Recepción: 23 Junio 2021
Aprobación: 30 Julio 2021
Publicación: 01 Agosto 2021
DOI: https://doi.org/10.46551/rc24482692202126
Resumo: Este artigo objetiva analisar teoricamente o que convencionalmente configurou-se como território(s) da educação do campo, intentando ampliar o debate sobre esta temática quando considera que há uma conflitualidade no campo brasileiro entre o território do campesinato e o do agronegócio. Além disso, as experiências de educação do campo revelam um território educativo como dimensão prática da aprendizagem territorial, fruto da participação dos povos e movimentos do campo. Embora este trabalho esteja centrado no debate teórico e na revisão bibliográfica, foi realizada a pesquisa documental em sítios eletrônicos do INCRA, IBGE e Censo Escolar/INEP, a fim de correlacionar dados educacionais e de assentamentos rurais do município de Grajaú à luz da análise qualitativa e apresentação de algumas incursões de pesquisa de campo nas escolas do município em tela. Persiste a necessidade de coibir o fechamento de escolas do campo em Grajaú e, por extensão, nos municípios do Sul do Maranhão nos quais avança o agronegócio, bem como a superação da precarização de escolas e territórios rurais. Consequentemente, também é necessária a separação da educação dos vínculos políticos, que a colocam como moeda de troca para alocação de empregos oriundos de apoio político após eleições municipais e/ou estaduais.
Palavras-chave: Educação do Campo, Território em Disputa, Aprendizagem Territorial.
Abstract: This paper aims to analyse theoretically what conventionally configured itself as the territory(ies) of the rural education, aiming to enlarge the debate on this thematic when it considers that there is a conflict in the Brazilian countryside between the territory of peasantry and the agribusiness. Moreover, the rural education experiences reveal an educative territory as a practical dimension of territorial learning, the result of the participation of peoples and peasants movements. Although this paper is centered on the theoretical debate and the bibliographical revision, documentary research was conducted in electronic sites of the INCRA, IBGE and School Census/INEP, to correlate educational data and rural settlements in the municipality of Grajaú from the qualitative analysis and presentation of some results of field research in rural schools in Grajaú. We suggest that the closure of rural schools in Grajaú is hampered, as well as in the municipalities of southern Maranhão, where agribusiness advances, surpassing the precariousness of schools and territories. Consequently, it is also necessary to separate the education of political bonds, which put it as a currency exchange for allocating jobs from political support after municipal and/or state elections.
Keywords: Rural Education, Territory in Dispute, Territorial Learning.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar teóricamente lo que se configura convencionalmente como territorio(s) de la educación rural, tratando de ampliar el debate sobre este tema cuando se considera que existe un conflicto en el campo brasileño entre el territorio del campesinado y el de la agronegocio. Además, las experiencias de la educación rural revelan un territorio educativo como una dimensión práctica de aprendizaje territorial, resultado de la participación de pueblos y movimientos campesinos. Si bien este trabajo se centra en el debate teórico y la revisión bibliográfica, se realizó una investigación documental en los sitios web del INCRA, IBGE y Censo Escolar/INEP, con el fin de correlacionar datos educativos y asentamientos rurales del municipio de Grajaú a la luz del análisis cualitativo y presentación de investigaciones de campo en escuelas de la ciudad en cuestión. Persiste la necesidad de frenar el cierre de escuelas rurales en Grajaú y, por extensión, en los municipios de la región Sur de Maranhão donde avanza el agronegocio, así como superar la precariedad de escuelas y territorios rurales. En consecuencia, también es necesario separar la educación de los vínculos políticos, que la colocan como moneda de cambio para la asignación de puestos de trabajo del apoyo político después de las elecciones municipales y/o estatales.
Palabras clave: Educación Rural, Territorio en Disputa, Aprendizaje Territorial.
Introdução
O percurso acadêmico (graduação, mestrado e doutorado) que seguimos revela concepções de geografias e territórios, os quais estão em constante (re)construção. Ao iniciarmos a pesquisa que resultou neste trabalho, rebuscamos as memórias, histórias e percursos geográficos de nossa trajetória. Isso foi fundamental para que a concepção que tínhamos de meio rural desse lugar à de território rural.
O território, a partir da leitura de mundo do campesinato, foi apreendido como território da educação do campo. Assim, o entendimento do campo como um território educativo passa necessariamente pela concepção de que a participação social e as ações coletivas vislumbradas, hoje, no campo brasileiro corroboram para forjar experiências de aprendizagem territorial.
Nesse ínterim, este trabalho se propôs a empreender uma análise teórica sobre os territórios da educação do campo, no sentido de contribuir com a ampliação do debate acerca da dimensão territorial educativa do campo brasileiro e apresentar elementos de disputa por territórios, conflitos e experiências dos povos do campo que possam servir de bases para a aprendizagem territorial. Este artigo apresenta incursões sobre a temática que envolve a educação e o campo no município de Grajaú, localizado no Centro-Sul do Maranhão, especificamente na microrregião do Alto Mearim e Grajaú.
Partimos do pressuposto inicial de que a educação no/do campo forja resistências e, ao delimitar um território teórico, arrematado por concepções, princípios, metodologias e práticas educativas, a mesma se materializa e reafirma o campo enquanto um território geográfico do campesinato. Assim, a educação do campo se coloca também na disputa pelo território da governança, que é fruto da combinação político-econômica engendrada pelo Estado e agentes empresariais representantes do capitalismo agrário.
Os procedimentos metodológicos que utilizamos centraram-se na pesquisa bibliográfica e documental, sobretudo considerando a abordagem qualitativa como orientadora desta análise. Foram utilizados indicadores numéricos e análises qualitativas sobre as localidades estudadas no Maranhão apenas para ensaiar as discussões e ensejar os debates. Os referenciais numéricos foram extraídos do banco de dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC), todos consultados na internet. Somaram-se ainda as informações e notícias disponibilizadas em sítios eletrônicos e alguns dados apurados na pesquisa de campo realizada em quatro escolas do campo de Grajaú.
Além da introdução e das considerações finais, este artigo estrutura-se em quatro seções: na primeira fazemos uma contextualização da temática da educação do campo, do território de estudo e as disputas em torno do território; em seguida, discutimos os conceitos de educação do campo e território, em busca de dialogar sobre a concepção “territórios da educação do campo”; a terceira parte aborda o campo e a educação como facetas da desterritorialização, isto é, reunimos alguns dados e análises que evidenciam a precarização das escolas e da educação como um projeto, repleto de intencionalidades políticas e do capital; o último tópico é uma tentativa de ampliar os horizontes de análise da educação do campo, no sentido de valorizarmos as experiências dos povos e movimentos sociais do campo como estratégias de aprendizagem territorial, ou seja, a luta pela educação do campo, ao se definir como educativa, conforma-se em um campo de aprendizagem, de resistência e de emancipação nos/dos territórios camponeses.
Educação do Campo: o campo em movimento e o território em disputa
Quando um conceito é cunhado no plano social, logo o campo político trata de incorporá-lo aos seus discursos e projetos. Isso envolve o conceito de território hoje, profundamente banalizado e promiscuamente utilizado em diversas áreas do conhecimento e da política.
Parece-nos que o conceito de território e o seu uso não foram retomados de modo efêmero, como questionou Fernandes (2009), ao sugerir a existência de um modismo, um fashion concept. O uso do conceito se intensificou, tanto no plano teórico quanto no empírico. Por ser um conceito escalar e adaptável às diversas abordagens, o território representa hoje a síntese de um mundo globalizado e extremamente contraditório e desigual. Interpretar o mundo a partir da geograficidade, nos termos de Milton Santos (2006), é desvelar as máscaras sociais (MOREIRA, 2013). Logo o território pode ser o conceito mais pertinente para analisar esse mundo antagônico, produzido a partir das consequências da globalização perversa.
Para Santos (2006, p. 13), “nada considerado essencial hoje se faz no mundo que não seja a partir do conhecimento do que é o território”. Partimos do pressuposto inicial de que todos nós vivemos em um território, exceto aqueles povos que exercem uma territorialidade, mas não possuem um território – por exemplo, a “terra prometida” dos judeus, os curdos, os chechenos. Viver pressupõe a existência de um território. Há povos que não possuem um território e o reivindicam, objeto de permanente conflitualidade; outros vivem entre-territórios (ALMEIDA, 2009), como os migrantes.
Se partimos do pressuposto de que o simples fato de viver sugere a existência de um território, ou pelo menos de uma territorialidade, a exaltação dada ao conceito por Milton Santos (2006) corrobora para explicitar tanto a gênese mais local do território quanto os processos mais globais, estes associados sobretudo a reordenamentos socioespaciais e produtivos em esferas mais gerais.
A redescoberta ou “retorno do território” (SANTOS, 2006) ocorre, de um lado, principalmente na dimensão política, com a consequente retomada da regulação do Estado sob as políticas públicas, no caso brasileiro, após a redemocratização e institucionalização da Constituição de 1988. De outro lado, a reestruturação dos processos produtivos em âmbito nacional e internacional, os quais afetam diretamente os territórios.
Podemos visualizar tais processos em diversas regiões do país. No Sul do Maranhão, por exemplo, a abertura e expansão da fronteira agrícola têm na reestruturação produtiva a marca de macroprocessos que se articulam a outros mais locais, situados em escalas menores. Dessa interação entre processos mais amplos, dimanantes da globalização, e aqueles menos amplos – os quais sofrem forte influência da descentralização, que faz surgirem regulações locais – urge a necessidade de mudanças na gestão dos territórios locais (ROCHA, 2016).
O autor supracitado faz um adendo acerca da descentralização enquanto um processo polissêmico e centrado na gestão municipal, mas que não se reduz aos limites territoriais dos governos locais: “apreende a escala local como condensadora e feixe de articulação de escalas de ação” (ROCHA, 2016, p. 15).
Dessa forma, as escalas de ação interagem nos territórios locais imbuídas por multidimensões, reproduzindo múltiplas escalas dessas ações, expressas e no encontro de multiterritorialidades, as quais, muitas vezes, estabelecem-se através de conflitualidades.
A multidimensionalidade do território conforma-se exatamente pelo caráter integrador que o conceito assumiu nas últimas três décadas, envolto pela conjugação de dimensões sociais: econômica, política, ambiental e cultural. O caráter integrador do conceito não pode prescindir de outras perspectivas, as quais também fornecem análises a partir de uma ou mais abordagens sociais, a exemplo das perspectivas relacional, idealista e materialista.
Conceber o território a partir de sua multidimensionalidade coloca em xeque o princípio da totalidade, sem, portanto, afirmarmos que tudo é ou se refere a território. Território é um todo, o qual faz parte da realidade. Logo, a realidade não é una. Por isso Fernandes (2009) afirma que compreender o território como um todo é importante para entendermos a sua multidimensionalidade. A realidade social é repleta de muitas dimensões, bem como de vários olhares. Olhar a realidade a partir do prisma do território é apenas um viés, um percurso teórico, metodológico, paradigmático e intencional.
A proposta que ensejamos é considerar a educação como outra dimensão do território. A educação, seja no campo, na cidade ou na aldeia, forja territórios. Mais do que isso, a educação disputa territórios, ao mesmo tempo em que ela é o próprio território em disputa.
Frequentemente, a educação é revelada como um território em disputa, objeto de intencionalidades tecidas no território da governança. A governança (FERNANDES, 2009), pois, é o território privilegiado das intencionalidades e ações – sobretudo políticas. Observamos, com isso, que a educação enquanto território no Maranhão, especificamente em Grajaú, é responsável por ditar os rumos das eleições, dos votos, dos cargos e empregos de origem política.
A denominação “pasta da educação”, entendida a partir da governança, transcende a concepção setorial. Assim, consideramos a educação como um “território”, porque ela encontra-se em disputa, é permeada de intencionalidades e objeto constante das ações dos gestores, e não como uma “pasta”.
A intencionalidade é dosada pelos estudiosos ao definirem a totalidade de seu objeto. Daí o território pode ser estudado como uno, a exemplo do já citado espaço da governança, ou múltiplo, por meio de suas diferencialidades. A intencionalidade enquanto opção histórica é também uma posição política, que é preferida por uma determinada classe social. Para além de opção histórica, paradigmática, teórica, política e de modelos de desenvolvimento, as intencionalidades conduzem às compreensões das realidades (FERNANDES, 2009).
As intencionalidades, todavia, geram conflitualidades. O entendimento de que o espaço geográfico é produzido por relações sociais, sejam elas entre os homens e a natureza ou entre si, corrobora para concluirmos que tais relações produzem contradições, criam espaços e territórios os quais são heterogêneos. Diante disso, evidenciam-se as conflitualidades. Os conflitos ou seu adjetivo – as conflitualidades – são inerentes à existência humana e suas marcas são acirradas pelas contradições impostas pelo capitalismo.
Ao considerarmos que a conflitualidade encontra expressão nas relações originadas de interpretações feitas por classes, grupos sociais e instituições e, por sua própria natureza social e contraditória, ela se apresenta como o elo interpretativo das intencionalidades maquinadas. Como assevera Fernandes (2009), a conflitualidade é processo através do qual o conflito é apenas um componente.
Sendo assim, enquanto um processo, a conflitualidade envolve-se em diversos componentes polarizados que oscilam entre o uno e múltiplo. A conflitualidade, pois, dá dinamicidade ao território. É a engrenagem que permite movimentar o(s) território(s) para que o mesmo não se resuma às permanências. Um território que não supera o enraizamento, a pobreza, a imposição de poderes está condenado à falta de autonomia, de soberania e, consequentemente, de negação à democracia.
“O âmago da conflitualidade é a disputa pelos modelos de desenvolvimento em que os territórios são marcados pela exclusão das políticas neoliberais, produtora de desigualdades, ameaçando a consolidação da democracia” (FERNANDES, 2009, p. 203). Este excerto traz a essência da educação do campo, quando os teóricos e movimentos sociais do campo afirmam estarem em disputa dois modelos de desenvolvimento – agronegócio e campesinato. Neste ínterim, definitivamente, não há espaço para admitir-se um desenvolvimento pautado no modelo do agronegócio exportador, concentrador de terras, riquezas e destruidor dos recursos naturais. Por conseguinte, a educação do campo apregoa um movimento contrário, colocando em evidência o território da autonomia e democracia, fazendo jus ao direito universal dos povos escolherem o seu futuro.
A conflitualidade insere-se na esfera da governança. Neste âmbito há modelos de desenvolvimento antagônicos, mas sobretudo existem concepções, valores, desejos e interpretações diferentes, o que acirra a conflitualidade. O território da governança, nesse sentido, seria um caminho para a realização dos desígnios dos povos do campo? Que modelo de desenvolvimento se perpetua no território da governança?
Os territórios locais são escalas “privilegiadas” das ações do Estado, bem como estão envolvidos pelos reflexos dos processos produtivos os quais requerem cada vez mais territórios descentralizados e flexíveis para a reprodução do capital. Quando tratamos da multiescalaridade do território (municipal), a ela pode ser entendida como a esfera da representação de várias escalas do poder – municipal, estadual, federal, internacional – em um mesmo local. Daí o fato de o território ser analisado a partir de sua multiescalaridade.
Se a conflitualidade se impõe enquanto marca da dinamicidade e da disputa por territórios, então chegamos ao ponto de que esses territórios estão em permanente disputa. Essa disputa não pode se restringir apenas às instituições de dominação, porque estas tendem a controlar os territórios, uma vez que são pluriescalares (isto é, transitam em diversas escalas, podendo ser contínuas ou descontínuas), todavia impõem e sobrepõem-se nos territórios da governança.
Mas o espaço da governança deveria ser o território de todos os povos. A tentativa de controle dos territórios é forjada via políticas públicas elaboradas pelo Estado e por agências multilaterais e transnacionais. Além disso, a acumulação capitalista pela espoliação é um estágio avançado das relações capitalistas as quais precisam cada vez menos das relações não capitalistas. Por conseguinte, o capital recria com menos intensidade trabalhadores assalariados e territórios camponeses, ampliando o número de excluídos (FERNANDES, 2009). Prova contundente disso é o fato de os camponeses em Grajaú concentrarem-se em assentamentos rurais.
Ampliar o número de assentamentos rurais é uma forma de o Estado, embebido pela lógica das forças produtivas, restringir (parceladamente) o acesso dos camponeses à terra e aos recursos e riquezas a ela associados. Em outras palavras, é uma alternativa condescendente dada aos camponeses para construir seus territórios de vida e, antagonicamente, estratégia de eleger o capitalismo agrário como prioridade no território da governança.
Fernandes (2012) mencionou o DATALUTA: Banco de Dados da Luta pela Terra (2011), analisando-se o período de 1979-2010, quando neste último ano o país registrava o número de 8.823 assentamentos rurais. Quase a metade (47%) concentrava-se no Nordeste e o Maranhão foi o estado com os maiores números de assentamentos de reforma agrária (11,3%) e famílias assentadas (131.390 – 12,9%) na região.
Os dados recentes do INCRA (2017) indicam que, na região Nordeste e no Maranhão, os projetos de assentamentos de famílias camponesas mantiveram-se em expansão nesta década. No município de Grajaú, objeto de análise neste trabalho, a criação dos assentamentos data desde 1987, com o Projeto de Assentamento (PA) Sítio do Meio. Posteriormente foram criados seis projetos de assentamentos de iniciativa estadual (PE), entre 1996 e 1997, e outros dez pelo INCRA, entre 2001 e 2008.

Devemos frisar que os dados divulgados nesta atualização do INCRA não refletem a realidade dos PAs existentes no município de Grajaú. Alguns PAs existentes podem não estar mensurados nos dados oficiais ou as famílias encontram-se listadas nos assentamentos próximos.
Outra colocação importante a ser destacada é que, embora o último assentamento criado pelo INCRA no município date de 2008, há movimentos, em curso, reivindicando o assentamento de novas famílias, a exemplo do Acampamento Vila Nova Buriti dos Vaqueiros e Acampamento Antônio Conselheiro II, ambos situados às margens da MA-006 (Figura 1). Isso significa dizer que o campo em Grajaú está em movimento e os territórios estão em disputas.

O primeiro acampamento é produto da organização social de camponeses sem terras desde a época de criação do último assentamento rural em Grajaú-MA, às margens do rio Mearim. Oito anos depois, os acampados migraram para as margens da rodovia MA-006, criaram a Associação dos Pequenos Agricultores Familiares do Boa Sorte, em busca de dar visibilidade ao seu movimento e mobilizar autoridades públicas e o INCRA, para iniciar as visitas e o processo de assentamento. Este acampamento considera-se autônomo, embora já tenha sido visitado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. O acampamento Antônio Conselheiro II foi constituído em 2017, ao lado dos primeiros acampados, às vésperas da primeira visita do INCRA. Era constituído de camponeses sem terras, trabalhadores rurais e urbanos de Grajaú e outros municípios e obtiveram apoio da União Nacional Camponesa – UNC.
Qual seria a importância desses assentamentos e acampamentos para a educação? Esta pergunta parece sugerir uma possível inversão de sentido, pois presumimos que a educação também colabora substancialmente para a melhoria dos lugares e reforça a luta dos territórios camponeses. O processo de luta, acampamento e assentamento de famílias camponesas, como forma de organização do movimento social do campo, é etapa fundamental na conformação da práxis educativa. Inclusive, Arroyo (1999) assevera que o movimento social é educativo. Souza (2006) complementa e destaca que é muito recorrente nas falas dos sujeitos a referência ao movimento social do campo como um momento de vivência educativa, fazendo-se analogia ao movimento como uma “escola”, no sentido de aprender com a luta dos camponeses pela terra e demais direitos associados.
Dentre as benesses, quando da implantação de um PA, a escola no campo é uma das principais aquisições, quer seja instalada no assentamento ou em localidades próximas. Os projetos de assentamentos concentram crianças e jovens em idade escolar. A permanência das escolas no campo se deve sobremaneira à presença de crianças e jovens nos/dos assentamentos, tendo em vista os constantes ataques a essas escolas que, não raras vezes, culminam em seu fechamento pelos gestores.
E quais deveriam ser os papéis da educação (do campo) nestes territórios? O primeiro deveria ser ressignificar o papel da escola enquanto instituição que se coloca na disputa territorial, com o objetivo de se inserir na luta pela justiça social e ser um instrumento de transformação do território desde a sua escala mais próxima. O segundo aspecto é formar sujeitos capazes de compreender os processos socioterritoriais numa perspectiva pluriescalar, de modo que o conhecimento sobre as desigualdades sociais e contradições seja ferramenta de permanente inquietude e rebeldia. Terceiro: discutir, problematizar e propor alternativas para a melhoria de seus territórios, como estratégia de desenvolvimento, autonomia e emancipação social.
Mapear as conflitualidades presentes nos territórios é uma maneira de compreender melhor os significados das disputas territoriais. Quando utilizamos a conflitualidade como um sentido das disputas por territórios significa dizer que assumimos o compromisso de tratar o campo e a educação enquanto territórios de vida, de luta e de construção da justiça social, capazes de reverberar o verdadeiro sentido de superação das condições precárias e de pobreza as quais lhes foram relegadas secularmente. A conflitualidade aqui não se impõe como arena dos conflitos – latentes ou não –, mas como subsídio analítico que permite entender o verdadeiro sentido do território, que é o de participação social como estratégia de emancipação social e autonomia.
Assim, falar de territórios e, mais especificamente sobre os territórios da educação do campo, é uma forma de resgatarmos a (i)materialidade do conceito. É, também, uma forma de denunciarmos a precariedade revelada no trato com a educação e as populações do campo em todos os itinerários geográficos deste país. A precariedade no campo e na educação, nesse sentido, reflete a violência simbólica, uma das facetas da desterritorialização, portanto, sinônimo de exclusão.
Educação do Campo e território: notas conceituais
As primeiras vezes nas quais o termo educação do campo foi utilizado na década de 1990 tiveram-se como intencionalidade cunhar um conceito, delimitado inicialmente por e a partir de um plano teórico, com profundas inspirações no modelo de desenvolvimento e na produção da existência do território camponês. Forjar um conceito enquanto produto das preocupações dos movimentos sociais do campo, notadamente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, exigiu o entendimento de que a luta pela terra e, com ela, a questão agrária, não começa e termina apenas na disputa e conquista da terra. A luta pela terra converte-se na luta ampliada por território. Lutar por território implica na (re) construção da existência dos próprios camponeses (NASCIMENTO, 2009; CALDART, 2011; FERNANDES, 2011).
Resistir e reexistir requerem a compreensão de que os povos do campo necessitam de terra, água, equipamentos, acesso ao crédito e financiamentos, educação, saúde e trabalho para produzirem a sua própria existência. Essa compreensão tornou-se a base para o desenvolvimento territorial rural no Brasil.
No entanto, devemos salientar que a educação enquanto bandeira de luta dos movimentos sociais e povos do campo não consiste apenas no acesso universal à escola primária, como um dos objetivos globais de educação da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – 2017), ou no combate ao analfabetismo no campo. A proposta, pois, é a de que a educação do/no campo seja um instrumento de luta e de emancipação social, não se restringindo apenas à educação básica. A educação como um projeto de campo e de sociedade.
Lutar por território é uma forma de consubstanciar a luta por direitos. Falamos de direito à terra, à água e aos recursos naturais; direito a uma educação de qualidade no lugar onde mora e a partir de seu modo de vida; direito à moradia; pelo direito de produzir; direito à saúde e a um ambiente saudável; pelo direito de construir a sua própria história.
A educação do campo, tal como os movimentos socioterritoriais, encontrou no conceito de território a representação máxima de sua bandeira de luta. A redescoberta do território a partir de sua multidimensionalidade (econômica, política, cultural, ambiental, educativa) virou terreno fértil para estruturar o pensamento, as concepções e os princípios da educação do campo.
Vários autores (NASCIMENTO, 2009; QUEIROZ, 2011; FERREIRA & BRANDÃO, 2011; FREITAS; PINHO, ANTUNES-ROCHA, 2013) comungam que a educação do campo é forjada e construída pelos povos do campo, pelos movimentos sociais e sindicais, pelos/as educadores/as e pelos intelectuais acadêmicos. Os movimentos sociais do campo têm papel de destaque nesse protagonismo. Desde a 1ª Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, em 1998, Miguel Arroyo sugeriu a vinculação da educação com o movimento social. Segundo o autor, essa vinculação:
Significa que acreditamos que somente a educação se tornará realidade no campo se ela ficar colada ao movimento social. Mais ainda acreditamos que o próprio movimento social é educativo, forma novos valores, nova cultura, provoca processos em que desde a criança ao adulto novos seres humanos vão se constituindo (ARROYO, 1999, p. 10).
A educação do campo, sob este rótulo, emergiu nesse contexto (de luta). Além do rótulo, a educação do campo apresenta-se com um conteúdo bem fundamentado e pensado por e a partir dos sujeitos do campo. Foram formulados conceitos, concepções, princípios (filosóficos, pedagógicos, humanos, sociais), metodologias e práticas educativas. Nasce, assim, o Movimento Por uma Educação do Campo (FREITAS; PINHO; ANTUNES-ROCHA, 2013).
Para Nascimento (2009, p. 182), “quando se trabalha com a categoria educação do campo significa pensar uma educação forjada a partir das intencionalidades dos movimentos sociais do campo onde os trabalhadores rurais são os protagonistas da história e sujeitos da ação pedagógica”. Caldart (2011) explica que o movimento Por Uma Educação do Campo é a luta do povo do campo por políticas públicas que garantam o seu direito a uma educação que seja no e do campo. Educação no campo significa que o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; educação do campo significa que o povo tem direito a uma educação pensada a partir do seu lugar de vida, com sua participação e vinculada a sua cultura e suas necessidades.
Fernandes (2011), por sua vez, apresenta a diferença entre escola no/do campo. Para o autor, a escola no campo representa um modelo pedagógico ligado a uma tradição ruralista de dominação; já a escola do campo é proposta de construção de uma pedagogia, cujas referências são as experiências dos povos do campo. Feitas essas distinções, o autor mergulha no conceito e mostra sua preocupação teórica em delimitá-lo como um território:
A Educação do Campo é um conceito cunhado com a preocupação de se delimitar um território teórico. Nosso pensamento é defender o direito que uma população tem de pensar o mundo a partir do lugar onde vive, ou seja, da terra em que pisa, melhor ainda a partir de sua realidade. Quando pensamos um mundo a partir de um lugar onde não vivemos, idealizamos um mundo, vivemos um não lugar (FERNANDES, 2011, p. 141).
A delimitação da educação do campo como um território teórico precede a existência de um território social, que é um território geográfico. Nesse sentido, a educação do campo inscreve-se numa geografia que revela a existência dos povos camponeses, cuja essência principal está vinculada à terra, que conforma (forma e reforma) novas territorialidades. Estas demonstram que a terra é condição sine qua nom de existência, resistência e reexistência dos camponeses na luta contra a opressão e a dominação. Mas, também, a terra não é apenas um espaço banal. Compreendida na pedagogia do movimento camponês, a terra e a educação conformam um território. Um território que é carregado de (i)materialidade (SAQUET, 2007): teoria, ideologia, utopia, cultura, saberes, produção, infraestrutura, etc.
O território teórico da educação do campo culminou com o pensar a realidade social e a formulação e demarcação de conceitos, concepções, princípios, metodologias e práticas educativas. Esse arranjo teórico foi capital para se estruturarem as bases daquilo que hoje defendemos como educação do campo, condição basilar para a construção dos argumentos e ampliação do debate sobre o campo e a educação que os povos camponeses almejam, mormente, na conquista de políticas públicas. Assim, o território teórico da educação do campo, enquanto um conceito imaterial, se revela e ganha substancialidade na medida em que se converte em políticas públicas e melhoria das condições materiais de vida no campo. Esse processo ocorre quando, inspirado na realidade social do campo e da educação, o território teórico transforma-se em território material por meio das lutas sociais e da concretização de políticas públicas. Esta, pois, é a consubstanciação da luta pelo território, em que a imaterialidade se converte em materialidade. Território teórico se converte em território social. A teoria transforma-se em ação e a ação refaz a teoria. Assim, a luta pela terra e pelo território se refaz em um processo dialético, em permanente reconstrução.
A Figura 2 mostra esse processo dialético de construção do território da educação do campo. A ideia não se refere apenas à passagem de um modelo teórico, idealista, para um plano prático. Aqui, a teoria social crítica é construída com base na realidade vivenciada pelos povos e movimentos sociais do campo, bem como em seu histórico de exclusão, de modo que o movimento embasado em um plano teórico ganha substancialidade e materialidade na medida em que as ideias e ações se convertem em políticas públicas, condição essencial para a garantia de direitos e conquistas sociais que foram usurpadas dos povos do campo.

A luta por uma educação do campo é igualmente uma luta pelo território que combina o binômio materialismo-idealismo, nos termos de Haesbaert (2006, 2007), cuja existência camponesa se faz a partir da luta por terra, crédito, cultura, saúde, educação, lazer. Uma relação cujos aspectos econômicos, políticos, culturais e ecológicos se combinam. A luta da educação do campo é por políticas públicas, como bem frisa Caldart (2011), pois esta é a única forma de universalizarmos o direito de todos à educação e às demais condições dignas de vida.
Essa luta, pois, se inscreve no território. Milton Santos (2006) lembrou sobre a importância atual do conhecimento do que é o território. Assim, o autor defende ser importante o entendimento do território para afastar o risco de alienação, da perda do sentido da existência individual e coletiva e, portanto, afastar o risco de renúncia ao futuro (SANTOS, 1996). Esse entendimento parece já ter sido compreendido pelos povos e movimentos sociais do campo que estão fazendo outra história.
Pensando na geografia dos assentamentos camponeses, o conceito de território inspirou Plínio de Arruda Sampaio na formulação do Plano Nacional de Reforma Agrária, para o primeiro mandato do presidente Lula. Para ele, território “é um espaço geográfico onde uma comunidade humana põe um nome e faz uma história” (SAMPAIO, 2004, p. 330).
Para Fernandes (2005, p. 2), “pensar o campo como território significa compreendê-lo como espaço de vida, ou como um tipo de espaço geográfico onde se realizam todas as dimensões da existência humana”. Portanto, o campo deve ser pensado por uma dimensão territorial e não setorial. O campo não é um local de produção de mercadorias, ele é um território de vida. Nessa concepção, educação, cultura, produção, trabalho, infraestrutura, organização social e política, mercado, entre outras, são relações sociais que constituem as dimensões territoriais. A educação do campo, nessa concepção territorial, não defende apenas a existência da escola no campo. Ela defende a escola e a educação que estejam ligadas a um projeto de vida, de campo e de sociedade.
A educação do campo como um projeto de campo, de sociedade e de desenvolvimento nacional considera o desenvolvimento territorial sustentável. Neste projeto, educação do campo não combina com agronegócio e latifúndio. São projetos diferentes que delimitam territórios distintos – campesinato e agronegócio. A paisagem do território do agronegócio é homogênea, enquanto no território do campesinato ela é heterogênea. A mercadoria é a marca do agronegócio, mas no território camponês a diversidade de elementos e a presença de pessoas são fundamentais, porque neste espaço elas produzem suas existências, além de alimentos (FERNANDES, 2005).
Ao adotar essa concepção, desvelamos outro princípio: a educação do campo se vincula a um projeto de campo e de sociedade. Tal princípio implica na desconstrução das desigualdades, da injustiça social e coloca em xeque a defesa e luta pela terra, pela produção, por financiamentos, pela garantia do desenvolvimento sustentável do meio ambiente, pela educação, lazer e cultura, enfim, pela produção do território. Esse projeto, porém, não se consolida sem luta.
Lutar contra os projetos hegemônicos, forjar resistências, é característica de um país pós-colonial (ARAÚJO, 2010). Para a autora, isso não significa dizer que o Brasil superou as mazelas do colonialismo e nem a sua condição periférica e dependente frente à ordem econômica global,
mas, fundamentalmente, porque o Brasil manifesta coletivamente, por meio de suas populações subalternizadas, organizadas, práticas sociais de resistência e enfrentamento contra forças políticas internas e externas de seu território, que não raro manifestam formas de um colonialismo perverso (ARAÚJO, 2010, p. 232).
Diante do exposto, adotar o território como categoria de análise é trazer a geografia para o centro do debate sobre a educação do campo. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a educação do campo faz história, delimita os seus territórios, estamos também fazendo geografia.
A Constituição Federal de 1988 e a LDBEN de 1996 foram importantes marcos legais (teóricos e práticos) que instrumentalizaram a luta pela defesa de uma educação do campo no Brasil. Frutos também das mobilizações sociais dos povos do campo articulados, outras conquistas foram instituídas e embasaram a luta, conformando um território camponês no seio dos territórios da governança, do latifúndio e agronegócio.
Destacamos aqui as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, as Diretrizes Complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica; o Parecer CEB/CNE/MEC nº 1/2006 que dispõe sobre os dias letivos para a aplicação da Pedagogia da Alternância nos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFA); e o Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010, que dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA.
Dentre esses marcos normativos e como desdobramento do citado Decreto, em março de 2012, emergiu o Programa Nacional de Educação do Campo – PRONACAMPO. Este programa consiste em um conjunto articulado de ações (planos, programas e projetos) que darão apoio aos sistemas de educação para a implementação da política de educação do campo. O PRONACAMPO desdobra-se em quatro eixos: (I) Gestão e práticas pedagógicas; (II) Formação de professores; (III) Educação de jovens e adultos, educação profissional e tecnológica; (IV) Infraestrutura física e tecnológica.
As bases legais e os marcos normativos têm sido essenciais para solidificar o território teórico da educação do campo, ao mesmo tempo em que conformam a própria materialização do/no território. Em seu conjunto, as leis, orientações, os princípios e procedimentos buscam garantir a identidade e o direito à educação dos povos do campo. Mais do que isso: a educação do campo em construção significa criar processos contra-hegemônicos de resistência à dominação, exclusão e negligência históricas nas quais as populações camponesas foram submetidas, possibilitando que elas sejam protagonistas de seus próprios projetos de desenvolvimento, de educação e de emancipação. Na prática, a educação do campo enquanto um território ainda está distante de se materializar plenamente no município de Grajaú, no estado do Maranhão e no Brasil. A realidade inalterável nas escolas no campo brasileiro é a repetição de um modelo de educação precarizado.
O campo e a educação enquanto facetas da desterritorialização
Os estudos e as pesquisas listados neste texto revelam as facetas mais agudas dos problemas presentes no campo brasileiro. Ao mesmo tempo em que é destacada a pujança do setor agropecuário brasileiro – porque o “Agro é Tech, Agro é Pop, Agro é Tudo” –, todavia, esta propaganda é feita em detrimento dos seguimentos rurais pauperizados de determinadas regiões no país ou da população camponesa.
A educação no/do/para o campo brasileiro, portanto, padece dos mesmos problemas. Isto é, a educação para a população camponesa historicamente retrata o abandono, o descaso e a precariedade, desconsiderando o campo como território pleno de vida.
O movimento efetivo de luta, defesa e construção da educação do campo no Brasil tem vinte e cinco anos de existência. Este movimento é “efetivo” exatamente porque ele começa a ser construído sob as concepções, os princípios, as metodologias e práticas da Educação do Campo em 1996, abandonando um passado de exclusão e precariedade que se manteve (e ainda mantém) nas escolas e na educação oferecidas à população camponesa. Devemos reforçar que a precariedade persiste como o principal gargalo da educação pública no campo brasileiro, entretanto, essa realidade tem mudado desde a efetivação e as ações do movimento em defesa da educação do campo.
É importante frisar que a educação do campo, embora relativamente recente, possui raízes históricas e geográficas. As mudanças ocorridas na sociedade brasileira desde o final do século XIX implicaram, também, em transformações no cenário da educação e das escolas para o espaço rural. De fato, anterior a este período não havia registradas preocupações com a educação no campo, apesar de que mais da metade do contingente populacional do país vivia neste espaço. A escola, naquela época, ainda era uma recém-conquista da cidade (FREITAS; PINHO; ANTUNES-ROCHA, 2013).
Podemos dividir o movimento pela construção da educação do campo em dois momentos: o Ruralismo Pedagógico, que se iniciou no final do século XIX; e o movimento Por uma Educação do Campo, gestado desde as lutas dos movimentos sociais a partir das décadas de 1960 e 1970, mas que emergiu efetivamente na segunda metade dos anos 1990[1].
Desde quando a escola no campo foi exaltada no início do século XX, defendendo concepções de “amor à terra” em oposição à escola e ao modo de vida urbano, passando pelo esvaziamento do campo, o foco na educação profissional, até os dias atuais, a marca dessa educação e da escola camponesa foi a precariedade. Situação esta revelada por: baixas condições de infraestrutura física das escolas; transporte escolar inadequado e inseguro; estradas precárias e intrafegáveis; baixa qualidade da merenda escolar, quando existente ou com frequência intermitente; falta ou atraso para o recebimento do livro didático; ausência de materiais e recursos didáticos; predomínio de professores contratados e com débil qualificação, incluindo aí a ausência de formação em licenciatura e de estímulo à melhoria da remuneração; faltam laboratórios de ensino de ciências, artes, informática e biblioteca; ausência de espaços adequados para atividades de educação física, entre outras precariedades (NASCIMENTO, 2009; ARAÚJO, 2010; FREITAS; PINHO; ANTUNES-ROCHA, 2013).
Notícias sobre precarização das escolas e da educação no Maranhão[2] e em outros estados do Brasil podem ser facilmente encontradas na internet. Geralmente, quando tais notícias são escancaradas nas mídias, os casos mais agudos que envergonham o país concentram-se nos espaços rurais. Isso significa dizer que a pobreza e a desigualdade na qualidade da oferta das condições de educação no Brasil têm nome e endereço – a família camponesa e o espaço rural.
Assim como o território possui várias dimensões, a desterritorialização pode ser apreendida a partir de suas perspectivas multidimensionais. Em Haesbaert (2007) encontramos a desterritorialização em basicamente três perspectivas dimensionais: econômica, política e cultural.
Para o autor, numa perspectiva econômica, a desterritorialização poderia ser identificada a partir de pelo menos três aspectos: i) como sinônimo de globalização econômica, considerando aí a formação de um mercado mundial com fluxos comerciais, financeiros e de informações independentes das bases territoriais já bem definidas; ii) quando associada ao capitalismo de acumulação flexível, enfraquecendo as bases territoriais e reordenando a estruturação geral da economia – especificamente a lógica locacional das empresas e as relações de trabalho, com a consequente precarização dos vínculos entre trabalhador e empresa (exemplo disso está na reforma trabalhista promovida pelo governo brasileiro de Michel Temer [2016-2018], cujas alterações flexibilizaram rígidas regras trabalhistas previstas na legislação desde a década de 1940); iii) o terceiro sentido, de cunho mais restrito, a desterritorialização vincular-se-ia ao setor financeiro da economia globalizada, no qual a tecnologia informacional superaria tanto a imaterialidade quanto a instantaneidade nas transações, possibilitando a circulação do capital especulativo em “tempo real”.
Desde a sua própria tradição na Ciência Política e na Geografia, o conceito de território associa-se ao poder (do Estado). A desterritorialização numa perspectiva política não é diferente. Ela seria um processo centrado na perda de poder dos territórios estatais. O surgimento do Estado moderno como um grande agente territorializador também não vem separado do movimento de desterritorialização. O Estado é primeiramente quem imprime a divisão da terra e a organiza administrativa, fundiária e residencialmente. O Estado articula e ordena o território, mas também promove o seu desordenamento, quando combinado a forças de dominação político-econômica (HAESBAERT, 2007).
O Estado tradicional, centrado outrora na soberania territorial e, hoje, embebido pela globalização econômica, afundou-se em uma crise de regulação, o que o levaria a uma crescente crise de desterritorialização.
Haesbaert (2007, p. 215) afirma que: “prioritária ou não, antecedendo ou não a política, a dimensão cultural sempre esteve presente nos processos de formação territorial”. O território, nesse sentido, passou a ser valorizado em sua dimensão cultural e identitária, com destaque para a diferenciação e diversidade cultural (HAESBAERT, 2006). A desterritorialização, sobrevalorizada pela globalização, buscou propagar a falsa e crescente ideia da homogeneização cultural do planeta.
Nestas três perspectivas podemos perceber que o conceito de desterritorialização perpassa as discussões relacionadas ao campo e à educação do campo. A precarização territorial, que alguns preferem denominar “exclusão socioespacial”, é reveladora das contradições oriundas da desterritorialização camponesa imposta pelas forças do Estado e dos agentes empresariais/globalizados produtores do espaço agrário brasileiro.
Entendemos que a precarização da escola e educação ofertadas aos povos do campo pode ser entendida como uma faceta da desterritorialização produzida pela dominação político-econômica. A quem interessa a escola do campo? Devemos lembrar que filhos de fazendeiros, latifundiários, empresários da agropecuária e políticos não estudam em escolas do campo. Para que investir em escolas e educação do campo se elas não interessam aos dominadores? A escola do campo não é um instrumento de dominação, mas deve sê-lo de apropriação pelos povos do campo. A escola do campo, neste sentido, não pode tornar e manter-se como um espaço privilegiado onde os dominadores exercem o seu controle. Caso contrário, ela está fadada ao insucesso e continuará reproduzindo a exclusão. Escola e educação do campo são territórios camponeses!
Uma viagem a Balsas (Sul do Maranhão) no mês de setembro de 2017 instigou-nos a refletir sobre os territórios camponeses e do agronegócio e revelou uma faceta da desterritorialização camponesa pelo agronegócio. Quando percorríamos a rodovia Transamazônica (BR-230), entre os municípios de Riachão e Balsas, havia estudantes à espera do transporte escolar em todo o trecho do primeiro município, inclusive, nas proximidades da cidade. Já na área territorial de Balsas não existiam estudantes às margens daquela rodovia, pois a paisagem é praticamente toda dominada por propriedades do agronegócio sojeiro até a sede urbana.
A tese de que o agronegócio produz desigualdades e junto cria aglomerados de exclusão – seja no campo ou quando expulsa camponeses para a cidade em virtude principalmente das dificuldades de manterem as condições de vida no rural – corrobora-se facilmente com o relato mencionado anteriormente e com a análise das tabelas a seguir.

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010) colocam Balsas em quarta posição (87,1%) no ranking dos municípios com maior taxa de população residente em cidades ou áreas consideradas urbanas, dentre os mais populosos do Maranhão. Podemos inferir dessa análise que o agronegócio em Balsas foi o principal indutor da migração campo-cidade desde a década de 1980, enquanto cerca de 40% da população do município de Grajaú encontra-se com residência fixa no campo. Apesar disso, a extensão territorial de Grajaú, associada às condições favoráveis para a implantação do agronegócio e à flexibilização das leis ambientais, bem como o arrendamento e compra de terras, vêm expandindo os cultivos de commodities e o des-re-florestamento para plantio de eucalipto com a finalidade de produzir carvão ou fornecer matéria-prima para a Suzano Papel e Celulose, cujas instalações encontram-se em Imperatriz.
Tanto em Balsas, de forma mais acentuada, quanto em Grajaú, as forças produtivas apoiadas pelos incentivos do Estado conquistam cada vez mais espaço nos territórios da governança. O tão falado projeto MATOPIBA é o exemplo. O reflexo disso foi e é a expropriação camponesa, aumento da conflitualidade e violência no campo, nos estados do Pará e Maranhão[3], conforme evidenciado no Atlas da Questão Agrária, elaborado por Girardi (2008).
Apesar de o município de Balsas possuir o terceiro maior PIB (Produto Interno Bruto) do estado, em virtude sobretudo da produção agrícola de commodities, as mazelas produzidas pelo acirramento da pobreza no campo são frequentemente reveladas. A educação é apenas um dos setores afetados pelo agronegócio, que produz riquezas (para poucos) e desigualdades no campo. Neste sentido, há uma contradição quando as notícias econômicas previam aumento de 3,1% no PIB do estado do Maranhão em 2017, em detrimento do crescimento previsto para o Brasil de apenas 0,5%, considerando o período de crise econômica. Entretanto, o crescimento revelado está destacado na importância da agropecuária cuja alta do PIB é estimada em 22,5%, especialmente sob o domínio da produção agrícola, no qual o sítio eletrônico do estado avulta que este setor tem recebido “fortes incentivos do governo” (VILLAS BÔAS, 2017).
A Tabela 3 ratifica o que os dados populacionais evidenciam. A expropriação camponesa dos meios de produção vislumbra (ou pretende vislumbrar) um campo sem gente, para que o território do agronegócio e latifúndio se perpetue. Balsas, por exemplo, não tem oferta do ensino médio na rede pública de ensino do espaço rural. Se comparado ao município de Grajaú, que possui indicadores menores (extensão territorial, PIB global e per capita, população total, dinâmica comercial e de serviços), o município de Balsas apresenta números inferiores de escolas e estudantes matriculados no ensino fundamental do campo de nove anos.

A tabela acima mostra apenas os números de escolas públicas de ensino fundamental situadas no espaço rural de Balsas. Nos dados do Censo Escolar/INEP há uma escola privada ou conveniada no campo de Balsas, todavia, não consta nenhum estudante matriculado no ensino fundamental ou médio. Já em Grajaú, os números das escolas públicas de ensino fundamental e médio do campo estão aglutinados.
Qual outro indício pode ser analisado a partir dos dados da tabela? Observemos que, em Balsas, o número de escolas de ensino fundamental no campo reduziu progressivamente e, consequentemente, houve a redução do número de matrículas. Em Grajaú, a análise deve ser feita de maneira mais cautelosa, uma vez que há outras questões a serem consideradas. O número global de escolas de ensino fundamental e médio no campo, declarado no Censo Escolar/INEP, em 2010 e 2020, não diminuiu expressivamente. Entretanto, nesta localidade, predominam escolas municipais, as quais estão associadas diretamente à política e às eleições locais. Podemos perceber que, no último ano de cada mandato político – exceto em 2020, ano no qual se iniciou a pandemia da Covid-19 no Brasil e momento em que as aulas ficaram suspensas –, houve um aumento de escolas em funcionamento no campo. Em 2012, ano de eleições municipais, houve um acréscimo de 10 escolas (re) abertas no campo, bem como ampliação de novas matrículas. No ano subsequente houve o ápice de escolas (212) e matrículas reabertas (9.533) no campo grajauense, porém muitas escolas foram fechadas até 2015 (46 unidades escolares). Em 2016, novamente ano de novas eleições municipais, o número de escolas em funcionamento foi discretamente ampliado, mantendo-se, portanto, em processo de redução.
Ampliar o número de escolas sempre no ano de transição de mandatos políticos municipais, dessa forma, pode ser uma estratégia dos gestores para: 1) conquistar o seu público eleitoreiro com o objetivo de ampliar o apoio político para a reeleição ou favorecimento de outro candidato; 2) elevar o número de escolas em funcionamento para dificultar a transição política; ou 3) mascarar o desmonte da educação básica no campo, com os fechamentos progressivos de escolas. Do mesmo modo, a observância em relação à ampliação de unidades escolares no campo sempre no primeiro ano do mandato pode ser explicada pelos rearranjos políticos e para cumprir os compromissos de campanha. Assim, professores, zeladores e demais funcionários administrativos apoiam os candidatos concorrendo a uma oportunidade de trabalho e/ou para evitar a perseguição política, no caso de o candidato da oposição vencer o pleito.
No que se refere às matrículas no ensino médio, não observamos mudanças significativas. Todavia, devemos destacar que, quando consultamos o Censo Escolar da educação básica dos municípios em tela, no concernente ao espaço rural, há uma redução contínua no número de matrículas anualmente, principalmente, a partir do 7º ano. Este fato foi observado também durante as nossas atividades na pesquisa de campo em quatro escolas do município de Grajaú, quando identificamos defasagem idade-série entre os estudantes dos dois últimos anos do ensino fundamental. Isso coloca um desafio para a educação e a escola do campo: é preciso reduzir os números de estudantes que abandonam a escola antes de concluir o ensino fundamental, aumentando, portanto, a escolarização das pessoas do campo, a fim de possibilitar o acesso delas ao ensino médio, à educação profissional e superior. Temos a clareza de que tão somente ampliar a escolarização não gerará a garantia de qualidade da educação no/do campo, o que demandarão outros esforços, incentivos e investimentos em políticas públicas para tal finalidade. No entanto, acreditamos ser um importante caminho para novas oportunidades aos povos do campo.
Por fim, devemos frisar que o fechamento das escolas do campo em Grajaú e Balsas deve ser combatido à luz da Lei nº 12.960, de 27 de março de 2014, a qual, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, alterou o artigo 4º da LDB. O objetivo, portanto, da referida lei é dificultar o acentuado fechamento de escolas do campo principalmente no âmbito municipal, o qual estava sendo denunciado pelos camponeses e movimentos sociais do campo. Para fechar uma escola passou-se a requerer a consulta a algum órgão normativo do sistema de ensino, geralmente conselho municipal de educação, o qual deverá manifestar-se a favor antes do encerramento das atividades na unidade escolar. Além disso, será necessária a consulta à comunidade escolar e apresentação de justificativa formal pela secretaria de educação do estado.
Souza (2012) chama atenção para o fato de que não são apenas as unidades escolares que se fecham no campo, junto com elas, encerra-se um importante elemento para a recriação do campesinato – a educação no/do campo.
Do território educativo à aprendizagem territorial
Há uma clareza no que tange à educação do campo: ela foi construída e tem sido defendida pelos movimentos sociais e povos do campo. A consciência do movimento de luta pela educação do campo considera o campo como um território de vida, de luta e de construção da justiça social, fazendo-se alusão ao título do livro “O campo no século XXI: território de vida, de luta e de construção da justiça social”, organizado por Ariovaldo Umbelino de Oliveira e Marta Inez Medeiros Marques.
Nesse sentido, entendido como um território de vida, a educação no/do campo passa a ser vislumbrada como um direito e, mais do que isso, a partir dos referenciais e do modo de vida dos povos do campo. Como um território de luta, entende-se que a educação do campo não se faz sem o entendimento de que é preciso cunhar o direito à educação no seio do território da governança, bem como no enfrentamento à dominação do latifúndio e agronegócio. O campo enquanto um território de construção da justiça social parte-se da compreensão de que o direito à educação, historicamente negado aos camponeses e, há mais de um século, quando ofertado, foi oferecido de forma extremamente precarizada no campo brasileiro.
Isso não significa dizer que atualmente tem sido diferente. As escolas no/do campo continuam a reproduzir um modelo precário, com mínimas ou insuficientes condições de educação. Também devemos concordar que, nas últimas duas décadas, os movimentos sociais e o respaldo legal e normativo vêm contribuindo para mitigar o histórico de abandono das escolas camponesas.
Se explanamos neste trabalho a educação do campo como um território, tratamos, então, que ele o é um território educativo. Portanto, as experiências dos povos do campo acerca dos movimentos de luta e defesa da educação no espaço rural, associadas à concepção de que o direito à escola, ao ensino e à aprendizagem de qualidade deve fazer sentido para a realidade camponesa, podem ser interpretadas como um esforço de aprendizagem territorial.
Boix (2003) afirma que a escola do campo localiza-se em um espaço intimamente ligado ao território. Isso quer dizer que o campo se caracteriza como território exatamente porque tem identidade própria. Pautado na crítica urbanocêntrica de que a cidadania urbana se contradiz quando busca um bem-estar social e econômico que as cidades não alcançam, o autor defende o espaço rural e a escola do campo. Para Boix, a qualidade de vida do campo (contraposta às contradições e problemas que o urbano possui), enquanto um bem tão precioso no presente momento histórico, é o diferencial.
Assim sendo, a escola se converte em um espaço educativo vital, no qual o território rural torna-se um território acessível, legível e democrático capaz de criar situações de aprendizagem que capacitem os sujeitos para se integrarem a uma sociedade diversa e multicultural a partir do reconhecimento de sua própria identidade. Nessa proposta, a escola do campo se transformaria em uma instituição educativa com caráter equitativo. A escola deixaria de ser uma utopia para dar lugar a uma necessidade sentida e manifestada pelo próprio território; abandona o caráter paradoxo para dar lugar à formação de uma moderna cidadania, respeitosa, defensora dos direitos humanos, profundamente participativa e conscientizada de sua identidade cultural (BOIX, 2003).
A partir dos anos 1990 surge a ideia de que a aprendizagem é um processo social. No mesmo viés, o território como constructo histórico e social se sustenta de processos de aprendizagem (ROCHA, 2016). A redescoberta do território, ao mesmo tempo em que revela os poderes dos Estados-nações e das empresas e grupos, desperta também para entender as territorialidades dos grupos de “baixo”, subalternos. Todavia, as experiências desses grupos com o território são nutridas por aprendizagens, considerando várias dimensões e, inclusive, emergindo identidades coletivas. Tais grupos redescobrem o território a partir dos mecanismos de participação social, ação coletiva, autonomia e soberania territorial.
Um exemplo marcante na jornada de pesquisa de campo no município de Grajaú revelou-se quando fomos informados de que no Assentamento Vera Cruz e no Assentamento Boa Vista são os próprios membros da comunidade que escolhem os diretores das escolas. Isso, porém, apesar de parecer algo banal e corriqueiro, não o é. A redescoberta da autonomia social entre as comunidades camponesas é um importante instrumento de poder, soberania e participação social.
A aprendizagem territorial, pois, emerge da redescoberta da participação social e se converte numa pedagogia do território. Rocha (2016) afirma que “a participação social é condição básica e indispensável para o alcance do desenvolvimento”. Daí a emergência de espaços e grupos locais capazes de assumir a centralidade das demandas e ações sociais com o objetivo de intervir em suas realidades e nas diversas esferas da vida social, protagonizando experiências de desenvolvimento territorial.
A educação do campo frutifica-se dessa necessidade de redescobrir o território do campesinato na esfera pública e social, corroborada por um projeto estratégico de elaboração coletiva para o desenvolvimento da educação e dos territórios camponeses. A participação de movimentos sociais, povos do campo e outras coletividades contribuíram para forjar um território educativo no e a partir do campo, isto é, um projeto endógeno e construído por aqueles que reivindicam o seu lugar no território da governança. Logo, este território educativo tem se frutificado e produzido experiências de aprendizagem territorial.
Considerações finais
É inegável a importância do conceito de território para a ciência geográfica, bem como outras áreas científicas e para a própria governança. A educação do campo, tal como a conhecemos hoje, tem tido extrema relevância no sentido de defender o direito das populações subalternizadas do campo à educação. Mais que isso, uma educação no lugar e a partir do modo de vida dos sujeitos. Esse movimento que forja um território educativo a partir de suas experiências vem a contribuir para a aprendizagem territorial.
Sabemos que ainda há grandes barreiras e desafios para se implantar a educação do campo nos municípios brasileiros tal como os movimentos sociais e estudiosos defendem. Considerar a educação do campo como um território é restituir o significado da luta secularmente empreendida no campo, contra as forças contrárias ao desenvolvimento do território camponês, desde a grande propriedade escravista até o latifúndio e agronegócio contemporâneos.
A educação (do campo) no município de Grajaú, portanto, tem um desafio maior de superar a disputa territorial quando associada à política, que, frequentemente, além de superar as forças contrárias advindas do território do agronegócio, ainda precisa fazer frente a sua colocação como moeda de troca e balcão de empregos de aliados políticos. Entendemos aqui ser este um dos principais vieses que periodicamente dificultam a melhoria da qualidade da educação oferecida no campo grajauense, assim como a sua própria precarização, por exemplo, a carência de infraestrutura, de professores qualificados e de atenção básica aos problemas comunitários.
Evidenciamos também a necessidade de combater a evasão e o abandono escolares nos últimos anos do ensino fundamental, a fim de incrementar o número de estudantes que concluem o ensino médio no campo. Igualmente criar mecanismos que dificultam o fechamento das escolas do campo entre uma gestão municipal e outra, procurando, inclusive, acessar as políticas, programas e investimentos públicos federais, os quais tão distantes das municipalidades corroboram para o desmantelamento da educação básica, fruto da descentralização implementada pós LDB.
Notas
[1] Não é objetivo deste artigo tratar sobre a história da educação rural e do campo no Brasil, tema este já estudado por vários autores, os quais podem ser consultados: Nascimento (2009); Ferreira e Brandão (2011); Queiroz (2011); Freitas, Pinho e Antunes-Rocha (2013).
[2] <http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2014-01-17/maranhao-tem-a-pior-infraestrutura-de-ensino-do-pais.html>.
<http://imirante.com/oestadoma/noticias/2016/02/16/maranhao-tem-cerca-de-mil-escolas-feitas-de-taipa.shtml>.
<http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/fantastico-mostra-abandono-em-escolas-publicas-de-estados-com-menores-medias-no-pisa/3200956/>.
<http://imirante.com/mobile/oestadoma/noticias/2017/04/22/situacao-das-escolas-da-rede-municipal-de-sao-luis-e-critica.shtml>.
<https://www.blogsoestado.com/danielmatos/2016/03/15/deputado-wellington-condena-precariedade-das-escolas-publicas-do-maranhao/>.
<http://www.resumopb.com/noticia/menino-de-9-anos-reclama-de-precariedade-de-escola.html>.
[3] <https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/maranhao-lidera-ranking-de-conflitos-no-campo-no-brasil.ghtml>.
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Notas
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