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Ethos de violência, uma reflexão discursiva sobre comunidades virtuais que agridem professores1
Morgana Soares da Silva
Morgana Soares da Silva
Ethos de violência, uma reflexão discursiva sobre comunidades virtuais que agridem professores1
Ethos of violence, a discursive reflection on virtual communities that attack teachers
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 11, núm. 2, pp. 68-91, 2018
Universidade Federal de Minas Gerais
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Resumo: Este artigo investiga a questão de pesquisa Como se caracteriza o ethos de violência e quais as diferenças entre os sites de redes sociais Orkut, Facebook e Twitter, no que tange à construção desse fenômeno discursivo? Objetiva-se, portanto, analisar os diferentes níveis de ethos de violência encontrados nesses sites de redes sociais, comparando-os e categorizando seus tipos. Para tanto, desenvolve-se uma pesquisa qualitativa, do tipo documental e empírico-interpretativa, com emprego do método indutivo na análise de um corpus composto por 30 páginas iniciais de sites de redes sociais. As análises dos dados fundamentam-se teoricamente na Análise do Discurso de linha francesa, com base essencialmente nas pesquisas de Maingueneau (2016, 2013, 2010, 2008, 2007, 2006, 2005, 2002, 1998, 1995), e constata três categorias dos ethos de violência, a saber: a) Ethos vinculado a representações de agressão física; b) Ethos vinculado a representações de ofensa moral; c) Ethos vinculado a representações de intolerância.

Palavras-chave:Ethos de violênciaEthos de violência,Ethos discursivoEthos discursivo,Redes sociaisRedes sociais,Comunidades virtuaisComunidades virtuais,Ciberviolência contra professoresCiberviolência contra professores.

Abstract: This article investigates the research question How is the ethos of violence characterized and what are the differences among the social networking websites Orkut, Facebook and Twitter, regarding the construction of this discursive phenomenon? The objective is to analyze the different levels of ethos of violence found in these social networking websites, comparing them and categorizing their types. For that, a qualitative, documentary and empirical-interpretative research is developed, using the inductive method in the analysis of a corpus composed of 30 initial pages of virtual social networks. The analysis of the data is theoretically based on the analysis of the French Speech Discourse, based essentially on Maingueneau's research (2016, 2013, 2010, 2008, 2007, 2006, 2005, 2002, 1998, 1995). Ethos of violence, namely: a) Ethos linked to representations of physical aggression; B) Ethos linked to representations of moral offense; C) Ethos linked to representations of intolerance.

Keywords: Ethos of violence, Discursive ethos, Social networks, Virtual communities, Cyberviolence against teachers.

Carátula del artículo

Linguística e Tecnologia

Ethos de violência, uma reflexão discursiva sobre comunidades virtuais que agridem professores1

Ethos of violence, a discursive reflection on virtual communities that attack teachers

Morgana Soares da Silva
Universidade Federal Rural de Pernambuco, Brasil
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 11, núm. 2, pp. 68-91, 2018
Universidade Federal de Minas Gerais

Recepción: 01 Septiembre 2017

Aprobación: 07 Diciembre 2017

1 Introdução

Este artigo, assim como outros recortes da pesquisa completa (Cf. SILVA, 2014), defende a tese central de que no singular espaço de fala pública da internet, agredir professores torna-se sinal de coragem dos novos “ídolos” estudantis que conquistam adeptos para o grupo e para o discurso caracterizado como violento. O ethos de estudantes do corpus observado é, portanto, ao mesmo tempo consequência e motivação da adesão ao discurso violento contra professores, configurando uma nova imagem de si, que chamamos de “ethos de violência”. Defendemos, portanto, que, na web, os sujeitos estudantes sentem-se livres para agredir o professor, maculando a imagem dos professores e construindo um ethos de violência.

Especificamente neste artigo, investigamos a seguinte questão de pesquisa: Como se caracteriza o ethos de violência e quais as diferenças entre os sites de redes sociais Orkut, Facebook e Twitter, no que tange à construção desse fenômeno discursivo? Acoramo-nos teoricamente em Maingueneau (2016, 2013, 2010, 2008, 2007, 2006, 2005, 2002, 1998, 1995), pesquisador que produz no campo da Análise do Discurso de linha francesa (Doravante: ADF), e em pesquisadores de outras linhas que relacionam discurso, linguagem, violência e redes sociais na internet, tais como Bem & Tadvald (2004), Hartmann (2005), Ferraril (2006), Castells (2005) e Zuin (2012).

Ressaltamos que este trabalho tem por objetivo precípuo analisar os diferentes níveis de ethos de violência encontrados nesses sites de redes sociais, comparando-os e categorizando seus tipos. Metodologicamente, procedemos a uma pesquisa qualitativa, do tipo documental e empírico-interpretativa, com emprego do método indutivo na análise de um corpus composto por 30 páginas iniciais públicas de comunidades virtuais2 de sites de redes sociais, divididas em 10 do Orkut, 10 do Facebook e 10 do Twitter e coletadas in loco no período de 25 a 29 de julho de 2011.

A importância de tal pesquisa está na recorrência social do fenômeno revelada em incursão a sites de redes sociais (Doravante: SRS) utilizados no Brasil, na lacuna social e acadêmica sobre o tema constatada por Silva (2014), na ampliação da noção de ethos discursivo e na constituição teórica de um novo tipo de ethos constatado nessa investigação, o ethos de violência.

2 Maingueneau: semelhanças e diferenças com esta pesquisa

Inicialmente, afirmamos que consideramos o discurso como uma forma de apreensão da linguagem e os objetos do discurso como integralmente linguísticos e históricos (SOUZA-E-SILVA, 2008). O papel catafórico dos títulos de seções de Maingueneau (2002) sinaliza características relevantes de nossa concepção de discurso:

O discurso é uma organização situada além da frase, [...] orientado, [...] uma forma de ação, [...] interativo, [...] contextualizado, [...] assumido por um sujeito, [...] regido por normas, [...] considerado no bojo de um interdiscurso (MAINGUENEAU, 2002, p. 52-55).

Tais características revelam a filiação do autor a pressupostos pragmáticos, fato explicitamente reconhecido por ele em várias de suas obras, principalmente em Análise de textos de comunicação. Desde já, colocamo-nos ao seu lado nessa empreitada, assim como fazem vários de seus seguidores-pesquisadores. Nossa investigação se alinha a essa concepção de discurso, porque a análise do corpus se alicerça na materialidade linguística, no texto tanto verbal quanto não verbal e nas condições históricas, sociais, culturais e tecnológicas dos discursos proferidos contra professores.

Para tanto, não poderíamos deixar de definir nossa concepção de texto, que, mais uma vez, se pauta nos pressupostos daquele autor. A Análise do Discurso de linha francesa tem a clareza de que o analista não consegue acessar diretamente o discurso, então, o texto é a materialidade observada e estudada pelo pesquisador. Desta forma, essa categoria ganha relevância na heurística de diversos programas de pesquisa, em especial nos estudos de Maingueneau (2016, 2013, 2010, 2006, 2002).

O autor lhe dá lugar de destaque, porque acredita que o texto é o rastro do discurso. Maingueneau (1995) confirma nossa posição de ver o texto como a face material dos discursos, constituindo-se a partir de elementos verbais e/ou não verbais. Por isso, estamos atentos a todas as possibilidades de materialização discursiva e damos ênfase ao não verbal. Ele também demonstra que o processo de incorporação textual registra no texto as imagens projetadas pelo autor e pelo leitor. Quando sobreposta à ciberviolência contra professores em redes sociais, a teoria apoia nossos pressupostos e respalda alguns resultados desta pesquisa.

Maingueneau (2013, 2010, 2006, 2002) destaca que o texto tanto incorpora quanto influencia o ethos. A observação das comunidades virtuais de SRS criadas por estudantes que agridem professores nos deu a certeza da validade dessas conclusões do autor, porque esse fenômeno só se realiza quando incorporado nos textos escritos, "desenhados" e publicados na rede mundial de computadores. Sem essa materialização/incorporação, o discurso violento possivelmente nem existiria como objeto de estudo. A grande projeção que esse material textual ganha na web também confirma a forte ligação entre as categorias texto e discurso, uma vez que a violência só navega pelas infovias do ciberespaço (LÉVY, 1996), porque está materializada em textos.

Para descrever a noção de ethos em Maingueneau, partiremos do verbete de mesmo nome integrante da obra Termos-chave da análise do discurso (MAINGUENEAU, 1998), no qual o autor traça um panorama do conceito e de fenômenos a ele correlatos, tais como caráter, corporalidade, gênero e oral x escrito. Tratamos de ethos, portanto, associando-o a outros parâmetros do discurso, no intuito de observá-lo com mais profundidade. Uma definição primordial do conceito está no enfoque dado ao “mostrar”, e não ao dizer. Para nosso aporte teórico, o ethos se constitui discursivamente e é uma construção do enunciador no momento da enunciação. Nessa ocasião, o sujeito-enunciador, ao produzir linguagem, mostra uma imagem de si, imagem essa que é uma construção discursiva e origina o ethos discursivo. O enunciador não diz como é, ele se mostra no texto e construi uma imagem de si. Destacamos, então, que, de acordo com Maingueneau (1998), a constituição do ethos (ou do mostrar-se através da linguagem) é um processo discursivo, pressuposto também já defendido por Aristóteles (2005a) ao tratar da aparência na Retórica. A proximidade entre nossa concepção, a de Aristóteles (precursor do fenômeno) e a de Maingueneau (nossa fundamentação teórica principal) legitima o encaminhamento teórico dado aqui.

Ao desenvolver o conceito de ethos, o autor francês defende que sua constituição se dá através do que ele chama de caráter e corporalidade. O caráter são os traços psicológicos e a corporalidade os traços físicos que o enunciador mostra e revela no e pelo texto, na construção do ethos (MAINGUENEAU, 1998).

Assinalamos, também, a explícita consideração do autor pelos textos escritos. Tal fato ganha destaque, porque a tradição clássica da Retórica limitou-se a tratar apenas das exposições orais públicas, bojo no qual se desenvolveram várias pesquisas da área. Isso não significa que desvalorizamos ou desacreditamos das pesquisas com a oralidade; ao contrário, defendemos sua relevância e seu papel crucial na construção científica do conceito, tanto que Maingueneau (1998) apresenta os modificadores “oral e escrito” do núcleo “discurso”. Apenas fizemos uma restrição imposta por nosso objeto de pesquisa, em virtude de as redes sociais, em sua maioria e na época da coleta dos dados (2011), privilegiarem a interação escrita.

No trecho final do verbete Ethos, Maingueneau (1998) destaca que as divergências entre os gêneros do discurso e os posicionamentos de um mesmo campo discursivo são também divergências de ethos, mais uma vez correlacionando os dois conceitos, o que ratifica o pressuposto da relação intrínseca existente entre ethos e gêneros defendida por Silva (2014).

Também destacamos o fato de o autor conceber o ethos como divergente e de feições diversas e difusas, numa abordagem que entrecruza os pressupostos discutidos há pouco e deixa espaço para a variabilidade do processo discursivo. Essa abertura autoriza-nos a conceber um tipo de ethos diferente daquele mais recorrente nas pesquisas discursivas, que nomeamos de "ethos de violência" (SILVA, 2014). Esperamos que os resultados deste trabalho acrescentem relevantes reflexões sobre o processo da constituição do ethos de estudantes a partir da análise dos discursos proferidos contra professores, contribuindo com as reflexões dos atuais estudos discursivos e linguísticos.

Por sua vez, Maingueneau (1995) reforça que o ethos é uma representação do locutor, uma imagem construída discursivamente a partir do caráter e da corporalidade mostrados nos textos/discursos. Concordamos com essa conceituação, porque ela abarca o processo observado em nosso corpus. Apenas chamamos a atenção para o deslocamento de sentido operado nas comunidades virtuais de SRS analisadas: classicamente, Aristóteles (2005a) e seus seguidores, pelo prisma da Retórica, teorizaram sobre a imagem/representação de prudência, virtude e benevolência mostrada pelo orador, a fim de conquistar a confiança do auditório; mais recentemente, Maingueneau (1998) abre espaço para imagens/representações divergentes e difusas e, agora, nossa pesquisa constata uma imagem/representação que cremos ressignificar a noção clássica, ao constatar o ethos de violência. Nossos dados ressignificam os pressupostos do autor e se realizam em um ambiente diferente: o virtual. Supomos, portanto, ter encontrado em nossos dados uma representativa forma de construir uma imagem do enunciador, que também visa à conquista do auditório, mas num percurso que vai além do clássico, em outra vertente teórica. Nele, mais do que conquistar o auditório, os enunciadores constroem um ethos para conseguir a adesão de outros sujeitos ao seu discurso.

Em nosso objeto de pesquisa, a “coragem” de agredir professores é utilizada como atributo de conquista de adeptos ao discurso violento. Nossa abordagem ultrapassa, portanto, a conquista do auditório prevista por Aristóteles (2005a) na perspectiva da Retórica. Acreditamos que os ciberintimidadores (SILVA, 2014), os locutores/enunciadores de nosso corpus, procedem a um movimento mais profundo de tentativa de adesão de sujeitos, através da ciberviolência contra professores.

Em várias obras, Maingueneau (2016, 2010, 2008, 2006, 2002, 1995) posiciona-se claramente como defensor de uma abordagem mais profunda do ethos. Sua peculiar atenção não se dirige apenas à argumentação ou à persuasão, como fizeram outras linhas de estudo; mas sim discute sobre a adesão de sujeitos a posicionamentos discursivos e ideológicos, centro de sua concepção. Também adotamos tal perspectiva, porque acreditamos que ela permita um maior aprofundamento da abordagem discursiva, excedendo os tratamentos superficiais dos efeitos retóricos e das estratégias argumentativas. Chegar a esse nível de reflexão sobre o ethos discursivo nos possibilita conhecer mais a fundo a ciberviolência contra professores.

Em Maingueneau (2013, 2002), encontramos a referência do autor ao fenômeno da adesão de sujeitos. Nela, o coenunciador não é apenas persuadido, ele é mobilizado e estimulado a aderir a um universo de sentido. Esse processo é encontrado no corpus desta pesquisa, pois a plateia (SILVA, 2014) é constantemente compelida pelos ciberintimidadores (SILVA, 2014) a aderir à violência.

Por sua vez, Maingueneau (1995) alerta que a instância que assume o tom da enunciação não é o autor real, o sujeito empírico, mas sim o fiador. No caso da teoria em discussão, ele é a representação construída que responde pelo enunciado durante a incorporação. Por exemplo, no caso de nosso objeto, quem se responsabiliza pelo discurso violento, pela enunciação proferida em comunidades virtuais de SRS, não é um sujeito empírico, mas sim um fiador, a representação construída durante a enunciação, que nomeamos como “ciberintimidador”. Desta forma, esta pesquisa não trata dos sujeitos empíricos, mas sim de sujeitos discursivos alunos. Por isso, não nos interessam dados empíricos (nomes, escolas, características pessoais, por exemplo), mas sim os rastros/traços discursivos que esses fiadores deixam nos textos ao encenarem seus discursos violentos nas redes sociais.

Por outro lado, Maingueneau (2006) prescreve que a imagem/representação, o rastro deixado no texto e a necessidade de suscitar adesão típica do ethos estão diretamente relacionados à maneira de dizer, que remete a maneira de ser (MAINGUENEAU, 1998). Aderimos a tal relação estabelecida acerca do ethos e dos sentidos, porque concordamos que a maneira de dizer mostra-nos, através do texto e da forma como nele construímos os objetos de discurso, sendo, portanto, uma maneira de ser. Nos discursos analisados por esta pesquisa, percebemos isso, uma vez que a violência contra docentes se consolida através de uma maneira de dizer agressiva, repleta de palavras de baixo calão e de sentidos que maculam a imagem do professor. Por sua vez, essa maneira de dizer agressiva constitui para os estudantes um ethos de violência; ou seja, uma imagem também agressiva desses enunciadores. Todo esse processo deixa rastros nos textos escritos em comunidades, grupos e perfis temáticos de redes sociais.

Maingueneau (2010) é consistente ao definir os seguintes planos de manifestação do ethos depreendidos de textos divulgados em sites de relacionamentos:

  1. 1. ETHOS CONSTRUÍDO A PARTIR DOS PSEUDÔNIMOS: elemento que contribui para a constituição do ethos discursivo, pois suas características, associadas às do texto fazem o leitor ativar um ethos.
  2. 2. ETHOS DITO: imagem construída quando o enunciador dá informações sobre si mesmo.
  3. 3. ETHOS DISCURSIVO (MOSTRADO): “é construído pelo destinatário a partir dos índices da enunciação: escolhas de ordem lexical, complexidade da sintaxe, ritmo das frases, jogo de planos enunciativos (parênteses, ironia, paródias...) etc., mas também qualidade ortográfica ou riqueza e natureza cultural.” (MAINGUENEAU, 2010, p. 84).
  4. 4. ETHOS CONSTRUÍDO A PARTIR DAS FOTOS: as fotografias dos anunciantes levam o destinatário a construir um ethos, que pode ser ou não convergente com o ethos discursivo. Na quarta e quinta seções desta tese, retomaremos essa categoria analítica.

Esses planos previstos pelo autor alicerçarão as análises que traçaremos nas seções seguintes, porque há grande proximidade entre os sites de relacionamentos por ele analisados e os SRS por nós estudados. Também destacamos sua ênfase no fato de o ethos ser uma imagem do enunciador, construída a partir dos sinais dados por ele na incorporação textual, mas ativada pelo leitor na compreensão do texto.

A fim de aclarar essa noção de ethos de violência, passemos à discussão teórica de conceito cunhado por nossa pesquisa.

2.1 Caracterização das noções de discurso violento e de ethos de violência

Outros pesquisadores como Hartmann (2005) também concebem que a violência é conhecida pelo discurso, pois, para o autor, as violências são manifestações que derivam de determinados discursos.

Num viés também psicanalítico, Ferraril (2006, p. 50) defende que a “[...] a violência se transformou em um fenômeno com discurso que lhe é próprio”. O autor também menciona o encontro desse fenômeno com a linguagem, defendendo que

compreender a violência [...] supõe adentrar-se na constituição do laço social, considerar os discursos que imperam em dado contexto histórico e não perder de vista as formas como os sujeitos são capazes de responder aos mesmos... (FERRARIL, 2006, p. 51).

No caso de nossa pesquisa, acreditamos que a ciberviolência contra professores deriva dos discursos proferidos sobre eles nos ambientes virtuais variados. Essas ocorrências virtuais revelam que o discurso é ora fonte e ora consequência das agressões verbais e não verbais proferidas contra professores no espaço público da web.

Consequentemente, a expressão “discursos violentos” utilizada por Hartmann (2005) autoriza-nos a cunhar a expressão “ethos de violência”, uma vez que esse ethos é oriundo dos discursos violentos teorizados pelo pesquisador.

Por sua vez, amparados em Debarbieux (2002, 2001), consideramos como violência desde a física até as agressões verbais e não verbais típicas do ciberespaço. Em ambientes virtuais, a expressão pode ser empregada em relação à agressão, difamação, perseguição e outros atos considerados menores. Podemos conceber que há violência dirigida aos professores por alunos em sites de redes sociais, porque a ADF concebe que o texto materializa o discurso. Como a maior parte da interação virtual do corpus se processa por escrito – através de palavras, caracteres computacionais, fotografias e ilustrações (SILVA, 2014) –, cremos que esses textos materializam, portanto, a violência.

As pesquisas Hartmann (2005) também respaldam esse nosso posicionamento, pois, segundo ele, conhecemos a violência através do discurso que a projeta, o que faz com que a violência seja um tipo de discurso. Acreditamos, portanto, que só conhecemos a ciberviolência contra professores, porque ela é veiculada publicamente nos SRS e revelada nos discursos materializados em textos agressivos, semelhantemente aos pressupostos da ADF. Se assim não fosse, o fenômeno não existiria, o que revela que ele instaura um tipo de discurso, o violento, autorizando nosso uso da expressão “discurso violento contra professores”.

Essa reflexão parece coerente porque Hartmann (2005) faz uma distinção entre escrita violenta e escrita da violência. Compreendemos que a primeira é a escrita que materializa a violência, como os exemplares de nosso corpus, e a segunda é aquela que versa sobre a violência e não a comete, como este trabalho e reportagens.

Definido o que concebemos por discurso violento, acreditamos que o ethos é um processo discursivo, como defende a heurística das pesquisas de Maingueneau (2016, 2013, 2010, 2002, 1998), assim como cremos que a violência é um discurso, como afirmaram Hartmann (2005) e Ferraril (2006). Ambas as constatações contribuem para que afirmemos que a violência pode ser mostrada como uma imagem de si para conseguir a adesão de outros sujeitos; ou seja, pode se configurar como um tipo de ethos inusitado em relação à ideia de positividade dos ethé clássicos.

Verificamos que essa escrita, consequentemente, incorpora, num processo semelhante àquele descrito por Maingueneau (2013, 2010, 2002, 1998), uma imagem de violência que serve para conquistar seus interlocutores e constituir-se como integrante de uma comunidade discursiva, nos termos de Maingueneau (2008, 2002, 2007). Por sua vez, a construção do ethos discursivo como estratégia que visa à integração dos sujeitos a uma comunidade é um processo constatado por Soares (2011) e também presente em nosso corpus, como demonstraremos nas análises. A diferença está nos atributos utilizados para conseguir a adesão ao discurso veiculado. Nas comunidades que agridem professores, esses atributos recorrem à violência, à agressão, ao xingamento, ao sarcasmo etc. Por essa razão, para registrar um deslocamento do sentido que se distancia da comum positividade do ethos, nomeamos o ora constatado de “ethos de violência”.

A fim de legitimar “a novidade” de nossa pesquisa e a coerência da nomeação dada ao fenômeno, procedemos a uma pesquisa no Google Acadêmico pelo argumento de busca “ethos de violência”. Em tal incursão, realizada no dia 20 de abril de 2014, encontramos apenas quatro registros de trabalhos, dos quais um estava com o arquivo corrompido, outro constava na lista de resultados, mas não apresentava a expressão dentro do documento, e dois direcionaram para o mesmo artigo científico intitulado A apropriação da discursividade religiosa pelo campo político, de Bem & Tadvald (2004).

Nessa produção acadêmica, os autores analisam textos produzidos para a campanha de um candidato a vereador de uma comunidade da periferia de Porto Alegre. Apesar de ter aparecido no resultado da busca, a pesquisa não desenvolve com consistência a noção observada, empregando a expressão apenas uma vez, na seguinte afirmação: “Apesar do tom jocoso das ações, estas nos remetem a um ethos de violência particularmente projetado para as periferias. Chamamos a atenção para estes aspectos, pois nos parece importante marcar o ethos característico de uma periferia de uma grande cidade” (BEM & TADVALD, 2004, p. 65). Embora o artigo analise as imagens construídas discursivamente pelo candidato enfocado, os autores não explicitam nem enfatizam essa categoria analítica, muito menos a relacionam com profundidade à violência. Então, a obra tem importância como registro da expressão que pretendemos cunhar e como sinalização de que este tipo de ethos já foi vislumbrado em outros trabalhos, mas sua pouca ênfase na categoria não possibilita diálogos mais profundos com a pesquisa desses autores.

Diferentemente deles, Zuin (2012), embora não trate direta e explicitamente do ethos, realiza interessantes reflexões com as quais podemos dialogar. Suas constatações nos fizeram compreender que o processo de violência de aluno contra professor em SRS é resultante do sadismo dos alunos, demonstra um poder narcísico, respalda-se no prazer de ser percebido e configura-se como uma vingança por anos de autoritarismo professoral.

As reflexões do pesquisador ratificam nossa leitura de que a violência é por eles usufruída como um atributo para a adesão de adeptos em ambiente virtual. Por isso, acreditamos que a imagem de si de violência – o ethos de violência – é construída pelos donos das comunidades e seus participantes para conquistar outros membros que se identifiquem com essa ideologia. É uma forma de cativar outros alunos desejosos por derrubar os professores do pedestal de “semideuses” no qual foram colocados durante tantos anos.

Nesse jogo que acreditamos ser discursivo, agredir aqueles que os sufocavam com seu autoritarismo demonstra a onipotência do aluno (ZUIN, 2012) e revela a inversão de valores, a deslegitimação e a quebra de hierarquias já tratadas por Silva (2014). Na atual sociedade, não só os valores invertem-se, mas os ethé socialmente estabelecidos também. A violência, um atributo negativo na visão clássica do fenômeno, na sociedade do espetáculo e na revolução microeletrônica descrita por Zuin (2012), substitui a prudência, a virtude e a benevolência preconizadas por Aristóteles (2005a) na Retórica e ampliadas por Maingueneau (2013, 2010, 2002, 1998) na Análise do Discurso. Nesta pesquisa, acreditamos que o ethos passe por um deslocamento de sentido para acompanhar as mudanças sociais, teóricas e discursivas vividas nos últimos anos. Para que o leitor compreenda melhor esse rearranjo, produzimos o seguinte esquema:


Esquema 1
Deslocamento de sentido do ethos de violência.
Fonte: produção da autora.

O esquema anterior é montado com o objetivo de revelar o deslocamento de sentido da noção do ethos retórico (ARISTÓTELES, 2005a, 2005b) para a do ethos de violência (SILVA, 2014), que é resultante da perspectiva do ethos discursivo (MAINGUENEAU, 2016, 2010, 2013, 2008, 1998). Destacamos o fato de que eles são nuanças teóricas diferentes do fenômeno nomeado pela literatura especializada como “ethos”.

Pelo Esquema 1, fica evidente que os dados de nossa pesquisa fizeram emergir um “novo” tipo de ethos, o ethos de violência. Esse deslizamento de sentido, que traz a violência como um atributo de conquista, também se justifica com as constatações da atual edição de Análise de textos de comunicação sobre Os ethos híbridos, respectivamente títulos da obra e de uma seção do capítulo O ethos. Neles, Maingueneau (2013) reconhece a possibilidade da mistura em uma mesma enunciação de vários ethé, inclusive aqueles improváveis. Sendo a violência inicialmente improvável para a construção da imagem de si e revelando uma mistura híbrida com a concepção clássica, acreditamos que nossa descoberta teórica se alinha aos pressupostos do autor, embora não seja completamente prevista por ele. Consideramos que esse tipo de ethos seja coerente com a sociedade pós-moderna em que vivemos. Nela, a violência ganha ares “positivos” e serve para conquistar adeptos.

Surpreendentemente, ao lermos a Retórica de Aristóteles (2005a, 2005b), percebemos que essa concepção de ethos de violência aproxima-se também dos pressupostos aristotélicos, porque ele já tratava naquele clássico documento da ira e da raiva como paixões que poderiam ser utilizadas para conquistar o auditório; ou seja, já nos estudos clássicos, o filósofo grego abriu precedentes para nossa interpretação e para listarmos na coluna direita do esquema tais sentimentos no lugar daqueles positivos previstos na esquerda. As expressões que seguem as duas primeiras – subversão e desrespeito – contemplam nossas reflexões traçadas aqui e as categorias do ethos de violência descritas mais à frente. Com a configuração do Esquema 1, quisemos revelar que, em nosso corpus, o ethos deixa de ser constituído através da prudência, virtude e benevolência (traços positivos) e passa a enfatizar aquelas características do lado direito (traços negativos com contações de positividade), num deslocamento de sentido da concepção de ethos que torna a violência, naquelas suas múltiplas formas de manifestação, um tipo de ethos possível.

Em que consiste esse deslocamento? Sabemos que o ethos normalmente é um conceito associado à positividade (como os traços do lado esquerdo do esquema) e que a violência é tacitamente relacionada à negatividade, mas a noção de ethos aqui constatada processa um deslocamento de sentido, no qual a violência ganha, nos textos analisados, uma certa positividade perceptível na liderança que alunos agressores de professores passam a ter, tornando-se “novos ídolos estudantis” (SILVA, 2014) da turma e dos membros das comunidades. Eles são admirados pela coragem de agredir verbal e visualmente os professores no espaço público da internet, num processo semelhante ao tratado por Aristóteles (2005a e 2005b). Ou seja, a violência é utilizada como atributo para buscar a adesão de adeptos ao seu discurso também violento. Mostrando-se violentos, construindo para si uma imagem de violência, os ciberintimidadores conquistam alguns internautas, intimidadores-seguidores, porque eles veem aquela violência como algo “positivo” que merece ser “seguido” e repetido. Assim, os enunciadores dos textos, através da violência representada, conseguem a adesão dos leitores, objetivo precípuo do ethos discursivo concebido por Maingueneau (2010, 2002, 1998). É nesse sentido que tomamos a violência como traço constitutivo do tipo de ethos constatado por este trabalho.

Além disso, a violência de alunos contra professores em SRS pode ser vista como uma forma de reação dos históricos oprimidos alunos, demonstrando poder sobre aqueles seculares opressores – os docentes –, em consonância com as constatações de Zuin (2012). Nesse processo, também há um certo deslocamento da negatividade para a positividade, porque o ciberintimadador (SILVA, 2014), na verdade, transforma a vingança, algo a priori negativo, em positivo, porque demonstra para os demais alunos que tem mais “poder” sobre o professor. Essa coragem de agredir o professor é vista pelos demais estudantes como algo positivo e encantador, num processo significativo para a conquista de sua adesão. Assim, acreditamos que nossa concepção se aproxima também da de Aristóteles (2005a, 2005b), quando previa que a raiva e a ira também poderiam conquistar o auditório. É exatamente o que acontece com os ciberintimidadores vingativos.

Em outro viés, Rosário (2013, p. 105), em seu capítulo Reconhecimento e culpa: considerações sobre o problema da violência no ethos contemporâneo, defende que “inerente ao ethos, as manifestações da violência assumem diferentes contornos ao longo da história”. São elas: 1) “a violência como busca de se fazer conhecer novamente pelo outro” (ROSÁRIO, 2013, p. 105) e 2) “violência sistemática, [...] inclui não só a violência física direta, mas também as mais sutis formas de coerção que impõem relações de dominação e exploração” (Op. Cit., p. 106). Essa obra nos autoriza a conceber a violência como um caráter exaltado pelo ethos construído pelos alunos em textos verbais e não verbais dirigidos a professores em comunidades virtuais, pois a imagem de violência faz o outro “descer de seu pedestal” e reconhecer o aluno, naquele processo ambivalente de amor e ódio – sadomasoquista – descrito por Zuin (2012). Concebemos, portanto, que o ethos de violência é exaltado como uma imagem a conquistar adeptos e, ao mesmo tempo, como forma de reconhecimento do professor. Como bem disse Zuin (2012), se o aluno não consegue a atenção do seu professor, já que ele se colocou muitas vezes como superior, o tenta com a agressão e a violência, de forma semelhante à teorização de Rosário (2013). Esse é mais um indício de que a violência conhecida como característica negativa pode se “positivar” e se tornar estratégia de conquista de adeptos.

Além disso, defendemos que, se para Maingueneau (2013, 2010, 2002, 2006, 1998) o ethos envolve uma maneira de dizer que significa uma maneira de ser, uma maneira de dizer violenta sobre o outro revela uma maneira de ser violenta do sujeito discursivo. Isso significa que, ao colocar em prática nos SRS sua escrita violenta (HARTMANN, 2005), os alunos estão mostrando uma maneira de dizer que revela sua maneira de ser. Barros & Barros (2011) chegam a constatações semelhantes a essas, ao retomarem as pesquisas de Maingueneau e aplicarem ao Ethos discursivo da polícia, título principal do artigo. Ao final, eles descrevem a violência como “[...] uma atitude de violência, sob diversas perspectivas, desde o gesto de excluir, até a morte propriamente dita” (BARROS & BARROS, 2011, p. 89). Essa concepção alinha-se à nossa e respalda o tipo de ethos constatado. Portanto, ressaltamos que conceberemos como violência qualquer atitude agressiva, desde a exclusão, a intolerância, o desejo e a representação de atos agressivos até a morte propriamente dita e praticada. Também se faz necessário frisar que tomamos as expressões “violência” e “agressão” como sinônimas, embora elas não constituam uma sinonímia perfeita, até porque esse fenômeno não existe, como já foi constatado pela Semântica.

Cunhada a expressão que registra o “novo” tipo de ethos descoberto por essa pesquisa, passemos à análise de exemplares do corpus e, em seguida, à categorização dos dados.

3 A construção do ethos de violência em comunidades virtuais de SRS

Tomamos a estrutura da tabela a seguir como metodologia inicial de comparação dos SRS, a fim de sistematizar os dados desta pesquisa. O ponto de partida será a separação dos SRS em colunas dispostas mais ou menos no mesmo lugar e em categorias ou dados significativos à análise colocados na primeira coluna e enumerados por letras ou números, a depender da necessidade específica. Ao final e na coluna, serão feitos alguns levantamentos quantitativos que revelarão funcionamentos e regularidades a serem analisados qualitativamente em nossos comentários posteriores à tabela. Nas células que compõem as colunas dos SRS, disponibilizaremos as informações utilizando o seguinte critério de visualização: o número de fora dos parênteses demonstra o quantitativo de ocorrências daquela categoria naquele SRS, as letras e números de dentro representam a ocorrência do corpus que apresenta aquela categoria ou elemento; seguindo o critério C + número de ocorrência para Orkut, G + número de ocorrência para Facebook e PT + número de ocorrência para Twitter, em consonância com a nomeação dos exemplares do corpus utilizada até o momento.

Feitas as explicações metodológicas dos quadros e tabelas analíticos, passemos às categorias de ethos de violência constatadas por esta pesquisa. São eles: a) Ethos vinculado a representações de agressão física; b) Ethos vinculado a representações de ofensa moral; c) Ethos vinculado a representações de intolerância. Em todas as nomeações, está elíptica a expressão “de violência” que seguiria o vocábulo “ethos”, já que todos são ethé de violência que se vinculam a uma representação diferente, construindo um efeito de sentido particular demarcado pela expressão “vinculado a representações de”.

Concebemos por a) Ethos vinculado a representações de agressão física a imagem que o autor constrói de si a partir de uma descrição do perfil, texto que materializa o discurso de violência com a declaração explícita do desejo ou do estímulo de uma ação física agressiva direcionada aos professores; por b) Ethos vinculado a representações de ofensa moral, a imagem que o autor constrói de si a partir de palavras de baixo calão, do questionamento da autoridade do professor, do ataque à moral do docente e/ou de uma representação degradante do professor e por c) Ethos vinculado a representações de intolerância, a imagem que autor constrói de si a partir de declarações verbais de ódio aos professores, sem xingamentos explícitos, palavras de baixo calão nem estímulos à agressão física, como acontecia nas outras duas categorias.

No desenvolvimento da análise, alocamos cada exemplar do corpus em uma categoria, de acordo com o que se sobressai na descrição da comunidade virtual, e obtivemos a Tabela 1:

Tabela 1
Tipos de ethos de violência identificados no corpus.

Fonte: Produção da autora.

Antes de analisar qualitativamente os resultados da tabela anterior, ressaltemos que um mesmo exemplar pode apresentar mais de um dos tipos de ethos e que registramos no levantamento quantitativo apenas aquele que se sobressai. Assim procedemos, para atingir a nossos objetivos didáticos de organização da tabela, mas não desconsideramos as possibilidades de imbricação entre eles. Além disso, é necessário deixar claro que, para esta categorização, levamos em consideração apenas os textos produzidos pelos donos das comunidades virtuais na Descrição do Perfil. Esse foi apenas um recorte analítico instaurado nesse movimento de categorização. Em outros recortes da pesquisa, retornaremos, analisaremos e categorizaremos outros elementos e textos da página inicial. Desta forma, para que a análise dos dados seja compreendida, é necessário que o leitor associe as categorizações realizadas ao longo deste artigo àquelas da tese completa de Silva (2014).

O quantitativo total demonstrado na tabela anterior revela a predominância do ethos vinculado a representações de intolerância (23) em relação ao de agressão física e de ofensa moral, no total das ocorrências em todas as redes sociais, assim como acontece na sua prevalência em cada SRS. Além disso, o Orkut mostra-se mais produtivo no emprego dos três tipos de ethos de violência, enquanto o Twitter só apresenta o de intolerância e o Orkut tem esse e o de agressão física. Isso significa que o SRS Orkut é mais propenso à construção do ethos de violência, em seus três tipos, talvez em virtude do maior tempo de atividade da plataforma (10 anos disponível na web), do pouco gerenciamento/censura de seus administradores, da menor atividade no Twitter, como demonstra o silêncio do auditório, e da maior censura e estímulo à denúncia realizados pelo Facebook, como revelam os casos de perfis pornográficos e agressivos retirados do ar.

Acreditamos que esses dados respondem à questão de pesquisa que nos norteia. Constatamos, portanto, que o ethos de violência se apresenta de forma diferente nos três SRS, embora os textos tenham subjacentes discursos violentos similares contra professores. A violência verbal e não verbal (Cf. SILVA, 2016) construtora do discurso violento (HARTMANN, 2005) é a mesma, os textos que materializam esse são semelhantes, mas as nuances dos três tipos de ethos categorizados se apresentam fáceis de identificar. Passemos, então, à análise de cada uma das categorias constatadas no corpus.

Em primeiro lugar, alocamos na categoria a) Ethos vinculado a representações de agressão física 3 ocorrências do Orkut e nenhuma dos demais SRS. Nelas, os autores desses textos típicos do SRS enfocados criam uma imagem violenta de si, semelhantemente ao tratado por Maingueneau (2016, 2013, 2010, 2002, 1998), ao agredir professores ou outros agentes educacionais. Por sua vez, os traços agressivos do texto “mostram” o caráter de seu locutor. Constatamos que esse ethos de violência é utilizado como instrumento de conquista do auditório e de adesão de sujeitos ao discurso veiculado, revelado pelo número de membros das comunidades, de comentadores, curtidores e compartilhadores dos grupos e de seguidores dos perfis temáticos.

A fim de ilustrar essa primeira categoria, selecionamos o significativo exemplar do Orkut:

Figura 1: C10: Ethos vinculado a representações de agressão física em Orkut.


Figura 1
C10: Ethos vinculado a representações de agressão física em Orkut.
Fonte: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=1886543. Acesso em: 29 jul. 2011.

Escolhemos a cor amarela para demarcar as porções textuais das descrições que “mostram” cada tipo de ethos constatado nessa categorização. O trecho da descrição destacado na Figura 1 – “Raiva e um tijolo voando na boca é a primeira coisa que vem em mente” – revela que os sujeitos alunos constituem um ethos de violência vinculado à representação de uma agressão física; nesse caso, atirar um tijolo na boca da professora de voz insuportável. Constatamos que, através de sua maneira de dizer (MAINGUENEAU, 2006) fisicamente agressiva, o texto representa o locutor, cria para ele uma imagem também agressiva e violenta, a partir da imagem pejorativa que constrói da professora, aquela que tem uma voz insuportável.

Dessa forma, acreditamos que o ethos vinculado a representações de agressão física mobiliza um imaginário de ações agressivas que acontecem cotidianamente na sociedade. Zuin (2012), em seu capítulo Internet, ressentimento e morte entre professores e alunos, discute o amor e o ódio entre os agentes educacionais e principalmente o “fetiche” que a morte publicizada na rede mundial de computadores causa nos alunos. Para o autor, publicar no YouTube vídeos com depoimentos anteriores a chacinas em escolas é um procedimento virtual que revela a desforra dos alunos que sofriam com agressões de colegas através do Bullying e/ou com o autoritarismo dos professores e detentores do poder institucional, como ocorrido no caso da Escola Tasso de Oliveira, em 2011, em Realengo, no Rio de Janeiro. Sobre esse acontecimento e o vídeo do atirador divulgado na web, Zuin (2012, p. 222) analisa: “[...] cometer esse tipo de assassinato em massa porta consigo a esperança [...] de que todos ainda se lembrarão dele por muito tempo, sobretudo pela permanência de sua presença eletrônica no espaço virtual...”.

Reflexões mais detalhadas sobre o caso e sua projeção na internet podem ser encontradas na referida obra. O que nos interessa aqui é a vinculação entre vingança de alunos e internet. No caso dos exemplares textuais de nosso corpus, como o da Figura 1, a agressão física não se realiza concretamente, mas é representada e estimulada pela descrição, materializando um discurso corrente e interferindo diretamente na imagem de violência do locutor que se constitui discursivamente; ou seja, no ethos.

De forma semelhante ao vídeo divulgado por Wellington M. de Oliveira, o atirador da escola do Rio de Janeiro, o ethos vinculado a representações de agressão física da figura anterior mobiliza a representação de uma ação física agressiva, pois atirar em alguém é próximo a “jogar um tijolo na cara” e ambos criam para os enunciadores uma imagem de violência que concretiza a vingança por anos de opressão. Quando divulgada pelas infovias do ciberespaço, ela torna-se um instrumento de conquista dos leitores também ávidos por represálias, processando um deslocamento de sentido da concepção de ethos ilustrada no Esquema 1.

Nessa mudança, uma imagem de si, que seria a priori “ruim”, passa a ser um atributo “positivo”, pois demonstra a onipotência e o narcisismo dos estudantes, semelhantemente às constatações de Zuin (2012). Construindo um ethos vinculado à representação de agressões físicas, o aluno se mostra corajoso aos internautas que percebem essa agressão como um caráter positivo, processo discursivo que auxilia na aquisição de adeptos ao discurso violento, ao redor do qual se filiarão os integrantes da comunidade, tanto que eles decidem compartilhar do discurso, participando do ambiente virtual.

Outro dado semelhante às discussões instauradas por Zuin (2012) está na repercussão virtual desse ethos vinculado a representações de agressão física. O total de membros da comunidade (914) disponível nas informações do Perfil revela a adesão de sujeitos ao posicionamento discursivo (MAINGUENEAU, 2008) agressivo, revelando que o ethos constituído pelo texto “conquista” os leitores e sua adesão ao discurso violento. Gostaríamos de registrar que as comunidades associadas, os comentários nos fóruns e murais, as curtidas, os compartilhamentos e as retwitadas registram a adesão ao discurso violento (HARTMANN, 2005), incorporam textualmente (MAINGUENEAU, 2013, 2010, 2002) o ethos de violência e realizam o fenômeno de que “ser é ser visto eletronicamente” (ZUIN, 2012).

Acreditamos, portanto, que a representação da agressão física de atirar um tijolo na boca da professora de voz irritante, imagem da docente construída pelo discente, é uma maneira de dizer (MAINGUENEAU, 2002) que constrói a maneira de ser (Op. Cit.) violenta e agressiva do enunciador, numa tentativa de “vingança” e de confirmação de sua existência virtual semelhante ao fenômeno estudado por Zuin (2012).

Por ser apenas uma maneira de dizer, e não o ato violento realizado presencialmente, optamos por chamá-lo de ethos vinculado a representações de agressão física. O mesmo acontece com outras ocorrências do corpus, tais como: “[...] eh loco de vontade pra dar umas porradas nu prof de mat ????” da descrição de C1.

Nessa segunda ocorrência da categoria ora descrita, a representação da ação física de bater, “dar umas porradas” no professor, um registro mais informal da língua, aparece numa maneira de dizer construída através de um questionamento direcionado ao leitor/internauta, num processo retórico que visa declarar o desejo do autor de “realizar” tal ação. Essa escrita violenta (HARTMANN, 2005) materializa um ethos que mobiliza caráter e corporalidade (MAINGUENEAU, 1998), pautados na discursivização da agressão física.

Evidencia-se o fato de que, nessa primeira categoria, tomamos a representação de atos físicos agressivos – dar porrada ou jogar um tijolo – como o critério definidor de sua existência. Em todos os casos registrados, os autores dos textos constroem para si e para a comunidade virtual uma imagem agressiva e violenta em torno da qual os membros poderão se filiar e se organizar. No momento, interessa-nos que o leitor perceba a recorrência da discursivização e da representação de procedimentos físicos agressivos presentes na construção dessa categoria.

Em segundo lugar está aquela categoria que nomeamos de b) Ethos vinculado a representações de ofensa moral e na qual alocamos 3 ocorrências do Orkut, nenhuma do Facebook e nenhuma do Twitter, revelando que, mais uma vez, o primeiro SRS demonstrou ser mais produtivo.

A construção discursiva do ethos vinculado a representações de ofensa moral se dá por meio de um texto que apresenta xingamentos aos professores, rebaixando-os e maculando com qualificadores pejorativos sua moral e sua imagem socioprofissional. Nesse processo, encontramos agressões verbais aos sujeitos tematizados, mas não se chega à representação de agressões físicas, como aquelas reservadas à categoria anterior. Através dessa imagem de si mostrada pelo modo de dizer (MAINGUENEAU, 2010, 2002, 1998) sobre professores, os alunos se constroem como subversivos e criam uma imagem de superioridade que inverte a lógica institucional secularmente instaurada. Essa escrita mostra aos leitores um caráter, nos termos de Maingueneau (2010, 2002, 1998), de coragem e de desinibição típica da “proteção” oportunizada pela internet, semelhantemente ao bem descrito por Castells (2005).

Nas categorias de Herring (2002 apud HOFFNAGEL, 2010, p. 6) para o conflito na internet, há uma próxima do ethos vinculado a representações de ofensa moral. Trata-se das “representações degradantes – palavras ou imagens degradantes e danosas a grupos”. Ambas as categorias, a nossa e a do pesquisador, referem-se a uma forma humilhante e pejorativa de representar alguém; em nosso caso, os professores. Isso significa que, no tipo de imagem de si ora discutido, o critério foi a construção de um ethos vinculado a uma representação degradante do professor, de modo a macular sua moral e ofendê-lo. Por isso, nomeamo-lo como “ethos de ofensa moral”, pois acreditamos que assim nos aproximamos de Herring (2002 apud HOFFNAGEL, 2010), mas damos um significado específico para a realidade de nossa pesquisa.

Para discutir essa categoria, escolhemos a descrição da comunidade virtual intitulada EU ODEIO PROFESSOR CHATO ilustrada na Figura 2:


Figura 2
C4: Ethos vinculado a representações de ofensa moral em Orkut.
Fonte: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=3073130. Acesso em: 29 jul. 2011.

No excerto destacado em amarelo, encontramos itens lexicais que materializam a ofensa moral aos professores tematizados pela comunidade. Através da descrição que direciona o perfil discursivo a ser seguido pelos membros integrantes, macula-se a imagem do professor.

O mesmo acontece nos outros dois exemplares dessa categoria. Na descrição de C8, “Essa comunidade é pra quem tem ou conhece algum professor cuzão que gosta de fuder com os aluno!!! [...] ‘VÃO TOMANO CÚ!!!’”, o dono da comunidade virtual caracteriza o professor como “cuzão” e que gosta de “fuder” os alunos. Só a presença dessas duas expressões já demonstra o tom agressivo do enunciador. Por sua vez, na descrição de C5, “Quem nunca teve um Prof. Pé no Saco de História? Comunidade dedicada àqueles que já “sofreram” com as aulas ou com as atitudes insanas de algum deles....”, encontramos expressões como “pé no saco” e “atitudes insanas” que constroem efeitos de sentido que vão na mesma direção da agressão física, da ofensa moral e da subversão típicas dessa segunda categoria. Defendemos que a subversão está justamente no emprego inusitado dessas expressões em textos públicos e direcionados a profissionais que exerciam uma certa autoridade (muitas vezes autoritária) sobre os enunciadores dos textos. Empregar palavras de baixo calão em textos públicos é subverter a hierarquia instaurada e deslegitimar o profissional, através de um ethos que representa ofensa, agressão e violência. Esses traços do tipo de ethos analisado nos permite identificar uma outra categoria, diferentemente da primeira.

No processo recíproco típico do conceito de ethos, ao usar palavras chulas para referir-se aos docentes, como aquelas analisadas anteriormente, o sujeito discursivo aluno se mostra violento. Ao agredir o outro, sua escrita constrói seu caráter e sua corporalidade violentos e ofensivos; ou seja, o ethos vinculado a representações de ofensa moral construído pelo estudante se estabelece a partir das imagens pejorativas formuladas para o professor, ao falar dele nas comunidades virtuais.

Então, o que diferencia esta segunda categoria da primeira? No ethos vinculado a representações de ofensa moral, não se trata de uma violência física, como na anterior. Nesse segundo tipo, ao macular a imagem social do professor, o enunciador da descrição ilustrada na Figura 2 por exemplo, mostra uma agressão verbal através de adjetivos qualificadores de baixo calão selecionados para compor seu texto e não há a declaração daquelas ações físicas anteriormente analisadas. Como descreveu Maingueneau em diversas de suas obras, a seleção lexical é um dos planos de manifestação do ethos, porque constroem a maneira de dizer que representa a maneira de ser (MAINGUENEAU, 2006,1998). Assim, com uma maneira de dizer verbalmente agressiva e chula, o dono de C4, nomeado como “..” , tenta conquistar a adesão dos sujeitos ao seu discurso violento, porque se mostra como aquele que tem coragem (desinibição suficiente) para chamar publicamente em plena rede mundial de computadores seus professores de “chatos e malas”.

Os dados revelados pela Figura 2 demonstram que aparentemente o ethos visado e produzido (MAINGUENEAU, 2008) pelo dono da comunidade virtual conquista adeptos e os faz aderir ao discurso violento, já que há nela um total de 3.258 internautas filiados, como demonstra a última informação do perfil. Esse expressivo número autoriza-nos a compreender que o ethos vinculado a representações de ofensa moral atinge os objetivos discursivos previstos pelo pesquisador francês, uma vez que vai além da mera conquista do auditório, como conceituou Aristóteles (2005a, 2005b). Realizando alguns pressupostos de Maingueneau (2008), o ethos vinculado a representações de ofensa moral mostrado pela descrição de C4 consegue a adesão de 3.258 leitores, um significativo número que demonstra o alcance a que os textos virtuais podem chegar.

Passemos à análise da terceira, c) Ethos vinculado a representações de intolerância, na qual alocamos 4 ocorrências do Orkut, 10 do Facebook e 9 do Twitter, num total de 23 exemplares de ethos vinculado a representações de intolerância. Como o próprio nome da categoria sinaliza, agrupamos aqui as situações discursivas nas quais não se suportam e não se toleram os professores. Aqui está o diferencial das demais categorias, os autores declaram verbalmente não gostar, odiar e, por consequência, não tolerar seus mestres e, para tanto, não necessariamente os xingam com palavrões nem estímulos à agressão física.

Essa terceira é a categoria mais recorrente no corpus, uma vez que obteve a maioria das ocorrências (23). Isso ocorre talvez por ser uma forma mais amena de os estudantes declararem e representarem sua falta de apreço aos professores. Como não chegam ao ápice da representação da agressão física ou da ofensa moral, os autores sentem-se mais à vontade, mais desinibidos (CASTELLS, 2005) para divulgá-las publicamente. O efeito de sentido desse caso pode ser encontrado no exemplar ilustrado na Figura 3:


Figura 3
G7: Ethos vinculado a representações de intolerância em Facebook.
Fonte: http://www.facebook.com/search.php?q=odeio%20%2B%20professor&type=groups&init=srp#!/group.php?gid=300021784805. Acesso em: 26 jul. 2011.

No excerto destacado em amarelo, encontramos uma declaração que não constrói um sentido agressivo propriamente físico nem ofensivo, como se constata na seleção lexical de palavras que não lembram o campo semântico da categoria dos ethé anteriores.

Na Figura 3, ilustração de G7, a construção sofisticada “Mas um professor de português!... a esse não se admite que desconheça a gramática da língua...” materializa um discurso implicitamente contra os professores. Nela, não “se admite” equívocos do profissional, verbo que confirma nossa nomeação de intolerância, porque não se tolera, não se suporta professores que tenham esta característica. Constatamos, nessa representativa ocorrência, um caso claro da intolerância dos alunos a algumas atitudes e traços do professor, intolerância essa que não demonstra explicitamente a violência, mas que a traz subjacente na sua materialização verbal, já que, de acordo com as pesquisas sociais, ela pode ser o seu ponto inicial.

Acreditamos, portanto, que não tolerar o outro em seus defeitos ou falhas é uma forma de violência, que, na ocorrência da Figura 3 (G7), acontece através do preconceito contra professores que falam ou escrevem “errado”. Vale destacar que não encontramos nos exemplares de nosso corpus outros tipos de preconceitos, tais como racismo, homofobia, machismo etc. Uma provável causa desse resultado é nossa focalização nas páginas iniciais das comunidades virtuais, possivelmente existem casos desses outros tipos de preconceitos dentro dos comentários dos fóruns do Orkut e das mensagens antigas de murais do Facebook.

A categoria de ethos vinculado a representações de intolerância talvez apresente uma violência mais “branda” do que a agressão física e a ofensa moral, mas não deixa de ser uma forma de violência. Descrevemo-la como mais branda, porque ela não ataca direta e explicitamente o alvo, como faz a de ofensa moral, nem recorre ao ápice da violência, como a de agressão física. Provavelmente, está nessa característica mais “branda” e implícita a causa do grande número de ocorrências total das categorias e de sua unanimidade no Facebook e no Twitter, SRS nos quais a violência contra professores se mostra mais comedida ou gerenciada pelas políticas de privacidade e de denúncia de excessos. Já que em todas as análises da pesquisa, o Orkut se mostrou o espaço virtual precípuo à violência contra professores, seria esperado que ele apresentasse as três categorias de ethos ora descritas, em detrimento dos outros dois SRS, que apresentam somente esta última.

Por outro lado, se há um maior gerenciamento e uma censura mais efetiva das mensagens e dos perfis agressivos, preconceituosos e pornográficos no Facebook, os alunos são quase “obrigados” a serem mais brandos nas declarações, para que seus textos não sejam apagados da rede pelos administradores do ambiente virtual. Possivelmente, essa é uma das razões para tantas ocorrências desse ethos vinculado a representações de intolerância (10) e nenhuma do ethos vinculado a representações de agressão física. Consideramos que algo semelhante aconteça com o Twitter, já que todas as suas ocorrências apresentaram apenas o ethos vinculado a representações de intolerância.

Para melhor compreender essa categoria de ethos de violência no Twitter, passemos à ilustração de um de seus exemplares:


Figura 4
PT2: Ethos vinculado a representações de intolerância em Twitter
Fonte: http://twitter.com/#!/OdeioMeuProfe. Acesso em: 28 jul. 2011.

O caso destacado em amarelo é uma situação comum no Twitter, pois há uma predominância de descrições não escritas ou que apresentam apenas o endereçamento do título, a mesma frase escolhida para ele introduzida por um @. Dos 10 exemplares de perfis temáticos de nosso corpus, 5 não apresentam outro texto (a não ser o endereçamento) como descrição e 1 constrói uma descrição que não tematiza os professores.

Acreditamos que, no destaque da Figura 4, a declaração construída pela frase repetidora do título – @OdeioMeuProfe (PT 11) – já mostra uma imagem negativa do locutor, trazendo-o para o universo do ethos de violência. O que define sua colocação na categoria ethos vinculado a representações de intolerância é a declaração não tão impactante quanto as de agressão física e de ofensa moral. A falta do detalhamento da descrição deixa a violência mais “branda” e implícita, como aquela analisada na figura anterior, produzindo um efeito de sentido de intolerância, já que possivelmente não se tolera aquilo que se odeia. Essa constatação também nos autoriza a lotar a ocorrência anterior na categoria ora descrita.

Os outros poucos exemplares que produzem mais textos nas descrições das comunidades virtuais mantêm o tom de declaração de intolerância, sem explicitude maior da violência, como se vê em “O maior twitter de pessoas que odeiam Professores...” (PT1), “[...] para mostrar toda a sua indignação...” (PT5), “as melhores frases com m otivos que a gente odeia escola...” (PT9). Neles, constata-se o tom brando que nos serviu de critério para definir a categoria ethos vinculado a representações de intolerância.

Finalizadas e análises das categorias, sentimos a necessidade de mapear a imagem construída para os sujeitos temas dos textos produzidos e, para tanto, citamos os resultados obtidos em pesquisa anterior (SILVA, 2012). Nela, constatamos que as seguintes identidade(s) professoral(is) construída(s) por alunos fora da instituição escolar:

  • O professor chato;

  • O professor desvalorizado e desacreditado;

  • O professor coitadinho, sem autoridade, portanto, incompetente;

  • O professor lerdo;

  • O professor substituível e descartável;

  • O professor que deixa a aula pior do que já é.

Percebemos semelhanças entre esses resultados anteriores e os dados observados neste artigo. Nas comunidades virtuais analisadas aqui, as imagens que os locutores constroem dos professores apresentam as seguintes imagens pejorativas dos professores:

  • “frustrado” (C2);

  • “chato” (C4, C9);

  • “cuzão” (C8);

  • com voz irritante (C10);

  • injusto (G4, G5);

  • cometedor de erros gramaticais (G7);

  • mandão (G10).

4 Considerações finais

Acreditamos que as reflexões realizadas nesse artigo revelam o fenômeno discursivo estudado, o ethos discursivo, respondendo à questão de pesquisa e confirmando a tese apresentadas na Introdução, uma vez que constatamos nos dados o ethos de violência em diferentes níveis/tipos categorizados na seção anterior.

Depois das análises traçadas, podemos afirmar que os sujeitos discursivos alunos constroem para si em suas enunciações um ethos de violência, no intuito de conquistar adeptos para suas comunidades discursivas e virtuais, outros alunos que aderem ao discurso violento contra professores.

Também verificamos que há diferenças na construção do ethos de violência entre os SRS, tanto que as categorias que emergiram de nosso corpus – a) ethos vinculado a representações de agressão física, b) ethos vinculado a representações de ofensa moral e c) ethos vinculado a representações de intolerância – aparecem de forma diversa no Orkut, no Facebook e no Twitter. Os dados revelaram a categoria c como mais produtiva e o Orkut como SRS com maior propensão à violência, resultados que significativos para os estudos discursivos.

Por fim, destacamos que ainda há muito a ser analisado em nuances do tema e do objeto de pesquisa deste trabalho. Portanto, ampliaremos nossas reflexões em projeto de pesquisa decorrente deste estudo em execução na UFRPE/UAG, com financiamento do PIBIC/CNPq e previsão de futuras publicações.

Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
1 Este trabalho é um recorte de nossa tese de doutoramento intitulada Ciberviolência, ethos e gêneros de discurso em comunidades virtuais: o professor como alvo (SILVA, 2014) desenvolvida no PPGL/UFPE sob orientação da Profa. Dra. Virgínia Leal.
2 Como as páginas são públicas, não precisamos da autorização dos usuários.

Esquema 1
Deslocamento de sentido do ethos de violência.
Fonte: produção da autora.
Tabela 1
Tipos de ethos de violência identificados no corpus.

Fonte: Produção da autora.

Figura 1
C10: Ethos vinculado a representações de agressão física em Orkut.
Fonte: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=1886543. Acesso em: 29 jul. 2011.

Figura 2
C4: Ethos vinculado a representações de ofensa moral em Orkut.
Fonte: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=3073130. Acesso em: 29 jul. 2011.

Figura 3
G7: Ethos vinculado a representações de intolerância em Facebook.
Fonte: http://www.facebook.com/search.php?q=odeio%20%2B%20professor&type=groups&init=srp#!/group.php?gid=300021784805. Acesso em: 26 jul. 2011.

Figura 4
PT2: Ethos vinculado a representações de intolerância em Twitter
Fonte: http://twitter.com/#!/OdeioMeuProfe. Acesso em: 28 jul. 2011.
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