Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
Qual regime socioeconômico é mais adequado à realização da justiça como equidade?
Tiago Mendonça dos Santos
Tiago Mendonça dos Santos
Qual regime socioeconômico é mais adequado à realização da justiça como equidade?
Which socio-economic regime is the most adequate to realize justice as fairness?
Griot: Revista de Filosofia, vol. 23, núm. 1, pp. 175-190, 2023
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: O presente artigo tem o objetivo de discutir os regimes socioeconômicos que permitem a realização da justiça como equidade, focando em especial nos dois regimes apontados por Rawls como capazes de constituir uma sociedade bem ordenada, a democracia de cidadãos proprietários (property-owning democracy ou POD) de um lado e o socialismo liberal do outro. Para tanto, em um primeiro momento serão considerados os argumentos de Rawls a respeito dos regimes socioeconômicos dentro da Uma teoria da justiça. Em seguida, com base em Justiça como equidade: uma reafirmação, serão discutidos os argumentos em favor da POD e do socialismo liberal e contra as outras três opções: capitalismo de laissez-faire, socialismo de Estado dirigido por um partido único e o Estado de bem-estar social. Em seguida, serão considerados os argumentos a favor da POD ou do socialismo liberal, procurando em grande medida traçar quais são as distinções entre ambos os regimes, a partir dos autores que buscam ir além de Rawls. Ao final, conclui-se que nos limites de uma teoria da justiça Rawls está correto ao não definir quem é o regime vencedor, a POD ou o socialismo liberal, mas no avanço atual do capitalismo liberal e no seu movimento de distanciamento das democracias liberais mostra-se necessário discutir qual é o regime mais adequado a partir das bases fornecidas pela justiça como equidade.

Palavras-chave: Justiça como equidade, Democracia de cidadãos proprietários, Socialismo liberal, Regimes socioeconômicos, Teorias da justiça.

Abstract: This paper aims to discuss the socio-economic regimes that allow the realization of justice as fairness, focusing in particular on the two regimes pointed out by Rawls as capable of constituting a well-ordered society, the property-owning democracy (POD) on the one hand and liberal socialism on the other. To this end, we will first consider Rawls' arguments regarding socio-economic regimes within A theory of justice. Then, based on Justice as fairness: a restatement, the arguments in favor of POD and liberal socialism and against the other three options: laissez-faire capitalism, one-party state socialism, and the welfare state will be discussed. Next, the arguments in favor of either POD or liberal socialism will be considered, largely seeking to draw what the distinctions between the two regimes are, from those authors who seek to go beyond Rawls. At the end, it is concluded that within the limits of a theory of justice Rawls is correct in not defining who is the winning regime, the POD or liberal socialism, but in the current advance of liberal capitalism and its movement away from liberal democracies it shows necessary to discuss which is the most adequate regime from the bases provided by justice as fairness.

Keywords: Justice as fairness, Property-owning democracy, Liberal socialism, Socio-economic regimes, Theories of justice.

Carátula del artículo

Artigos

Qual regime socioeconômico é mais adequado à realização da justiça como equidade?

Which socio-economic regime is the most adequate to realize justice as fairness?

Tiago Mendonça dos Santos1
Universidade Federal de Santa Catarina; Universidade do Vale do Itajaí , Brasil
Griot: Revista de Filosofia, vol. 23, núm. 1, pp. 175-190, 2023
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Recepción: 24 Agosto 2022

Aprobación: 30 Enero 2023

Introdução

Uma das conclusões mais destacadas do pensamento rawlsiano é a incapacidade de uma sociedade sujeita ao modo de produção capitalista seja capaz de realizar a justiça como equidade. Isso fica mais claro especialmente a partir da publicação de Justiça como equidade: uma reafirmação (JE), obra de 2001, quando Rawls explicitamente se posiciona no sentido de que somente dois regimes socioeconômicos são compatíveis com a justiça como equidade: a democracia de cidadãos proprietários (property-owning democracy ou POD) e o socialismo liberal.

De fato, Rawls trata da questão dos regimes socioeconômicos já em Uma teoria da justiça (TJ), mas naquela obra não há uma discussão mais aprofundada sobre os diferentes regimes disponíveis e a sua capacidade (ou não) de realizar os dois princípios de justiça. Rawls (2016b) assume que a sua avaliação das instituições que constituem o pano de fundo da justiça corresponde a uma democracia de cidadãos proprietários, sem dar muito esclarecimento sobre o que isso significava efetivamente.

Essa breve menção levou muitos a afirmar que Rawls era um dos principais defensores do Estado de bem-estar social e de suas políticas, ou mesmo, talvez a pessoa que fez a melhor defesa da redistribuição de recursos (na forma de bens primários) pelas instituições do Estado de bem-estar, dentro do contexto de uma economia de mercado. Outros, ainda, afirmaram que Rawls faz uma dedução transcendental do Estado norte-americano (O’NEIL, 2012; O’NEIL; WILLIAMSON, 2012).

Estas conclusões, entretanto, vão textualmente de encontro ao pensamento rawlsiano2, que afirma em JE que o Estado de bem-estar não é capaz de realizar a justiça como equidade, tanto por ser incapaz de garantir o valor equitativo das liberdades políticas, quanto por não respeitar também a igualdade equitativa de oportunidades. Assim, as medidas redistributivas adotadas pelo Estado de bem-estar são incapazes de corrigir as desigualdades políticas e o livre acesso a cargos e posições, o que redunda na histórica manutenção ou mesmo agravamento das desigualdades socioeconômicas (RAWLS, 2003).

O debate sobre os regimes socioeconômicos foi um aspecto que ficou marginalizado durante um longo período, possivelmente em razão da consolidação dos regimes capitalistas com o término do socialismo real e até mesmo com a resistência de alguns dos intérpretes de Rawls a um estudo mais aprofundado das ideias apresentadas em JE. No entanto, o interesse por essa temática foi despertado especialmente após a crise de 2008 e as crises da dívida pública enfrentadas nos últimos anos. Estes eventos apontam para um distanciamento entre capitalismo e democracia, com isso, há o ressurgimento do debate sobre as alternativas para o capitalismo.3

Dessa forma, apenas recentemente autores como O’Neil e Williamson (2012) e Edmundson (2017), dentre outros, têm relançado a questão dos regimes socioeconômicos e a sua importância na utopia realista rawlsiana de um sistema social que seja capaz de realizar o objeto da justiça. Dentro desse contexto o presente artigo tem por objetivo investigar os argumentos que Rawls apresenta a respeito dos regimes socioeconômicos e a avaliação dos cinco tipos ideais e de sua capacidade de realizar a justiça como equidade, para posteriormente discutir de que maneira as publicações mais recentes se dirigem para além de Rawls, ou mesmo procuram reinterpretá-lo no sentido da indicação de um único regime socioeconômico capaz de produzir uma sociedade justa. As primeiras e segunda seção tratarão desta avaliação mais detida da obra de Rawls, enquanto a terceira parte se ocupará dos horizontes abertos por O’Neil e Williamson (2012) de um lado e por Edmundson (2017) do outro.

A questão dos regimes socioeconômicos na teoria da justiça

Rawls (2016b) discute a questão dos sistemas socioeconômicos no capítulo V da TJ, dedicado às questões atinentes ao segundo princípio de justiça, procurando pelo arranjo institucional que satisfaz suas exigências no Estados moderno. A discussão é concentrada especialmente nos §§ 42 e 43, mas não há um aprofundamento a respeito das características e as diferenças entre os regimes socioeconômicos. Rawls traça algumas observações gerais a respeito dos problemas de economia política que interessam à teoria da justiça, que permitem inclusive distinguir os elementos característicos de um regime capitalista e socialista. De acordo com Rawls é útil distinguir dois aspectos: a) a propriedade dos meios de produção; b) a proporção total dos recursos sociais destinada aos bens públicos4. Essas são duas questões distintas, de modo que tanto os regimes capitalista e socialista não obrigatoriamente darão uma resposta uniforme para ambas.

Com relação à questão dos bens públicos, Rawls retoma os debates sobre o problema do carona (free rider), assim como as externalidades, que podem gerar benefícios ou prejuízos a outros indivíduos, que não tenham sido levados em conta por aqueles que fornecem tais bens ou decidem produzi-los. Estes tipos de problemas tornam necessários acordos coletivos, organizados e garantidos pelo Estado. Ou seja, para Rawls a solução aos conflitos envolvendo bens públicos não se dá a partir do recurso aos mercados, nem ao mecanismo de barganha eficiente ou barganha mutuamente satisfatória proposto pelo Teorema de Coase5. A solução é política e envolve os acordos fundamentais que envolvem a instituição do Estado e que são por ele aplicados (RAWLS, 2016b).

Rawls (2016b) reforça a distinção entre a questão da propriedade dos meios de produção e da proporção dos recursos sociais destinados à produção de bens públicos, visto que não há uma ligação necessária entre ambas. Assim, uma economia de propriedade privada pode alocar uma grande parte da renda nacional para a produção de bens públicos (ao contrário do que o senso comum indica), assim como uma sociedade socialista poderia alocar uma parte pequena, apesar da propriedade social ou coletiva dos meios de produção.

Outro ponto destacado, que vai além do senso comum é a ideia de que a adoção de um regime capitalista implica em um sistema de determinação livre de preços de acordo com a oferta e a demanda, enquanto a adoção de um regime socialista necessariamente envolveria o abandono desse sistema. Conforme Rawls (2016b, p. 336):

Todos os regimes em geral se valem do mercado para distribuir os bens de consumo realmente produzidos. Qualquer outro procedimento é administrativamente inepto, e os dispositivos de racionamento e seus correlatos serão utilizados apenas em casos especiais.

Há que se distinguir, também entre uma economia de livre mercado e o sistema de preços. Ambos também são geralmente tratados geralmente de maneira conjunta e como característicos de um sistema capitalista. O sistema de preços (ou sistema ou mecanismo de mercado), como destacado acima, envolve a variação do preço de uma mercadoria de acordo com a interação entre oferta e demanda de um bem. Este sistema pode coexistir tanto com um regime de livre mercado, quanto em um regime socialista (RAWLS, 2016b).

A economia de livre mercado é o regime em que a produção dos bens é orientada quanto ao tipo e à quantidade pelas preferências dos consumidores, indicadas por suas compras no mercado, de modo que os bens que trazem lucros extraordinários serão produzidos em maior quantidade, até que o lucro excedente seja reduzido (o que se dá no ponto de equilíbrio, na teoria da concorrência perfeita). No regime socialista as preferências dos planejadores ou as decisões coletivas desempenham o papel de orientação. Assim, Rawls (2016b, p. 337) conclui:

É evidente, portanto, que não há um vínculo essencial entre o emprego de mercados livres e a propriedade privada dos meios de produção. A ideia de que em condições normais os preços competitivos são justos ou equitativos remonta, no mínimo, à Idade Média. Embora os economistas conhecidos como burgueses tenham pesquisado minuciosamente a ideia de que a economia de mercado é, em certo sentido, o melhor sistema, esse fato é uma contingência histórica porque, pelo menos teoricamente, o regime socialista pode valer-se das vantagens desse sistema. Uma dessas vantagens é a eficiência.

Dentro da argumentação rawlsiana dos regimes socioeconômicos a eficiência importa, visto que sob certas condições os preços competitivos selecionam os bens que devem ser produzidos e alocam os recursos para a sua produção de maneira que não há como melhorar, nem a escolha dos ofertantes, nem mesmo dos demandantes desses bens, sem que isso piore a situação do outro (eficiência no sentido de Pareto). Todavia, em uma sociedade justa a eficiência não é o princípio fundante da ordem econômica, visto que ela está sujeita, primeiramente, à realização da justiça e, em decorrência disso, aos dois princípios de justiça. Portanto, a eficiência é um objetivo a ser trilhado por uma sociedade bem-ordenada, mas as considerações de eficiência estão sujeitas à avaliação pelos dois princípios de justiça (RAWLS, 2016b).6

Rawls (2016b) atribui ao sistema de preços as vantagens de ser compatível com as liberdades iguais (primeiro princípio de justiça) e também com a igualdade equitativa de oportunidades (primeira parte do segundo princípio de justiça), visto que os cidadãos têm liberdade de escolha de carreiras e de ocupações. Nesse sentido, Rawls reconhece que tanto os regimes capitalista e socialista, em geral, tendem a respeitar a livre escolha de ocupação e da posição de trabalho, embora alguns sistemas de economia de comando central tenham interferido nesse tipo de liberdade (com implicações diretas à teoria da justiça).

Inspirado em Meade (2012), Rawls (2016b) finaliza suas considerações gerais a respeito dos regimes socioeconômicos destacando duas funções dos preços: alocativa e distributiva. Com a função alocativa vincula-se ao sistema de preços o alcance da eficiência econômica, enquanto a função distributiva está relacionada com a renda a ser recebida pelos indivíduos em retribuição à sua contribuição. A partir dessas duas categorias, Rawls afirma que enquanto ambos os regimes, capitalismo e socialismo podem confiar ao sistema de preços a função alocativa, como forma de alcançar a eficiência, o mesmo não ocorre com a função distributiva.

Neste sentido, é coerente que em um sistema socialista se estabeleça uma taxa de juros para alocar recursos vertidos para investimentos, assim como que sejam estipulados encargos a serem pagos pelo uso de capital e de recursos naturais escassos, pois isso possibilita o recurso ao cálculo econômico como forma de utilizar tais recursos da melhor forma. Isso não implica, necessariamente, que existam pessoas privadas que sejam consideradas proprietárias desses recursos e que sejam as destinatárias dos juros ou de uma renda pelo uso dos seus recursos. Aqui reforça-se novamente que a questão da eficiência econômica não está amalgamada à existência da propriedade privada dos meios de produção, como se assume geralmente.

O reflexo da definição da propriedade dos meios de produção se faz manifesto na atribuição (ou não) da função distributiva ao sistema de preços. Em uma economia capitalista a função distributiva é exercida pelo sistema de preços, pois as pessoas recebem sua parcela do sistema de produção de acordo com os bens que ofertam ao mercado (inclusive a própria força de trabalho), enquanto em um regime socialista a função distributiva fica restringida, visto que os meios de produção e os recursos naturais são propriedade pública (RAWLS, 2016b).

Rawls (2016b) afirma ser impossível determinar de antemão qual dos dois sistemas (e suas formas intermediárias) atenderá de modo mais satisfatório às exigências da justiça, visto que ela depende “[…] em grande medida das tradições, das instituições e das forças sociais de cada país, assim como de suas circunstâncias históricas específicas” (RAWLS, 2016b, p. 341). A teoria da justiça não abrange essas questões, mas o que ela pode fazer é traçar de modo mais esquemático o perfil do sistema econômico, que será decidido para uma determinada sociedade. No entanto, o julgamento político histórico: “[…] dependerá de saber qual variante tem maiores probabilidades de produzir o melhor resultado na prática. A concepção da justiça é parte necessária, mas não suficiente, de qualquer avaliação política deste tipo” (RAWLS, 2016b, p. 341).

Ao avaliar as instituições de fundo da justiça (background justice institutions) no §43 e discutir o princípio da poupança justa no §44, Rawls afirma que ele supõe que o regime adotado por uma sociedade é uma democracia de cidadãos-proprietários, conforme se verifica dessa passagem, um tanto quanto obscura: “A princípio, suponho que o regime é uma democracia de cidadãos-proprietários, já que esse é o mais conhecido” (RAWLS, 2016b, p. 341). Rawls destaca em nota de rodapé que o termo POD foi retirado de James Meade (2012).

O problema é que o significado de democracia de cidadãos-proprietários não foi nem detalhado por Rawls, nem é um lugar-comum, como dá a entender a citação acima. O resultado disso foi a interpretação em larga escala de que Rawls estava defendendo o Estado de bem-estar como regime intermediário entre o capitalismo de livre mercado e o socialismo de Estado. Rawls lamenta que essa interpretação tenha sido feita (v. nota 1), mas verifica-se que sua falta de clareza deu abertura a esse tipo de interpretação.7 Em JE Rawls reconhece as limitações de sua discussão prévia sobre o tema e pretende se posicionar mais explicitamente a respeito do significado da POD. Nesse sentido, Rawls (2003, p. 191) afirma que tem por objetivo:

[…] expor a distinção entre uma democracia de cidadãos proprietários (property-owning democracy), que realiza todos os principais valores políticos expressos pelos dois princípios de justiça, e um estado de bem-estar social capitalista, que não o faz. A nosso ver essa democracia seria uma alternativa para o capitalismo.

Dessa forma, a questão dos regimes socioeconômicos é retomada e ampliada por Rawls em JE envolvendo uma discussão mais aprofundada do que aquela de TJ, estes aspectos serão discutidos na próxima seção.

Os cinco tipos de regimes socioeconômicos

Como apontado no final da seção anterior, Rawls (2003) aprofunda a discussão sobre os regimes econômicos capazes de realizar a teoria da justiça em JE, discussão que se encontra na parte IV do livro, a partir do § 41. Rawls inicia sua discussão destacando cinco tipos de regimes considerados sistemas sociais completos: a) capitalismo de laissez-faire; b) capitalismo de bem-estar social; c) socialismo com economia centralizada (command-economy socialism); d) democracia de cidadãos-proprietários; e) socialismo liberal (democrático).

A avaliação dos cinco regimes é operada a partir de quatro questões: a) a primeira delas é uma questão de direito e pergunta se as instituições do regime são legítimas e justas; b) em seguida, surge uma questão de arquitetura, a saber, se as instituições de um regime podem ser constituídas de forma eficaz para realizar suas metas e aspirações declaradas; c) em seguida, questiona-se se é possível confiar que os cidadãos aquiesçam com as instituições sociais e as regras que elas aplicam nos diferentes cargos e posições; d) por derradeiro, questiona-se a questão da competência, ou seja, se as tarefas atribuídas a cargos e posições não são difíceis demais de serem executadas por seus ocupantes.8 Após enunciar essas quatro questões, Rawls (2003) deixa de lado as três últimas, para focar a análise dos regimes socioeconômicos a partir da questão da legalidade e da justiça. Assim, a questão apreciada é a seguinte: “[…] que tipo de regime e estrutura básica seria legítimo e justo se pudesse ser efetiva e exequivelmente mantido?” (RAWLS, 2003, p. 193).

Ao apreciar os cinco regimes, Rawls (2003) se compromete em fazer uma avaliação de acordo com a sua descrição institucional ideal, ou seja, a descrição do regime, tendo em vista como ele funciona quando ele funciona bem, de acordo com suas metas públicas e princípios básicos. Ou seja, a descrição institucional ideal não leva em conta a sociologia política desses regimes, ou seja, da exposição dos seus elementos políticos, econômicos e sociais que determinam sua eficácia na realização de metas públicas (RAWLS, 2003; WILLIAMSON; O’NEIL, 2009).

Estabelecidos estes critérios analíticos, Rawls de antemão já exclui os três primeiros regimes, o capitalismo de laissez-faire, o socialismo de economia centralizada e o Estado de bem-estar social, pois cada um deles viola os dois princípios de justiça.

O capitalismo de livre mercado falha por garantir apenas a igualdade formal, rejeitando tanto o valor equitativo das liberdades políticas (fair value of political liberties), que é parte central do primeiro princípio, quanto viola a igualdade equitativa de oportunidades, a primeira parte do segundo princípio. Este regime tem por meta a eficiência econômica e o crescimento limitados apenas por um mínimo social bastante baixo.9 Nesse sentido, Rawls reconhece que o capitalismo laissez-faire não apresenta nenhuma proteção à possibilidade dos detentores do poder econômico converterem-no diretamente em poder político e com isso sujeitarem a sociedade aos seus anseios. Como destaca Rawls (2016b, p. 389) em TJ: “Portanto, caso não se garanta o valor equitativo das liberdades políticas, aqueles que dispõem de meios relativamente maiores podem se coligar e excluir os que têm menos”.

Além desse potencial risco, ao desrespeitar a igualdade equitativa de oportunidades, o capitalismo laissez-faire não possui compromisso real com o livre acesso das pessoas aos cargos e posições disponíveis. Conferir igualdade equitativa de oportunidades significa que do ponto de partida, todos têm iguais oportunidades de desenvolverem seus talentos naturais no nível que sejam capazes de competir pelos cargos e posições disponíveis, sem que privações decorram de diferenças no ponto de partida de diferentes pessoas. Ou seja, não são admissíveis a exclusão de oportunidades de acesso a cargos e posições decorrentes de preconceitos de cor da pele, classe social, gênero ou ainda de religião (NAGEL, 2003).

Como destaca Vita (2007), a igualdade equitativa de oportunidades tem sua importância não somente por estarem relacionados à eficiência econômica, mas principalmente por estar relacionado à livre escolha de ocupação, que é uma liberdade básica. Este princípio, portanto, exclui que as pessoas mais talentosas e capacitadas sejam forçadas a trabalhar pelo bem comum em ocupações que não sejam de sua escolha, em uma sociedade liberal justa.

O socialismo de Estado com economia centralizada supervisionada por um partido único também é excluído de antemão, pois ele viola os direitos e liberdades básicas iguais, ou seja, nem é preciso perquirir a respeito do respeito ao valor equitativo dessas liberdades. A economia centralizada é comandada pela cúpula do governo, que elabora um plano geral, fazendo um uso relativamente restrito de procedimentos democráticos ou de mercado (RAWLS, 2003).10

O Estado de bem-estar recebe um tratamento maior por Rawls (2003), mas também é excluído, pois ele também rejeita o valor equitativo das liberdades políticas e, mesmo que tenha uma preocupação com a igualdade de oportunidades (vale frisar a ausência do adjetivo “equitativa”), a partir das suas políticas sociais, as políticas públicas necessárias para a garantia dessa igualdade não são implementadas. O problema, segundo Rawls, é que o Estado de bem-estar admite desigualdades imensas na propriedade dos meios de produção e recursos naturais (propriedade não-pessoal), de forma que o controle da vida política recai nas mãos de poucos, aqueles que detêm o poder econômico.

Além disso, mesmo que no Estado de bem-estar haja uma legítima preocupação com a garantia de um mínimo social decente, capaz de cobrir as necessidades básicas dos cidadãos, não há o reconhecimento de um princípio de reciprocidade11, que seja capaz de regular as desigualdades sociais e econômicas (RAWLS, 2003). Ou seja, a incapacidade do Estado de bem-estar de intervir e de modificar os arranjos estruturais que permitem a criação e reprodução das desigualdades econômicas faz com que as políticas sociais implementadas pelo Estado sejam pouco eficazes ou até mesmo inócuas. Por este motivo o Estado de bem-estar não é um regime capaz de realizar a justiça.12

Dessa forma, restaram apenas a POD e o socialismo liberal para serem avaliados. Com relação aos dois, Rawls (2003) destaca que ambos estabelecem uma estrutura constitucional para políticas públicas democráticas, garantindo-se liberdades básicas com o valor equitativo das liberdades políticas e a igualdade equitativa de oportunidades. Estes dois regimes também regulam as desigualdades sociais e econômicas por um princípio de mutualidade, quando não pelo próprio princípio da diferença13.

Em ambos os regimes, portanto, há um respeito aos dois princípios de justiça quando suas instituições funcionam bem. Rawls (2003) destaca, também, que no primeiro princípio de justiça está incluso o direito à propriedade privada, entendida enquanto propriedade pessoal, mas isso é diferente em relação à propriedade de recursos produtivos (meios de produção e recursos naturais).

A propriedade pessoal, conforme previsto na parte III de JE, no §32.6, é voltada a proporcionar uma base material suficiente para a independência da pessoa e um sentimento de autorrespeito, ambos necessários para o desenvolvimento das duas capacidades morais (a capacidade de ter uma concepção sobre o que é o bem e ter um senso de justiça). Nesse sentido, a propriedade pessoal integra as bases sociais do autorrespeito, aquele que é considerado por Rawls (2003) o mais importante de todos os bens primários.

Rawls (2003) exclui do conceito de propriedade pessoal (a) a propriedade privada de recursos naturais e dos meios de produção em termos gerais, incluídos os direitos de aquisição e de transmissão por herança, bem como (b) o direito de propriedade concebido como incluindo o direito igual de participar do controle dos meios de produção e dos recursos naturais, cuja posse deve ser social, não privada. Essas duas concepções não são consideradas por Rawls necessárias para o desenvolvimento adequado e pleno das capacidades morais e, portanto, não integram as bases sociais do autorrespeito.

No entanto, essas duas podem, ainda assim, serem justificadas a depender das condições histórias e sociais vigentes. Isto significa dizer que a decisão a respeito da propriedade dos recursos naturais e dos meios de produção cabe aos cidadãos, de acordo com o regime socioeconômico que eles decidirem.14

O que marca a distinção entre POD e socialismo liberal? De acordo com Rawls (2003) é o critério da propriedade sobre os meios de produção e os recursos naturais. No socialismo liberal a propriedade é social (veja-se que não é propriedade do Estado diretamente), mas no tocante ao exercício de atividades econômicas há uma pulverização de empresas, do mesmo modo que o poder político é compartilhado por muitos partidos democráticos. Admite-se, assim, o entendimento da propriedade perfilhado na alínea (b) acima. Rawls cita o exemplo da administração das empresas por uma diretoria e gerência eleita por seus funcionários, sem, no entanto, querer limitar o socialismo liberal a uma espécie de democracia no ambiente de trabalho (workplace democracy). De acordo com o autor, em contraste com o socialismo de partido único, no sistema socialista liberal o sistema de preços funciona, o que dá espaço à busca pela eficiência, assim como há a garantia da liberdade de ocupação.

Na POD, por outro lado, admite-se o conceito de propriedade dos meios de produção e dos recursos naturais de acordo com a alínea (a), mas ao contrário do capitalismo de laissez-faire ou mesmo do Estado de bem-estar, na POD as instituições de fundo trabalham no sentido de dispersar a riqueza e o capital, impedindo, dessa forma, que uma parcela da sociedade controle a economia e, indiretamente, converta seu poder econômico em político. Evita-se, dessa forma, que os detentores dos meios de produção sejam a classe que possui mais privilégios ou mesmo melhores meios de influenciar a agenda e as decisões políticas. Com a difusão da propriedade dos recursos produtivos, inclusive do capital humano15, tendo como pano de fundo a igualdade equitativa de oportunidades (RAWLS, 2003).

Para Rawls (2003) a POD não cai nas mesmas deficiências do Estado de bem-estar ao não procurar simplesmente prestar assistência àqueles que estão na pior condição em razão da loteria da vida ou de má sorte, mas procura efetivamente colocar todos os cidadãos em condições de igualdade social e econômica adequados à condução de suas vidas e ao respeito dos dois princípios de justiça.

Por fim, destaca-se que Rawls (2003) novamente reforça o argumento já apresentado em TJ que para escolher o regime socioeconômico, especificamente, para escolher entre POD e socialismo liberal, deve-se examinar as circunstâncias históricas da sociedade, suas tradições de pensamento e de prática política, dentre outras circunstâncias, o que está para além do objeto da justiça como equidade, que procura estabelecer diretrizes que orientem a tomada de decisão de forma razoável.

Esse é o limite que Rawls nos apresenta sobre a escolha dos regimes socioeconômicos compatíveis com os dois princípios de justiça. No entanto, a literatura mais recente tem procurado não somente entender o pensamento rawlsiano sobre esse ponto, mas também encontrar as bases para se mover para além de Rawls, ou até mesmo para a partir de uma interpretação dos regimes socioeconômicos propor que somente um dos dois regimes, a POD ou o socialismo liberal, é realmente compatível com a justiça como equidade, estes argumentos serão apresentados na próxima seção.

Democracia de cidadãos-proprietários ou socialismo liberal?

Os ensaios contidos em O’Neil e Williamson (2012) procuram não somente clarificar o entendimento de Rawls a respeito da POD, mas ir além do autor para dar maior concretude sobre a forma como uma democracia constitucional poderia ser organizada sob tal modelo. Em razão disso, o subtítulo do volume dos autores é “Rawls and beyond”, deixando clara a intenção dos autores de ir para além dos confins do pensamento rawlsiano.

O’Neil e Williamson (2012) procuram avançar a ideia de POD a partir de uma avaliação mais cuidadosa do tipo propriedade que necessita ser dispersa em uma sociedade para que seja possível a realização dos dois princípios de justiça. Em especial, os autores destacam a necessidade de se reviver a ideia de uma economia mista, baseada em múltiplas formas de propriedade, que envolvem não somente bens imóveis, mas também os ativos financeiros e as largas poupanças detidas nas mãos de alguns poucos (WILLIAMSON, 2012). Sodha (2012) reforça que o processo de dispersão de capital não pode prescindir da centralidade do capital humano, para manter o termo utilizado pelo próprio Rawls, envolvendo não somente a promoção da educação, mas também o desenvolvimento das habilidades pessoais.

O’Neil (2012) destaca que a POD apresentada por Rawls pode ser compreendida como composta por três elementos: a) ampla dispersão do capital, que é a condição sine qua non da POD, de modo que os meios de produção sejam substancialmente e na medida do possível igualmente detidos por todos cidadãos; b) barreiras à transmissão intergeracional de vantagem, com um significativo tributo sobre heranças e doações, com o objetivo de limitar as desigualdades de riqueza, em especial de uma geração a outra; c) garantias contra a corrupção da política democrática, estabelecendo-se barreiras aos efeitos da riqueza privada e corporativa na política, através de controle do financiamento de campanha, do financiamento público dos partidos políticos, da abertura de espaços públicos para o debate público e outros mecanismos de impedir que a riqueza influencie na política (violando, assim, o valor equitativo das liberdades políticas).

Como destaca O’Neil (2012), enquanto “a” e “b” se dirigem especialmente à proteção do segundo princípio de justiça, a alínea “c” se dirige especificamente ao aspecto do valor equitativo das liberdades políticas, que é parte do primeiro princípio de justiça.

Mais ainda, reavaliando os argumentos de Rawls em favor da POD no lugar do capitalismo de bem-estar, O’Neil (2012) entende que os argumentos sobre o desrespeito ao valor equitativo das liberdades políticas e da igualdade equitativa de oportunidades são insuficientes para basear a rejeição do Estado de bem-estar. No entendimento do autor nesse ponto Rawls construiu um espantalho, baseado nos piores casos possíveis do Estado de bem-estar, visto que o próprio Rawls reconhece que políticas como o financiamento público de campanhas, a limitação ao poder das empresas de fazerem doações e de participarem ativamente das campanhas políticas são elementos capazes de insular a influência da esfera econômica na esfera política. Por outro lado, os argumentos atinentes à igualdade equitativa de oportunidades também são vistos como insuficientes, visto que, como aponta o autor, é possível conceber que em um Estado de bem-estar sejam adotadas variadas políticas sociais direcionadas à promoção da igualdade equitativa de oportunidades.

Para O’Neil (2012) o argumento mais contundente em favor da POD é aquele referente à adoção de um princípio de reciprocidade, como é o caso do princípio da diferença, especialmente porque enquanto o Estado de bem-estar está limitado por uma busca por redistribuição ex post, a POD preocupa-se com a distribuição ex ante do capital e das riquezas naturais16. Isso decorre do fato de que as políticas de redistribuição são limitadas e, mesmo que elas fossem bem-sucedidas, não obrigatoriamente seriam capazes de impedir que os grupos social ou economicamente mais bem sucedidos resguardem consigo o poder político a despeito do alcance de uma igualdade material entre os cidadãos. A POD procura atacar diretamente esse aspecto e amalgamar a cidadania democrática à ampla dispersão da propriedade, principalmente da propriedade sobre os meios de produção e dos recursos naturais, criando dessa maneira uma igualdade econômica estruturada do ponto de partida da sociedade. Para O’Neil o princípio da diferença somente pode ser atendido em uma sociedade organizada a partir da POD.

Vita (2007) vai no mesmo sentido de O’Neil, quando argumenta que o respeito ao princípio da diferença impõe uma forma de arranjo institucional no qual a propriedade sobre os meios de produção e os recursos naturais esteja dispersa em toda população. Ele reforça que as instituições e as políticas igualitárias na POD objetivariam distribuir amplamente a propriedade do capital com o mínimo de interferência sobre o sistema de incentivos da iniciativa privada. Além disso, o Estado de bem-estar vai de encontro à ideia da estrutura básica justa como uma modalidade de justiça procedimental pura17, visto que as compensações ex post promovidas exigem aquilo que deveria estar ausente em um arranjo institucional justo, que é levar em conta a variedade de circunstâncias e as posições relativas das pessoas específicas. A POD, por outro lado, permite ser uma forma de justiça procedimental pura, pois ela supõe a possibilidade de se organizar as instituições de propriedade e de tributação em conjunto com as instituições necessárias para garantir o maior grau possível de igualdade de oportunidades, este é o mérito do arranjo ex ante.

Como se percebe, a literatura que trata sobre o tema dos regimes socioeconômicos tem uma tendência a defender a preponderância da POD em relação ao socialismo liberal, o que é feito com suporte no próprio Rawls. Verifica-se a existência de trabalhos que defendem a vertente do socialismo liberal, como é o caso de Schweickart (2012) e de Alperovitz (2012), mas em geral estes estudos tendem a conectar a defesa do socialismo liberal com uma concepção própria desses autores, como é o caso de Schweickart com sua democracia econômica.18 Mais recentemente, Edmundson (2017) publicou um estudo que procura demonstrar que na realidade a partir do pensamento rawlsiano somente um único regime seria capaz de realizar a justiça como equidade e este regime seria justamente o socialismo liberal. Em razão dessa interpretação, como o subtítulo do livro indica, Rawls seria um “socialista reticente”.

Edmundson (2017) argumenta que primeiramente que o socialismo liberal democrático defendido por Rawls é um regime que é tanto liberal, quanto democrático, e que cada um desses dois adjetivos adiciona um significado relevante para esse tipo de socialismo, visto que trata-se de um regime baseado no constitucionalismo democrático e que protege os princípios liberais, aspectos que não são encontrados, por exemplo, na sua contraparte do socialismo de Estado com a economia dirigida por um partido único. A grande diferença do socialismo liberal em relação à POD é que neste regime há uma propriedade pública dos meios de produção e dos recursos naturais em um nível mais elevado do que na POD. Isso não significa obrigatoriamente que a propriedade será do Estado, mas certamente não haverá propriedade privada especialmente dos meios de produção e recursos naturais mais sensíveis, em termos de possibilitar aos seus detentores a obtenção de uma posição de superioridade em relação às demais pessoas. Nesse sentido, Edmundson defende que no socialismo liberal a propriedade a ser socializada é especialmente aquela relacionada aos altos comandos da economia (commanding heights), termo retirado de Roemer (1994), que indica estes tipos de meios de produção ou recursos naturais que permitem a concentração do poder econômico e a direta conversão deste em poder político.19

Edmundson (2017) basicamente propõe que a escolha entre a POD e o socialismo liberal somente pode ser feita após a aplicação dos dois estágios da posição original (PO), em especial, somente após o levantamento significativo do véu de ignorância, quando as psicologias especiais das pessoas estão à disposição, é possível testar se os dois regimes adversários são estáveis, ou seja, fomentam a produção das duas capacidades morais, de maneira que após a instituição de um regime baseado na POD ou no socialismo liberal a sociedade seja capaz de conservar a sua estrutura básica justa ao longo do tempo. Para uma sociedade ser estável ela deve ser capaz de incutir o senso de justiça nos seus cidadãos, de modo a que as instituições justas não venham a ser corrompidas com o passar do tempo. Mais ainda, Edmundson argumenta que a POD não resiste ao teste último da estabilidade, enquanto o socialismo liberal seria capaz de sobreviver a esse teste, sendo por isso o regime preferível.

Outro ponto central da argumentação de Edmundson (2017) é que a definição do regime socioeconômico não é uma matéria que pode ser confiada ao estágio legislativo, como Rawls (2003) havia anteriormente afirmado, mas, pelo contrário, trata-se de um tema que deve ser regulado pela constituição, no seu respectivo estágio, como maneira de se garantir a estabilidade do sistema, reduzindo a suscetibilidade à futura reforma e, podemos dizer, perversão do regime ideal em favor de uma caracterização que permita o acesso à propriedade dos meios de produção e dos recursos naturais a algumas pessoas em detrimento das demais.

Para Edmundson (2017) o socialismo liberal supera a POD, visto que ele atende melhor aos requisitos utilizados por Rawls em JE para argumentar contra o princípio da utilidade restrita, que são os seguintes: a) reconciliação; b) publicidade, com um critério claro e confiável; c) expressar a condição de reciprocidade. De acordo com Edmundson o socialismo liberal teria o potencial de remover da agenda pública de uma vez por todas a questão da propriedade sobre os meios de produção relacionados aos altos comandos da economia, coisa que a POD supostamente não faria, ao deixar essa matéria em aberto para decisão majoritária. Edmundson argumenta, ainda, que o socialismo liberal também seria superior em relação à definição da forma de definir a repartição do produto social, haja vista que, novamente, na POD a questão da propriedade dos meios de produção relacionados aos altos comandos da economia permaneceria em aberto, o que traria o risco da revisão de uma decisão anterior em favor da retirada desses tipos de meios de produção das mãos da propriedade privada. Do mesmo modo, essa definição fundamental no formato de uma decisão constitucional essencial seria capaz de reforçar melhor a condição de reciprocidade, do que a POD seria capaz de fazer.

Ao final Edmundson (2017) procura encontrar no histórico de vida de Rawls as razões pelas quais ele foi tão reticente em declarar abertamente a superioridade do socialismo liberal frente à POD, em razão de sua maior estabilidade em razão dos critérios apresentados acima. Afirmação bastante difícil de ser aceita, considerando-se que tanto na TJ, quanto em JE Rawls afirma que ele presume que, quando ele discute as instituições que constituem o pano de fundo da justiça ele está trabalhando sob uma POD, não sob o socialismo liberal. Não bastasse isso, em correspondência a Schweickart (v. nota 11), que compartilhou um texto intitulado “Rawls deveria ser um socialista?” o autor explicitamente responde afirmando que ele era favorável à POD, pois ela era compatível com seus princípios. Dessa forma, no lugar de estar defendendo um entendimento mais adequado dos princípios rawlsianos, Edmundson está propondo ir para além de Rawls também, argumentando em favor do socialismo liberal.

Não bastasse isso, verifica-se que a construção argumentativa de Edmundson centra-se em uma definição de propriedade privada dos meios de produção que não foi explicitamente definida por Rawls. Com efeito, quando discute a matéria no §32 de JE Rawls (2003) apresenta duas definições de propriedade dos meios de produção e recursos naturais, uma que inclui os direitos de aquisição e de transmissão por herança dessas propriedades e outra que inclui o direito de participação do controle dos meios de produção e dos recursos naturais, cuja posse é social. A definição dos altos comandos da economia não é rawlsiana, mas foi emprestada de Roemer (1994), como destacado anteriormente.

Isso é importante, pois nos permite apresentar duas objeções à argumentação de Edmundson, a primeira envolve o fato de que não obrigatoriamente o socialismo liberal envolve a socialização dos altos comandos da economia, mas de todos os meios de produção e recursos naturais indistintamente, e esse tipo de resultado não foi apreciado pelo autor a partir do teste de estabilidade. O resultado desta socialização dos meios de produção, muito mais próxima ao ideário socialista, tem consequências que não foram calculadas por Edmundson em sua obra e que podem não garantir uma sociedade estável, quando as psicologias especiais entram em cena.

A segunda objeção envolve o fato de que tendo em vista que a restrição dos altos comandos da economia não é fator exclusivo do socialismo liberal é possível se conceber uma democracia de cidadãos-proprietários, na qual os meios de produção e recursos naturais relacionados aos altos comandos da economia sejam considerados propriedade social e, portanto, não sujeita à propriedade privada. Rawls nãos e opõe explicitamente a essa possibilidade, apesar de traçar a distinção entre POD e socialismo liberal na questão da propriedade dos meios de produção e recursos naturais.

Com efeito, a POD é caracterizada pela ampla dispersão do capital, pelas barreiras à transmissão do capital entre gerações e pelos dispositivos institucionais que buscam evitar a corrupção do regime de ampla dispersão da propriedade perante todos os cidadãos. Nesse sentido, é perfeitamente plausível conceber que um dos dispositivos para se evitar a corrupção da POD seria justamente retirar certos setores da economia do alcance pela propriedade privada, o que poderia ter por efeito a imunização de todas as instabilidades que Edmundson (2017) atribui à POD.

Mais ainda, Edmundson (2017) confia ao estágio constitucional a definição do regime socioeconômico, como um dispositivo que constituísse uma espécie de cláusula pétrea que, dessa forma, garantiria a estabilidade do socialismo liberal. Não há motivos para se conceber que a POD obrigatoriamente não poderia ter o mesmo efeito, ao constituir o Estado voltado a realizar a democracia de cidadãos-proprietários, com o contínuo controle sobre a acumulação excessiva de capital e sua passagem de geração para geração, essa decisão política fundamental poderia ser confiada à constituição, tanto quanto no socialismo liberal.

Por outro lado, se tem algo que a teoria da justiça de Rawls nos ensina é que não se pode confiar excessivamente no aparato constitucional para essa finalidade, como reconhece Edmundson a estabilidade é uma preocupação central no pensamento rawlsiano e que marca inclusive a partida da Teoria da Justiça de uma teoria moral para o liberalismo político (RAWLS, 2016a), ora, simplesmente prever que não haverá propriedade privada sobre os meios de produção e recursos naturais mais relevantes não é suficiente para garantir a estabilidade do socialismo liberal democrático, tal como argumenta Edmundson.

As considerações apresentadas aqui ainda são iniciais e necessitam de um maior aprofundamento, mas elas são suficientes para os fins deste trabalho para demonstrar que, ao contrário do que argumenta Edmundson, talvez Rawls esteja certo ao afirmar que a decisão a respeito da POD ou do socialismo liberal dependeria das circunstâncias históricas e culturais de cada sociedade, aspecto que não é levado em conta por uma teoria da justiça que enfoca a estrutura básica da sociedade.

Considerações finais

Este trabalho foi elaborado com o objetivo de discutir a questão dos regimes socioeconômicos avaliados por Rawls como capazes de realizar a justiça como equidade. Para tanto, foram discutidos tanto os aspectos relacionados à questão os regimes socioeconômicos na TJ, quanto os cinco tipos de regimes apresentados e avaliados em JE, oportunidade em que vimos que, para Rawls, apenas dois desses regimes são capazes de realizar os dois princípios de justiça: a POD e o socialismo liberal.

Após nos debruçarmos sobre os argumentos rawlsianos, foram utilizadas as contribuições de leitores de Rawls para uma melhor compreensão sobre o que é a POD e o socialismo liberal e em que medida é possível compreender melhor qual é o regime avançado por Rawls ou em que medida é necessário partir para além de Rawls para teorizar a respeito desses tipos ideias.

Especialmente com O’Neil (2012) foi possível ter uma melhor compreensão de em que medida a POD é superior ao Estado de bem-estar no sentido da realização da justiça. Isso não desmerece o valor histórico do Estado de bem-estar como configuração política que foi capaz de manifestar um compromisso maior com o respeito aos direitos e liberdades individuais e à busca por redução das desigualdades socioeconômicas, em comparação tanto ao capitalismo de livre-mercado, quanto ao socialismo real. Todavia, o Estado de bem-estar não é suficiente para a construção de uma sociedade justa e isso se deve principalmente pela não atendimento ao princípio de reciprocidade, que é avançado a partir do princípio da diferença.

Com Edmundson (2017) por outro lado, foi possível verificar uma defesa do socialismo liberal como o regime que Rawls teria defendido como o mais adequado, embora ele nunca tenha feito efetivamente essa declaração. Como visto, a interpretação edmundsoniana deve ser vista como uma proposta que parte de Rawls para ir além dele, no lugar de uma interpretação estritamente rawlsiana. Isso se deve especialmente à forma como Edmundson define os meios de produção e recursos naturais que serão socializados, assim como sua defesa da constitucionalização do regime socioeconômico. Apresentei aqui sérias dúvidas a respeito da forma como Edmundson sustenta a superioridade do socialismo liberal em relação à POD. Com efeito, entendemos que Rawls concordaria que sob a POD é possível remover da propriedade privada os meios de produção e recursos naturais referentes aos altos comandos da economia.

Concluo reafirmando, com Rawls, que os dois tipos ideais da POD e do socialismo liberal são regimes capazes de realizar os dois princípios de justiça, de modo que não cabe ao teórico, ao menos ao teórico da justiça, sob um esquema de justiça procedimental pura, definir qual dos dois regimes é o mais adequado. Este aspecto está relacionado às circunstâncias histórias e culturais de cada sociedade.

Rawls não exclui, todavia, a possibilidade da filosofia política se posicionar sobre este assunto, mas isso demanda uma teoria da sociedade, com a qual Rawls especificamente não se comprometeu em elaborar. Para uma definição dos regimes socioeconômicos se faz necessário um maior comprometimento com as circunstâncias históricas e culturais de determinadas sociedades, o que é um desafio que fica aberto para futuras contribuições.

Em um contexto de agravamento da cisão entre capitalismo e democracia, ou mesmo entre capitalismo e Estado de Direito é necessário discutir as alternativas disponíveis, e viáveis, ao regime atual, o que possivelmente passa por uma avaliação dos potenciais existentes da implementação da POD ou do socialismo liberal, como alternativas ao capitalismo neoliberal. Rawls nos apresentou duas alternativas potencialmente viáveis e conformes à sua teoria da justiça, agora cabe a nós avançarmos na direção de dar maior concretude às suas ideias e de avaliar qual dessas duas alternativas é mais condizente, digamos, com as democracias liberais ocidentais, ou, mais especificamente, a um país da semiperiferia do capitalismo como o Brasil, ou ainda se estas duas alternativas são, simplesmente, ou impossíveis de serem implementadas ou menos desejáveis do que outras alternativas que possam ser concebidas.

Referências

ALPEROVITZ, G. The pluralist commonwealth and property-owning democracy. In: O’NEIL, M.; WILLIAMSON, T. Property-owning democracy: Rawls and beyond. Malden (US); Oxford (UK); Sussex (UK): Willey-Blackwell, 2012. p. 266-286.

COASE, R. H. The problem of social cost. The Journal of Law and Economics, v. 56, n. 4, 2013, p. 837-877. Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/doi/epdf/10.1086/674872. Acesso em: 11 jul. 2022.

COHEN, J.; ROGERS, J. Foreword. In: O’NEIL, M.; WILLIAMSON, T. Property-owning democracy: Rawls and beyond. Malden (US); Oxford (UK); Sussex (UK): Willey-Blackwell, 2012. p. xiii-xv.

COOTER, R.; ULEN, T. Direito & Economia. Tradução de Luis Marcos Sander e Francisco Araújo Costa. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.

EDMUNDSON, W. A. John Rawls: reticent socialist. Cambridge (UK); New York; Port Melbourne; Delhi; Singapore: Cambridge, 2017.

HAYEK, F. A. Law, legislation and liberty: a new statement of the liberal principles of justice and political economy. London: Routledge, 2013.

HICKS, J. R. The foundations of welfare economics. The Economic Journal, v. 49, n. 196, 1939, p. 696-712. Disponível em: https://doi.org/10.2307/2225023. Acesso em: 11 jul. 2022.

JACKSON, B. Property-owning democracy: a short history. In: O’NEIL, M.; WILLIAMSON, T. Property-owning democracy: Rawls and beyond. Malden (US); Oxford (UK); Sussex (UK): Willey-Blackwell, 2012. p. 33-52

KALDOR, N. Welfare propositions of Economics and interpersonal comparisons of utility. The Economic Journal, v. 49, n. 195, p. 549-552, 1939. Disponível em: https://doi.org/10.2307/2224835. Acesso em: 11 jul. 2022.

MEADE, J. E. Efficiency, equality and the ownership of property. London: Routledge: 2012.

MISES, L. Ação humana: um tratado de economia. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises, 2010.

NAGEL, T. Rawls and liberalism. In: FREEMAN, S. (Ed.). The Cambridge companion to Rawls. Cambridge (UK); New York; Melbourne; Madrid; Cape Town; Singapore; São Paulo: Cambridge, 2003. p. 62-85.

O’NEIL, M. Free (and fair) markets without capitalism: political values, principles of justice, and property-owning democracy. In: O’NEIL, M.; WILLIAMSON, T. Property-owning democracy: Rawls and beyond. Malden (US); Oxford (UK); Sussex (UK): Willey-Blackwell, 2012. p. 75-100

RAWLS, J. Justiça como equidade: uma reformulação. Tradução de Claudia Berliner. Revisão de Álvaro de Vita. São Paulo: Martins Fontes, 2003. (Justiça e Direito).

RAWLS, J. O liberalismo político. Tradução de Álvaro de Vita. São Paulo: Martins Fontes, 2016a. (Biblioteca Jurídica WMF).

RAWLS, J. Uma teoria da justiça. Tradução de Jussara Simões. Revisão de Álvaro de Vita. São Paulo: Martins Fontes, 2016b. (Coleção Justiça e Direito).

REICH, R. Saving capitalism: for the many, not the few. New York: Vintage, 2016.

SCHWEICKART, D. Property-owning democracy or economic democracy? In: O’NEIL, M.; WILLIAMSON, T. Property-owning democracy: Rawls and beyond. Malden (US); Oxford (UK); Sussex (UK): Willey-Blackwell, 2012. p. 201-222.

SODHA, S. The empirical and policy linkage between primary goods, human capital and financial capital: what every political theorist needs to know. In: O’NEIL, M.; WILLIAMSON, T. Property-owning democracy: Rawls and beyond. Malden (US); Oxford (UK); Sussex (UK): Willey-Blackwell, 2012. p. 249-265.

STIGLER, G. J. The Theory of Price. 3rd ed. New York: Macmillan, 1966.

STREECK, W. Tempo comprado: a crise adiada do capitalismo democrático. Tradução de Marian Toldy e Teresa Toldy. São Paulo: Boitempo, 2018.

STREECK, W. Zwischen Globalismus und Demokratie. Politische Ökonomie im ausgehenden Neoliberalismus. Berlin: Suhrkamp, 2021.

VITA, A. A justiça igualitária e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. (Justiça e Direito).

WILLIAMSON, T. Realizing property-owning democracy: a 20-year strategy to create an egalitarian distribution of assets in the United States. In: O’NEIL, M.; WILLIAMSON, T. Property-owning democracy: Rawls and beyond. Malden (US); Oxford (UK); Sussex (UK): Willey-Blackwell, 2012. p. 225-248.

YPI, L. A sufficiently just liberal society is an illusion. Res Publica, v. 25, p. 463-474, 2019. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11158-019-09441-4. Acesso em: 12 jul. 2022.

Notas

2 Rawls (2016b, p. XL) destaca na nota 6 do Prefácio à edição revista da TJ que um dos aspectos que, se ele pudesse, reescreveria é a distinção entre a POD e a ideia do Estado de bem-estar social, pois como conforme o autor: “Essas ideias são bem diferentes, mas como ambas permitem a propriedade privada dos meios de produção, podemos nos deixar enganar e achar que são essencialmente iguais”.

3 O diagnóstico deste descolamento é apresentado por diferentes autores, de diferentes perspectivas, envolvendo teóricos críticos (STREECK, 2018, 2022), defensores de um retorno às estruturas da era de ouro do capitalismo (REICH, 2016) e até mesmo entre defensores do sistema capitalista (POSNER, 2009).

4 Rawls (2016b) discute na TJ os bens públicos de acordo com a sua interpretação econômica, que inclui não somente os bens de propriedade do Estado, mas também serviços públicos, como a defesa nacional, o acesso à saúde, dentre outros. Como destaca o autor, os bens públicos são caracterizados por serem indivisíveis e serem dotados de caráter público, isso quer dizer, que todos os indivíduos podem querer uma quantidade maior ou menor desses bens, mas eles somente poderão obtê-los se cada qual obtiver na mesma quantidade.

5 V. Coase (2013). Embora Coase não tenha elaborado um teorema em seu artigo de 1960 The problem of social cost, os resultados deste artigo passaram a ser conhecidos como o Teorema de Coase a partir da 3ª edição de The theory of price, de Stigler (1966), que apresenta a formulação do Teorema de Coase da seguinte forma: “Sob condições de concorrência perfeita os custos sociais e privados serão iguais”. Outra formulação conhecida do chamado teorema é a seguinte: “Quando os custos de transação são nulos, um uso eficiente dos recursos resulta da negociação privada, independentemente da atribuição jurídica dos direitos de propriedade” (COOTER; ULEN, 2010).

6 Destaca-se que Rawls não critica diretamente o critério da eficiência no sentido de Pareto, como por exemplo faz Amartya Sen (1998, 2001, 2010). No entanto, o argumento de Rawls não é perdido por conta disso, podendo-se substituir o critério de eficiência por outro, tanto o critério de Kaldor-Hicks (HICKS, 1939; KALDOR, 1939), quanto a própria avaliação com base nas capabilities proposta por Sen. Não avançarei este ponto neste artigo.

7 Além disso, Jackson (2012) demonstra que embora a democracia de cidadãos-proprietários seja um termo que tenha ingressado na academia a partir das obras de Meade, a POD possui um largo histórico na política britânica, sendo apropriado por políticos tanto nos espectros da direita, da esquerda e do centro. Nesse sentido, Rawls não poderia simplesmente afirmar supõe que o regime seja a POD, tomando este como o regime mais conhecido, pois a definição dessa categoria não era certa mesmo no tempo em que Rawls publicou a TJ.

8 Rawls (2003) destaca que o pensamento conservador tende a se concentrar nas três últimas questões, para fazer sua crítica ao Estado de bem-estar social, criticando sua tendência ao desperdício e à corrupção.

9 Talvez Rawls tenha pensado em um modelo de economia capitalista à la Hayek (2013), que leva em conta o dever do Estado de cuidar dos necessitados, no intuito de recolocá-los de volta ao mercado, mas outras vertentes de pensamento desse modelo de regime negam até mesmo essa garantia de um exíguo mínimo social, como por exemplo Mises (2010).

10 Nota-se que a caracterização do socialismo de Estado supervisionada por um partido único é elaborada à luz da experiência do socialismo real da União Soviética.

11 A reciprocidade leva as partes na PO a considerarem as razões para se afastarem de uma divisão igual, consideradas as exigências da organização social e da eficiência econômica, de forma a se admitirem desigualdades de renda e riqueza que funcionem para melhorar a situação de todos partindo da divisão igualitária. Essa ideia, portanto, permite o encontro entre as exigências da eficiência e da igualdade em uma ordem social (RAWLS, 2003).

12 Conforme observa Ypi (2019) uma consequência do argumento rawlsiano da incapacidade de o Estado de bem-estar realizar a justiça como equidade é a conclusão de que a construção rawlsiana é um projeto ainda a ser realizado, que não pode ser verificado em nenhuma das democracias liberais atuais. Esta conclusão por um lado se mostra condizente com a busca por Rawls de propor uma utopia realista, mas, por outro lado, afasta de vez a aplicabilidade da teoria rawlsiana a qualquer tipo de sociedade, quer ela seja mais ou menos desenvolvida. Presumir a POD ou o socialismo liberal como regimes capazes de realizar a justiça como equidade implica, também, em considerar que a justiça como equidade não foi realizada até hoje.

13 A segunda parte do segundo princípio apresenta o princípio da diferença, que prevê que as desigualdades sociais e econômicas devem se estabelecer para o benefício dos menos favorecidos.

14 Rawls atribuiu essa decisão à fase legislativa, mas autores como Edmundson (2017) criticam essa opção, entendendo que essa decisão deveria integrar o estágio constitucional, como veremos na próxima seção.

15 Como destaca Rawls (2003), entendido como educação e treinamento de habilidades e aptidões treinadas e aperfeiçoadas, o conhecimento e a compreensão das instituições.

16 Neste mesmo sentido Williamson e O’Neil (2009).

17 Vita (2007) destaca que a ideia da justiça procedimental pura envolve a concepção de que a estrutura básica da sociedade realiza, de forma aproximada, os princípios de justiça. Nesse caso, o procedimento institucional da estrutura básica poderia ser visto como equitativo, de modo que quaisquer que sejam os resultados por ele produzidos, estes resultados devem ser considerados justos, porquanto emanados de instituições justas, sem ter que se levar em conta a variedade de circunstâncias e posições relativas cambiantes das pessoas em particular.

18 Schweickart (2012) argumenta no princípio de seu capítulo que ele publicou um artigo em 1978 intitulado “Should Rawls be a socialist?” e, antes da sua publicação, remeteu uma cópia para o próprio Rawls, que respondeu a Schweickart afirmando que para ele (Rawls) a POD era compatível com seus princípios. À época, como visto na primeira seção, Rawls ainda não havia discutido mais profundamente a distinção entre capitalismo e socialismo e a questão da compatibilidade com a teoria da justiça como equidade.

19 Conforme aponta de maneira persuasiva Reich (2016), há que se considerar o quanto que os direitos de propriedade intelectual, em especial os direitos sobre patentes, com o seu potencial de criação de segmentos de mercado exclusivos, muitas vezes defendidos por constantes inovações questionáveis, que agregam novas proteções, mais no intuito de uma renovação da exclusividade patentária, do que na oferta de produtos cada vez melhores e mais sofisticados. Estes direitos de propriedade intelectual podem ser uma forma de propriedade a habilitar o acesso aos altos comandos da economia também, ainda mais em uma economia cada vez mais guiada pelo imperativo da inovação.

Material suplementario
Notas
Notas de autor
1 Doutorando(a) em Filosofia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis – SC, Brasil. Professor da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), Itajaí – SC, Brasil.
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por Redalyc