Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Interculturalidade, representação e identidade em contextos de aprendizagem de língua estrangeira via teletandem*
Interculturality, representation and identity in contexts of foreign language learning via teletandem
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 11, núm. 2, pp. 18-33, 2018
Universidade Federal de Minas Gerais

Linguística e Tecnologia

O autor de submissão à revista Texto Livre cede os direitos autorais à editora da revista (Faculdade de Letras da UFMG), caso a submissão seja aceita para publicação. A responsabilidade do conteúdo dos artigos é exclusiva dos autores. É proibida a submissão integral ou parcial do texto já publicado na revista a qualquer outro periódico.

Recepción: 13 Agosto 2017

Aprobación: 07 Diciembre 2017

DOI: https://doi.org/10.17851/1983-3652.11.2.18-33

Resumo: Este trabalho teve como objetivo analisar as representações que emergiram das interações de teletandem entre os aprendizes de línguas estrangeiras quanto aos aspectos histórico-políticos de seus países. Discutem-se as negociações dessas representações no processo interacional em diálogo com o outro interagente. Os dados analisados foram extraídos das interações em português, realizadas entre estudantes de graduação norte-americanos, aprendizes de português e estudantes de graduação brasileiros, aprendizes de língua inglesa. Apoia-se nas discussões de Bronckart (2012) sobre representação, de sujeito na pós-modernidade, de Hall (2002), e no conceito de cultura conforme proposto por Welsch (1999), sendo ela transcultural, um processo híbrido e heterogêneo fundado em relações dinâmicas entre culturas. Por meio de uma análise interpretativa qualitativa, foi observado que o contexto de aprendizagem de teletandem constituiu importante locus para o contato intercultural. Assim, verificou-se que as representações foram enunciadas a partir de posições político-ideológicas e contextuais. Desse modo, é importante uma discussão reflexiva dessas representações, para que elas não se tornem um conhecimento fossilizado. Entende-se, também, que as identidades dos participantes se constroem em processos dinâmicos e são caracterizadas pela fluidez e heterogeneidade.

Palavras-chave: Ensino-aprendizagem de língua estrangeira, Teletandem, Interculturalidade, Representações.

Abstract: The main objective of this work is aimed to analyze the representations that emerged from the teletandem interactions among foreign language learners, regarding the historical-political aspects of their countries, discussing the negotiations of these representations in the interactional process in dialogue with the other interacting agent. The data analyzed were extracted from the interactions in Portuguese, carried out among North American undergraduates, Portuguese learners and Brazilian undergraduate students, English learners. It is based on Bronckart's (2012) discussion of representation, subject in the postmodernity of Hall (2002) and in the concept of culture as proposed by Welsch (1999), cross-cultural, hybrid and heterogeneous process based on dynamic relations among cultures. Through a qualitative interpretative analysis, it was observed that the teletandem learning context constituted an important locus for intercultural contact. Therefore, it was verified that the representations were enunciated from political-ideological and contextual positions, thus, a reflexive discussion of these representations is important, in order that not to become a fossilized knowledge. Finally, the identities of the participants are also built in dynamic processes and are characterized by fluidity and heterogeneity.

Keywords: Teaching and learning a foreign language, Teletandem, Interculturalism, Representations.

1 Introdução

Este artigo visa analisar interações de tandem para discutir as representações histórico-políticas construídas durante a interação dos participantes. Pretende-se analisar quais são as representações, tanto de base histórica quanto política, construídas pelos interagentes nas interações de teletandem, e como ocorrem os desdobramentos dessas interações, isto é, a negociação dessas representações no contato intercultural.

Devido ao encurtamento das distâncias geográficas, acentuadas, principalmente, pelo processo de globalização, tem-se uma maior necessidade de se aprender e ensinar línguas, bem como um redimensionamento dos espaços, métodos e metodologias de ensino-aprendizagem de línguas.

De acordo com Gumperz e Cook-Gumperz (2012), nos últimos tempos, houve importantes transformações das relações sociais cotidianas em ambientes urbanos, como as migrações humanas em larga escala. Antes, havia uma separação, uma distância espacial entre as pessoas e, atualmente, vê-se um convívio próximo, há um câmbio comunicacional, um maior compartilhamento, ou seja, nas sociedades pós-modernas, percebe-se um novo ambiente urbano, multicultural e complexo. Assim, as crises políticas e sociais levam a uma crise epistemológica, reconfigurando o conceito de sujeito (identidade) inserido no contexto histórico-social.

Como também apontam Ganesh e Holmes (2011), conforme as forças de globalização e internacionalização avançam, o cenário etnolinguístico de muitas comunidades continuam a evoluir para um grau maior de pluralismo. Ainda, segundo Holliday (1999), o mundo tem se tornado um lugar multicultural cada vez mais cosmopolita, onde as culturas são menos propensas a aparecer como grandes entidades de correntes geográficas.

Se há alguns séculos a definição de cultura se relacionava aos costumes de cada povo, a língua de cada nação, atualmente tem-se dificuldades em estabelecer qual é a língua representativa de cada nação, ou mesmo que costumes pertencem a cada povo.

Nesse contexto, as análises empreendidas neste trabalho se justificam (tornam-se relevantes) na medida em que buscam discutir como os aprendizes de língua estrangeira, durante interações via tandem, refletem, desconstroem, trocam suas representações situadas (pré)construídas. Desse modo, questiona-se como esse tipo de interação torna-se um contexto favorável a que cada interagente, no contato com o outro, (re)pense uma representação estereotipada, ou mesmo reflita determinada representação vigente de sua cultura.

O texto encontra-se organizado do seguinte modo: primeiramente, expõe-se a fundamentação teórica das análises realizadas. Apresentam-se, nessa parte, as características das interações via teletandem, bem como as concepções adotadas a respeito da multiculturalidade/interculturalidade, de identidade e de representação, conceitos que serão discutidos em relação aos dados analisados.

Na segunda seção do texto, apresentam-se os aspectos metodológicos do trabalho para, em seguida, passar-se à análise dos dados e às considerações finais do texto.

2 Fundamentação teórica

As reflexões e análises feitas neste trabalho fundamentam-se em características do teletandem, presentes em vários estudos; nos conceitos de representação, na linha de Bronckart (2012); de sujeito da pós-modernidade, de Hall (2002), e no conceito de cultura, conforme proposto por Welsch (1999). Passa-se, então, a discorrer sobre essas características e conceitos.

O teletandem coloca alunos universitários brasileiros que querem aprender uma língua estrangeira em contato com alunos universitários de outros países que querem aprender língua portuguesa. Nas palavras de Aranha (2012):

A aprendizagem de línguas em tandem envolve pares de falantes nativos de diferentes línguas trabalhando, de forma autônoma e colaborativa, para aprenderem a língua um do outro. Cada um dos membros da dupla é, ao mesmo tempo, aluno da língua estrangeira que deseja aprender (a língua de competência do seu parceiro) e professor de sua própria língua (aquela que o parceiro quer aprender) (ARANHA, 2012, p. 1).

O teletandem coloca em contato duas pessoas por meio da ferramenta Skype, numa situação de interação na qual cada interagente discute sobre sua própria cultura e, com isso, tem a oportunidade de refletir, de pensar sobre a cultura do outro, bem como sobre suas próprias concepções a respeito de temas e (pré)conceitos variados. Pode-se afirmar, assim, que o teletandem propicia um contato intercultural, pois, de acordo com Kramsch e Uryu (2014), contato intercultural diz respeito a uma forma de colocar em prática as suposições de um indivíduo sobre sua própria cultura, além de prover enriquecimento aos envolvidos nesse contato.

Diálogo intercultural é um processo que engloba uma troca aberta e respeitosa ou interação entre indivíduos, grupos, organizações com diferentes experiências e visões de mundo. Entre seus objetivos estão: desenvolver uma compreensão profunda das diversas perspectivas e práticas; aumentar a participação, a liberdade e a habilidade de fazer escolhas; estimular igualdade; e melhorar processos criativos (COUNCIL OF EUROPE, 2008, p. 10).

De acordo com Welsch (1999), o conceito tradicional de cultura se fundamenta na ideia de “culturas isoladas” (single cultures) e é caracterizado por três elementos: a homogeinização social, a consolidação étnica e a delimitação intercultural, isto é, a cultura de um povo concebida como ilhas ou esferas (bolhas). Essa concepção de culturas como isoladas advém da concepção de língua como “sistema fixo de estruturas forma e funções de fala universal” (BELZ, 2003, p. 69). Ou seja, pensa-se em língua e cultura separadamente, e não em língua como forma de cultura. Na mesma perspectiva, Kubota (2012) questiona a visão fixa positivista de cultura, e foca na natureza diversa, dinâmica, híbrida e diaspórica de cultura e língua.

Dessa forma, segundo Welsch (1999), atualmente pode-se pensar no conceito de transculturalidadade, ou seja, em um nível macro, entende-se que as culturas hoje são extremamente interconectadas umas com as outras, devido ao processo de imigração, à hibridação e às relações com outras culturas. Em nível micro, pensa-se no individual, nas construções de identidades individuais e estilos de vida, isso tudo interligado a problemas decorrentes do fato de que diferentes culturas precisam viver juntas em uma mesma sociedade, portanto com espaço para a tolerância, entendimento e resolução de conflitos. Assim, a transculturalidade produz diversidade, não sendo baseada em noções geográficas ou nacionais, mas concebida como um processo de trocas.

Também de acordo com Ganesh e Holmes (2011, p. 82), os processos de interculturalidade são constituídos no diálogo em negociação com os interagentes envolvidos, ou seja, observam-se “as identidades e contextos nacionais, políticos, econômicos, religiosos e históricos” nos quais os interagentes negociam suas representações.

Outro modo de abordar as mudanças na concepção de cultura ao longo do tempo é associá-las diretamente ao conceito de “sujeito”, isto é, compreender que os conceitos de cultura se modificaram porque o conceito de sujeito também se modificou.

De acordo com Hall (2002), no Iluminismo, o sujeito era centrado, dotado de razão, seu centro seria sua identidade individual. A partir do século XIX, na modernidade, o sujeito desenvolve uma concepção interativa da identidade e do eu. O sujeito é o centro, mas se modifica no diálogo com os mundos culturais exteriores; “a identidade costura o sujeito à estrutura, estabilizando tanto os sujeitos quanto os mundos culturais” (p. 11). Já o sujeito pós-moderno é fragmentado, composto de várias identidades e, com isso, não há uma identidade fixa, já que “as identidades estão em colapso devido a mudanças estruturais e institucionais: o próprio processo de identificação, através do qual nós projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático” (p. 12).

Pensando na mobilidade dos conceitos de cultura e sujeito, analisam-se, neste trabalho, os enunciados dos interagentes mediante o quadro teórico do interacionismo sóciodiscursivo – ISD –, pautado, principalmente, em seu conceito de representação. Bronckart (2008), citando Habermas (1989), afirma que a atividade humana não pode ser determinada totalmente pelas regras de racionalidade e de eficácia, mas, sim, que essa determinação é uma das dimensões da organização do agir, que coexiste com outras. Dessa forma, ainda de acordo com Habermas, parte-se do princípio de que qualquer atividade desenvolvida pelo ser humano baseia-se em avaliações atestáveis por um coletivo, que podem ser estruturadas em mundos representados, quais sejam: (i) o mundo objetivo, onde estariam organizados os conhecimentos coletivos (ou sociais) acumulados, as significações (representações) pertinentes ao mundo físico; (ii) o mundo social, relacionado às modalidades convencionais de cooperação entre os membros do grupo, onde seriam organizadas as significações elaboradas sobre normas e valores que regulam as interações; (iii) o mundo subjetivo, que revela a totalidade das experiências e vivências do falante, às quais somente este tem acesso privilegiado, e mostra as características próprias de cada indivíduo e os conhecimentos coletivos acumulados.

Na visão de Bronckart (2012), os signos não são considerados como estáveis, isto é, suas significações sempre são moventes; consequentemente, a construção dos mundos representados está também em constante transformação. Dessa forma, as produções de linguagem de um agente são entendidas em suas dimensões sincrônicas, sociais e históricas de construções conceituais e discursivas. Para ele, a representação é uma construção ideológica, social, compartilhada coletivamente, por meio da interação dos agentes em um determinado momento. Desse modo, a organização das representações no discurso está em constante mudança, pois depende da situação de produção a que se relaciona.

Como se percebe, os conceitos de linguagem e as metáforas dos mundos citados são construídos nesse modelo teórico com base no conceito de representação:

[...] denominam-se representações às significações, às expectativas, às intenções, os valores e as crenças referentes às teorias do mundo físico, às normas, valores e símbolos do mundo social e às expectativas do agente sobre si mesmo enquanto ator em um contexto particular (BRONCKART, 2012, p. 10).

Com base nos três mundos postulados por Habermas (1989), nos conceitos de representação e na visão de linguagem apresentada, analisamos os enunciados dos interagentes buscando compreender suas representações, a partir de um conjunto de modalizações que objetivam entender os comentários ou as avaliações formuladas sobre conteúdos tematizados nas conversas e que retratam fatos históricos e culturais dos países a que os interagentes pertencem. Para Bronckart (2012, p. 330), essas modalizações presentes nos discursos e que podem ser reveladoras de representações ideológicas dos sujeitos:

[...] pertencem à dimensão configuracional do texto, contribuindo para o estabelecimento de sua coerência pragmática ou interativa e orientando o destinatário a interpretação do conteúdo temático.

De acordo com o autor, as quatro funções da modalização são assim classificadas: (i) modalizações lógicas: apoiadas no mundo objetivo, apresentam elementos que constituem condições de verdade, como certas, possíveis, prováveis, improváveis, etc.; (ii) modalizações deônticas: apoiadas no mundo social, avaliam os elementos a partir dos valores sociais, permitidos, proibidos, necessários, desejáveis, etc.; (iii) modalizações apreciativas: apoiadas no mundo subjetivo, são constitutivas de elementos da subjetividade, enunciados como bons, maus, estranhos; (iv) modalizações pragmáticas: elementos que atribuem julgamentos de responsabilidade de um personagem, em relação ao processo do qual é agente, ligadas à capacidade de ação e de intenção (ALVES, 2014).

Desse ponto de vista, o conhecimento cultural é construído pelo enunciado, a partir de um sistema formador de significado/subjetividade mediado pela língua, pelos signos e por outros meios de comunicação (KUBOTA, 2012), a exemplo das interações analisadas neste trabalho nas quais há o intermédio do computador.

Passe-se, a seguir, a tratar da metodologia utilizada no estudo.

3 Metodologia

Este estudo se enquadra no paradigma qualitativo, surgido no século XIX, nas ciências sociais, na busca de outra metodologia para entender os fenômenos humanos, alegando que o paradigma quantitativo das ciências naturais, de perspectiva positivista, não atendia à complexidade dos fenômenos sociais. Em oposição a uma visão empirista da ciência, não há uma postura neutra do pesquisador, isto é, objeto e sujeito não caminham separados. Denzin e Lincoln (2006, p. 17) dão uma visão geral do que seja a pesquisa qualitativa ao afirmarem que: “[...] a pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo”.

A pesquisa qualitativa interpretativa, segundo Mason (1998), está preocupada em como o mundo social é interpretado e experienciado, entendido e produzido, baseando-se em métodos de geração de dados flexíveis e sensíveis ao contexto social em que o dado foi gerado. De acordo com Moita Lopes (1994), a pesquisa qualitativa deve considerar questões relativas a poder, ideologia, História e subjetividade. Nessa perspectiva, Mason (1998) afirma que a pesquisa deve ser conduzida como uma prática ética e com olhar voltado ao contexto político-social da pesquisa, ao pensar no potencial emancipatório que esta pode ter (ALVES, 2014).

O corpus de análise neste trabalho é constituído de dez interações de teletandem, com pares diferentes. De acordo com Vassallo e Telles (2008, p. 342), esse tipo de interação para a aprendizagem de língua estrangeira:

Consiste em um trabalho em pares, recíproco, autônomo e colaborativo; é realizado em sessões regulares bilíngues por falantes competentes de duas línguas diferentes que querem aprender cada um a língua do outro. As sessões de tandem são divididas em duas partes, dedicadas cada uma somente a uma língua. Nelas, os parceiros revezam-se nos papéis de aprendiz e de falante competente. Cada parte da sessão geralmente dura uma hora ou mais.

Os interagentes são alunos de graduação, de universidades dos Estados Unidos, aprendizes de português como língua estrangeira e alunos da Unesp – Universidade Estadual Paulista, aprendizes de língua inglesa. As interações têm duração de aproximadamente uma hora cada, sendo meia hora de prática da língua portuguesa e meia hora de prática da língua inglesa.

Neste trabalho, foram analisadas apenas as interações em língua portuguesa. As transcrições1 foram feitas por treze alunas que cursaram a disciplina “Comunicação Intercultural e Ensino de Línguas Estrangeiras”, ministrada pelo Prof. Dr. João Telles, na Universidade Estadual Paulista, no segundo semestre de 2015.

4 Análise dos dados

As opiniões, as crenças, as vivências dos participantes são demonstradas por meio das falas durante a interação do teletandem. Dentre as interações assistidas, analisam-se as representações históricas, um determinado acontecimento marcado no tempo, para investigar como essas representações são permeadas pelo posicionamento político-ideológico de cada interagente.

As interações aconteceram nos anos de 2012-2013, e alguns acontecimentos importantes que ocorreram nesses anos no mundo, principalmente no Brasil, como as eleições presidenciais, a copa do mundo, o aumento da preocupação com os problemas ambientais, foram discutidos nas interações. Separam-se as análises em três sessões, conforme o assunto tematizado na conversa entre os estudantes, que são: o Brasil e os eventos esportivos.

4.1 O Brasil e os eventos esportivos

O Brasil sediou a copa do mundo de 2014, e, antes disso, muitos foram os debates sobre as condições físicas e econômicas do país para receber um evento esportivo2. Algumas dessas representações emergiram nos diálogos de teletandem:

B: [...] O governo fala que vai melhorar... por exemplo, a gente vai ter a Copa do Mundo, a gente vai ter os Jogos Olímpicos, e os aeroportos, os aeroportos estão, não estão em condições de receber todos esse público. Não, não reformaram, não, não reformaram o aeroporto de São Paulo, não reformaram o aeroporto de, do Rio de Janeiro, então eu não sei como eles vão fazer pra receber...

A: Os jornais nos Estados Unidos dizem que uh... uh... É melhor, no Brasil, para os eventos uh... de esportes global, sim, uh... como uh... o Copa do Mundo e uh... e Olímpicos no Rio de Janeiro, uh...

B: Hum hum.

B: Não, não é. Eu, Eu acho que não. Por exemplo, os estádios, estádios que é pra ter, pra ter os jogos, da Copa do Mundo, por exemplo. Eles tão reformando, mas já era pra tá pronto, já era pra tá, assim, cinquenta por cento já era pra tá encaminhado, e, e não tá pronto, então... os estádios, em São Paulo, até, até tá pronto, tá bom... No Rio de Janeiro, tá bom, mas no resto do Brasil não tá bom, não tá pronto, não tem estádio, não tem nada, e, por exemplo, uh... E quando eles fazem essas obras, eles, é tudo irregular, então... É, eles escolhem o lugar errado, eles fazem errado, eles pagam o, os empreiteiro.

Por meio de verbos de modalização pragmática (não reformaram, vai ter), o interagente brasileiro confirma as ações que acontecerão no Brasil, que haverá copa e a necessidade de se ter uma infraestrutura adequada e de fazer reformas para receber os jogos. Por meio de modalizações apreciativas, a interagente brasileira expressa sua opinião sobre o assunto (fazem errado, mas o resto não tá bom, é tudo irregular), isto é, ela demonstra que as reformas que o Brasil necessita para receber os jogos não estão sendo satisfatórias. O interagente reforça sua opinião com modalizações lógicas, advindas de mundo objetivo (eu não sei como, eu acho que não), para dar mais veracidade às suas representações, contrárias aos eventos esportivos no Brasil. No excerto, essas representações são apoiadas em ideias coletivas, mas também retratam a própria representação do estudante (modalizações apreciativas: irregular, errado, não é bom).

As representações da interagente brasileira se contrapõem às representações do interagente dos Estados Unidos, que aparentemente possui uma representação apreciativa (é melhor), apoiada em uma modalização deôntica, na construção social dos jornais que enfatizam que o Brasil é o país do futebol, por isso seria bom que os eventos esportivos acontecessem no Brasil. Dessa forma, o contato intercultural pode produzir uma desconstrução ou uma reflexão das representações deônticas, julgadas de acordo com os valores sociais. Isto é, o contato entre eles permitiu que a interagente brasileira percebesse como o Brasil pode ser representado nos Estados Unidos, e o interagente estadunidense pôde refletir sobre e, assim, negociar a representação do Brasil como o país dos esportes.

Ainda sobre a falta de estrutura do Brasil, segue a opinião da mesma interagente:

B: Eu espero que até 2014 eles consigam fazer as coisas, mas, por exemplo, atualmente, a cidade de São Paulo não cabe mais ninguém...

A: (risos)

B: Não sei o que eles vão fazer, é muita gente, é muito carro... Os hotéis enchem só de brasileiros, imagina, você imagina quando tiver, é, imigrantes, é, quando tiver estrangeiro aqui. Com, com a população brasileira já tá cheio, cê imagina... No Rio de Janeiro também, não tem estrutura, não tem. Quando tem um evento, por exemplo, o Rock in Rio...

A: Hum...

Neste excerto aparece uma modalização deôntica que enfatiza as representações de valores sociais (tem estrutura, não tem), no qual a interagente utiliza uma construção social de que o Brasil não tem estrutura para receber os jogos para confirmar sua posição perante o fato.

A seguir, as representações sobre o mesmo tema, a copa, de outros interagentes.

B: Claro, foi ótimo, porque, porque a gente brin.. a gente fala no Brasil que o futebol é o ópio, né? Tipo, ópio, o ópio, ou seja é uma maneira das pessoas, por exemplo, na época da copa, só se falava em copa, assim tipo tudo parava na hora do jogo as lojas fechavam..

A: Sim. Eu estava lá durante a copa, tipo..

B: (Risos) É coisa de louco, não é? [INCOMPREENSÍVEL]

A: O mundo parou

B: O mundo para, o mundo para

Por meio de modalizações pragmáticas, os interagentes caracterizam o Brasil e o mundo na época da copa (as lojas fecharam, o mundo parou), descrevendo o que acontece com as pessoas na época da copa, isto é, todos param para acompanhar o evento. Também, através das modalizações apreciativas, o interagente diz que o acontecimento foi ótimo, pois o futebol seria uma distração, um divertimento para as pessoas. A representação construída socialmente do Brasil como o país do futebol, é negociada neste trecho como positiva, e levada a outras partes do mundo também como algo bom, ou algo para distrair a população de outros problemas sociais.

Abaixo, encontra-se trecho de outros interagentes discutindo o mesmo tema:

B: Então, é, então por isso que eu digo que foi bom o Brasil perder. Porque, quando, eu não assisti nenhum jogo da copa, sabe assim, eu me re-...

A: Ah, sim.

B: Eu fiz um protesto. (risos) Não posso dizer que é um protesto, mas é, eu não queria assistir. Aí, meu namorado brincava, falava: "Eu paguei muito caro por essa copa. Eu vou assistir sim". (risos)

A: Sim, verdade. Tipo

B: (risos) eu paguei caro

A: Os brasileiros vão pagar, sim.

Por meio de modalizações apreciativas (foi bom), a interagente demonstra sua representação positiva, como quem se acha satisfeito com o fato de o Brasil ter perdido a copa. Ela se diz satisfeito, pois, através de atos pragmáticos (eu não queria assistir, eu fiz um protesto), ele confirma sua ação de não assistir aos jogos como forma de protesto, ou seja, foi determinado que no Brasil haveria copa, mas como a interagente brasileira acredita que isso seria prejudicial para o país, ela fez uma contestação não assistindo aos jogos. Contudo, mesmo os interagentes sendo contrários, os jogos aconteceram e a vontade dos que detinham o comando do país foi concretizada.

Em outra interação sobre o mesmo assunto, percebe-se uma outra representação dos interagentes:

B: yeeees, 2014, tá chegando (risos)

A: sim.

B: tá chegando. Você não vai vim pro brasil assistir à copa do mundo?

A: sim, ah...eu/eu espero ah...que ah...eu ah...eu possa viajar para Brasil porque ah...e/eu vou ser uma experiência fantástica e....

B: ah

A: sim.

B: vai ter um jogo aqui perto, em londrina, é umas duas horas daqui. Um dos jogos da copa vão ser lá/vai ser lá.

Caracterizada por modalizações lógicas (vai ter um jogo), que, apoiadas no mundo objetivo como um elemento certo, as afirmações destacadas confirmam a realização do jogo e o fato de essa realização ser motivação para o interagente americano conhecer o Brasil. Por meio de uma modalização apreciativa (uma experiência fantástica), o americano se mostra empolgado com a ideia, revelando que essa sua empolgação certamente é fundamentada em representações do Brasil como importante e atrativo centro turístico.

Assim, sobre a mesma situação ou fato tem-se diversas representações, de um mesmo interagente, ou, nos casos em análise, de interagentes diferentes. Esses interagentes diferentes, de acordo com a definição de cultura como bolha, pertenceriam a mesma cultura, delimitados por uma sistematização geográfica, uma ideia de identidade nacional e uma constituição de cultura homogênea. Contudo, pode-se perceber que eles possuem representações diferentes, isto é, vê-se uma identidade fluída, e um conceito de cultura não fixo para os indivíduos de uma nação.

4.2 Fatos históricos contextualizados

No próximo trecho analisam-se as questões ambientais, discutida pelos interagentes.

B: É muito complicado falar, porque tem dois os lados né... tem a questão econômica, que é uma questão importante também, mas tem o lado do planeta. As pessoas não se mobilizam muito em prol disso, aí embora haja... exista... é Green peace, por exemplo, essas ongs né... ainda tem muito o que se fazer. Mas eu sou a favor de um consumo consciente... da sustentabilidade, do consumo sustentável... E você, o que você acha?

A: Eu acho que... acredito que...(risos) Os Estados Unidos tem um grande problema com o meio ambiente, especialmente porque a cultura das carros e a consumação... não sei a palavra... hummm... o consumo do petróleo no país é uma grande problema porque muitas razões... A dependência no petróleo do outros países é... não é muito é... não é muito bem para a economia e também... os companhias do petróleo não tem muitos, muitos é... ideaos é... hummm... e valores, sim? Especialmente para o meio ambiente porque é uma tópica difícil porque...

O interagente americano, através das modalizações lógicas (eu acho, eu acredito), apresenta elementos como sendo possíveis e verdadeiros para sustentar sua argumentação de que os Estados Unidos têm problemas referentes ao meio ambiente, devido ao consumo exacerbado, à emissão de poluentes pelos meios de transporte na atmosfera, e interpreta tudo isso como um problema (modalização apreciativa). Já o interagente brasileiro, apoiado em modalizações deônticas (tem a questão econômica, mas tem o lado do planeta, tem muito o que fazer), avalia as questões do mundo social como permitidos, a utilização dos recursos naturais vista pelo viés econômico e pelo viés ambiental: quando ele pontua que “tem muito o que fazer”, entende-se que seria desejável que as pessoas pensassem mais sobre essas questões ambientais, pois os órgãos que existem para pensar isso não seriam suficientes. A representação que emerge da fala do brasileiro a respeito dessa questão mostra-se, assim, diferente e mais positiva do que a que emerge da fala do americano, e essas representações também são condizentes com as identidades que cada um performatiza nessa interação.

O trecho a seguir contém outro fato social da atualidade, expresso na fala da interagente brasileira ao expor a situação social de uma região brasileira:

B: Ah é legal... [risos]... aqui... no Brasil... as famílias tão ficando cada vez.. menores... porque as pessoas... se casam... e e muitas vezes não querem ter filhos, aí elas vão cuidar da... carreira... é... aí... ou/ou tem um filho... então tá diminuindo muito assim... mas se a gente... se você... quando você for pro nordeste... você tem vontade de ir pro nordeste né? aí você vai ver que lá... as famílias são bem numerosas... é... cinco, seis, sete filhos... e até mais...

A: [risos]

B: é, é muito comum lá... é... é muito cultural assim... principalmente nas áreas mais... é... afastadas dos grandes centros... é... no interior... sabe? é... mais... não tem muito acesso a informação... então é, meninas com quinze anos têm... já tão grávidas... é bem preocupante

A: ah bem bem... é... é típica para ahn... para as famílias brasileiras... ahn... ter ahn... ahn... muitas... ahn.. membros e...

B: é, assim... tá mudando, assim... com o tempo tá diminuindo né... mas assim nos/nos... nos lugares mais afastados ainda é... a questão da informação ainda é meio complicada... no nordeste principalmente..

Nesse excerto, os interagentes discutem a questão de natalidade, uma outra configuração da família nos últimos anos. As modalizações deônticas que expressam as questões sociais (as famílias tão ficando, as famílias são muito numerosas) são utilizadas pela interagente para expor uma opinião subjetiva (é cultural, é preocupante – modalização apreciativa). Para Blommaert (2005, apud KRAMSCH; URYU, 2014), o verdadeiro trabalho do analista é identificar de qual perspectiva histórica os participantes desempenham suas identidades social, cultural e ideológica no discurso em resposta aos outros. Nesse sentido, consta-se que a interagente brasileira é uma aluna de uma Universidade Pública, possivelmente de classe média, moradora da região sudeste do Brasil. Muito possivelmente essas razões justifiquem certo desconhecimento que acarreta uma representação negativa e homogenizadora da região nordeste do país, como uma região pouco desenvolvida em que a falta de informação e de controle da natalidade chega a ser afirmada como uma questão “muito cultural”.

Desse modo, pode-se afirmar que, diante dessas avaliações feitas pelo estudante brasileiro, a possível representação disponível ao interagente americano, do Brasil e de seus atrativos turísticos representados pelas regiões sul e sudeste, passa a ser alterada, desconstruída enquanto representação homogênea, e possivelmente se torne redefinida por características advindas de outras regiões do país. Ao mesmo tempo, pode-se afirmar que, do ponto de vista da performance de identidades, a interagente brasileira constrói sua identidade perante a estudante americana como alguém que não pertence a essas regiões mais carentes do país e que, certamente por isso, veicula em seu discurso um conhecimento homogenizador e até certo ponto preconceituoso acerca dessa região do Brasil.

No próximo item, passa-se a tratar das eleições como assunto presente nas interações.

4.3 Eleições

Os trechos a seguir remetem às representações dos interagentes sobre as eleições presidenciais ocorridas no Brasil e nos Estados Unidos nos anos de 2013 e 2014.

A: têm. Os idosos têm mais ah...mais cosas para os médicos e os doctors e os republicanos não quer/não quer pagar para os idosos

B: é, mas os idosos precisam de mais médicos do que os jovens!

A: sim (risos) sim ah/e os republicanos ah...nos as/Estados Unidos/ah...em/a/em o/o go/no governo/no governo

B: governo

A: governo. Governo. No governo, desculpe

B: magina

A: os as/os as republicanos no governo/governo são ah...muitos jovens como os/as democráticas/democraticanos/democraticanos?

B: democratas

A: democratas. democratas (pausa) sim. e ah...democratas são mais velhos e ah...é um grande problema ah...se a não tem ah...se não temos governo no futuro ah...em uma chaos (pronúncia em inglês), chaos/chaos (pronunciando "chaios")

B: é um caos

A: caos (pronúncia correta) (risos)sim, caos

Nesse excerto, marcado por modalizações deônticas (os idosos tem, os idosos precisam, os democratas são), os interagentes avaliam, baseados em normas sociais, que os idosos necessitam mais de médicos do que os jovens. Além disso, enfatizam um confronto político ideológico entre republicanos e democratas, partidos políticos opostos dos Estados Unidos, já que cada um dos partidos tem posições divergentes sobre determinado assunto. O fato de os democratas serem mais velhos, na opinião do interagente americano, é um problema, pois isso geraria falta de continuidade política (caos, modalidade apreciativa). Infere-se que o estadunidense nesse excerto pontua uma situação ruim com as condições de saúde dos idosos relacionada a conflitos políticos (os republicanos não querem pagar) como problemática. Consequentemente, performatiza uma identidade negativa de sua condição de estadunidense, provavelmente também não condizente com a representação social que é construída, em geral, como altamente positiva das condições sociais dos Estados Unidos.

Outro par de interagentes discutem sobre as eleições nos Estados Unidos.

A: Ah, eu queria saber porque... aqui talvez daqui em dois anos, nós vamos ter uma mulher para a presidência.

B: Olha só!

A: A Hillary Clinton, sabe? ... Ai, não sei o que vai acontecer com isso, mas eu... não sei... eu tô esperando... só que a minha amiga do quarto... minha colega-...

B: Sua amiga de quarto, sim, colega de quarto.

A: É a minha colega de quarto. Ela, ela quer muito em ter a mulher para a presidência.

B: Sim.

A: Sim. Pra mim não faz muita importância porque eu só quero... ah... alguma pessoa boa.

Neste trecho, o interagente estadunidense, por meio de ações pragmáticas (tô esperando, ela quer), conta sobre a possibilidade de se ter uma mulher na presidência dos Estados Unidos, pois nos deparamos com uma América predominantemente patriarcal, na qual os representantes, as autoridades são em sua maioria constituídas pelos homens. Então, o gênero nesse caso é discutido. O interagente, ainda, pontua, por meio de uma modalização apreciativa (não faz muita importância), que para ele a questão de gênero não faz muita diferença.

Observa-se a opinião do mesmo par de interagentes referentes aos políticos dos Estados Unidos.

A: é... não tem... Nova Iorque não tem... é... muitas pessoas religiosas, mas nos Estados Unidos se... geralmente... muita religioso/.. é... especialmente no interor do... país... é... é muito diferente ahn... ahn... que as cidades... ahn... si... ahn... e as ahn... as ahn... os políticos nos Estados Unidos... são muito/muito religiosos é... mui/é... interessante para... ahn... nas eleiçãos é... não entendo ahn... muitas das questions porque... é... eles... é... eles usam... é... ahn... suas religião para... para suas ahn... políticas

B: Ah entendi

A: é... muito complicado, mas ah... é... não é muito bom para país... para ahn... para ter ahn... este diferen/ahn este diferenças ahn... nas opinios... é... tem/é uma questão muito complicada nos Estados Unidos é...

Por esse trecho, percebe-se um elemento na sociedade que o interagente dos Estados Unidos vive, os políticos dos Estados Unidos são muito religiosos, o fato de os ideais religiosos influenciarem os ideais políticos, na opinião do interagente, visto pela presença de modalizações apreciativas, é um fator negativo (é complicado, não é muito bom). Possivelmente, o interagente tenha essa representação por ter tido experiências negativas de ideais religiosos misturados a ideais políticos, de modo que, na sua concepção ideológica, ele acredite ser melhor que a religião não influencie a política.

No excerto a seguir, tem-se o mesmo par de interagentes discutindo agora sobre a situação política do Brasil.

B: Ah, então. É, eu gosto mais da da presidente, da Dilma porque assim quando ela, o projeto de governo dela, assim no lado social, tá? Eu falo bem claro é, ele é interessante. Porque tem diminuído um pouco a fome, né? Das pessoas, a miséria. Por esses motivos eu ainda acho que é uma opção melhor. Mas, na verdade eu gosto do projeto do governo. Não especialmente dela, entendeu?

A: Huh hum.

B: É, e a minha mãe ela sempre foi desse partido que é o PT. Então... eu cresci assim ouvindo e tal, mas assim eu tenho noção das falhas, né? Das coisas que dão errado, claro e eu também fico brava quando acontece esses casos de corrupção, é óbvio que a gente não gosta, mas aqui no Brasil, eu não sei como é nos Estados Unidos, mas aqui a gente tá tendo um problema que é a questão de que... nenhum partido é limpo. Nenhum partido não é corrupto. Todos eles são. Então é muito difícil.

Nesse trecho, a interagente brasileira emite suas representações sobre o atual governo brasileiro. As representações positivas, por meio das modalizações apreciativas (ele é interessante), apontam que a brasileira gosta das políticas do partido direcionado ao social, todavia se mostra insatisfeita (é muito difícil) com os partidos políticos e a presença da corrupção em torno deles.

A seguir, encontra-se um trecho em que outros interagentes discutem sobre a política brasileira. O assunto é também a corrupção, e a interagente brasileira pontua sua representação sobre um caso de corrupção no governo da época.

B: Ela finge, finge que não viu. Por exemplo, o companheiro dela roubou dinheiro.

A: Sim.

B: Ela sabe, mas ela age como se não..

A: Ah, vista grossa,ok, tipo ah, agora sei,

B: Huh hum, fazer, fazer vista grossa. Fingir que não viu. Então ela fez, naquela, naquela compra que a Petrobrás fez. Fico sabendo? Ela fez também, vista grossa. Porque, ela sabia que não valia tudo aquilo que, houve, que a Petrobrás com-... pagou. Ela pagou, muito, muito. Eu não sei dizer os valores, mas ela pagou absurdamente mais do que deveria.

B: Então, é isso que é complicado. É muito complicado. Sem contar que existe toda a ideologia. Ideologia comunista, ideologia marxista, que é complicado, e por exemplo tem o apoio a Cuba. Todo mundo sabe que o Brasil apoia Cuba (risos), né?

A: Sim.

B: Então, construir um porto em Cuba, um porto muito grande. Sendo que o Porto de Santos tá caindo. Tá desmorando de tão velho que tá.

Por meio das modalizações pragmáticas (ela age, fazer vista, fingir), o interagente brasileiro relata um caso de corrupção, cometido por um órgão público, a Petrobrás, fato bastante divulgado pela mídia. Entende-se que a interagente brasileira por meio da modalização deôntica (todo mundo sabe), fato constituído como verdade para todo o grupo social, utiliza esse julgamento para pontuar sua própria representação (é complicado, ta desmoronando de tão velha, vista grossa – modalidade apreciativa) sobre os atos políticos brasileiros. Ela tem uma representação, talvez estimulada pela mídia, de que o Brasil é um país com ideologias marxistas, ou mesmo corrupto. Na negociação intercultural com o estadunidense, o brasileiro, assim, pode reforçar ou mostrar a representação do Brasil como um país comunista e corrupto.

Através dessas interações, percebe-se que não temos uma representação homogeneizada. Nas eleições, ora percebe-se a construção de representações positivas perante as políticas governamentais, ora se vê os interagentes muito insatisfeitos com as políticas governamentais brasileiras. Isso comprova que os fatos históricos são moventes, delimitados por um momento específico e que cada interagente constrói uma identidade fluída, podendo ora concordar, ora discordar das políticas governamentais, isso influenciado pelas concepções ideológicas que cada interagente possui.

5 Considerações finais

Este estudo discutiu as representações históricos-políticas construídas nas práticas de teletandem. Conforme se buscou demonstrar com as análises, do contato intercultural estabelecido entre os interagentes estadunidenses e brasileiros, emergiram representações culturais, históricas, políticas e ideológicas. Sabe-se que, na maioria das vezes, as representações construídas possuem todos esses elementos, marcados por aspectos sociais e subjetivos. Contudo, para fins de análise neste trabalho, separam as representações que mais chamaram a atenção, focalizando principalmente as representações de fatos históricos e políticos contextualizados.

Utilizamos o conceito de representação de Bronckart (2012) para denominar o conjunto de crenças, ideias, opiniões, percepções que os interagentes constroem durante a interação. Além disso, analisam-se essas representações sob a perspectiva da interculturalidade, de acordo com a qual os interagentes negociam e refletem sobre a representação do outro, bem como sobre sua própria representação.

O modo de perceber a cultura atualmente, como práticas performativas contextualizadas, híbridas, não fixas, em constante processo de mudanças e construídas no processo de negociação entre os interagentes, nos permitiu, desse modo, identificar e analisar algumas representações negociadas na prática de teletandem. Assim, nos enunciados analisados referentes ao tema eventos esportivos no Brasil, pôde-se identificar as representações do Brasil como o país do futebol e as infraestruturas, ou a falta delas, que o país necessitava para receber os eventos esportivos. Também foram analisadas e discutidas problemáticas sociais, presentes nas interações, relacionadas às questões ambientais mais preocupantes, principalmente nos Estados Unidos. As representações homogeneizadas de estados nordestinos também foram identificadas e analisadas nas interações. Além disso, discutiram-se as representações construídas na época do período eleitoral, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

Cada interagente emite sua representação a partir de sua posição político-ideológica. Dessa forma, a negociação do contato intercultural permite “diversificar, politizar e problematizar os conhecimentos fossilizados de línguas e culturas, ao mesmo tempo que transforma o status quo de relações de poder” (KUBOTA, 2012, p.92). Ou mesmo, pode perpetuar representações fossilizadas, (pré)conceitos existentes que, se não discutidos, ou mediados, podem despertar uma representação unívoca e homogeneizada de cultura.

Referências

ALVES, A. C. Representações sobre o processo avaliativo de docentes de Le egressos do curso de Letras Universidade Federal. Dissertação (mestrado em linguística). Universidade Federal de Uberlândia, UFU, Uberlândia, 117f, 2014.

ARANHA, S. Projeto Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos – quem somos, de onde viemos, para onde estamos indo. Actes Du XIIIe coloque Pédagogique de l’alliance française de São Paulo, 2012. Disponível em: http://www.aliancafrancesa.com.br/colloque2012/actus/Acte_Solange_ARANHA.pdf. Acesso em: jun. 2015.

BELZ, J. A. Linguistic Perspectives on the development of intercultural competence in tellecollaboration. Language Learning & Technology, v. 7, n. 2, p. 69-99, 2003.

BRONCKART, J. P. Agir nos discursos: das concepções teóricas às concepções dos trabalhadores. Trad. Anna Rachel Machado; Maria de Lourdes Meirelles Matencio. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2008.

BRONCKART, J. P. Atividades de Linguagens, texto e discursos: por um interacionismo sociodiscursivo. 2. ed. Trad. Anna Rachel Machado; Péricles Cunha. São Paulo: Educ, 2012.

COUNCIL OF EUROPE. White Paper on Intercultural Dialogue. Living Together As Equals in Dignity, Strasbourg, v. 1, n. 1, p. 1-62, jun. 2008. Disponível em: https://www.coe.int/t/dg4/. Acesso em: 01 nov. 2017.

DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. O planejamento da pesquisa qualitativa. 2. ed. Trad. Sandra Regina Netz. Porto Alegre: Artmed, 2006.

GANESH & HOLMES. Positioning Intercultural Dialogue – Theories, Pragmatics and Agenda. Journal of International Communication, v. 4, n. 2, p. 81-86, 2011.

GUMPERZ, J.; COOK-GUMPERZ. Interactional Sociolinguistics: Perspectives on Intercultural Communication. In: PAULSTON, C.B.; KIESLING, S.F.; RANGEL, E.S. (Eds.). The Handbook of Intercultural Discourse and Communication. West-Sussex: Wiley Blackwell Publishing Ltd, 2012, p. 61-77.

HALL, S. Identidade e pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

HOLLIDAY. Small Cultures. Applied Linguistics. Oxford University Press. Vol. 20/2, 1999, p. 237-264.

KRAMSCH, C; Uryu, M. Intercultural contect, hybridity, and third space. In: JACKSON, J. (Ed.). The Routledge Handbook of Language and Intercultural Communication. New York: Routledge, 2014, p. 211-225.

KUBOTA, R. Critical Approaches to Intercultural Discourse and Communication. In: PAULSTON, C.B.; KIESLING, S.F.; RANGEL, E.S. (Eds.). The Handbook of Intercultural Discourse and Communication. West-Sussex: Wiley Blackwell Publishing Ltd, 2012, p. 90-110.

MASON, J. Qualitative researching. London, England: SAGE Publications, 1998.

MOITA LOPES, L. P. Pesquisa interpretativista em linguística aplicada: a linguagem como condição e solução. DELTA: documentação de estudos em linguística teórica e aplicada, v. 10, n. 2, p. 329-338, 1994.

VASSALLO, M. L.; TELLES, J. A. Aprendendo línguas estrangeiras in-tandem: historias e identidades. Rev. Brasileira de Linguística Aplicada, v. 8, n. 2, p. 341-381, 2008.

WELSCH, W. Transculturality – the Puzzling Form of Cultures Today. Space of Culture: City Nation, World, ed. by Mike Featherstone and Scott lash, London: Sage, 1999, p. 194-213.

Notas

* Artigo produzido para a disciplina Comunicação intercultural on-line em línguas estrangeiras, ministrada pelo Professor João Telles, no Programa de Pós-graduação em Linguística e Língua Portuguesa (Unesp), 2º semestre de 2015.

Financiamento: processo nº 2015/13089-, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

1 As transcrições foram feitas seguindo os seguintes códigos: A: interagente americano; B: Interagente brasileiro; UA: Universidade Americana; UB: Universidade Brasileira; A: ..../B: .... = quando A e B falam ao mesmo tempo; A:..../B interrompe:.... = quando um interrompe a fala do outro; / = truncamentos; ... = pausa curta; (pausa) = pausa longa; (incompreensível) = quando não é possível entender o que o interagente falou.
2 Convém lembrar que o Brasil também sediou os Jogos Olímpicos, em 2016.


Buscar:
Ir a la Página
IR
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por