Educação e Tecnologia

Uma pesquisa-ação no ensino-aprendizagem da língua inglesa para crianças com uso de tecnologias digitais

AN ACTION RESEARCH IN ENGLISH LANGUAGE TEACHING AND LEARNING FOR CHILDREN WITH USE OF DIGITAL TECHNOLOGIES

Maria Carolina Coelho Chimenti
Prefeitura Municipal de Campinas, Brasil
Heloísa Andreia de Matos Lins
Universidade Estadual de Campinas, Brasil

Uma pesquisa-ação no ensino-aprendizagem da língua inglesa para crianças com uso de tecnologias digitais

Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 9, núm. 2, pp. 128-147, 2016

Universidade Federal de Minas Gerais

Recepção: 26 Julho 2016

Aprovação: 02 Outubro 2016

Resumo: O presente artigo baseia-se numa pesquisa de campo que objetivou oferecer subsídios pedagógicos à utilização de tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem da língua inglesa, em duas turmas de 5º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública municipal em Campinas, São Paulo, Brasil. Com base na perspectiva da pedagogia da infância, que concebe a criança como protagonista e também (re)produtora de conhecimentos, foram realizadas atividades com vídeos do YouTube, jogos online, músicas, entre outros objetos de aprendizagem. Da mesma forma, observações, entrevistas e questionários foram feitos com as professoras e os alunos envolvidos na pesquisa. Com base nessa pesquisa-ação, foram analisados aspectos referentes às contribuições de alguns recursos digitais no ensino e na aprendizagem da língua inglesa no Ensino Fundamental (ciclo I) e obtiveram-se dados que permitiram conhecer: a importância da aprendizagem na infância de um idioma estrangeiro nos dias atuais, principalmente o inglês, e de que forma as tecnologias digitais podem tornar o aprendizado mais contextualizado, significativo, motivando as crianças para a aprendizagem do idioma, num cenário em que possam ser (cri)ativas.

Palavras-chave: língua inglesa, tecnologias na educação, ensino de línguas, aprendizagem, infância.

Abstract: The present article is based on a field research that aimed to provide educational subsidies for the use of digital technologies in teaching and learning process of English language, in two classes of the fifth grade from the elementary school, at the public school located in Campinas, São Paulo, Brazil. Based on the perspective of childhood pedagogy, which conceives the child as the protagonist and also (re)productive of knowledge, activities were carried with YouTube videos, online games, music, and many other learning objects. Likewise, observations, interviews and questionnaires were made with teachers and students involved in the research. Based on the action research, we analyzed aspects related to the contribution of some digital resources in teaching and learning of English at elementary school and we obtained many elements that allowed us to know the importance of learning a foreign language in the childhood nowadays, mainly English, and how new technologies can make learning more contextualized, meaningful, motivating children for language learning in a context in which they can be (cri)ative.

Keywords: English language, technology in education, language teaching, learning, childhood.

As instituições educacionais, entendidas de modo amplo, têm um papel vital para tornar o acesso das crianças mais igualitário, tanto às tecnologias de mídia como ao capital cultural necessário para usá-las da forma mais produtiva.(BUCKINGHAM, 2007, p. 293)

1 Refletir sobre as infâncias e os processos de ensino-aprendizagem da língua inglesa: onde as mídias e tecnologias podem contribuir?

Concebendo a infância como um “lugar social”, múltiplo, diverso e dinâmico em função do espaço-tempo circunscrito na história (infâncias, portanto, como destacado pelos estudos no campo da chamada pedagogia da infância – mais destacadamente pelas contribuições de estudiosos da sociologia da infância – no campo das mídias eletrônicas, como Brougère, 2014; Buckingham, 2007), refletimos no presente artigo sobre o ensino-aprendizagem de língua inglesa, segunda língua de acesso, de fato, para uma pequena parte ainda das crianças brasileiras: via de regra, as que mais possuem acesso aos chamados bens culturais e econômicos.

Levando-se em consideração as dificuldades para a escola básica pública garantir o acesso sequer ao domínio pleno da língua portuguesa – destacadamente na modalidade escrita, dada a sua complexidade –, uma língua estrangeira torna-se, praticamente, um “artigo de luxo” aos pequenos[1] brasileiros menos afortunados.

Nesse contexto, pensarmos sobre possibilidades de maior contato dessas crianças com uma segunda língua (e a pluralidade cultural aí envolvida) e considerarmos o acesso às mídias que essas crianças já possuem (como programas de TV, canais de internet, jogos, etc.), pode revelar algumas potencialidades para o fazer docente, de modo que o caráter ativo das crianças possa prevalecer, num terreno lúdico que se configura como o mais fértil para a imaginação e criação infantis. Nas palavras de Brougère (2014), durante a brincadeira, as crianças dão significado aos brinquedos, devendo interpretá-los, para compreender, (re)elaborar e (re)criar o mundo que as cerca.

Brougère (2014) ainda enfatiza a importância do acesso às mídias pelas culturas infantis, destacando a enorme influência das mesmas na cultura lúdica das crianças, por transformar muitos aspectos de suas vidas, por transformar as referências de que elas passaram a dispor. Será, portanto, com base nesses aspectos que discorreremos sobre a experiência da pesquisa (CHIMENTI, 2012), tratada a seguir, que também foi redimensionada, de algum modo, no presente trabalho (como, por exemplo, no lançamento de um olhar agora mais voltado aos estudos da infância na relação com a comunicação e os brinquedos industrializados, como poderíamos conceber os artefatos materiais produzidos para as crianças também na internet: jogos, sites etc.).

Segundo Paiva (2001), a internet, mais especificamente, possibilita um ambiente virtual de comunicação com o mundo, oferecendo situações de comunicação autênticas, em que o aluno tem a oportunidade de interagir com nativos e outros aprendizes da língua alvo[2], sendo um espaço favorável para a construção de conhecimento do idioma. Nesse contexto, concebemos, com Bakhtin (2003), que a linguagem deve ser um processo constante de interação mediado pelo diálogo.

Ao contrário da sala de aula convencional, que muitas vezes estimula a mera imitação de modelos linguísticos, sem valorizar a importância das práticas numa perspectiva sociointeracionista da linguagem (PEREIRA, 2007), a internet oferece situações de comunicação autênticas.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), quando sugerem orientações didáticas para o processo de ensino da língua estrangeira, dizem sobre o impacto das tecnologias nesse processo e citam dois aspectos importantes: o acesso à informação possibilitado pelo conhecimento da língua estrangeira e os softwares disponíveis para o ensino da língua estrangeira.

Apesar disso, os professores ainda se sentem inseguros quanto ao uso da tecnologia (LINS, 2013). Alvarenga (2011) aponta, por exemplo, que 85% de uma amostra de 253 professores de ensino médio de escolas públicas estaduais de Campinas ainda não se percebem altamente confiantes para utilizar tecnologias no ensino, em situações que envolvem esse uso com os alunos.

Assim, em nossa pesquisa (CHIMENTI, 2012), pretendíamos observar e analisar meios em que as tecnologias digitais pudessem colaborar no ensino e no aprendizado da língua inglesa para crianças, de forma contextualizada e significativa, assim como promover uma experiência semelhante a de um “intercâmbio cultural”, pois as redes sociais, os blogs, aplicativos, jogos online e vários sites (que se configuram como objetos de aprendizagem), por exemplo, permitem uma interação dos alunos, do professor, com a cultura inglesa e com os falantes nativos do inglês.

De acordo com Audino e Nascimento (2010), os objetos de aprendizagem são recursos capazes de reestruturar as práticas pedagógicas, pois criam novas maneiras de refletir sobre o uso da comunicação, da informação e da interação. Além disso, podem ser encontrados facilmente na internet, através também de repositórios digitais[3], propiciando a diminuição dos custos em produção de materiais educacionais. Segundo Sosteric e Hesemeir (2002, apud Audino e Nascimento, 2010), os objetos de aprendizagem são conteúdos digitais que podem ser utilizados com fins educacionais e que incluem sugestões sobre o contexto apropriado no qual devem ser utilizados. Uma grande vantagem sobre os objetos de aprendizagem é que eles podem ser “objetos pré-prontos”.

O advento da Web 2.0 e 3.0 (Segunda e Terceira Gerações da Web)[4] também é um facilitador nessa área, pois permite aos aprendizes adquirirem, transmitirem e criarem conhecimentos, através de blogs, wikis, podcasts e softwares, que são recursos da internet que possibilitam interação, criação e edição de atividades por parte dos estudantes e professores, muitas vezes com mobilidade (em celulares, tablets, entre outros). Nas palavras de Marcondes Filho (2013, p. 48-49),

A web 1.0 conectava informações. Suas máquinas de busca, seus portais de conteúdo, seus sites e suas databases operavam de forma sintática. A web 2.0 conecta pessoas. Trata-se de uma web social que faz expandirem-se os blogs, os e-mails, as conferências, as redes, os portais comunitários, os jogos multifuncionais. É a revolução do Facebook, do Twitter, do YouTube, mas também do Flickr, do BitTorrent. O que ocorre com a web 3.0 é mais radical. As máquinas agora querem falar umas com as outras, elas buscarão compreender o que os humanos desejam […] Da web da informação está se passando à web do conhecimento.

Portanto, as tecnologias, apoiadas pela internet, que também arregimentam os objetos de aprendizagem[5] podem ser usadas como “ferramentas de ensino” para as aulas de inglês, trazendo para os alunos a oportunidade de terem uma participação mais ativa no processo de aquisição do conhecimento, como afirmam pesquisadores da área, como Paiva (2001),Audino e Nascimento (2010), Rocha (2007),Freire et. al. (2011), entre outros.

Também nesse sentido, pautada nos estudos vygotskianos, Ferreira (2008) percebeu que qualquer tarefa que permita o foco no significado é um procedimento válido nas aulas de inglês, seja ele em forma de tarefa, jogo ou outra prática comunicativa, pois o fundamental é que a prática seja contextualizada, ou seja, esteja dentro de uma situação significativa para o aluno. Constatou que os jogos e as canções nas aulas de inglês são atividades em que os alunos estão muito engajados e que muitos problemas ocorridos com as crianças observadas se deram porque, muitas vezes, elas foram ensinadas como os adultos. Cameron (2003, p. 107) também diz que a criança “busca o sentido em como a língua é usada na ação, na interação e com uma intenção”, e não como um sistema interno, constituído de formas linguísticas abstratas. Nesse sentido, a gramática e o vocabulário, aspectos formais da língua, devem estar subordinados à produção dos sentidos nas práticas de linguagem.

Mckay (2006, apud SCARAMUCCI, COSTA, ROCHA, 2008) afirma que as condições ideais para a aprendizagem de LE (Língua Estrangeira) para crianças devem incluir: a) foco no sentido; b) promoção de materiais e interações interessantes; c) boas oportunidades de foco na forma e d) um ambiente amigável, colaborativo, seguro e que proporcione suporte para a aprendizagem. Mckay também destaca as diferenças a serem levadas em conta, ao comparar a criança e o adulto frente à aprendizagem de LE: a) crescimento, pois na infância a noção de tempo e o entendimento da relação causa-efeito são mais precários e ainda é difícil para as crianças a utilização da metalinguagem; b) vulnerabilidade, porque os jovens aprendizes são mais sensíveis a críticas que os adultos; e, por fim, c) letramento, pois a criança ainda se encontra desenvolvendo habilidades relacionadas a práticas letradas da língua materna, ao mesmo tempo em que aprende a nova língua (no caso o inglês).

Assim, faz-se necessária uma reflexão sobre as políticas educacionais existentes e os referenciais oficiais para o ensino de LE nas escolas regulares do Brasil (SCARAMUCCI, COSTA, ROCHA, 2008), principalmente durante o ciclo I do Ensino Fundamental[6]. É, da mesma forma, indispensável conhecer os contextos desse ensino, para então elaborar diretrizes adequadas para conduzir a aprendizagem da melhor forma, investigando as necessidades específicas dos jovens aprendizes de línguas, suas características e nível de proficiência. Enfim, é primordial não nos esquecermos do objetivo central do ensino de línguas na infância, que é o de contribuir para a formação de cidadãos críticos e que podem atuar de maneira efetiva na sociedade por meio da língua alvo, sem ignorar a natureza de aprendizagem da criança. É também importante perceber que o ensino de inglês desde as primeiras séries do ensino fundamental é cada vez mais necessário, porque vivemos em um mundo com diferenças culturais e linguísticas e que, portanto, demanda o conhecimento de línguas.

Cumpre ressaltar também que esse processo seja conduzido por professores bem formados e que o ensino tenha objetivos solidamente constituídos e de acordo com os contextos no qual ele está inserido. A importância de se ensinar a língua inglesa deve-se ao fato de que, hoje em dia, o inglês é uma língua com papel hegemônico nas trocas internacionais; basta reparar a posição que ela ocupa nos campos dos negócios e da cultura popular. Apesar de ser uma língua que configura poder de classes, a aprendizagem desse idioma, quando há consciência crítica de seu papel hegemônico, pode ser utilizada como forma de agir no mundo e transformá-lo (BRASIL, 1998, p. 87).

Em nossa perspectiva, o ensino de línguas estrangeiras poderia ser iniciado já nos primeiros anos do ensino fundamental, porque, como afirma Cameron (2001, apud ROCHA, 2007), as crianças possuem grande potencial de aprendizagem, interessam-se por tópicos difíceis e abstratos, desde que não se sintam pressionadas e estejam motivadas. Como argumentamos de início, concebemos que no contexto da cultura lúdica, as crianças podem aprender de forma mais espontânea e criar elementos não só cognitivos para lidar com uma nova língua, ou seja, criar uma relação de afetiva mais positiva com o objeto de conhecimento em questão, o que certamente facilitará esse processo de apropriação.

De acordo com Leite (2006), o aprendizado se dá por meio do contato entre o sujeito (aluno) e o objeto do conhecimento (conteúdo). Essa relação é de natureza afetiva e depende diretamente da qualidade da história da mediação vivenciada pelo sujeito em relação ao objeto. A afetividade no âmbito escolar, explica o autor, tanto pode ser positiva quanto negativa. A mediação, no caso, pode ser exercida tanto pelos pais quanto pelos professores. A importância de se entender o conceito de afetividade é fundamental, pois quando os professores e alunos contribuem para uma relação afetiva positiva, isso implica em uma experiência de aprendizagem favorável.

Além desses aspectos, desde cedo, crianças em diferentes condições socioeconômicas podem ingressar em culturas que poderão ampliar seus conhecimentos de mundo, autonomia e experiências de vida.

2 Desenvolvimento da pesquisa

2.1 Cenário de pesquisa e opções metodológicas

A referida pesquisa (CHIMENTI, 2012) foi realizada numa escola municipal de Ensino Fundamental da região sudoeste de Campinas/SP, em duas salas de quinto ano. Todas as atividades na escola (Escola Municipal de Ensino Fundamental – EMEF) foram realizadas na sala de informática e autorizadas pela equipe gestora da escola, assim como pelas docentes participantes do estudo que também notificaram os responsáveis pelas crianças envolvidas. Os dados da pesquisa foram explorados com base em perspectivas qualitativas de análise, interpretação e de intervenção (LÜDKE e ANDRÉ, 1986).

Especificamente nesse âmbito, o estudo configurou-se como uma pesquisa-ação, caracterizada como:

[…] um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 1995, p. 14).

Isso significa que, com esse trabalho, pretendeu-se desempenhar um papel ativo na realidade dos fatos observados e contribuir para que o ensino de inglês nessa escola fosse incentivado e facilitado, através do uso das tecnologias, dando um caráter ativo à participação das crianças. Assim, os alunos e as professoras, também participantes, estiveram envolvidos de modo cooperativo na pesquisa. Ambos ajudaram e influenciaram nas decisões.

Thiollent (1995) diz que a pesquisa-ação possui dois objetivos: a) o objetivo prático, que é de contribuir para o melhor equacionamento possível do problema, que nem sempre é alcançado em curto prazo (nesse caso seria proporcionar o contato das crianças com a língua inglesa já nas séries iniciais do ensino, com apoio da tecnologia) e b) o objetivo de conhecimento, que seria obter informações que seriam difíceis de acessar através de outros procedimentos e aumentar o conhecimento de determinadas situações, como, por exemplo, sobre o contato das crianças dessa escola e dessa faixa etária com a língua inglesa e sobre a formação das professoras dessa escola frente ao uso das tecnologias, entre outros.

A pesquisa-ação tem também o objetivo de potencializar o grupo (alunos, professores e a comunidade escolar envolvida na pesquisa) a lidar com imprevistos (como, por exemplo, as dificuldades que foram encontradas para o acesso à internet na escola, devido às falhas da conexão Wi-Fi, por exemplo) e realizar adaptações, além de procurar deixar algum tipo de mobilização nessa comunidade.

2.2 Processo de escolha e caracterização dos sujeitos da pesquisa

A escolha da escola ocorreu por ser uma instituição reconhecida no programa UCA (Um Computador por Aluno)[7], além de uma sala de informática bem equipada e uma infraestrutura que permite aulas em que se utilizem as novas tecnologias. O UCA é um programa do governo federal brasileiro que tem por objetivo ser um projeto educacional que utiliza tecnologia, bem como destaca a inclusão digital.

De acordo com o site da marca de computadores CCE – Info[8], em 2010 foram distribuídos 150.000 laptops educacionais a aproximadamente 300 escolas públicas pré-selecionadas nos estados e municípios no país. Cada escola recebeu os laptops para alunos e professores, infraestrutura para acesso à internet e capacitação de gestores e professores no uso da tecnologia. Poucas escolas fazem parte desse programa e a escolha das instituições, que podem ser estaduais ou municipais, é muito criteriosa e é feita a partir da análise do número de professores e alunos da escola, da infraestrutura, da localização (preferencialmente aquelas próximas aos Núcleos de Tecnologias Educacionais – NTE), da assinatura do termo de adesão e da anuência do corpo docente, como descrito no site do programa.

Um fator adicional para nossa escolha da escola pesquisada foi o fato de já haver ali a criação e utilização de dois blogs: o da própria escola e de um outro criado por uma das professoras do quinto ano da escola, participante da pesquisa.

Desse modo, uma das salas de quinto ano em que foi realizado o estudo já utilizava o blog criado pela professora, disponível em que, conforme relato da docente, logo de início, mostrou-se uma ferramenta que incentiva, motiva, ensina e integra essas crianças. Além disso, a publicação do conteúdo (posts) era de autoria dos próprios alunos.

Através do blog, as crianças produziam conhecimento, pesquisavam, publicavam e comentavam o que desejassem, como relatou a professora e também como observado durante as visitas de uma das pesquisadoras à escola, assim como através de relatos das próprias crianças. O gerenciamento era feito por “monitores”, ou seja, alunos que eram escolhidos pela professora para organizar e administrar essa ferramenta. O objetivo do blog era divulgar o trabalho dos estudantes e, segundo a professora, o fato de deles saberem que, o que escreviam, seria lido por outras pessoas, fazia com que se empenhassem mais nas atividades e também que a escrita fizesse mais sentido para os mesmos.

De acordo com uma matéria publicada no site da Prefeitura Municipal de Campinas[9] sobre a utilização do blog nessa escola, a professora G., criadora do domínio, afirmou à época que a ferramenta se tornou um “diário de trabalho” pelo qual, entre outros atributos, os pais poderiam acompanhar todo o trabalho das crianças. O blog também registrava os passos do projeto UCA e a experiência para os alunos de levar o laptop para casa.

Assim, as crianças do quinto ano possuíam entre 9 e 11 anos de idade. As duas professoras de cada sala já tinham contato com a tecnologia, utilizavam blogs (como mencionado) e havia o computador na sala de aula, em função do referido projeto. Além disso, conforme dados coletados via questionários, ambas as docentes possuíam nível superior e pós-graduação também nesse campo.

2.3 Procedimentos de coleta, registro e análise dos dados

0.0.1 Observações

O que focava o olhar sobre esta pesquisa e impulsionava as anotações do caderno de campo era a observação do efeito das atividades realizadas sobre as crianças e as professoras, suas reações frente cada proposta (por exemplo, se demonstravam interesse, aprovação ou reprovação, se estavam concentradas e tomadas pelo assunto discutido e participando com perguntas relacionadas ao tema) e também os comentários que surgiam espontaneamente, tanto das professoras como das crianças. Todas as ocorrências foram registradas em um caderno de campo após as atividades, para que posteriormente pudesse ser feita a análise desses dados.

0.0.2 Narrativas e expressões criativas

Além das conversas espontâneas com os participantes, os discursos nessa pesquisa foram coletados por meio de um questionário feito com as duas professoras, através de e-mail; também um questionário foi entregue aos alunos, realizado na última visita à escola, assim como rodas de conversa mais específicas com as professoras e alunos.

Numa das últimas visitas à escola, as crianças receberam uma folha com oito perguntas que objetivavam captar as impressões delas quanto às atividades realizadas, suas percepções sobre a importância de se aprender inglês; quais atividades mais gostaram; sobre o uso da sala de informática; se acreditavam que a tecnologia contribuiu mais para sua aprendizagem, além de críticas e sugestões quanto às atividades propostas. O blog já utilizado pela turma foi um espaço de observação dessas narrativas e expressões das crianças, assim como as criações que surgiram em torno do tema, materializadas pelos pequenos através de desenhos e/ou escrita, como nos exemplos a seguir, das Figuras 1 e 2:

escritos e desenhos das crianças participantes da pesquisa.
Figuras 1
escritos e desenhos das crianças participantes da pesquisa.
Chimenti (2012).

escritos e desenhos das crianças participantes da pesquisa.
Figuras 2
escritos e desenhos das crianças participantes da pesquisa.
Chimenti (2012).

Consideramos importante destacar, com relação aos questionários, que nosso objetivo foi a construção de um espaço adicional de exposição das principais concepções dos participantes e não um instrumento fechado de perguntas e respostas, sujeito a validação e outros procedimentos mais canônicos sobre o fazer científico, em conformidade com alguns dos pressupostos assumidos também por Silveira (2002), quando diz que não se busca (nesse modo de conceber a pesquisa), a “verdade” ou infidelidade dos relatos, mas as formas que podem dar sentido à vida (ARFUCH, 2001, apud SILVEIRA, 2002, p. 136).

Com relação às rodas de conversa, Nascimento e Silva (2009) afirmam que essa prática consiste em um método de participação coletiva de debates acerca de uma temática, através da criação de espaços de diálogo, nos quais os sujeitos podem se expressar e, sobretudo, escutar os outros e a si mesmos. Tem como principal objetivo motivar a construção da autonomia dos sujeitos por meio da problematização, da socialização de saberes e da reflexão voltada para a ação. Envolve, portanto, um conjunto de trocas de experiências, conversas, discussão e divulgação de conhecimentos entre os envolvidos nesta metodologia.

No questionário formulado para as professoras, o principal intuito era saber a percepção delas – considerando as atividades realizadas no laboratório de informática – quanto às atividades propostas, o envolvimento dos alunos, a presença das novas tecnologias no ensino e na aprendizagem de inglês, as maiores dificuldades por elas observadas durante a realização das propostas, suas opiniões sobre a importância das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na formação dos professores, a avaliação das mesmas quanto ao uso que fazem dessas tecnologias na sala de aula e impressões negativas ou positivas nesse processo, de modo geral.

0.0.3 Procedimentos para a análise dos dados

O procedimento para a organização e análise dos dados coletados nessa pesquisa foi a construção de categorias (núcleos), na acepção de Aguiar e Ozella (2006). Os meios para a construção desses núcleos incluíram: leitura e releitura dos materiais produzidos pelos alunos e dos questionários, para posteriormente haver a realização de procedimentos de análise desse material qualitativo, visando apreender os sentidos que constituíam o conteúdo do discurso dos participantes, através dos núcleos de significação, que se configuram num instrumento para a apreensão da constituição dos sentidos (AGUIAR e OZELLA, 2006).

Através, portanto, das narrativas e expressões infantis, das docentes, das observações em campo, assim como das narrativas disponíveis na rede (blog), uma análise contrastiva foi feita a respeito de quais sentidos poderiam se sobressair nesses corpora, a partir do relatado e observado, configurando-se em categorias de análise apresentadas mais detalhadamente a seguir.

3 Um relato do estudo com as crianças: sobre a aproximação com a língua inglesa através de mídias digitais

Dado que o objetivo central da pesquisa foi oferecer subsídios pedagógicos à utilização de alguns recursos digitais (sites, jogos, blogs, softwares, por exemplo) no processo de ensino-aprendizagem da língua inglesa por crianças, pretendeu-se também mapear dados que permitissem conhecer aspectos referentes à importância da aprendizagem da língua inglesa na sociedade atual, principalmente na infância, aos processos de ensino aí envolvidos, bem como às tecnologias digitais, como possíveis ferramentas pedagógicas nesse âmbito.

Assim, no primeiro dia de pesquisa na escola, as professoras – das duas salas de quinto ano que participaram do estudo – mostraram-se interessadas e abertas para o desenvolvimento do trabalho. O contato ocorreu primeiramente com a turma da professora G., que logo apresentou os alunos, mostrou o blog e contou para as crianças que elas teriam aulas de inglês na sala de informática. Ouvindo isso, todos os alunos mostraram grande empolgação e começaram a contar suas experiências com a língua inglesa, antes mesmo que fosse perguntado pela pesquisadora. Nesse dia, houve uma conversa com as crianças de maneira informal. Enfatizou-se a importância desse idioma no mundo globalizado em que vivemos e foram citadas as olimpíadas, que estavam acontecendo em Londres.

A turma se mostrou bastante entusiasmada, participativa e uma das alunas contou que seu pai morou na Inglaterra por vários anos e que ele a ensinava inglês em casa. A menina tinha um conhecimento vasto não apenas da língua inglesa, mas também da cultura britânica, das diferenças no sotaque com relação aos EUA, entre outros aspectos. Enquanto se discutia sobre os países em que se fala inglês e citou-se o Canadá, uma das meninas disse que o Canadá não tinha como língua oficial apenas o inglês, mas também o francês e era um país bilíngue. Em meio a esse bate-papo, as crianças ficaram bastante à vontade e começaram a falar sobre videogames em inglês, seriados, programas de TV, filmes e cantores de que gostavam. Discutiu-se também sobre os diferentes sotaques da língua. Outra garota contou que sua cantora favorita era a Katy Perry e que adoraria entender as letras de suas músicas.

Na outra sala de quinto ano, com a professora V., as crianças perguntavam à pesquisadora incessantemente o significado de palavras em inglês que viam no dia a dia, principalmente nos videogames, nas estampas das roupas que vestiam, nas propagandas, entre outros espaços. Um dos garotos perguntou o que significava “Blade”, outro perguntou o significado de “Resident Evil” e outro garoto falou que sabia jogar baseball. A professora comentou que lamentava o fato de as crianças dessa idade ainda não terem aulas de inglês na escola, pois estavam empolgadíssimas para aprender e muito curiosas para descobrir o significado das palavras desse idioma.

Essa breve conversa com as crianças confirmou a enorme influência da língua inglesa na cultura brasileira (ROCHA, BASSO, 2008) e com grande influência nas relações econômicas mundiais, bem como na cultura popular de muitos países (BRASIL, 1998, p. 87).

Após essa conversa inicial, em ambas as salas, foi pedido para que cada criança dividisse uma folha em branco ao meio e que, de um lado, escrevessem sobre o que a língua inglesa significava para elas. Do outro lado, os estudantes podiam desenhar algo que representasse essa língua estrangeira.

Analisando as expressões de cada criança e criando núcleos de significação (AGUIAR e OZELLA, 2006), percebeu-se que algumas palavras/frases eram mais frequentes nos trabalhos das crianças, como: “vontade de conhecer outros países”, “chave para o futuro”, “videogames”. Dentre os 55 trabalhos, apenas dois alunos relataram “medo” ou “falta de vontade” em aprender língua inglesa, caracterizando-a como “estranha”, “parecida com japonês”. Outras cinco alunas incorporaram aos desenhos as palavras/frases em inglês, como: “Hello”, “Bye”, “My name is...”, “How are you?”. Além disso, as crianças citaram vontade de conhecer seus ídolos e necessidade de entender as frases dos videogames e das músicas que apreciavam. A maioria dos alunos representou a língua inglesa com bandeiras dos países que têm esse idioma como língua oficial ou com o símbolo das olimpíadas; outros desenharam algum cantor/cantora favorito e muitos desenharam a bandeira do Canadá, pois uma aluna tinha um estojo com o símbolo dessa bandeira e mostrou para os colegas. Cinco alunos não quiseram desenhar.

Pudemos também observar as frases criadas pelas crianças – identificadas a seguir como A e numeradas conforme ocorrência da narrativa – e transcritas na íntegra:

Inglês é estranho, porque paresse (sic) que está falando JAPONEIS. (A1)

O inglês para mim é uma porta para um novo mundo. (A2)

Eu gostaria muito de aprender inglês, pois é uma língua universal que se usa em outros países ou até mesmo no Brasil, na internet, em alguns jogos também. O inglês estará presente na vida de todas as pessoas. (A3)

Eu quero aprender e desfrutar varias coisas do inglês eu vou falar uma frase em inglês que é assim: “My name is [...], Her name is Carol, His name is Gustavo What’s your name? Então é só isso. O Inglês é a chave do meu futuro. (A4)

[...] Aprender novas línguas e culturas é muito bom, ainda mais o inglês que é uma língua universal. Quero ir a outros países, conhecer o mundo!” (A4)

A partir desses dados foram criadas quatro categorias de análise, apontadas a seguir:

Essa dinâmica permitiu conhecer um pouco do contexto social das crianças, suas vivências com a língua inglesa fora da sala de aula e, a partir dessas produções, definiu-se como seriam realizadas as próximas atividades. Desse modo, é importante destacar, como afirma Figueira (2008, p. 55), a importância da contextualização do ensino, como já apontado. Segundo a autora, “o fator mais importante nas aulas de inglês é que qualquer tarefa seja contextualizada, ou seja, esteja dentro de uma situação significativa para o aluno”.

Num próximo encontro com a turma, pediu-se para que os alunos comentassem no blog da classe o que acharam de uma das atividades realizadas. Observando os comentários, concebeu-se que, em geral, os alunos gostaram muito das atividades trabalhadas e mostraram-se satisfeitos, pois colocam vários elogios nos comentários do blog. Uma das alunas até utilizou a palavra “nice”, que aparecia em um dos vídeos, para dizer o que achou da atividade. A todo o momento, as crianças perguntavam se haveria outra aula de inglês na semana seguinte.

A respeito do uso do blog na sala de aula, Marinho (2007, p. 3 apud LINS, 2011) diz que os blogs são espaços colaborativos de produção e não de conteúdos estáticos, e, portanto, podem ser muito utilizados na escola. Nesse sentido, Lins (2011) defende que os edublogs permitem a publicação de ideias em tempo real e permitem a interação com qualquer pessoa do mundo que esteja conectada, além disso:

Sua principal característica são os textos que podem ser lidos e comentados, abrangendo muitos assuntos: diários, notícias, poesias, músicas, fotografias, enfim, tudo que a imaginação do autor desejar, desde que dentro de um contexto educacional ou pedagógico (LINS, 2011, p. 37).

O assunto comentado era o vídeo do YouTube que as crianças assistiram, chamado “Pé na Rua: O Inglês nosso de cada dia”, que foi postado no blog, um programa exibido pela TV Cultura em 25 de maios de 2009, disponível em . Nesse programa, dois jovens entrevistam pessoas na avenida Paulista, em São Paulo, de uma forma descontraída e divertida, fazendo com que elas percebam que já sabem muito mais inglês do que imaginam, pois esse idioma já está presente no dia a dia dos brasileiros.

Durante a apresentação do vídeo, muitas palavras em inglês surgem na tela e um jogo sobre substantivos, verbos e adjetivos em inglês foi colocado no blog (Disponível em: ) pela professora. Nesse jogo, a criança deve escolher dentre adjetivos, substantivos e verbos para compor um personagem que realiza uma ação. Conforme ela escolhe essas classes gramaticais, o personagem age de acordo com as mesmas. Por exemplo, se a criança escolhe como substantivo “boy”, adjetivo “angry” e verbo “running”, aparece na tela um garoto, com uma expressão brava, correndo. Portanto, a criança associa as palavras que escolheu à imagem que visualiza instantaneamente. Através dos comentários no blog, os alunos publicaram, com suas próprias palavras, seus pensamentos e opiniões bastante positivos sobre o assunto.

Em outra semana, foi feita uma atividade com um objeto de aprendizagem (OA) baixado do BIOE (Banco Internacional de Objetos Educacionais) e disponível em . As crianças mostraram gostar bastante da atividade, pois esse OA tinha vários recursos diferentes, como histórias em inglês (Três Porquinhos e Cachinhos Dourados), com legenda em português, diversos jogos, atividades de gramática, vocabulário em inglês e também um tutorial com músicas.

As crianças interagiram bastante com a atividade e eram elas que escolhiam as atividades que iriam ser desenvolvidas. No momento dos games, por exemplo, as crianças escolhiam quais jogos desejavam jogar. No jogo sobre animais, cada aluno tinha que arrastar o animal escolhido para uma fazenda, se fossem “domestic animals” (animais domésticos) ou animais selvagens, se fossem “wild animals”. Ao clicar num animal, o ícone de uma abelha (Lady Bee) reproduzia o nome desses animais em inglês. Um dos alunos arrastou o elefante para a fazenda e, logo que clicou, a Lady Bee disse “Elephant”. Uma das alunas, no mesmo momento, o corrigiu e disse que o elefante era um “wild animal” e, portanto, deveria ficar na floresta. Como a atividade foi feita com reprodução pelo datashow, sempre que um aluno errava, imediatamente as outras crianças percebiam e o corrigiam, sem que houvesse algum tipo de constrangimento. Ao contrário, essa era uma brincadeira prazerosa ao grupo, como analisamos.

Percebemos, concretamente, como os jogos permitem a interação com os colegas, de modo que os mais experientes podem auxiliar os menos experientes e também como uma forma de a brincadeira ser o elemento disparador da atenção e envolvimento das crianças. Como nos lembra Brougère (2014, p, 54), nesse aspecto:

[...] atualmente, nossa cultura lúdica está muito orientada para a manipulação de objetos; sem dúvida, isso é uma dimensão essencial. Como consequência, ela evolui, em parte, sob o impulso de novos brinquedos. Novas manipulações (inclusive jogos eletrônicos e vídeo-game), novas estruturas de brincadeira […].

Com relação ao conteúdo acessado e debatido pelas crianças, como destaca Figueira (2008, p. 54): “São frequentes as atitudes espontâneas dos alunos de corrigir a pronúncia ou mesmo de ensinar aos colegas o significado das palavras”. Esse tipo de ação nos remete ao conceito de zona de desenvolvimento proximal, definido na perspectiva vygotskiana como aquilo que a criança realiza em colaboração com outros elementos de seu grupo social (nesse caso, as outras crianças, as professoras e a pesquisadora de campo).

As atividades propostas por esse objeto de aprendizagem oportunizaram práticas sociais de linguagem que estão próximas ao cotidiano das crianças, porque os jogos, as cantigas e as histórias são atividades socialmente organizadas e vivenciadas na infância e, assim, potentes propulsores da aprendizagem e do desenvolvimento do aprendiz. O ensino através de gêneros discursivos oferece condições para o uso circunstanciado da linguagem e para o desenvolvimento da interculturalidade no ensino de língua estrangeira para crianças, pois as mesmas se envolvem no mundo da imaginação criado pelos gêneros representativos de ações sociais de seu cotidiano e assim adquirem conhecimentos da língua estrangeira (ROCHA, BASSO, 2008).

Silva (1997, apud ROCHA, BASSO, 2008) diz que ao se trabalhar com atividades socialmente significativas na infância, a criança tem a oportunidade de engajar-se em práticas socioeducativas em língua estrangeira de forma mais natural, com mais entusiasmo, motivação, sem necessariamente ter consciência de que está se desenvolvendo linguística, (meta)cognitiva e culturalmente.

Nesse ínterim, na semana posterior, as crianças receberam um questionário, na sala de aula, para exporem suas opiniões a respeito das atividades realizadas, com as questões que versavam sobre as atividades propostas pela pesquisadora: pedidos de sugestões de alteração, aproveitamento, motivação, por exemplo.

Quanto ao questionário enviado para as duas professoras, G. e V., por e-mail, o roteiro foi estruturado em torno da rotina estabelecida pelas mesmas e as aulas de inglês propostas pela pesquisadora (envolvimento dos alunos, presença das TIC em sala de aula, formas de avaliação, dificuldades, impressões das docentes sobre o processo, entre outros aspectos).

Analisando as respostas das duas docentes, foi possível conceber que ambas ficaram satisfeitas com as atividades realizadas em grupo, perceberam grande participação e entusiasmo de seus alunos e não descreveram ter observado dificuldades durante as atividades. Além disso, ambas defendem o uso das tecnologias na sala de aula e afirmaram que as tecnologias tornam as aulas mais dinâmicas, prazerosas, motivadoras e divertidas. É importante lembrar, como apontado, que já utilizavam as tecnologias digitais na escola, em outras disciplinas.

Ambas afirmaram que durante seus cursos de graduação não tiveram formação específica para o uso das tecnologias digitais, porém quando iniciaram a carreira docente, procuraram por conta própria aprimorar-se e estudar através de cursos de formação, pós-graduação e, dessa forma, aprenderam a utilizar as novas tecnologias.

As professoras defenderam também que essas tecnologias são muito importantes na formação dos professores e deveriam ser iniciadas já nos cursos de licenciatura. A professora V. ainda destacou que tais tecnologias devem incentivar a pesquisa e a investigação e não a cópia. A professora G. também apontou, durante uma conversa informal, que já havia oferecido um curso de formação para as professoras daquela escola no horário extra das aulas, para que seus pares aprendessem a utilizar o programa Linux[11], que foi instalado nos computadores da sala de informática. A professora aprendeu por conta própria e por curiosidade a manusear o sistema e, reconhecendo a importância de se utilizar aqueles computadores na escola, a docente acreditou que seria fundamental que todas as professoras soubessem utilizá-los.

Embora nessa escola as duas docentes das classes em que a pesquisa foi realizada fossem comprometidas e a favor do uso das novas tecnologias e já as utilizassem nas suas aulas, vale lembrar que muitas pesquisas mostram que esses casos não são regra. Como já citado, a grande maioria dos professores ainda se sente insegura quanto ao uso das tecnologias em sala de aula[12], entre outros fatores[13].

De modo geral, os resultados da pesquisa-ação mostraram – apesar de qualquer obstáculo técnico/operacional – muito interesse dos estudantes do 5º ano de ambas as salas pelo aprendizado do inglês e revelaram que as crianças já têm um contato considerável com esse idioma, fora da escola. Esses alunos também dominavam muitas ferramentas das novas tecnologias, dada a proposta pedagógica que as duas docentes envolvidas na pesquisa desenvolviam na escola. As crianças gostavam das aulas na sala de informática, participaram muito das atividades, já sabiam manusear os jogos online e realizar as atividades no computador com facilidade. Além disso, os alunos revelaram que adquiriram um maior conhecimento sobre a língua inglesa, graças também à utilização dos recursos tecnológicos disponibilizados pela escola, inserindo os conhecimentos que possuem (muito em função de outras mídias também) para o universo dessa nova língua e seus aspectos culturais que já atravessavam seu cotidiano.

4 Cenários sobre o ensino de língua estrangeira aliado às mídias e tecnologias na infância

Através deste estudo, como salientado, procurou-se gerar algum tipo de movimentação, através de intervenções em campo, para que se pudesse destacar a importância de se ensinar língua estrangeira desde cedo, utilizando maneiras mais efetivas de aproximação da criança para um novo idioma, respeitando sua própria condição como aprendiz nas atuais políticas públicas, assim como o que já conhece sobre outras mídias eletrônicas, sobre a língua em questão e os aspectos culturais e lúdicos que a envolvem. Nesse âmbito, propusemos a participação ativa das crianças e das professoras em questão, de modo que pudéssemos tornar o processo de ensino de línguas mais contextualizado e significativo, ou seja, a partir do desejo e do cotidiano concreto dessas crianças.

Para o enriquecimento desse estudo, procuramos destacar, por meio de pesquisas na área de ensino de língua estrangeira na infância (ROCHA, BASSO, 2008; CAMERON, 2001, entre outros), a importância do ensino-aprendizagem de inglês no Ensino Fundamental I, enfatizando que as aulas precisam aliar objetivos de ensino bem definidos ao contexto no qual esse ensino está inserido.

Além disso, destacamos, com base no estudo realizado, que o momento oportunizado pela Web 3.0 é bastante propício para que se unam as tecnologias digitais ao ensino de inglês, pois cada vez mais as crianças têm acesso, no seu dia a dia, às instigantes ferramentas tecnológicas que muitas vezes exigem o conhecimento dessa língua para o seu manuseio. Ademais, a internet oferece uma ampla quantidade de meios para se estudar inglês, como os blogs, que permitem compartilhamento e interatividade, os vídeos, os jogos educativos online, entre outros objetos de aprendizagem que permitem que a criança conheça diferentes culturas e se comunique com falantes nativos e outros aprendizes de inglês, além de aprender o vocabulário de língua de forma mais dinâmica e prazerosa.

Concebemos, através da referida pesquisa, que as crianças evidenciaram satisfação no aprendizado do inglês, a partir dos recursos digitais e que as tecnologias acabaram por permitir um maior contato concreto dos educandos com as diferentes culturas. Além disso, as crianças mostram-se muito curiosas para aprender o idioma, pois já tinham contato com o inglês através dos programas de televisão, das músicas, dos jogos de videogame, das marcas de roupas etc.

Como destacamos, nessa escola, especificamente, o trabalho em equipe entre a gestão e as professoras permitiu um cenário bem-sucedido de utilização das tecnologias digitais. Entretanto, deve-se ter consciência de que muitas escolas públicas do país, embora tenham salas de informática, pouco as utilizam, pois muitas equipes gestoras e os docentes não estão completamente engajados no trabalho com tais ferramentas, por vários fatores que não pretendemos aqui debater, embora alguns deles possam ser encontrados em trabalhos anteriores (LINS, 2011, 2013).

Esse estudo também observou que faltam pesquisas que discutam o uso das tecnologias em aulas de inglês para crianças e que essa relação poderia ser ainda mais explorada, considerando o impacto das mídias em motivar os jovens e crianças para a aprendizagem não só de inglês, como de muitas outras disciplinas escolares.

Na pesquisa em questão, ressaltamos que as novas tecnologias e os processos de aprendizagem de inglês podem estar relacionados e gerar resultados que favoreçam a criação e imaginação dos pequenos, desde que a mediação dos docentes também vá nessa direção. Do contrário, incorreríamos em tecnicismos a respeito do ensino de línguas, pressupondo que a mera inserção de recursos digitais seria responsável por aspectos salvacionistas no campo educacional. Assim, as mídias/tecnologias nas aulas de inglês, alicerçadas em boas práticas pedagógicas (marcadamente ativas), desde as séries iniciais, poderiam ser um dos atenuantes para as dificuldades que se têm em nosso país sobre o ensino de língua estrangeira, principalmente nas escolas públicas regulares.

Em última análise, procuramos garantir um protagonismo às crianças na proposição das atividades, na tentativa de conhecer mais a respeito das culturas infantis (com aspectos lúdicos), as quais a língua estrangeira também constitui ou de algum modo tangencia. Procuramos, a partir da perspectiva dos pequenos, conhecer alguns elementos sobre as formas como essa língua pode se apresentar em suas práticas mais corriqueiras e, principalmente, sobre como podemos, como educadores, a partir dessa escuta, oportunizar um ambiente em que esses elementos da cultura mais ampla possam fazer parte do currículo escolar, sendo debatidos, ampliados e (re)apropriados pelas infâncias de diferentes contextos.

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Notas

[1] Neste trabalho, usaremos também a expressão “pequenos” com um sentido que não se opõe ao protagonismo infantil e sua força na criação cultural, absolutamente, como têm destacado alguns estudiosos no campo da sociologia da infância, ao fazer referência ao termo.
[2] Como, por exemplo, a Rede Social MyEnglish Club MyEnglishClub. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2012.
[3] Repositórios digitais surgem como ambientes informacionais digitais para gerenciamento e controle da produção acadêmica e científica de instituições e/ou comunidades, oferecendo vantagens como acesso irrestrito, interoperabilidade dos dados e preservação da informação a longo prazo (CAMARGO; VIDOTTI, 2008).
[4] Web 2.0 é um termo utilizado para descrever a segunda geração da World Wide Web – tendência que reforça o conceito de troca de informações e colaboração dos internautas com sites e serviços virtuais. A ideia é que o ambiente online se torne mais dinâmico e que os usuários colaborem para a organização de conteúdo (FOLHA DE SÃO PAULO, 10 jun. 2006). Uma definição sobre a Web 3.0 está disponível no próximo excerto citado diretamente (a seguir).
[5] A nomenclatura Objetos Digitais de Aprendizagem (ODA ao invés de OA – Objetos de Aprendizagem) também aparece na literatura especializada.
[6] No Brasil, o Ensino Fundamental (ciclo I) refere-se aos primeiros 5 anos dessa etapa da escolarização (com 9 anos de duração, no total), no qual as crianças ingressam por volta dos 6 anos de idade, após a Educação Infantil (1ª etapa da educação básica).
[7] http://www.uca.gov.br/institucional/criteriosEscolha.jsp
[8] http://www.cceinfo.com.br/produtos/educacao/uca
[9] Prefeitura Municipal de Campinas. Disponível em . Acesso em: 03 de out. 2016.
[10] Afetividade no referido trabalho é concebida nos termos vygotskianos e wallonianos, como destacados por Leite (2006), por exemplo.
[11] O sistema operativo Linux é um sistema operativo Open Source (código aberto) muito utilizado em servidores por se tratar de um sistema com bom desempenho e estabilidade, além de não ter custos de licenciamento (Fonte: . Acesso em: 14 nov. 2016).
[12] A esse respeito, por exemplo, consultar Junqueira (2012) e Lins (2013).
[13] Ver a esse respeito, por exemplo, os documentos do Cetic (2011) e da Unesco/Sitel (2014).

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