Resumo: Este trabalho trata do processo de legendagem para a L1 do par linguístico japonês (L2)/português-brasileiro (L1), realizado pelos alunos de uma disciplina de língua japonesa em um curso superior em 2016. Tem por objetivo a descrição e análise do processo de legendagem, bem como a identificação dos fatores influentes e das mudanças ocorridas durante esse processo. Segundo Gutt (2004), congruente à Teoria da Relevância (SPERBER; WILSON, 1986), o tradutor assume a metarrepresentação da comunicação, entre o autor do texto original e os leitores, por criar um ambiente cognitivo diferente da primeira comunicação. Aplicando-se essa visão para a nossa legendagem, em que cada etapa do processo tem um ambiente cognitivo diferente, a depender das peculiaridades de cada instância do processo, especialmente nesse caso em que os alunos de aprendizagem de japonês realizam a legendagem. Assim, foram identificadas cinco diferentes etapas, a saber: transcrição em hiragana; “semantização” com kanji; tradução da qualidade de rascunho; refinamento de tradução e, enfim, legendagem. Identificamos, após nossa análise, alguns fatores distintos que influenciam o processo da legendagem, os quais são: discrepância na ordem das palavras entre japonês e português-brasileiro; diversidades das vozes no vídeo e familiarização da tarefa por parte dos legendistas-alunos. Os resultados evidenciam que houve casos de inversão de ordem das palavras, encurtamento e alongamento das frases e outras peculiaridades. De acordo com a postulação de Gutt, observamos que cada etapa cria um ambiente cognitivo específico; logo, o produto reflete essa mudança. Concluímos que a legendagem é um exercício profícuo para os alunos de língua japonesa, visto que há várias atividades envolvidas, as quais desenvolvem a capacidade de meta-análise.
Palavras-chave:Aula de japonêsAula de japonês,LegendagemLegendagem,TraduçãoTradução,ProcessoProcesso,Ambiente cognitivoAmbiente cognitivo.
Abstract: This work deals with the L1 subtitling process of the language pair of Japanese (L2)/Brazilian-Portuguese(L1), carried out by the students of a Japanese language course in an university in 2016. The purpose is to describe and analyse the subtitling process as well as the identification of the influencing factors and the changes that occurred during this process. According to Gutt (2004), congruent with Relevance Theory (SPERBER & WILSON, 1986), the translator assumes the meta-representation of the representation of communication between the author of the original text and the readers, creating a cognitive environment different from the first communication. Applying this vision to our subtitling process, where each stage of the process has a different cognitive environment, depending on the peculiarities of each instance of the process, especially in this case where the Japanese learners perform the subtitling. Thus, five different steps were identified: hiragana transcription; “semantization” with kanji; draft quality translation; translation refinement and, finally, subtitling. We identified, after our analysis, some distinct factors that influence the subtitling process, which are: discrepancy in word order between Japanese and Brazilian-Portuguese; diversities of voices in the video and familiarization of the task by the student-subtitlers. The results show that there were cases of word inversion, shortening and lengthening of sentences and other peculiarities. According to Gutt's postulation, we observe that each step creates a specific cognitive environment; therefore, the product reflects this change. We conclude that subtitling is an useful exercise for students of the Japanese language course, since there are several activities involved to develop the capacity of meta-analysis.
Keywords: Japanese class, Subtitling, Translation, Process, Cognitive environment.
Semiótica e Tecnologia
Legendagem: uma atividade na aula de japonês
Subtitling: a classroom activity of japanese
Recepción: 29 Marzo 2018
Aprobación: 04 Mayo 2018
A tradução de material audiovisual ocupa, cada vez mais, um espaço importante no mundo globalizado. Um veículo de transmissão de mensagens com som e imagem, criado em um determinado país, é acessado e compartilhado por audiências de outros países de língua e cultura diferentes, utilizando-se recursos como dublagem ou legendagem. Sendo a tradução audiovisual amplamente utilizada nos dias de hoje, investigar e analisar seu funcionamento certamente contribui para uma melhor compreensão dessa modalidade de tradução.
O presente artigo descreve o processo de legendagem realizado no ensino de língua japonesa de um curso superior. Logo, busca-se, por meio da análise desse processo, identificar os fatores influentes e as alterações estruturais no decorrer da tradução e da legendagem. O trabalho de legendagem da disciplina em questão foi realizado por três alunos do curso de língua japonesa e foi supervisionado pela professora responsável. Com o intuito de proporcionar um amplo aprendizado aos alunos da disciplina, o processo de legendagem foi realizado em diversas etapas: os alunos foram estimulados a treinar suas habilidades de ouvir, de escrever, de observar contextos e de traduzir. Assim, não se trata de uma legendagem profissional, tampouco de um treinamento para esse ofício: trata-se de um método dinâmico que instiga diversas habilidades linguísticas como ouvir, escrever (digitar) ouvindo, olhar imagens ouvindo, observar contextos e traduzir.
Considera-se razoável a atividade de legendagem e tradução para os alunos de japonês, visto que se trata da aprendizagem de uma língua tipologicamente distinta (SHIBATANI; 2009) da LM dos alunos. No ponto de vista de que a tradução envolve a LM dos alunos, seu uso é recomendado para auxiliar ambas as partes (professor e alunos) no processo de ensino-aprendizagem (COSTAS; 1988, HARBORD; 1992, ATKINSON; 1993, ROMANELLI; 2003; 2009). A tradução e o ato de traduzir como auxílio da compreensão do conteúdo de aprendizado podem ser vistos como tradução pedagógica, a qual classificamos como uma habilidade extra (quinta habilidade) além das quatro habilidades canônicas linguísticas (ROMANELLI, 2009). Diferente do processo de legendagem dos profissionais, espera-se, por parte dos alunos em processo de aprendizagem de LE, que o ato de traduzir sirva como auxílio pedagógico, resultado da compreensão da língua-fonte, sendo esta o objeto do aprendizado dos alunos. Trata-se, assim, da importância do processo de legendagem enquanto experiência e não apenas do produto em si.
Neste estudo, objetiva-se descrever o processo de legendagem, identificar os fatores influentes desse processo e identificar os elementos estruturais alterados no dito processo. A partir disso, formulou-se a seguinte pergunta: quais elementos estruturais foram alterados devido aos fatores influentes e existentes no processo de legendagem realizado no âmbito pedagógico? A fim de apresentar esse estudo, o organizamos a partir da revisão de literatura, dos métodos de pesquisa, da descrição do processo de legendagem, da análise propriamente dita e das conclusões.
A legendagem encontrou, juntamente com o cinema, espaço para surgir enquanto manifestação da linguagem em forma de uma nova proposta de tradução. O registro do primeiro filme com legendas, na história do cinema, é de 26 de janeiro de 1929, em Paris, quando o filme The Jazz Singer foi exibido com legendas em francês (PARANAGUÁ,1985). Paranaguá esclarece que, antes do surgimento da legendagem, existiam alternativas para oferecer o mesmo filme em outras línguas além do original, como a gravação do mesmo filme por atores diferentes e em outras línguas para, assim, poder aumentar a acessibilidade do filme em diversos países. Esclarece, ainda, que “as versões múltiplas foram logo abandonadas, à medida que os públicos se acostumaram à dublagem ou à legenda [...] o pessoal queria ver mesmo era a Greta Garbo e não uma obscura substituta” (p. 37).
Com o desenvolvimento da indústria cinematográfica, bem como a globalização, fez-se necessário expandir os trabalhos de legendagem em todo o mundo. Assim, ao longo dos anos, a legendagem foi ganhando um espaço de pesquisa.
A legendagem tem como característica a não alteração da imagem que se vê e do som que se escuta originalmente, ou seja, é considerada um ramo da tradução que não altera a forma original, mas apenas adiciona elementos novos a ela. Bergman e Lisboa definem legendagem como a tradução em que “um texto escrito é apresentado de forma simultânea à fala do texto original, e eles devem estar em perfeita sincronia” (BERGMANN; LISBOA, 2008, p. 98). Para Gorovitz, o processo de legendagem trata “da transformação do texto falado em um texto escrito, em que as peculiaridades de cada meio devem ser levadas em consideração” (2006, p. 64). Díaz Cintas e Remael (2007), por sua vez, definem a legendagem como uma prática tradutória que apresenta textos escritos de elementos discursivos, os quais acompanham a imagem e as informações, na parte inferior da tela, contidas na trilha sonora. A legendagem pode ser descrita também como a “disponibilização da tradução de forma escrita, na língua de chegada, de todos os diálogos partilhados pelos diferentes intervenientes, bem como de toda a restante informação verbal transmitida visualmente (cartas, faixas, suplementos de jornais) ou oralmente (voz-off)” (DÍAZ CINTAS, 2010, p. 1).
Sobre os aspectos técnicos da legendagem, Georgakopoulou (2009) destaca alguns itens relativos ao espaço, tempo e à apresentação das legendas. O autor esclarece que as legendas possuem um espaço muito limitado e, portanto, não permite longas explicações. Para uma legenda ser considerada legível, sem esforço excessivo por parte do telespectador, são recomendadas, no máximo, duas linhas de texto. Trindade delimita o número padrão utilizado para a produção de legendas no Brasil: “Uma legenda não pode ultrapassar duas linhas, com cerca de 32 caracteres por linha. Portanto, além de o tradutor ter de se preocupar com o tempo de duração da fala, ele também precisará resumir essa fala de forma que ela não tenha mais de 64 caracteres. ” (TRINDADE, 2003). Quanto ao tempo de exibição, Gergakapoulou (2009, p.22) destaca que as precisões no tempo de entrada e de saída das legendas são extremamente importantes, pois um erro de sincronia ou de tempo de exibição pode comprometer a compreensão. Días Cintas e Remael (2007) ressaltam a importância da consideração da velocidade na leitura e relatam alguns problemas técnicos, por exemplo: os programas profissionais de legendagem podem calcular, automaticamente, o tempo de leitura de cada legenda, o que não pode ser feito em programas gratuitos. Por último, a respeito da apresentação das legendas na tela, o autor recomenda uma ocupação de 20% da tela, na parte inferior, com boa resolução, para que seja legível.
Gutt (2004), um teórico dos Estudos de Tradução, observa a tradução com base na pragmática, considerando a diferença de visão de mundo individual, aprofundando a relação da Teoria da Relevância (SPERBER; WILSON, 1986) e da tradução como meios de comunicação, o que contribuiu para esse estudo. Para Gutt, “o ser humano possui uma notável habilidade de transmitir, em uma certa língua, o que foi dito, primeiramente, em outra língua1”. Para entender essa habilidade, ele acrescenta que é necessária uma boa compreensão do mecanismo da mente humana, uma vez que a comunicação envolve o processo de inferência. Gutt (2004) afirma que a capacidade de uma metarrepresentação do ser humano é um dos segredos do sucesso para um bom entendimento como mostra a seguir:
As pessoas são capazes não só de pensar ou representar em seus estados mentais de assuntos do mundo. Em vez disso, elas são capazes de pensar como outras pessoas representam esses estados de coisas em sua mente – mesmo que seus próprios pensamentos sejam diferentes (GUTT, 2004)2.
Em outras palavras, o ser humano necessita, no momento da comunicação, atentar-se para os pensamentos e conhecimentos do outro indivíduo envolvido na comunicação. No caso da tradução, o tradutor deve estar em contato com o universo do comunicador para, assim, mesclar os ambientes cognitivos de cada um com o propósito de alcançar uma tradução que tenha, em seu significado, uma mensagem com o conteúdo mais próximo o possível do original. No entanto, tudo isso só terá sucesso se o receptor final (da tradução) for capaz de compreender a mensagem decodificada pelo tradutor para a língua do receptor, mensagem essa originalmente transmitida pelo comunicador em outra língua. Pressupondo que o receptor também possui um ambiente cognitivo diferente do tradutor e do comunicador, verifica-se, então, três indivíduos envolvidos no processo de tradução: comunicador (emissor do texto original); tradutor e receptor (do texto de tradução, ou seja, segundo leitor). Logo, cada um possui seu próprio ambiente cognitivo individual. Contudo, assim como na afirmação de Gutt (2004), Gonçalves (2005) sustenta a teoria de que diferentes pessoas, com diferentes ambientes cognitivos, possuem pontos de conexão e compartilham, em determinados momentos e situações, o mesmo ambiente cognitivo, ou seja, há um ambiente cognitivo mútuo entre os indivíduos, o qual se evidencia no processo de tradução bem-sucedida. Para Gutt, existem cinco configurações diferentes nas relações dos ambientes cognitivos entre comunicador (Co), tradutor (T) e receptor da tradução (Ar = audience [no original]). Tais configurações de Gutt são demonstradas na Figura 1, em que temos as seguintes situações: 1) tradutor e receptor compartilham um ambiente cognitivo mútuo diferente do comunicador; 2) comunicador e tradutor compartilham um ambiente cognitivo mútuo diferente do receptor; 3) comunicador e receptor compartilham um ambiente cognitivo mútuo diferente do tradutor, 4) nenhum dos envolvidos compartilham um ambiente cognitivo mútuo e 5) comunicador, tradutor e receptor compartilham um ambiente cognitivo mútuo.
Ao refletir sobre ambiente cognitivo, principalmente no âmbito da tradução, é provável que surja o seguinte pensamento: a diferença no ambiente cognitivo parece estar relacionada diretamente à diferença da língua e da cultura. Entretanto, Gutt (2004) afirma que “a diferença de ambiente cognitivo não coincide, necessariamente, com a diferença da língua ou da cultura”. Em relação a esse trabalho, é plausível a teoria de Gutt, visto que, como poderemos ver ao longo do estudo, mesmo se tratando de indivíduos possuidores da mesma língua nativa e inseridos na mesma cultura, esses não necessariamente compartilhariam um ambiente cognitivo mútuo em certas situações. Da mesma forma, indivíduos que não possuem a mesma língua nativa ou a mesma cultura, podem, em certos momentos, compartilhar um ambiente cognitivo mútuo. O ambiente cognitivo é, portanto, compartilhado ao longo da convivência entre as pessoas, as quais adquirem as mesmas experiências e formam um conjunto de conhecimentos.
Na base do estudo de Gutt (2004), entende-se também que o compartilhamento do ambiente cognitivo é possível por meio da inferência, ou seja, de uma série de pistas que possibilitam a inferência. Como postulam Sperber e Wilson (1986), na Teoria da Relevância, sobre a importância do papel de inferência. Alves (2008) explica o fenômeno de maior quantidade de palavras na tradução que no original (BAKER; 1993; 2000, OLOHAN; BAKER, 2000, STEINER; 2005, entre outros). Isso se dá conforme a explicitação do contexto: tradutores tentam explicar melhor os contextos do texto original para o segundo leitor (leitor da tradução) que, possivelmente, não a alcança. Alves e Gonçalves (2003; 2007; 2013) e Alves (2005; 2007; 2008) trabalham com esforço cognitivo e efeito contextual que envolvem a explicitação na tradução, observando tradutores profissionais e novatos ou estudantes. Os autores identificam que os tradutores profissionais demonstram um tipo de esforço mais profundo para trazer um melhor efeito contextual na tradução. Enfim, a tradução de tradutores profissionais demonstra mais durabilidade do que a dos novatos e estudantes.
Há, na área de tecnologia, um movimento que visa reconstruir a cognição humana. A inteligência artificial (IA), projetada décadas atrás, atua, hoje, em vários campos da tecnologia e até em nossas comodidades do dia a dia. Há, agora, uma nova onda de desenvolvimento da cognição humana que está em foco, com a ênfase no fato de que essa nova tecnologia é “cognitiva”, evoluindo, automaticamente, pela aprendizagem por meio dos erros e pela analogia. Por exemplo, a empresa IBM desenvolve um software chamado Watson4 desde 2011, cujo projeto envolve o Watson “aprender” a língua japonesa, devido aos diversos interesses em tecnologias japonesas, sendo cognitivo, ou seja, “Watson sabe aprender”, diferente da IA. Uma agência governamental dos EUA, Foreign Service Institute, classifica línguas principais do mundo em termos de dificuldade de aprendizagem. Nela, para falantes de inglês, o japonês é uma das línguas mais difíceis de aprender junto ao árabe, ao chinês (cantonês e mandarim) e ao coreano, destacando, com um asterisco, o japonês como o mais difícil da categoria.
Retomando o no site de Watson, descreve-se que o japonês é difícil para os falantes nativos de inglês por causa dos caracteres complexos de kanji (caracteres de origem chinesa). Salim Roukos, chefe do grupo de processamento natural multilíngue, acrescenta que, enquanto o inglês é literal, o japonês é sutil, tendo variedade de forma de inserção de polidez, a qual intensifica a complexidade da língua. Aponta também que, na língua japonesa, há diversas formas de expressar um significado. O grupo analisa que a oralidade também demonstra a mesma complexidade, apesar de dispensar a dificuldade dos caracteres. O problema do japonês está relacionado à pragmática, isto é, à identificação do contexto. Roukos explica que o contexto parece estar em outro lugar, mesmo sendo em uma sentença. Assim, identificando as dificuldades, o projeto cria uma memória chamada solid state memory5 que, grosso modo, conforme Watson, retrata a aprendizagem a partir da incongruência de dados numerosos e das correções dos erros.
Algumas explicações dessas complexidades podem ser apontadas em uma apresentação da língua por Shibatani (2009), no ponto de vista tipológico. Shibatani não compara o japonês com outras línguas, mas demonstra características dessa língua tais como: o uso de um sistema complexo de escrita, com quatro tipos de escrita (hiragana, escrita simples silábica; katakana, equivalente a hiragana, cujo uso é diferenciado principalmente para nomes estrangeiros; kanji, ideogramas de origem chinês, e romaji, sílabas japonesas escritas em alfabeto romano). A estrutura sintática de sujeito-objeto-verbo (SOV); dependendo do grau de polidez, geraria uma variedade de expressões para um enunciado; é preposicional (por exemplo, a posição de adjetivos, oração modificadora e dentre outros). Pelas características assim descritas, pode-se dizer que o japonês é uma língua complexa para falantes de determinados grupos de línguas.
O presente estudo originou-se em um contexto de ensino-aprendizagem. Houve uma atividade de legendagem em uma disciplina da língua japonesa. Uma vez que essa atividade foi aplicada para os alunos do curso de licenciatura em japonês, qualquer atividade que envolve a tradução ou a legendagem foi-lhes novidade, embora a tradução pedagógica, como recurso de auxílio da LM, tenha sido presente no aprendizado da língua. No ponto de vista da aprendizagem de língua japonesa, a professora responsável teve um plano ambicioso, a saber, por meio da legendagem, usar, de forma abrangente, as quatro habilidades da língua: ler, escrever, ouvir e falar, mesmo sendo variada a proporção no uso. Com apenas quatro pessoas, incluindo a professora, houve uma peculiaridade: duas pessoas possuíam plena proficiência6, enquanto as outras começaram a aprender a língua japonesa apenas ao ingressarem na universidade, já adultos. Nessa situação, a professora dividiu o processo em três fases, grosso modo: primeiro, a transcrição; segundo, a tradução do texto japonês para o português; e, por último, tendo como base a tradução em português, a produção da legendagem no vídeo.
O presente estudo observa objetivamente o que ocorreu durante o processo, analisando, retrospectivamente, todos os registros que o grupo realizou, levando em conta as mudanças no ambiente cognitivo mútuo. Explicaremos, então, os dados que utilizamos e os métodos de análise.
Os alunos do curso de licenciatura em Japonês, têm, na última matéria, laboratório dessa língua, em que o professor responsável pode explorar atividades pertinentes ao aprendizado dessa língua, conforme a ementa, para finalizar o curso de língua japonesa. Assim sendo, a professora responsável apresentou atividades de legendagem compatíveis aos alunos que nunca foram expostos à tradução nem à legendagem. Trata-se de uma legendagem pedagógica, por analogia da tradução pedagógica (ROMANELLI, 2009), que explora as quatro habilidades linguísticas, em vez de aprender a técnica de legendagem e/ou tradução.
O material legendado foi um programa de NHK (Nihon Hoso Kyokai: Japan Broadcasting Corporation), denominado Hyappun de Meicho (100分 DE 名著: Obras Primas em 100 minutos) no qual os apresentadores introduzem obras literárias de renome do mundo e do Japão em 100 minutos, equivalente a 4 vezes (= um mês) de transmissão. O programa que tratava da obra, Kojiki - Crónica dos acontecimentos passados(古事記, 712)7, foi transmitido durante o mês de setembro de 2013 pelo NHK Education (NHK教育テレビ), utilizado para essa atividade de legendagem. No programa, dois apresentadores, uma de apresentadora (feminina) do próprio NHK (竹内陶子, Toko Takeuchi) e outro (masculino) (伊集院光, Hikaru Ijyuin), conhecido como comediante, convidam um professor universitário, especialista da pesquisa de Kojiki, Prof. Sukeyuki Miura que escreveu uma tradução da obra em língua japonesa contemporânea oral, 口語訳古事記完全版 [Tradução coloquial completa do Kojiki] (2002), na qual ele apresenta uma nova interpretação da obra.
Além desses três apresentadores, durante o programa, há diversos desenhos animados da mitologia introduzida por Hieda-no-Are8, personagem cujo papel foi realizado pelo ator japonês Issei Ogata (尾形イッセー). Nesses desenhos, há diversas personagens conhecidas da mitologia japonesa (como Amaterasu, Susanowo, dentre outros), além da narradora. Compreende-se, assim, que há diversas vozes presentes no programa.
A turma usou um site gratuito de legendagem, exclusivamente dos vídeos de YouTube, Amara (amara.org). Amara funciona on-line, por meio de uma conta no Gmail, em que todos podem ser sincronizados para colaborarem na elaboração da legenda.
A turma foi pequena e se dividiu em dois pares: um da professora (nativa de japonês) e uma aluna (que iniciou a aprendizagem da língua japonesa só na faculdade); outro, de uma aluna (proficiente de japonês) e um aluno (que iniciou o japonês na faculdade).
Cada par ficou responsável por dois capítulos, cuja duração por capítulo é de 25 minutos. No primeiro momento, uma pessoa do par (o da professora e da aluna proficiente) repetiu o que foi falado pelas personagens do programa, enquanto o outro componente da dupla digitava essa produção oral em hiragana para dar conta de acompanhar o ritmo da produção oral. Nessa fase, optamos denominar transcrição. Para um melhor aproveitamento da aprendizagem, cada dupla ouviu, em conjunto, a fala das personagens, procurando entender o programa e criar um ambiente cognitivo mútuo compartilhado com o vídeo.
Realizada a fase de transcrição, os pares trabalharam juntos para entender o significado, atribuindo kanji (ideogramas) adequados para que os textos fossem inteligíveis, estágio esse denominado semantização. Tratou-se de uma outra transcrição, a partir do texto em hiragana, voltada para a reelaboração de um texto com escrita mais adequada à leitura. Vale lembrar que, nessa fase, não houve acompanhamento do vídeo, todo o processo foi feito no texto.
Na próxima fase, os participantes traduziram os textos japoneses para o português. Como havia dito que eles não são do curso de tradução, esta foi-lhes uma atividade bastante complexa. Com esse fato, os alunos traduziram o mais próximo à língua-fonte, ou seja, fizeram uma tradução de qualidade de rascunho, “ao pé da letra”. Denominou-se essa fase como a de tradução grossa. Conseguinte, houve revisão da tradução, e esse processo tomou o nome de refinamento da tradução, uma atividade de tradução textual nessas duas fases. Uma vez realizada a compreensão do texto, por meio de atividades de transcrição, semantização e tradução, os participantes voltaram a retomar o vídeo para inserir a legenda, em português, na plataforma Amara.
Assim, cada fase produziu um texto. Os dados que utilizamos neste trabalho foram extraídos dos documentos desses textos e, posteriormente, organizados em uma tabela para melhor visualização para análise. A tabela para análise foi confeccionada de forma que, para cada trecho falado no vídeo original em japonês, haveria cinco colunas para descreverem as mudanças ocorridas até atingir o produto final: as legendas.
Toda a análise para identificar diferenças e peculiaridades foi executada utilizando a tabela confeccionada em planilha como demonstrado abaixo.
(da esquerda para a direita: transcrição, semantização, tradução grossa, refinamento e legenda. Na legenda, a barra indica a troca de uma instância de legenda para a próxima).
Ao longo do processo de legendagem, foi possível observar diversos fatores que influenciaram tal atividade e que atuaram como agentes modificadores no processo, sendo necessário, assim, apontá-los e analisá-los para um melhor entendimento do processo de legendagem como um todo. Sistematizaram-se esses fatores a fim de estabelecer os critérios da análise.
Na língua portuguesa a ordem das palavras em uma oração, ordinariamente, segue um padrão de SVO, enquanto que, na língua japonesa, segue a ordem SOV. Quando uma sentença em japonês é traduzida na ordem original, sem levar em consideração seu significado final, a oração traduzida se transforma em uma oração com todos os vocábulos em português, porém, incorreta e ilógica para os padrões da língua portuguesa. Isso acontece devido à diferença na ordem das palavras em uma oração entre japonês e português.
No caso da legendagem, o texto escrito necessita estar em sincronia com a imagem e o som do vídeo em questão. Legenda, logo, deve estar condizente com o que aparece como imagem ou som na tela e no exato momento. Em períodos mais curtos, esse problema é diminuto, considerando que a ordem de fala e a ordem da legenda não interferem na interpretação e no posicionamento de uma oração. Contudo, em se tratando de orações mais longas como as que surgiram no trabalho, onde há a necessidade de fragmentação da legenda, fica inviável no nosso par linguístico, muitas vezes, manter a tradução refinada sem modificações, pois não haveria a sincronia dos trechos falados com os trechos escritos em um mesmo momento. Isso pode ser observado a seguir, em um dos trechos retirados da Tabela 1. No trecho abaixo, há um período com duas frases na fala original em japonês, em que, na segunda frase, o falante diz:
(Fala original)
文字はいまだ普及しておらず、豪族たちのもとには家や土地の歴史を語り伝える、「語り部」[KATARIBE] がいました
(Transliteração)
Moji wa imada fukyu shite orazu, gozoku tachi no motoniwa ie ya tochi no rekishi wo katarai tsutaeru, “KATARIBE” ga imashita.
Durante o processo de legendagem, na fase da Tradução Refinada, essa frase, em Japonês, foi traduzida para o português como:
(Tradução Refinada)
Na época, não havia escrita, mas, nos clãs mais fortes, havia pessoas que se chamavam KATARIBE, ou seja, contadores de histórias, que contavam histórias do clã e da região
No entanto, quando essa mesma frase é inserida como legenda, ela se modifica para a seguinte forma:
(Legenda Final)
– Na época não havia escrita
– mas nos clãs mais fortes havia quem contasse as histórias do clã e da região.
– Eram os KATARIBE.
Os pontos relevantes, nesse exemplo, são a posição da palavra “Kataribe” nas frases, tanto a original em japonês quanto a Tradução Refinada e a Legenda Final, e a fragmentação da frase como legenda em três partes, indicadas pela linha horizontal (–) que representa o ponto de divisão da legenda. Na frase original em japonês, a palavra “Kataribe” surge no final de uma oração, antecedendo e conectada com o verbo “いる (iru [haver]), que, na frase em questão, aparece em sua forma de passado いました (imashita [havia])”. Contudo, no momento em que a frase foi traduzida para o português, essa mesma palavra “Kataribe” foi deslocada para o meio da frase, pois foi conectada ao verbo “chamavam”. Ou seja, da estrutura SOV, em japonês, passou-se para a SVO, em português, durante a fase de tradução no processo de legendagem. Se o processo todo tivesse o seu fim na Tradução Refinada, essa diferença, na ordem das palavras entre as duas línguas, não seria um fator influente, pois o objetivo, no final do processo, seria obter a tradução na língua-alvo, o português, com o significado aproximado da língua-fonte, o japonês, e não manter a mesma ordem das palavras nas duas línguas. Entretanto, tendo como objetivo final a inserção da legenda, o que é falado no vídeo não pode estar em desacordo com o que surge como legenda em um mesmo intervalo de tempo. Além disso, existe a necessidade de fragmentar a frase traduzida em português, que será inserida como legenda para surgirem em três momentos distintos. Assim, se na frase original o falante pronuncia “Kataribe”, no final da frase, em um terceiro momento da legenda, essa palavra não pode surgir em um outro momento, pois haveria uma discrepância de tempo entre a palavra falada e a legenda. Por essa razão, no final do processo de legendagem, a palavra “Kataribe” surge na última fragmentação da legenda desse trecho, acompanhando a fala original em japonês. Essa preocupação surgiu em prol do público-alvo. Esse material, bastante relevante sem dúvida, pode ser utilizado na aula de Literatura Japonesa, na qual a busca pelo conhecimento da literatura costuma acompanhar a busca pela proficiência em língua japonesa. Essa congruência do som (fala) e a legenda pode contribuir com a credibilidade da oralidade da língua.
O programa é conduzido por dois apresentadores e um professor especialista em pesquisa da obra-prima Kojiki e conta também com trechos em animação nos quais o enredo da obra literária são contados. Assim, é possível observar que, em um único capítulo do programa, existem várias vozes diferentes, já que vários personagens distintos compartilham o mesmo tempo e espaço. A diversidade de indivíduos no vídeo e a consequente diversidade de vozes são fatores relevantes no processo da legendagem em prol de características distintas de vozes, tornando o trabalho de legendagem mais complexo. A complexidade no trabalho surge, primeiramente, na familiarização da diferença vocal de cada indivíduo do vídeo. No programa, há cinco principais vozes diferentes que intercalam suas falas e tornam o programa mais dinâmico, criando um mundo mais cativante para o telespectador. O obstáculo oriundo das diversidades vocais, na verdade, surge antes da fase da tradução, em que as falas de todos os indivíduos já foram transcritas e apresentadas na forma escrita, para serem, enfim, traduzidas. O desafio, então, está na primeira fase da legendagem, onde cabe ao tradutor transcrever, em japonês, tudo o que foi falado. O tradutor, então, precisa se adaptar às características vocais de cada indivíduo e, assim, tornar correta a transcrição do trecho.
Outra característica vocal marcante e influente no processo de legendagem é a velocidade da fala de cada indivíduo entre duas línguas distintas. Além da diferença na ordem das palavras, um dos apresentadores fala muito rápido. Assim, para chegar na legenda final, os tradutores tiveram que cortar várias palavras sem interferir no significado, como visto na Tabela 3.
Ainda sobre a diversidade vocal e a velocidade da fala, um pronunciamento lento ou com pausas, por parte do falante, torna o pronunciamento longo, em se tratando de intervalo de tempo, mas curto em se tratando de quantidade da fala, o que também influencia no processo de legendagem. Outro trecho retirado da Tabela 4, demonstrado a seguir, esclarece tal influência. Nesse caso, a frase original possui um intervalo de tempo relativamente longo, visto que o falante interpreta o personagem de uma pessoa antiga que conta a história dramaticamente e de forma lenta.
O extenso intervalo de tempo utilizado resultou no surgimento de mudanças e evoluções durante o processo. Os participantes começaram a perceber alguns fatores relevantes na tradução ou legendagem e iniciaram, por conta própria, mudanças e adaptações para alcançar o produto final de qualidade e otimizar o trabalho. Assim, os fatores que influenciaram no processo foram se modificando ao longo da caminhada, com a diminuição de fatores como inversão da ordem das palavras, encurtamento de trechos e a aparição de outros novos fatores, tais como, o alongamento dos trechos, conforme a evolução do processo. Ao analisar os elementos linguísticos que foram alterados durante o processo de legendagem, mais especificamente entre a Tradução Refinada e a Legenda Final, é possível observar uma diferença nos momentos em que esses elementos se modificaram, o que pode ser observado na Tabela 5, a qual representa a numeração do trecho alterado e o fenômeno modificador que ocorreu para cada trecho.
De acordo com a Tabela 5, a coluna que indica a inversão de ordem nas palavras da oração possui uma constante aparição até o 33º trecho e, posteriormente, só ressurge no 47º trecho. Para uma melhor compreensão desse fenômeno, verificou-se que o tradutor se comportou diferentemente em dois grandes momentos. No primeiro momento, isto é, até o 33º trecho, o processo foi conduzido de, predominantemente, inversão de ordem e encurtamento, enquanto que, no segundo momento, a partir do 34º trecho, foi conduzido de alongamento das legendas, já levando em consideração os fatores ocorridos nos trechos do primeiro momento. Mesmo a partir do trecho trinta e quatro, quando já não é mais recorrente a manifestação do fenômeno da inversão das palavras, a língua original falada continuou sendo o japonês e seu padrão estrutural de oração continuou inalterado, ou seja, discrepante ao do português. Então, por qual motivo os elementos linguísticos não sofreram alterações a partir do trecho de número trinta e quatro, haja vista a inversão das palavras na oração? A resposta está na familiarização do tradutor com o processo de legendagem. Até o 33º trecho, o tradutor trabalhou tentando obedecer a ordem tradicional da estrutura das orações na língua portuguesa. Contudo, quando se deparou com a inserção da legenda, tomando como ponto de partida a Tradução Refinada, percebeu que, em muitos trechos, a ordem das palavras deveria ser invertida para melhor qualidade, entendimento e visualização da legenda. Quando o tradutor iniciou seu trabalho, no segundo momento, já estava ciente de que traduzir o texto original em japonês para o português, sem levar em consideração a ordem das palavras, não resultaria em uma tradução coerente para a legenda. Assim, tomou a iniciativa de realizar traduções mais próximas do original, evitando, na medida do possível, a alteração das palavras dentro de uma oração no momento da tradução. A partir do trecho de n. 34, a Tradução Refinada foi inserida como Legenda Final, sem a necessidade de mudança na ordem das palavras. Além disso, no segundo momento, a tradução de alguns trechos foi realizada em uma só etapa, dispensando a tradução “surja” e o seu ajuste. A familiarização com o processo de legendagem possibilitou, para o tradutor, uma única etapa de tradução, com textos o suficiente bons para serem inseridos na legenda.
Aparentemente, a familiarização com o processo de legendagem contribuiu para uma nova percepção do tradutor e modificou o seu modo de trabalho. Se por um lado, essas novas percepções contribuíram para a simplificação de certas ações em uma determinada categoria do processo; por outro lado, contribuíram para o surgimento de novos ajustes na legendagem.
Ao longo do primeiro momento do processo, as traduções dos textos foram feitas com o intuito de tornar o texto traduzido o mais esclarecedor possível, mantendo o significado do texto original. Para isso, não importava, para o tradutor, o tamanho do texto-alvo, ou seja, o texto traduzido, e sim somente o significado dos enunciados. Isso resultou na necessidade de encurtamento dos trechos, como pode ser observado na terceira coluna da Tabela 5, pois as traduções refinadas tornaram-se longas demais para serem inseridas como legenda no intervalo de tempo da respectiva fala. O tradutor, quando no início dos trabalhos, no segundo momento, já estava ciente do processo de encurtamento dos trechos e, com o intuito de evitar possíveis encurtamentos futuros, já optou por traduções resumidas e objetivas, mantendo, porém, o significado original das orações. Entretanto, a partir do 30º trecho, surge um novo personagem, de fala mais lenta e pausada, que requereu, do tradutor, uma ação simplificada, associada às características vocais do novo personagem, a qual resultou em Traduções Refinadas curtas, necessitando, assim, o alongamento e/ou modificações no texto para, por fim, serem inseridas como Legenda Final compatível e sincronizada com a fala original. Essas tendências podem ser observadas com a análise da Tabela 5.
Buscaremos, para um melhor entendimento, o que pode influenciar os participantes nesse processo de legendagem, pensando na mudança do ambiente cognitivo. No início do trabalho de legendagem, o ambiente cognitivo dos participantes era voltado à imagem e ao som, os quais foram transformados em textos escritos por meio da audição do vídeo. Após esse ambiente cognitivo dinâmico, as próximas fases se resumiram em ambientes cognitivos estáticos, onde o tradutor apenas realizou traduções de uma para outra língua. Ou seja, desde imagem, som, movimento, até a leitura e escrita, afastando-se do dinâmico ambiente cognitivo original. Nessa fase estática do processo, as traduções foram realizadas com o intuito de tornar os textos compreensíveis, mantendo o significado original das falas do vídeo. Ao focar nesses aspectos, parece que foi esquecido, por um momento, que a forma original e o resultado final, do processo legendagem, tratava-se de um produto audiovisual. O foco na produção de uma tradução de qualidade resultou em textos muito bem escritos, formais, obedecendo às normas da língua portuguesa, e de ótima qualidade para os padrões dos textos escritos. Observa-se também que o texto, na altura da tradução refinada, é mais explicativo, possui mais palavras (BAKER, 1993; OLOHAN; BAKER, 2000), suprindo elementos ocultos, imprescindível para a compreensão na comunicação oral, ou seja, implicatura (SPERBER; WILSON, 1986). No entanto, foi possível perceber que o processo ainda continuaria, já que a formalidade do texto escrito não era condizente aos enunciados do vídeo em que há comunicação oral e informal. Os textos traduzidos tornaram-se demasiadamente formais e, consequentemente, longos demais, em alguns casos, para serem inseridos como legenda. Portanto, após a fase estática de tradução e com a mudança do ambiente cognitivo novamente para o mundo audiovisual, fez-se necessária uma adaptação linguística, da tradução anterior, para algo mais coerente e natural com o ato de fala de cada personagem. Além da quebra da formalidade dos textos, foi necessário também, em determinados trechos, o encurtamento da Tradução Refinada para ser inserida como legenda, respeitando o tempo disponível. Diante de tal análise, é possível concluir que, durante o processo de legendagem, os tradutores sofreram mudanças nos ambientes cognitivos, as quais acarretaram o surgimento de fatores influentes para esse processo. Em seus estudos sobre tradução, Gutt (2004) afirma que, apesar da individualidade do ambiente cognitivo, diferentes pessoas podem compartilhar momentos e situações e, assim, estabelecer pontos de conexão entre seus ambientes cognitivos, resultando, assim, no ambiente cognitivo mútuo. No presente trabalho, o comunicador (Co) é representado pelos diversos indivíduos que se apresentam no vídeo e que possuem como língua original o japonês. O primeiro leitor (T), representado pelos estudantes do curso de japonês, possui como língua nativa o português-brasileiro e um certo nível de conhecimento da língua falada no vídeo, o japonês. O segundo leitor (Ar) foi definido, no início do processo de legendagem, como os demais estudantes do mesmo curso, ou seja, também possui como língua nativa o português-brasileiro e em fase de aprendizagem da língua e literatura japonesa. A definição do receptor foi de extrema importância, pois isso modificou, em alguns momentos, a configuração do ambiente cognitivo entre a relação dos indivíduos envolvidos na comunicação.
No decorrer do processo de legendagem, fatores, tais como, a diferença na ordem das palavras, a diversidade das vozes, a familiarização com o processo e a mudança em ambiente cognitivo contribuíram para alterar os elementos estruturais do processo. Essas alterações partiram da percepção do tradutor diante da necessidade de redirecionar os pensamentos e as atitudes na legendagem e, por fim, atingir um produto final com qualidade. Os três principais tipos de alterações que ocorreram durante o processo de legendagem, especificamente, da Tradução Refinada à Legenda Final, são: (1) Inversão de ordem nas palavras das orações; (2) Encurtamento das frases e (3) Alongamento das frases.
A diferença estrutural das orações entre a língua-fonte e a língua-alvo foi influente no processo de legendagem e resultou na necessidade de inverter a ordem das palavras, em diversas orações, para tornar mais compatível com as falas originais do indivíduo no vídeo. A inversão de ordem das palavras foi observada nos trechos de número 1, 3, 4, 5, 12, 15, 17, 22, 24, 28, 30, 31, 33 e 47 (Tabela 5).
O encurtamento das frases é um fenômeno ocorrido pela necessidade de simplificação da legenda, uma melhoria não só na visualização, mas também na compreensão por parte dos telespectadores. Os trechos de número 2, 7, 9, 12, 19, 22, 24, 25 e 33 (Tabela 5) sofreram alterações relativas ao encurtamento das frases.
Assim como houve a necessidade de encurtar algumas frases da Tradução Refinada, o oposto também foi necessário ao longo do processo de legendagem. Fatores como a pausa nas falas dos indivíduos e simplificações9 excessivas causaram a falta de palavras para preencher o espaço de tempo no vídeo. Assim, os trechos de números 25, 31, 32, 40, 41, 42, 43, 44 e 46 (Tabela 5) foram os mais afetados por esse fenômeno na fase da transição entre Tradução Refinada e Legenda Final.
De acordo com o Gráfico 1, demonstrado a seguir, identificamos os momentos e a quantidade de ocorrências de cada tipo de alterações.
Do total de 50 trechos analisados, 26 sofreram, pelo menos, um tipo de alteração entre a Tradução Refinada e a Legenda Final, conforme indica o Gráfico 2. Isto é, mais da metade dos trechos analisados sofreram alterações na fase final do processo de legendagem. Dos 26 trechos modificados, 21 sofreram um tipo de alteração, ao passo que 6, dois tipos de alterações, as quais: inversão da ordem das palavras e encurtamento. Conforme demonstrado, foi possível verificar que o número de alterações decresce e é pouco significativo
A legendagem surgiu como uma alternativa para ofertar um vídeo, em determinada língua, para telespectadores falantes de outras línguas. Hoje, está consolidada no mercado, não somente no ramo do cinema, mas também em documentários, noticiários e outros produtos audiovisuais. A tradução audiovisual leva em consideração diversos fatores e não se limita apenas à transportação mecânica de um idioma para o outro, ela ultrapassa fatores linguísticos. O envolvimento com os elementos culturais e comportamentais no ato de fala influencia a tradução audiovisual, que necessita ser ajustada a partir do formato original linguístico para a produção oral, sem legenda. Um produto audiovisual nunca é produzido em função de uma legenda, isso torna o trabalho de legendagem mais complexo, porque o espaço utilizado para a legenda, na verdade, é atribuído à imagem. A legendagem é rodeada por limitações e adaptações, já que necessita ser, ao máximo, sintetizada, a fim de ocupar o mínimo de espaço e manter o significado da fala da língua-fonte.
O presente trabalho buscou, por meio da descrição e da análise do vídeo Kojiki, identificar os fatores que influenciaram o processo de legendagem, a fim de esclarecer, ao leitor, as particularidades existentes nesse processo. A legendagem mostrou-se, ao longo desse trabalho, algo complexo e distante da tradução textual. Por meio da análise do processo de legendagem foi identificado que a tradução, realizada em um universo com som, imagem e movimento, exigiu, dos integrantes desse processo, ou seja, os participantes, alunos de língua japonesa, uma visão ampla das línguas envolvidas, além da capacidade de adaptação aos diálogos dinâmicos do vídeo, a fim de atender às múltiplas exigências da tradução audiovisual.
No ponto de vista da aprendizagem, desempenhar a função de legendar o vídeo Kojiki pode ter sido um trabalho de grande aproveitamento para o estudo da língua japonesa, levando em consideração o processo do trabalho, o qual foi realizado por alunos em processo de aprendizagem dessa língua. A experiência lhes proporcionou um contato com a língua japonesa autêntica, de maneira dinâmica, transpassando o ambiente da sala de aula ou dos livros didáticos tradicionais, o que levou à realização de atividades variadas, que testaram as habilidades de audição, leitura e tradução de forma simultânea e inusitada para esses alunos.
[Artículo corregido , vol. 11, 60-81] https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16781
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