Resumo: A reflexão a seguir centra-se na leitura e interpretação opúsculo moral intitulado Regra da Vida Virtuosa, de São Martinho de Dume. Nesse sentido, apresentamos as quatro virtudes cardeais como uma reflexão moral, pois trata-se de dar conselhos que visam uma preocupação sobre a ação prática, apontamos, ainda que São Martinho, no século VI, marcou o início da cultura portuguesa.
Palavras-chave: São Martinho de Dume, Vida virtuosa, Razão.
Abstract: The following reflection focuses on the reading and interpretation of the moral booklet entitled Regra da Vida Virtuosa, by São Martinho de Dume. In this sense, we present the four cardinal virtues as a moral reflection, since it is about giving advice that aims at a concern about practical action, we point out, even though São Martinho, in the 6th century, marked the beginning of Portuguese culture.
Keywords: Saint Martin of Dume, Virtuous life, Reason.
Artigos
São Martinho de Dume - entre conselhos ou preceitos morais como preocupação prática
São Martinho de Dume: between advice or moral preceptions as a practical concern
Recepción: 08 Septiembre 2022
Aprobación: 30 Enero 2023
São Martinho de Dume, que chegou à região da Galécia em 550, foi e é amplamente estudado e conhecido como o representante da recondução dos reis suevos ao catolicismo2. Martinho bracarense ou, ainda, dumiense foi bispo na e da Galiza conhecido pela prudência e por sua autoridade em matéria de fé católica.
Criou o mosteiro de Dume3, vindo a ser o primeiro abade, a seguir bispo4 e depois veio a tornar-se arcebispo de Braga. Trouxe como bagagem para a Galécia a cultura monástica e as bases para uma vida virtuosa. Enquanto monge, era conhecedor da espiritualidade do Oriente e do Ocidente, bem como a cultura clássica, congregando estes conhecimentos para a instrução da vida dos homens em consonância aos preceitos cristãos. Conforme Ganho (2011, p. 66),
São Martinho de Dume, originário da Panónia (atual Hungria), ou filho de panónios, conforme refere no epitáfio por si preparado, teve certamente uma educação romana cristã, que levou a que viesse para a península ibérica, mais propriamente para a zona da Galécia, que seria mais tarde a região que deu origem à constituição da nacionalidade portuguesa, no século XII. O seu nome, devido à sua ação cristã e reformadora, ficou estritamente ligado a esta zona da Galécia, bem como à cultura portuguesa, sendo considerado uma das figuras cimeiras das raízes do pensamento português.
Podemos dizer que São Martinho de Dume foi o porta-voz da aproximação da Igreja galaica e a monarquia sueva, com intuito de assegurar a unidade da fé cristã naquele território. Bom retórico, lançou mão de tudo que dispunha: códices monásticos, catequéticos, moral e filosóficos para orientar o povo da Galécia a cultura clássica e cristã oriunda de Roma. São Martinho estava intrinsecamente inserido na relação entre a Igreja e a monarquia sueva, de tal forma, que utilizou a estratégia da tutela das monarquias suevas para estabelecer uma estrutura religiosa, bem como suas reflexões fundamentadas nos conceitos de virtudes cardeais, a saber: a prudência, a magnanimidade ou fortaleza, a temperança e a justiça. Tudo isso para possibilitar uma reforma da sociedade.
Desta maneira, temos tematizada a relação da Igreja, a partir da representação feita por um bispo (um homem de saber) e a monarquia, de forma a identificar as realidades sociais vivenciadas naquela época e naquele território, que acarretavam a necessidade de construírem os discursos de tutela, para confrontar o contexto social e transformá-lo. Para isso, era preciso ter como representante maior do Governo, um soberano Justo e temente a Deus. Segundo Sousa (1995, p. 699) “a tradição ligou inquebrantavelmente o nome de S. Martinho de Dume às obras de filosofia moral, ‘Formula Vitae Honestae’, ‘De Ira’, ‘De Moribus’, ‘De Paupertate’ e ‘De Remediis Fortuitorum’”.
Nesta questão o que mais nos interessa são essencialmente - mas não só, os opúsculos o Da Ira e a Regra da Vida Virtuosa, de natureza ascético-moral e que tem como intuito não a autoridade da Sagrada Escritura, mas recorre a luz da razão humana a preocupação moral. A Regra da Vida Virtuosa compartilha em consonância as obras morais de Lúcio Séneca o mesmo tom moralizante, já que o bispo dumiense rejeita de certa forma realizar discurso abstrato acerca das virtudes morais, “opta pela realização de um pequeno tratado destinado a ser escutado por ouvidos ávidos, onde o polimento sofístico foi substituído pela clareza e pura simplicidade” (GANHO, 1998, p.14), vem a ser assim eminentemente a preocupação de São Martinho de Dume com a prática. São, portanto, escritos destinados à instrução. Instruir ganha o seu sentido original no vocábulo “instruere: equipar, arranjar, preparar para a batalha. Assim, entendemos a instrução moral como a preparação para uma batalha, uma batalha contra a doença, ou seja, contra o vício ou a paixão” (GANHO, 1998, p.16).
Nosso intuito trata-se, portanto, de analisar a Regra da Vida Virtuosa além da perspectiva religiosa que de certa forma instrui a preparação para a Salvação, todavia, nossa investigação tem a pretensão de perpassar a questão religiosa e ser estabelecida para termos morais direcionados para a prática em conjunto com uma análise do escrito Da Ira. Visto que, a partir da leitura de São Martinho de Dume compreendemos que para ser virtuoso é essencial tomar conhecimento das regras inerentes na razão, ou seja, virtuoso ou sábio é aquele que põe em prática a sabedoria, pois todo homem é potencialmente sábio. Do mesmo modo,
Séneca afirma algo nas suas Cartas a Lucílio que nos poderá ajudar a compreender a opção pelos preceitos: ‘pode suceder que tenhamos um espírito dotado de excelente disposição, mas indeciso e incapaz de descobrir a via do cumprimento do dever: aqui está o que os preceitos podem indicar’. A parenética, a arte dos preceitos, constitui o saber que impele o homem a conformar a acção aos seus princípios morais; neste sentido, o preceito funcionará como uma relação entre dois extremos que, no fundo, são opostos, pois um está no plano do particular da acção, o outro, no universo da mesma. Neste contexto, instruir opõe a educar. O termo educare tem, em latim, como um dos seus sentidos «alimentar», algo que na interpretação que fazemos do texto de Martinho de Dume é inadequado. Não se alimenta (educa) ninguém de virtude, simplesmente prepara-se (instrui-se) alguém para lidar com a sua própria virtude. Nos dois vocábulos existem sentidos completamente diferentes, enquanto o ganho do educar surge do exterior, o ganho do instruir vem do interior. A instrução é, portanto, a arte (saber prático) que tem como função voltar o homem sobre si mesmo, tentando que ele preste atenção à sua regra interior, não com um objectivo contemplativo, mas precisamente com o oposto, a acção (GANHO, 1998, p.15).
Ambos os escritos A Regra da Vida Virtuosa e o Da Ira são devotados à descrição de preceitos, ou seja, temos uma espécie de “guia” para as ações necessárias para o homem se tornar uma pessoa de bem ou voltada para o bem. “Ora, a Moral, como arte da vida é esse saber, e a Parenética, como arte dos preceitos, é o saber que põe em marcha essa disposição” (GANHO, 1998, p.15), ou seja, a disposição para o bem. São Martinho faz apelo ao uso da razão como luz para alcançar a verdade, bem como, guiar e obter constância nas decisões. Neste contexto, em São Martinho não podemos esquecer o papel importante de uma das característica eminentemente cristãs que é o perdão. O perdão como qualidade que pauta a conduta para a virtude.
Martinho de Dume ou S. Martinho de Braga, como igualmente era conhecido, originário da Panónia (atualmente correspondente a região da Hungria), “ele próprio se refere à sua qualidade de panónio no epitáfio que compôs para a sua sepultura: Pannoniis genitus” (SOARES, 1997, p. 16). Veio ao mundo entre 518 e 525; e faleceu em 579, o que nos dar uma margem de que S. Martinho teria no máximo 61 e no mínimo 54 anos de idade, somente Gregório de Tours no curto capítulo da Historia Francorum que dedica a “Martinho, escrito entre 580 e 584, se refere à data da sua morte desta maneira vaga: ‘Por este tempo (580, 5º ano do reinado de Childeberto) também morreu São Martinho, bispo da Galiza’”5. Era um homem de peculiar e enorme erudição, um homem das letras, de leituras filosóficas e bíblicas, que também direcionou suas atividades a vida pastoral, tornou-se assim figura de forte impressão na cultura e religião cristã da Galécia, veio a ser um dos Padres da Igreja da Península Ibérica.
Homem de acção, toda a sua actuação se processa na Galécia, região de Braga, e os seus escritos brotam de uma necessidade de reforma da sociedade. Com efeito, possuía uma vasta cultura humanística e cristã, sendo conhecedor da Patrística, com especial relevo para a figura de S.to Agostinho, que exerceu um claro ascendente sobre o seu pensamento. S. Martinho de Dume, como monge, possuía um conhecimento profundo da espiritualidade do Oriente e do Ocidente e trouxe para esta região uma cultura monástica que privilegiava a ascese para os monges e a vida virtuosa como modo de o homem comum realizar em si a humanidade (GANHO, 1998, p.11).
A determinação da biografia de Martinho de Braga além de ser de fundamental importância em si mesma visa responder uma problemática que tangencia a compreensão das relações de poder no período. Ao atribuir ao bispo a mesma origem dos suevos, “Martinho é conhecido como o Apóstolo dos Suevos” (GANHO, 1998, p.12), é relevante notar, ainda, o fato de Martinho, em seu Epitáfio, não referir que é compatriota de
S. Martinho de Tours - o que seria natural se a expressão Pannoniis genitus quisesse dizer “nascido na Panónia” e não, simplesmente, “descendente de Panónios” - quando não deixa de fazer alusão a terem o mesmo nome: Teque patrone sequens famulus Martinus eodem nomine, non mérito (SOARES, 1997, p. 16).
A considerar, assim, que teria vindo para a Galécia partindo da Terra Santa, a imagem que se forma é a de um monge comprometido com o projeto de Justiniano de reunir sob o seu comando os territórios que compunham o Império Romano antes da fixação das populações germânicas.
O fato de ser um panônio6 faria de S. Martinho um interlocutor privilegiado na conversão dos suevos ao catolicismo. Ao chegar à região o rei dos Suevos, Chararico que “era ariano, mas tinha prometido a S. Martinho de Tours que se converteria ao cristianismo católico se o seu filho se curasse da lepra. Ora, a chegada deste Martinho, monge mais jovem e émulo de S. Martinho de Tours, coincide com a cura do filho do rei” (GANHO, 1998, p.12). A região abrangia uma situação peculiar onde os suevos (arianos) viviam ao mesmo tempo pacificamente com os galaicos e os romanos (católicos). Nota-se, então, o estabelecimento de alianças com Justiniano e seu projeto de restauração da porção ocidental do Império Romano, a fortalecer, assim, o cristianismo.
Ao dizer que Martinho de Braga vinha das “bandas de Roma”7, o que está em jogo é a busca pelo reconhecimento de relações entre os monges e o papado em uma proposta de conversão das terras longínquas que se valia dos monges como centros irradiadores do catolicismo. Esse seria o caso, por exemplo, de Gregório Magno e do monge Agostinho, responsável pela conversão dos saxões um século depois.
Contudo, também deve ter ido à Terra Santa, onde contactou com os monges anacoretas, sendo influenciado nalguns aspectos pela espiritualidade oriental. A obra que traduziu, Sententiae Patrum Aegyptiorutn e a que mandou traduzir ao seu discípulo Pascásio, Verba Seniorum, serão o reflexo dessa sua viagem ao Oriente. Como monge, que procura a sedimentação do cristianismo, vai fundar o Mosteiro de Dume, de que é o primeiro abade e em seguida bispo, constituindo-se o Mosteiro como um pólo produtor de cultura clássica cristã, bem como disseminador do cristianismo (GANHO, 1998, p. 12).
Nota-se, portanto, que São Martinho voltava suas reflexões para ações concretas, direcionadas a realidade, para o bem da sociedade em consonância com os valores do catolicismo, “S. Martinho, o monge missionário dos pagãos rústicos, o monge assumido ao episcopado em cuja figura parecem conciliar-se a tradição apostólica do sacerdócio e o carisma do novo martírio da ascese” (SOARES, 1997, p. 96). Um homem o qual o pensamento e ação pastoral emergem em combate ao processo de degradação frente a uma sociedade multiforme, frente as heresias, mas que se opõe eficazmente sem violência e com espírito tolerante. Um homem letrado que se dirige àqueles a quem quer “mostrar a imperfeição e os erros das suas antigas crenças. Dirigindo-se a ‘rústicos’ fala-lhes, segundo as suas palavras, em ‘discurso rústico’ e com uma narração breve e sugestiva que lhes seja compreensível” (MEIRINHOS, 2006, p. 396). O que faz de S. Martinho um marco expressivo na cultura religiosa de seu tempo, como um homem religioso possuidor de grande piedade.
S. Martinho de Dume é conhecido, sobretudo, pelo seu conjunto de opúsculos que traduzem suas reflexões e pensamentos de carácter ascético-moral, canónico-litúrgicos e poéticos. A Regra da Vida Virtuosa (o qual ressaltamos o intuito de analisar as inferências sobre o agir humano) tem enquanto destinatário o rei Miro e a sua corte, pelo que se poderá também considerar esta obra sob a perspectiva política, uma vez que “o rei, senhor do povo suevo, ao colocar-se como aprendiz das regras expostas no opúsculo, deve conformar sua acção política às regras da vida virtuosa, exigindo aos seus súbditos o seu cumprimento” (GANHO, 1998, p. 16). Temos, assim, este opúsculo enquanto fundamento para a prática política, a revelar-se na linhagem dos espelhos de reis.
Já o Da Ira, como bem nos atesta o próprio título, traz-nos a reflexão acerca da ira e as formas de escapar ou mesmo contornar esse vício a partir da reflexão racional. São Martinho de Dume, bem como tradição estoica, apresenta-nos a ira como resultado de um juízo errado ou crença, ficando, assim, assegurada a possibilidade da razão “extinguir esse mal, visto o vício ser algo que pode ser combatido pelo exercício da reflexão racional. O opúsculo inicia-se com uma temática cara aos estóicos, isto é, a relação entre o estado da alma e o corpo como seu reflexo” (GANHO, 1998, p. 16). A levar em consideração, assim, os efeitos da ira em relação ao aspeto corporal e sua causa, buscando formas de evitar esse vício. O que compreendemos, então, é que tanto no opúsculo da Regra da Vida Virtuosa como no Da Ira, São Martinho opera em um plano racional, no qual a razão torna-se o mote e motor para a conversão, esta espécie de persuasão racional é realizada de modo que
suscite no leitor uma identificação com o que está a ser dito, portanto, como se o texto fosse, de alguma forma, um discurso proferido por um «outro eu», que, num primeiro momento, ainda não está totalmente identificado como o «eu» que se presta à leitura do opúsculo moral (GANHO, 1998, p. 17).
Se “filosofar” em suas variantes quer dizer estudar, meditar ou discorrer acerca de questões complicadas ou simples (diferente de simplório, pois nem sempre o que é simples é igualmente fácil), estamos convencidos do interesse filosófico de São Martinho, para além da “cultura” religiosa dos textos, vindo a se figurar como o “conjunto mais interessante que surge em meados do VI século. A moralidade que a ‘Fórmula da vida honesta’ vai transmitir aos séculos para onde transborda é o escopo da cultura clássica” (SOARES, 1997, p. 139).
É, assim, com o espírito imbuído de um autêntico “humanismo cristão” e com simplicidade que São Martinho “torna a ‘Fórmula’ uma obra-prima” (SOARES, 1997, p. 140), a qual revela uma dinâmica dialógica em vários momentos, quase que como um questionamento pessoal e que exige participação do leitor.
Ora, o fundamental é que a consciência da identidade entre as conclusões da reflexão que o texto suscitou e os preceitos que o texto indica só seja importante enquanto indicadora de que o mesmo percurso foi feito e houve lugar a uma real pergunta. Se o leitor não fizer este caminho, não vai entender os preceitos morais indicados nos textos como válidos para a sua vontade, permanecendo imutável. Digamos que, no final da leitura, o leitor terá como que a consciência de que o texto foi um mero pre-texto para a reflexão. E, embora chegue às mesmas conclusões que esse texto, essa verificação tornar-se-á supérflua enquanto momento de validação da reflexão, porque as conclusões a que o leitor chegou, após um estádio de verdadeira problematicidade, não reconduzem a qualquer texto a fim de serem verificadas, mas ao próprio leitor como ser racional volitivo, ou seja, à própria Razão prática. Ainda que visando dirigir a conduta, estes opúsculos, portanto, são uma sugestão para a reflexão sobre princípios da conduta à luz natural, sendo dispensados, para tal, quaisquer outros conhecimentos. Martinho de Dume justifica na Regra esta atitude: "O título deste opúsculo é Regra da Vida Virtuosa, porque não ensina aquelas práticas árduas e perfeitas que apenas podem ser realizadas por poucos devotos de Deus, mas apenas adverte, ainda eu sem os preceitos das Divinas Escrituras, aquilo que pode ser cumprido, mesmo por leigos que vivam recta e virtuosamente, de acordo com a lei natural da razão humana” (GANHO, 1998, 17).
Temos, portanto, em São Martinho não apenas uma forma de metodologia de instrução para a virtude, mas também uma tomada de posição filosófica. Martinho de Dume diz
adverte (commonet), que tem o sentido literal de ‘voltar para’, ‘re-flexão’ ou um sentido figurativo de ‘chamar a atenção para’, ‘lembrar de’. Ora, pensamos que Martinho entendia o opúsculo moral como um voltar para a interioridade, chamar a atenção para a natureza da pessoa humana (GANHO, 1998, 17).
Compreendemos que São Martinho não apenas faz um apelo a razão humana, mas sobretudo, uma espécie de “chamado” a conhecer a si mesmo como ser prático, um apelo a conduta que reside em cada pessoa, ao saber que está inscrito na natureza do homem.
Ao debruçamo-nos sobre os escritos de carácter moral de São Marinho de Dume notamos a importante reflexão acerca do agir humano em busca da verdade. E neste sentido, a razão garante ao homem o acesso ao mundo do espírito e tem como tarefa, em termos éticos, diferenciar o bem do mal. O opúsculo moral, por um lado, é entendido “como um estímulo para lembrar o que vem do interior e, por outro lado, ‘a lei natural da razão humana’ é a condição de possibilidade do reconhecimento desse interior, uma vez que é a manifestação (formal) dele” (GANHO, 1998, 18). Portanto,
Estamos perante uma figura marcante do século VI, na região da Galécia, cuja obra diversificada permite traçar o seu perfil de humanista, de latinista, de apóstolo e de missionário. Homem com grandes aspirações espirituais, na sua obra estão patentes as suas subtis análises de carater psicológico, bem como e sobretudo, de pendor moral. É, efetivamente a moral que permite qualificar a sua obra, distinguindo-o como homem de ação, pois, sem dúvida o santo está na origem da reforma moral e religiosa levada a cabo no seio da sociedade sueva. Nesse sentido, moral, espírito reformador e intenção política são facetas que ressaltam na sua obra (GANHO, 2011, 66).
Uma das características fundamentais que é necessário notar na trajetória de São Martinho de Dume é que a ética se estabelece enquanto matriz de seu pensamento. E neste ponto queremos destacar a Regra da Vida Virtuosa que em latim esta obra “intitula-se Formula Vitae Honestae, e é um opúsculo moral que decorre da necessidade de ação e de reforma social. Podemos considerá-la o seu exlibris, do ponto de vista moral e político” (GANHO, 2011, 66). Enquanto cristão, em São Martinho, a ética é aplicada sob preceitos da religião cristã, embora:
Neste contexto, destaca-se, no domínio da moral estoica o pensamento de Séneca, cuja obra tem um pendor moral e religioso, sem preocupações demasiadamente especulativas. Tal era também o escopo de São Martinho de Dume, que estava preocupado em argumentar em termos éticos, com a finalidade de submeter as paixões humanas às regras da razão humana, com o intuito de valorizar o elemento espiritual, responsável pela elevação da alma de cada um. Assim sendo, São Martinho encontra em Séneca, no que diz respeito a essa necessidade de fundamentação moral, a fonte que lhe permite atingir os seus objetivos, a seguir enunciados. Fundamentar, do ponto de vista moral, a vida quotidiana, através de um conjunto de regras, ou seja, fórmulas espirituais marcadas pela excelência espiritual a que chamamos virtudes (GANHO, 2011, 66).
Considerada como um pequeno tratado de filosofia moral, a Formula Vitae Honestae também mostra-nos uma série de preceitos para que o homem se torne uma pessoa de bem (GANHO, 2011, 67), escrito o qual é dedicado a serviço do Rei Miro, o Rei dos Suevos. Esta obra divide-se nas seguintes etapas: dedicatória ao rei Miro, exposição das quatro virtudes cardeais e a breve considerações finais. Estes escritos de São Martinho tinham, sobretudo, um intuito, uma finalidade prática, concreta para a responsabilidade moral e política. Tratava-se em colocar a serviço do Rei, de modo que se abrange todo o reino, inclusive o povo. Traduzia-se em um reduzido, mas profundo guia para a ação da vida quotidiana. Assim,
Quatro espécies de virtude foram definidas pelas sentenças de muitos sábios, às quais a alma humana pode aceder para viver virtuosamente: a primeira é a prudência, a segunda é a magnanimidade, a terceira é a temperança, a quarta é a justiça. Cada uma por si, mediante as práticas abaixo mencionadas, torna o homem virtuoso e moralmente bom (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 31).
De tal modo, para o Rei, assim como a nobreza e a corte a sua volta, era preciso conhecer e seguir as regras, os princípios para governar e orientar segundo a ética da política. “Para Martinho o rei ao ser virtuoso e ao agir em conformidade com os princípios reconhecidos para agir retamente, é um vir optimus, é um curator, ou seja, um homem de bem e um chefe temporal excelente” (GANHO, 2011, p. 67). Apoiado aos princípios cristãos e também a filosofia clássica, São Martinho constitui uma ética para a conversão dos Suevos, que recém haviam mudado de crença. Compreendia em mostrar que a razão ao ser bem conduzida e encaminhada poderia levar e elevar aos preceitos da lei divina.
A “Regra da Vida Virtuosa” apresenta-nos, através de um percurso racional, as quatro virtudes, em que o ideário de contenção, de moderação, de regra da mediania, tão cara aos estoicos, deverá estar presente na conduta de cada um. A segunda parte da obra é composta pela reflexão acerca das quatro virtudes, em que começa pela prudência, pondo em evidência a procura da verdade, em que apela para o uso da razão como forma de manter a constância nas decisões: “é próprio do homem prudente examinar os conselhos e não se deixar levar por falsidades com fácil credulidade” (Martinho de Dume 1998: 31). Como em todas as virtudes a regra da mediania é fundamental, pois a ética aqui proposta é uma ética acessível a todos e não apenas àqueles a quem chama “os devotos de Deus”, ou seja, os eclesiásticos, ou monges, a quem se aplica aquilo que é árduo, difícil de atingir (GANHO, 2011, p. 68).
Esta obra apresenta-nos, assim, a base para ensinar, indicar ao soberano enquanto governante a conseguir atingir uma vida correta na prática do dia a dia, traduzia-se em um modelo de comportamento a ser seguido, uma referência baseada em virtudes. Se “abraçares a prudência, serás o mesmo em toda parte, e conforme exige a variedade das coisas acomodar-te-ás a cada ocasião, não deixando que as coisas te mudem, adapta-te a elas, tal como a mão que, quer se abra quer se feche, é sempre a mesma” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 31). Neste pequeno trecho é como se São Martinho estivesse a nos falar não apenas a razão, mas ao coração, para sermos sempre verdadeiros mesmo perante as vicissitudes da vida: “Procura a causa de cada acontecimento: quando encontrares o princípio, refletirás sobre o fim” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 31).
Trata-se, ainda, da compreensão pela busca da estabilidade do pensamento para que o homem seja sempre correto e não se afastar da verdade, “não estejas sempre em ação, deixa às vezes a tua alma repousar, sendo este descanso dedicado à busca da sabedoria e aos bons pensamentos” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 32). Dedicado ao rei, este opúsculo busca dar instruções para uma vida virtuosa não apenas a este, mas também guiá-lo para ser um “modelo” a seguir. Neste sentido, trata-se de uma obra que abarcava, também, a interação de importantes instituições (Igreja e o Reinado) e que, assim, tomou grande proporção ao longo da idade média. Portanto, São Martinho desejava que o rei fosse uma figura firme e que não viesse a ceder a ímpetos desregrados, torando-se uma pessoa em cuja alma morasse a fortaleza.
Acerca da magnanimidade, que tem também o nome de fortaleza, chama a atenção para o facto de aquele que não hesita na ação é forte e corajoso, dado que se apoia em princípios sabiamente estabelecidos. Ser magnânimo é uma virtude que se aplica a todos que sabem perdoar, mas é a virtude real por excelência. Só o homem que é forte e magnânimo sabe perdoar, e assim vive de um modo tranquilo, sereno (GANHO, 2011, p. 68).
Observamos como neste ponto a marca e veia cristã pulsa de modo claro. Pois, perdoar é uma virtude essencialmente cristã, “se fores magnânimo, nunca julgarás que alguém te fez uma afronta” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 34). São Martinho considera que o modo virtuoso de vingança é perdoar, não é sábio provocar conflito, nem falar mal de ninguém às escondidas, muito menos, tentar prejudicar.
Já em relação à temperança, que é uma virtude que diz respeito a quem deseja uma via ascética, que almeja o aperfeiçoamento espiritual deve estar atento a moderação do comportamento, deve valorizar o que é da ordem do espiritual e não os prazeres sensíveis, “se amas a temperança, corta o supérfluo e confina os teus desejos a limites aceitáveis. Tem em conta aquilo que a natureza precisa, não aquilo que a tua avidez reclama” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 35). É ter, assim, cuidado ao falar, no beber, comer e rir. É ter satisfação consigo mesmo e ter não apenas cuidado, mas repelir as atrações que arrastam a alma para prazeres ocultos. “Foge dos vícios, não examines os outros com curiosidade, nem os censures com severidade […] sê ouvinte calado daqueles que falam e um receptor atento dos ouvintes” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 37). A partir de São Martinho, compreendemos que ser temperante é observar os movimentos da alma e do corpo para que não sejam indecorosos.
A quarta virtude é a justiça, também central no quotidiano, fundamental para o rei, que a administra. Esta, como refere, tem por base o reconhecimento do vínculo entre a lei divina e a sociedade humana, de tal modo que o homem justo é aquele que imita Deus, que é o modelo da justiça. A justiça é concebida como a grande força para a preservação das sociedades. Ela tem por finalidade a verdade, mas depende da fé e da religião. Se tem por finalidade apurar a verdade, então, deve negar qualquer forma de mentira. Contudo, São Martinho aqui coloca a questão de usar a mentira, em certas condições: “Se alguma vez te vires forçado a usar da mentira, usa-a para proteger a verdade, não a falsidade; se acontecer que a fidelidade que em ti depositam for redimida por uma mentira, não mentirás, antes escusar-te-ás, pois quando uma causa é virtuosa o justo não trai o segredo” (Martinho de Dume 1998: 39). Este calar a verdade é muito interessante, pois chama a atenção para o facto de, por vezes, ser necessário não a expor. Isto prende-se, certamente, com a noção de “segredo de estado”, dado que em certas condições é necessário salvaguardá-lo. Estamos, sem dúvida, perante um “espelho de reis” (GANHO, 2011, p. 68).
Para São Martinho a justiça compreende uma construção divina em que todos devem reconhecer e temer a Deus e só assim seria possível obter justiça. “O que é, porém, a justiça senão um acordo tácito da natureza encontrado para o bem de muitos? O que é a justiça senão obra nossa, mas também lei divina e vínculo da sociedade humana?” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 39). Por meio desta virtude observamos que a justiça só devia ser legitimada aqueles que seguissem o cristianismo. A justiça enquanto virtude dada por Deus é colocada, então, como verdade para todos os homens. “Se algum de vós quiser seguir a justiça, terá primeiro de temer e amar a Deus, para ser amado por Ele” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 39).
No opúsculo Da Ira, o intuito de São Martinho é fala-nos de como fugir e como moderá-la, “alguns sábios defendem ser a ira uma breve loucura” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 45). A ira é como se fechássemos os olhos à razão e embora não seja senhora de si pode tornar-se hábito e tem seus efeitos.
O sangue agita-se desde o mais profundo das entranhas e, alterada a cor, desfigura o rosto mais belo, acendem-se e cintilam os olhos, tremem os lábios, cerram-se os dentes, o peito arqueja com frequentes e veementes suspiros, gemido ansioso, a palavra é percebida com som distinto, e a erupção da voz distende o pescoço enraivecido, as mãos inquietas, muitas vezes movidas pelo apertar dos dedos, ranger de dentes, passo apressado, e terra batida pelos pés, tremura dos membros, e todo o corpo agitado por instável flutuação, proferindo grandes ameaças -a horrível ira irrita-se e corrompe-se a si própria, de modo que não sabes se é um vício mais detestável ou mais disforme (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 47).
Conforme São Martinho, diferente de outros vícios que se escondem, a ira, por sua vez, propaga-se e apresenta-se na face e quanto maior com mais facilidade inflama. Transforma tudo aquilo que é justo e excelente no seu contrário. Ao deixar-se dominar pela ira deixa-se também de recordar dos deveres. “A ira submete a si mesma todas as outras paixões, e não existe nenhuma ambição da alma que não seja dominada pela ira […] violência da ira é repentina e universal” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 47). Enquanto outros vícios seduzem a alma humana, a ira arrebata como tempestade e precipita, “os outros vícios estão separados da razão, mas a ira está separada da sanidade” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 49). De tal modo que, a forma de lutar contra a ira é não se irar, é desistir, e também curar a ira do outro.
São Martinho aconselha-nos a não cair na ira, mas se isso acontecer o propósito deve ser o de não perseverar na ira. “É necessário lutar contra as primeiras causas da ira. É causa da ira, porém, estar convencido de ter sido injuriado, o que não deve acreditar-se facilmente” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 49). É preciso estar com os ouvidos atentos, mas que não se abram facilmente aos acusadores, uma das formas de não cair na ira é não ser curioso, tornar-se extremamente importante ser prudente, uma das grandezas da alma, segundo São Martinho, é desprezar as injúrias para abster-se da ira, bem como, se alguém se encontra zangado ou em estado de ira, é preciso buscar acalmá-lo com bondade, dar espaço, pois “não nos atreveremos a suavizar a ira irrefletida do outro, pela nossa razão” (SÃO MARTINHO DE DUME, 1998, p. 57).
Como vimos os temas que compreendem a obra de Martinho de Braga são diversos, mas possuem ligação entre si e foram, assim, objetos de seus tratados e cartas que extrapolarem o ambiente monástico, pois serviram também à instrução do rei, de sua corte e da sociedade laica em geral. “Segundo Cada uma destas virtudes deve ser praticada sem excessos, ou seja, tendo em conta o justo meio, a regra da mediania, que se for seguida em todas as suas vertentes possibilitará que o homem seja perfeito” (GANHO, 2011, p. 68).
Os escritos de São Martinho traduzem, por conseguinte, em conselhos práticos a possibilidade que cada homem (qualquer homem) tem de encontrar a partir de si mesmo, em seu espírito e na sua força interior, as razões para agir retamente. São Martinho também nos apresenta os princípios éticos que devem orientar as ações do rei, para governar com sabedoria, isto é, de um modo prudente, magnânimo, temperante e justo, bem como abster-se da ira suas causas e efeitos. Vemos, assim, como os “conselhos” de S. Martinho mostram um homem amadurecido e ponderado para a condução das almas.
A regra fundamental em tudo é «nada em excesso». Qualquer das virtudes em excesso volve-se no seu contrário: temperança é o justo meio entre a avareza sórdida e abjecta e a prodigalidade gastadora, luxuriosa e hedonista; a medida da magnanimidade é o homem não ser tímido nem audaz, nem cobarde nem temerário; a da justiça está entre a severidade e o rigor excessivos e a negligência frouxa e laxa, que não pune e dá rédea solta à maldade. Em suma: a Formula Vitae Honestae é um contínuo hino ao auto-conhecimento, ao auto-domínio e à medida (mesótês) que a natureza constitui em nós (ROSA, 2009, p. 54).
Por fim, observamos que a barreira mais obstinada, que impede o nosso caminho, a nossa passagem a uma vida virtuosa é o conhecimento de nós mesmos, é preciso cuidar do espírito, é preciso refletir sobre o próprio agir, distinguir entre o bem e o mal, o certo e errado, é necessário agir com prudência, ser vigilante dos próprios pensamentos e da própria moral.
GANHO, Maria de Lourdes Sirgado. A “Regra da Vida Virtuosa” de São Martinho de Dume. Revista Brathair. v. 11, n.02, p.65-69, 2011.
GANHO, Maria de Lourdes Sirgado [et al.]. Introdução e tradução. In: SÃO MARTINHO DE DUME. Opúsculos morais. Lisboa: INCM, 1998, p. 11-26.
MEIRINHOS, José Francisco. Martinho de Braga e a compreensão da natureza na alta Idade Média (séc. VI): símbolos da fé contra a idolatria dos rústicos. In: MEIRINHOS, José Francisco. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor José Marques. Porto: Ed. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006, Pt., II, p. 395-414.
ROSA, José Maria Silva. Do estar no mundo como “Opus Dei” a uma “pastoral da inteligência” em Martinho de Dume. Eborensia Revista do Instituto Superior de Teologia de Évora. Ano XXII, n 43, p. 43-55, 2009.
SÃO MARTINHO DE DUME. Opúsculos Morais. Introd. e trad. de Maria de Lourdes Sirgado Ganho, Luís Manuel Ventura Bernardo, Alcino Baptista Ferreira, Ricardo Jorge Guerreiro Sousa. Lisboa: INCM, 1998.
SOARES, Luís Ribeiro. A linhagem cultural de S. Martinho de Dume e outros estudos dumienses. Lisboa: INCM, 1997.
SOUSA, Manuel P. Ferreira de. S. Martinho de Dume antologista de Séneca. Revista Portuguesa de Filosofia - Filosofia em Portugal - VIII. Braga: UCP. Tomo LI, Fascs. 3-4. Julho-Dezembro, pp. 699-706, 1995.
2 “Na Historia Suevorum também S.tº Isidoro se refere a Martinho, mas aí nenhum dado cronológico aparece, exceptuando uma alusão indirecta quando diz que Teodemiro, para reconduzir os suevos à fé católica, após larga permanência na heresia ariana, se apoiara em Martinho, bispo do mosteiro de Dume, famoso pela fé e ciência” (SOARES, 1997, p. 14).
3 “Sabemos, de certeza, que foi Martinho o fundador do mosteiro de Dume, pois assim o atestam as Actas do X Concílio de Toledo, realizado em 659 […]. Sabemos, a dar fé aos dados cronológicos do Breviário do Cónego Soeiro, que Martinho foi sagrado bispo em 5 de Abril de 556 e que a basílica de Dume só foi dedicada em 558, provavelmente a 11 de Agosto, logo dois anos depois da sua sagração episcopal” (SOARES, 1997, p. 69).
4 “Os elementos cronológicos insertos nas lições do ofício de S. Martinho de Dume do Breviário Bracarense do Cónego Soeiro, cuja redacção pode reportar-se pelo menos ao século XIII, são inegavelmente os mais precisos e por isso os de maior valor, embora produto de uma tradição que só aparece documentada sete séculos depois do tempo em que vivei S. Martinho. […]. Segundo o referido Breviário, S. Martinho foi sagrado bispo em 5 de Abril de 556, dedicou a Basílica de Dume em 558 e faleceu a 20 de Março de 579. O seu episcopado durou 23 anos” (SOARES, 1997, p. 14).
5 “S.tº Isidoro de Sevilha, quase quarenta anos após a morte de S. Martinho, dá-nos uma informação cronológica que também não prima pela exactidão: «Floresceu no reinado de Teodemiro, rei dos suevos, no tempo em que governavam, Justiniano o Império, e Atanagildo as Espanhas. Justiniano morreu em 565, Atanagildo em 567, Teodemiro começou a reinar em 558; logo, o floruit de Martinho (mais ou menos os seus 40 anos), cai entre as datas de 558 e 565, cingindo-nos ao rigor da coincidência dos três reinados, e o seu nascimento entre, mais ou menos, 518 e 525 […]. Teríamos, portanto, com estes elementos a seguinte cronologia martiniana: ± 518-525 - Nascimento. 556 - 5 de Abril - Sagração episcopal de S. Martinho. Floruit de Martinho (± 40 anos): 558- depois de 1 de Maio - Ariamiro (Teodemiro) rei. 558 - 11 de Agosto? - Dedicação da Basílica de Dume. 561 - 1 de Maio - I Concílio de Braga. 565 - (morte de Justiniano). 570 - Miro, rei. 572 - 1 de Junho - II Concílio de Braga. 579 - 20 de Março - Morte de S. Martinho” (SOARES, 1997, pp. 13-14).
6 Conferir as páginas 18 a 21 que versam sobre Um Panónio “Romano”, da seguinte obra: SOARES, Luís Ribeiro. A linhagem cultural de S. Martinho de Dume e outros estudos dumienses. Lisboa: INCM, 1997, pp. 18-21.
7 “Parece, pois, que os formulários XXIV (A) e XXV do livro III do Sacramentário Gelasiano se se referem a monges, se hão-de referir, por maioria da razão, a monges clérigos, incumbidos de missões importantes que não se coaduanm com a rotina dos mosteiros basilicais, devendo, portanto, relacionar-se com um tipo de mosteiro diferente, a que chámamos «basílica monástica», onde a basílica, o oratório, é um elemento da vida da comunidade monástica que constitui um elemento da basílica que serve. E poderiam muito bem ter estado presentes a uma missa ad proficiscendum in itinere, no oratório de S.tº André de clivus Scauri, o diácono Gregório, antes de partir para Constantinopla, o monge Agostinho, antes de se aventurar à terra dos Angli, e, noutro local, talvez na basílica de S. Martinho, junto ao «título» de S. Silvestre, o abade-presbítero Martinho, antes de embarcar para a missão de converter os suevos da Galécia” (SOARES, 1997, p. 111).