude universal, incontestável e unificada. Direcionando suas críticas a Descartes, Foucault sempre defendeu a possibilidade de se fundar epistemologias, ou mesmo, a ideia de um “contrapositivismo”, assim como racionalidades, em capítulos como a loucura, a sexualidade, a criminalidade, a anormalidade, da mesma forma que a morte em seu aspecto biológico. Como um crítico da história do pensamento, o autor consignou o enunciado como a repetição exercida na existência cotidiana, assim como filosófica, dos discursos que, quando normatizados, descrevem condutas, comportamentos, pensamentos e definições sobre os incluídos e os excluídos, os normais e os anormais, assim como acerca de quem pode, ou não, permanecer à margem das estruturas sociais e políticas.
Foucault acredita veementemente que a filosofia não pode deixar de imiscuir-se em vicissitudes que afetam diretamente o indivíduo em sua organicidade corporifica, assim como subjetiva. O sujeito da sexualidade, o sujeito da raça, o sujeito territorial, o sujeito de desejo, ou o sujeito que deseja, sujeito este interceptado pela epistémê e pelo dispositivo (pela discursividade e pela não discursividade) são, para além de problemas éticos e políticos, problemas filosóficos. E, dessa forma, requerem toda a atenção e o exame que outras problemáticas filosóficas de mesmo porte e excelência.
O enunciado, como partícula autônoma, gravitacional, medida, confrontadora dos ditames científicos e estruturalmente alcunhados como verídicos, são confabulados no sentido de evocar toda a ficção que compõe as muralhas da fantasia social, da performatividade que tece, em linhas fascinantes, toda a teatralidade das relações de poder, na mesma medida que humanas.
AGAMBEN, Giorgio. O que é dispositivo?. In: AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Trad. de Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos, 2009, p. 25-54.
AUSTIN, John Langshaw. Quando dizer é fazer. Trad. de Danilo Marcondes de Souza Filho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. Trad. de Maria Thereza Redig de Carvalho Barrocas. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2019.
CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault. Trad. de Ingrid Müller Xavier. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Trad. de Salma Tannus Muchail. 9. ed. 3ª reimp. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros: curso no Collège de France (1982-1983). 2ª reimp. Trad. de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Trad. de Luiz Felipe Baeta Neves. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 02 de dezembro de 1970. Trad. de Laura Fraga de Almeida Sampaio. 23. ed. São Paulo: Loyola, 2013.
FOUCAULT, Michel. Estruturalismo e Pós-Estruturalismo. In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos, vol. II: arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Trad. de Elisa Monteiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013a, p. 322-350.
FOUCAULT, Michel. Aulas sobre a vontade de saber: curso no Collège de France (1970-1071); seguido de O Saber de Édipo. Trad. de Rosemary Costhek Abílio. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.
FOUCAULT, Michel. Sobre a história da sexualidade. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Trad. de Angela Loureiro de Souza. 28. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2014a, p. 363-406.
FOUCAULT, Michel. Malfazer, dizer verdadeiro: função da confissão em juízo: curso em Louvain, 1981. Trad. de Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2018.
LORENZINI, Daniele; BOEHRINGER, Sandra. Le désir comme “transcendental historique” de l’histoire de la sexualité. In: LORENZINI, Daniele. Foucault, lá sexualité, l’antiquité. Paris: Éditions Kimé, 2016, p. 137-149.
RABINOW, Paul; DREYFUS, Hubert Lederer. Michel Foucault: uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Trad. de Vera Portocarrero e Gilda Gomes Carneiro. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.
REVEL, Judith. Dicionário Foucault. Trad. de Anderson Alexandre da Silva. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.
VEYNE, Paul. Foucault: seu pensamento, sua pessoa. Trad. de Marcelo Jacques de Morais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
2. Foucault não possui em sua obra um conceito fixado acerca do poder, entretanto, o autor desenvolveu possíveis enunciados, teorias, do que se poderia vir a ser significado como uma consideração prototípica do poder, não como um conceito, mas como uma ideia capaz de renovar-se e ser aplicada de diferentes formas nos múltiplos arcabouços de pensamento. Como defende o autor Edgardo Castro: “Foucault não escreveu uma teoria do poder, se por teoria entendemos uma exposição sistemática. Antes, o que encontramos é uma série de análises em grande parte históricas, acerca do funcionamento do poder. Apesar disso, é possível oferecer uma reconstrução articulada dessas análises. Isso constitui um esboço da filosofia política de Foucault ou, para utilizar uma expressão dele, de uma ‘filosofia analítica do poder’” (2016, p. 323). Para uma análise mais completa, acessar o verbete “Poder” no Vocabulário de Foucault de Castro (2016, p. 323-334).
3. Foucault assimila os “atos de fala” interseccionando estes com os enunciados e suas respectivas limitações: pelo fato de que os enunciados não são compreendidos pelo autor como vetores impermeáveis de uma conjuntura gramatical. Mesmo assim, os enunciados prevalecem nos atos de fala, como uma forma de se proporcionar uma maior mobilidade nas performatividades exercidas pelos indivíduos em seus discursos, o que permitiria transcender os limites da própria linguagem e, consonantemente, com a gramática, sobre o que se pode ou não ser dito: “E logo o problema se coloca: se o enunciado é a unidade elementar do discurso, em que consiste? Quais são os seus traços distintivos? Que limites devemos nele reconhecer? Essa unidade é ou não idêntica à que os lógicos designaram pelo termo proposição, à que os gramáticos caracterizam como frase, ou, ainda, à que os ‘analistas’ tentam demarcar sob o título de speech act? Que lugar ocupa entre todas as unidades já descobertas pela investigação da linguagem, mas cuja teoria, muito frequentemente, está longe de ser acabada, tão difíceis os problemas que colocam, tão penoso, em muitos casos, delimitá-las de forma rigorosa?” (FOUCAULT, 2012, p. 97) Para uma maior compreensão acerca do tópico, estudar o “Capítulo III: O Enunciado e o Arquivo” (2012, p. 93-162) do livro A Arqueologia do Saber de Foucault.
4. Em sua obra, Foucault diferencia as noções de saber e conhecimento, especialmente na obra A Arqueologia do Saber, onde ele estabelece um parâmetro para o que vem a defender como um status científico e não-científico: o saber não possui um estatuto científico, portanto, detentor de verdade (mesmo assim, almeja essa condecoração), opostamente ao conhecimento, o qual possui esse status, isto é, como uma verdade consolidada em seu preâmbulo. O que se interliga intimamente ao seu estudo arqueológico, desenvolvido durante os anos 1960, sobre a preponderância do arquivo na idealização dos discursos erigidos pelas ciências humanas e os mecanismos de poder que materializam esses mesmos discursos impregnados de verdades (escola, hospital, manicômio, universidades...). O arquivo proporciona a realização da prática conforme as exigências pré-estabelecidas nos discursos vigentes que permitem a captação e o alargamento das subjetividades individuais. Foucault (2012, p. 219-220) escreve: “Um saber é aquilo de que podemos falar em uma prática discursiva que se encontra assim especificada: o domínio constituído pelos diferentes objetos que irão adquirir ou não um status científico (o saber da psiquiatria, no século XIX, não é a soma do que se acreditava fosse verdadeiro; é o conjunto das condutas, das singularidades, dos desvios de que se pode falar no discurso psiquiátrico).” Para um estudo mais aprofundado do assunto acerca da distinção entre saber e conhecimento, acessar o “Capítulo IV: A Descrição Arqueológica” (2012, p. 163-236) da obra supracitada A Arqueologia do Saber de Foucault.
5. O enunciado, se Foucault estiver correto em sua reflexão, estipula a possibilidade de marcação do conhecimento, ou mesmo da apreensão de um objeto, sem a incumbência do processo lógico, assim como científico, que insistem na conformação de um conhecimento positivado e irrevogavelmente empírico. Deste modo, é crucial compreender que enunciado e conceito são proposições antagônicas no entendimento foucaultiano. Na forma como redige Castro (2016, p. 137) em seu Vocabulário de Foucault: “Por enunciado, no entanto, é necessário entender a modalidade de existência de um conjunto de signos, modalidade que lhe possibilita ser algo que um simples conjunto de marcas materiais: referir-se a objetos e a sujeitos, entrar em relação com outras formulações, e ser repetível.” Para uma discussão mais complementar, acessar o verbete “Enunciado” no Vocabulário de Foucault de Castro (2016, p. 136-138).
6. A verdade é outorgada de modo discursivo na perspectiva de Foucault, em uma caracterização onde a mesma não é um “ponto de ancoragem” universalizado e, paralelamente, unilateral, mas, sim, uma tecnologia produzida exacerbadamente e inteiramente reformulada pelas estruturas de poder. Essa concepção foucaultiana contrapõe-se à defesa de uma verdade científica e positivista, onde o autor contra-argumenta em relação a proposta moderna e cartesiana de uma racionalidade imperativa e predisposta a ser ludibriada pelas “amarras da não-verdade”. Como formulação discursiva, a verdade, ou, as verdades são perpetradas no recinto social na projeção de discursos, discursos estes constantemente reatualizados e que designam formas de vivência, de comportamento e de subjetividade. Dessa forma, o acesso à verdade, é garantido por uma técnica elevadamente hierarquizada, o que garante a unicidade e a cristalização desta referida verdade, que parece residir em uma estrutura supernatural e inalcançável, para o indivíduo. Foucault (2018, p. 109), na aula de 06 de maio de 1981, do curso: Malfazer, Dizer Verdadeiro, ministrado na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, tenta traçar o marco histórico dessa estratificação da verdade, comentando: “Primeiramente, a ideia de que não é possível ter acesso à verdade sem pagar esse acesso com certo modo específico de existência: nem toda existência pode chegar à verdade, e quem quiser caminhar até a verdade precisará levar certo tipo de existência, certo tipo de vida bem específico. É uma ideia própria da filosofia antiga – enfim, característica, em todo caso, da filosofia antiga: não é a própria porque pode ser encontrada em outros lugares, mas é característica da filosofia antiga. E é reencontrada aqui: o monge terá o direito de acesso à verdade.” Para uma investigação mais completa, acessar a aula de 06 de maio de 1981 (2018, p. 107-140) do curso: Malfazer, Dizer Verdadeiro de Foucault.
7. A presente citação encontra-se na aula de 17 de março de 1971 (2014, p. 165-182), no primeiro curso ministrado por Foucault no Collège de France: Aulas Sobre a Vontade de Saber (1970-1971).
8. O conceito de epistémê representa um arcabouço teórico o qual designa, na compreensão de Foucault, o pensamento clássico que é demarcado a partir do século XVI, onde prossegue até o século XVIII, sendo a forma padronizada como a linguagem é reconhecida neste marco temporal: um conjunto de signos representacionais que contém desígnios acerca da formação histórica do indivíduo e sua irreversível suplantação pelas estratégias epistemológicas que moldam e limitam o seu deslocamento no eixo do conhecimento. Em As Palavras e As Coisas, Foucault (2007, p. 289) discute sobre o que interpreta como epistémê clássica: “A linguagem não é senão a representação das palavras; a natureza não é senão a representação da necessidade. O fim do pensamento clássico – dessa epistémê que tornou possíveis: gramática geral, história natural e ciências das riquezas – coincidirá com o recuo da representação, ou antes, com a liberação, relativamente à representação, da linguagem, do ser vivo e da necessidade.” Para uma análise mais aprofundada do conceito de epistémê, estudar o “Capítulo VI: Trocar” (2007, p. 227-296) da obra As Palavras e As Coisas de Foucault.
9. As questões referenciadas à discursividade e a não discursividade do dispositivo, na obra de Foucault, foram largamente examinadas pelo filósofo italiano Giorgio Agamben (1942) em seu texto “O que é o dispositivo?”, onde mesmo expõe que a origem do conceito de dispositivo foucaultiano é forjada a partir do conceito de “positividade” formulado por Hegel (1770-1831). Agamben (2009, p. 33) escreve sobre o dispositivo na ótica de Foucault: “Os dispositivos são precisamente o que na estratégia foucaultiana tomam o lugar dos universais: não simplesmente esta ou aquela medida de segurança, esta ou aquela tecnologia de poder, e nem uma maioria obtida por abstração.” Para uma discussão mais dinâmica, sobre as acepções de dispositivo em Foucault, acessar o texto “O que é o dispositivo?” (2009, p. 25-54) presente no livro O Que é o Contemporâneo? e Outros Ensaios de Agamben.
10. E Foucault prossegue em sua narrativa: “Em segundo lugar, gostaria de demarcar a natureza da relação que pode existir entre esses elementos heterogêneos. Sendo assim, tal discurso pode aparecer como programa de uma instituição ou, ao contrário, como elemento que permite justificar e mascarar uma prática que permanece muda; pode ainda funcionar como reinterpretação dessa prática, dando-lhe acesso a um novo campo de racionalidade. Em suma, entre esses elementos, discursivos ou não, existe um tipo de jogo, ou seja, mudanças de posição, modificações de funções, que também podem ser muito diferentes. Em terceiro lugar, entendo dispositivo como um tipo de formação que, em um determinado momento histórico, teve como função principal responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante.” Para um estudo mais aprofundado do tema, acessar a entrevista “Sobre a História da Sexualidade” (2014a, p. 363-406), presente no livro Microfísica do Poder de Foucault.
11. Esta citação é proveniente da Tese de Doutorado defendida e publicada no ano de 1943, pelo filósofo e médico francês Georges Canguilhem: O Normal e o Patológico. A versão publicada pela Presses Universitaires de France, no ano de 1966, consultada para este texto, foi reeditada com um novo capítulo onde o autor revisita a sua obra a partir de novos estudos realizados aprimorando, assim, o escopo de sua pesquisa pregressa realizada durante seu processo de doutoramento.
12. Trecho original em francês: “Il convient pourtant de préciser ici que, si les points de continuité et de descontinuité entre l’Antiquite païenne et le christianisme sont à repenser radicalement”.
13. Esta entrevista foi concedida por Foucault na primavera de 1983 a G. Roulet para a revista Telos, dentre muitas outras questões discutidas, o autor comenta acerca do fato de não se considerar nem um estruturalista, assim como um pós-estruturalista. Desmistificando uma das interpelações das quais acompanharam toda a sua obra, a designação de seu trabalho a partir de uma corrente epistemológica de pensamento, neste caso, tida como estruturalista, ou mesmo pós-estruturalista (Foucault considerava-se como uma espécie de “crítico da História do Pensamento”, assim como Immanuel Kant [1724-1804] foi categorizado como um “filósofo criticista”). Para uma análise mais aprofundada, acessar a entrevista “Estruturalismo e Pós-Estruturalismo” (2013a, p. 322-350) na compilação: Ditos e Escritos, Vol. II: Arqueologia das Ciências e História dos Sistemas de Pensamento de Foucault.