Linguística e Tecnologia
Novos gêneros do discurso, novas formas de ensino: as diferenças entre as videoaulas na atualidade
New discourse genres, new forms of teaching: the differences among video lessons nowadays
Novos gêneros do discurso, novas formas de ensino: as diferenças entre as videoaulas na atualidade
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 11, núm. 2, pp. 92-104, 2018
Universidade Federal de Minas Gerais
Recepción: 02 Marzo 2018
Aprobación: 02 Abril 2018
Resumo: Partindo do conceito de gêneros discursivos, segundo os estudos bakhtinianos, este artigo objetiva mostrar como os gêneros sofrem alterações em decorrência do momento histórico no qual estão inseridos. Assim, ao se estudar o gênero videoaula youtubiana como uma atualização do gênero aula, bem como da própria videoaula, vê-se uma maneira de compreender como o gênero se atualiza em razão das esferas e do suporte nos quais ele se engendra. Nesse sentido, também será trazida uma discussão sobre as diferenças de uma videoaula presente no Ensino a Distância (EaD) e no Ensino Informal a Distância (EIaD).
Palavras-chave: Videoaula youtubiana, Gêneros do discurso, EaD, EiaD.
Abstract: Starting from the concept of discursive genres, according to bakhtinian studies, this article aims at showing how the genres undergo changes as a result of the historical moment in which they are inserted. Thus, by studying the youtubian video lesson genre as an update of the lesson genre, as well as the video lesson itself, we see a way to understand how the genre is updated due to the spheres and the support in which it is engendered. In this sense, a discussion will also be brought about the differences of a vídeo lesson present in Distance Learning and Informal Distance Learning.
Keywords: Youtubian video lessons, Discursive genre, Distance learning, Informal distance learning.
1 Palavras introdutórias
Como os processos virtuais, propiciados pelo meio digital, operacionalizam forças que se atualizam, se ressignificam e se sintetizam em mudanças nos sistemas de ensino-aprendizagem no mundo contemporâneo, intercambiando-se, assim, em novos espaços e artefatos educacionais, comerciais e comunicacionais, vemos como as videoaulas, ao se situarem agora na internet, podem ser compostas de variadas materialidades, possibilitando a confluência de diferentes esferas da atividade humana ligadas pelo uso da linguagem.
Uma vez que o caráter e as formas das linguagens, consoante Bakhtin e seu Círculo, são intensamente multiformes, bem como as esferas que os sustentam, apropriamo-nos da teoria dialógica do discurso com o objetivo de perceber como o ciberespaço, em específico as videoaulas de escrita/redação1 científica inseridas no YouTube – nas quais nos baseamos para efetuar este estudo – está povoado por uma multiplicidade de linguagens, vozes e ideologias, as quais participam da construção de sentidos deste atual gênero digital.
Diante de tais considerações, buscamos perceber como as videoaulas inseridas em ambiente digital, mais precisamente no YouTube, se constituem de uma maneira diferente das convencionais, como as em VHS ou DVD, por exemplo.
Atinente às esferas de atividade, buscamos compreender como este gênero se constitui neste ambiente digital, quais as esferas de atividade que ele abarca, assim como verificar como as esferas condicionam a produção das videoaulas, direcionando seu modo de constituir-se.
Ao estudarmos o gênero videoaula youtubiana como uma atualização do gênero videoaula, encontramos uma maneira de compreendermos como o gênero se atualiza em razão das esferas e do suporte nos quais ele se engendra. Segundo essa nossa hipótese, uma videoaula em VHS ou DVD é diferente de uma videoaula de EaD, que é diferente de uma videoaula inserida no YouTube. Apesar de todas serem constituintes do gênero videoaula, suas especificidades proporcionam possibilidades outras de interpretação e produção discursiva. É por esse motivo que será utilizada a expressão “novo gênero” não com o intuito de distanciarmos as videoaulas “ditas youtubianas” das videoaulas “ditas tradicionais”, uma vez que ambas apresentam muitas características similares, mas com o objetivo de compreendermos que o site em que elas aparecem (sua forma de circulação) pode conferir-lhes finalidades específicas, materializadas na construção de sua forma composicional, de seu conteúdo temático, bem como de seu estilo.
2 Caracterização de uma videoaula
Tendo em vista a infinidade de gêneros existentes atualmente, criados principalmente em decorrência da revolução tecnológica, temos como meta configurar o gênero videoaula, de modo a verificar que o suporte onde as videoaulas estão inseridas promove, assim, novos sentidos em sua produção.
Videoaula é uma ferramenta pedagógica importante, pois através dela o “aluno-usuário”2 tem a possibilidade de visualizar um determinado conteúdo acadêmico ministrado em audiovisual através da aula de um professor, o qual ensina o conteúdo através de sua imagem e/ou voz geralmente acopladas a outros recursos tecnológicos. Por isso, os mecanismos de produção são fundamentais na composição das videoaulas já que o modo como estas são produzidas pode fazer ecoar múltiplos sentidos.
O conceito de videoaula nasceu na década de 80 e tornou-se viável com a popularização dos famosos videocassetes, que utilizavam fitas VHS. Já na década de 90, os DVDs começaram a ser difundidos e muito comercializados, o que fez com que as chamadas “fitas” se tornassem obsoletas. No entanto, hoje, este tipo de negócio também está mudando, pois com a internet o acesso aos vídeos (videoaulas) é feito de modo imediato e, em grande parte dos casos, de forma gratuita, uma vez que tais aulas estão inseridas em plataformas gratuitas de vídeos.
Entretanto, apesar de sua massiva difusão, o conceito de videoaula ainda precisa ser discutido, pois não há uma literatura que fundamente essa palavra como única. Um dos poucos conceitos de videoaula encontrados e definidos genericamente caracteriza-se como uma aula gravada e distribuída em forma de vídeo. No entanto, acreditamos que o conceito de videoaula ultrapassa tal definição e passa a ser definido como uma aula criada com recursos tecnológicos, utilizando como base um conteúdo escolar, transformado em um vídeo ou pequeno filme, que pode ser usado nas Tvs, multimídias ou diretamente no computador. Produzir, porém, esse recurso demanda planejamento, criação, edição, conhecimento técnico e visão pedagógica. De acordo com Girão (2005, p. 115):
A realização de um programa audiovisual educativo é, sem dúvida, uma tarefa complexa, mas perfeitamente exequível. Um pequeno segredo sobre produção é a familiaridade com as várias fases do processo e os equipamentos. Quanto mais se realiza, mais experiência se ganha e mais fácil será construir uma análise crítica dos meios audiovisuais, eletrônicos ou não. A quantidade de recursos, efeitos existentes hoje no mercado e na Internet proporcionam criações com animações, imagens, efeitos sonoros e visuais. Estes além de trazer a ludicidade, a criação, são inovadores em termos de recurso pedagógico.
Com as mudanças na sociedade, as formas de ensinar também sofreram alterações; tantos os professores como os alunos percebem que muitas aulas convencionais já estão ultrapassadas. As tecnologias telemáticas de banda larga, que permitiram ver-nos e ouvir-nos facilmente, colocam em xeque o conceito tradicional de sala de aula, de ensino e de organização dos procedimentos educacionais. Assim, o conceito de aula também está mudando, e aquela categorização simplista, entendida e difundida por muitos, de que a aula é concebida através de horários e espaços determinados, tende a se tornar cada vez mais retrógrada em razão da intensa flexibilidade imposta pelas novas tecnologias.
Pautada na linguagem cinematográfica (ou audiovisual de modo geral), o texto audiovisual, utilizado pelas videoaulas, foi desenvolvido através de um fazer cinematográfico (por meio de recursos técnicos e estéticos) no qual se buscou educar seus “espectadores” para a compreensão de suas narrativas, ou seja, para o seu modo de explicar determinados assuntos. Sendo assim, a produção audiovisual é feita em pedaços, na chamada decupagem, que consiste em escolher as partes ou pedaços da realidade que serão criados pela câmera, eliminando os tempos fracos ou inúteis da ação (MARTIN, 1990).
Uma videoaula melhor produzida, segundo Babin e Kouloumdjan (1989), é realizada sob a forma de centenas de fragmentos, muitas vezes, criados fora da ordem narrativa e que, para se articular num enredo, ganhando continuidade lógica e cronológica, precisa recorrer a ligações ou transições que levem a uma fluidez assegurada pela montagem/edição. Essa linguagem audiovisual final é ao mesmo tempo som, palavra, imagem enquanto elementos mixados, amplificados, enquadrados, multiplicados graças aos recursos eletrônicos que criam uma experiência global sensorial unificada.
Hoje, em razão da presença de um ciberespaço, criado segundo a participação de inúmeras vozes, muitas videoaulas passaram a ser criadas não mais atreladas a um ambiente profissional de estúdios e oficinas especializadas na produção deste tipo de gênero, mas por meio de formas domésticas e caseiras, ao se fazer uso de máquinas fotográficas digitais ou mesmo por meio de dispositivos tecnológicos, como celulares, notebooks, tablets, etc., desde que apresentem uma câmera integrada. Assim, este frenético avanço tecnológico fez com que a própria concepção das videoaulas também se ressignificasse, de forma que possamos separá-las em dois grupos:
Vejamos a figura a seguir:
Pautando-nos nessas duas concepções de aulas, consideramos que as “videoaulas ligadas explicitamente a entidades institucionais” são aquelas que fazem menção a uma determinada instituição de ensino e, geralmente, são apresentadas por indivíduos legitimados em ministrá-las (ou seja, professores). Já as “videoaulas não ligadas explicitamente a entidades institucionais” podem referir-se a qualquer aula veiculada em ambiente virtual, em razão da expressiva acessibilidade proporcionada pelo ambiente da internet, porém sem vínculos institucionais, podendo ser apresentadas por quaisquer indivíduos.
Com relação à função “aprendizagem e divulgação”, observamos que ela se apresenta nos dois tipos de videoaulas mencionados (institucionais e não institucionais): são aulas destinadas àqueles que buscam aprender com os ensinamentos nelas propostos, possuindo, assim, um valor educativo e didático; todavia, podem possuir também um caráter de divulgação, com finalidades mercadológicas e/ou ter como meta proporcionar notoriedade àqueles que as disseminam através da cibercultura3, que, ancorada nos preceitos da “cultura participativa”4, propiciada pela natureza interativa da internet, promove intensas mudanças no modo como as pessoas se relacionam com os meios de comunicação, instigando alterações entre os papéis de produtores e consumidores de informação neste ambiente digital.
No que tange ao primeiro tipo das videoaulas, incorporadas por seu viés institucional, de aprendizagem e de divulgação, salientamos as diferenças das “produzidas na internet” e das “produzidas para EaD e inseridas na internet”. Aludindo às videoaulas do primeiro caso, tomamos como base aquelas que foram produzidas com o propósito de serem introduzidas na internet. Ou seja, sua principal e primeira função é a de se destacar neste meio virtual, de modo que possam ser visualizadas por qualquer usuário que a elas tenha acesso. Já as do segundo caso fazem alusão a videoaulas criadas para a composição de aulas inseridas em cursos de EaD. Desse modo, dirigem-se, primordialmente, a alunos regularmente matriculados neste tipo de curso, contudo acabaram também sendo disponibilizadas em sites de compartilhamento de vídeos, como é o caso do YouTube, buscando atingir fins específicos, como, por exemplo, promover determinada aprendizagem para todos e/ou divulgar tais conteúdos e, consequentemente, o próprio curso de EaD a que estão submetidas5.
Por “credenciadas” e “não credenciadas”, classificamos, respectivamente, as videoaulas detentoras desta classificação que, embora não estejam ligadas explicitamente a uma determinada instituição de ensino, são proferidas, no primeiro caso, por professores, os quais, por possuírem o título, são legitimados e autorizados pela própria sociedade a ensinar e, no segundo caso (as “não credenciadas”), por aquelas pessoas que também produzem videoaulas e as inserem no YouTube, no entanto as fazem por crerem que dominam determinado assunto para assim disseminá-lo, sem, necessariamente, possuírem um título professoral. Muitas delas são elaboradas por alunos ou mesmo por produtores não identificados.
Para chegar a essa conclusão, buscamos explicitar particularidades sobre sua estruturação de forma a entendermos o modo como elas se constituem. Outrossim, procuramos dissociá-las de outros gêneros6 dos quais elas se aproximam, bem como estabelecer limites e aproximações de uma videoaula de EIaD7 para uma videoaula de EaD.
Tendo em vista nossa caracterização sobre a composição de uma videoaula, tanto as “videoaulas institucionais” quanto as “não institucionais”, para serem caracterizadas como videoaulas, devem conter: a) Presença da imagem e da voz do professor acopladas ao uso de recursos tecnológicos8; ou b) Presença somente da voz do professor acoplada ao uso de recursos tecnológicos.
As videoaulas pautam-se, assim, pela presença de um enunciador (geralmente posto na figura de um “professor-apresentador9”) que, apesar dos recursos imagéticos e tecnológicos trazidos para a constituição da aula em si, não renegam a presença (física ou vocal) daquele que conduz a aula. Desse modo, vídeos, ainda que explicativos, que trazem somente a construção do conhecimento através de animações, por exemplo, não se caracterizam, em nossos moldes, como uma videoaula, pois não há a inserção de alguém que a conduz, posicionando-se como aquele que ensina e apresenta os conteúdos.
Nesse contexto, vale ressaltar que não consideramos a aula filmada como uma forma de videoaula, pois a finalidade primeira de uma videoaula é a gravação de uma aula que contribua para a disseminação de determinado conteúdo sem, necessariamente, a presença física de alunos no momento da filmagem10. Logo, uma aula presencial gravada e inserida na internet não pode ser caracterizada como uma videoaula, pois seu objetivo central não era a gravação de tal conteúdo, e sim o ensino da matéria a alunos fisicamente presentes em determinado espaço e tempo, mas cuja aula foi aproveitada para servir como ensinamento a distintas pessoas por meio digital. Por essa lógica, a produção de um enunciado audiovisual, neste caso, uma aula gravada que apenas coleta imagens e sons diretamente da realidade não se constitui em uma videoaula, uma vez que as finalidades e o público de cada gênero (videoaula x aula presencial filmada) são distintos.
Em um texto em que mostra a decepção de um professor ao perceber que sua aula gravada ao vivo não se tornou um filme emocionante, Gerbase (2006) explica que, ao não levar em conta os códigos e as condições de produção da linguagem cinematográfica, a aula “real” ficou como um teatro (mal) filmado. Esse equívoco, segundo o autor, acontece com muita frequência no EaD, pois “a aula a distância está sendo mediada por câmeras e microfones, ou seja, pelas ferramentas do cinema e da TV, mas quase sempre usa a linguagem da aula tradicional, que é a mesma do teatro” (GERBASE, 2006, p. 4). Assim, o autor-cineasta propõe duas linhas de trabalho. Uma é
lutar para que as aulas recebam um tratamento linguístico mais adequado ao meio audiovisual (...), o que significa treinar estes professores para o trabalho de câmera (...), tornar a aula visualmente mais interessante (...) e criar ferramentas de apoio audiovisual para a aula além das já existentes (GERBASE, 2006, p. 5).
A outra (bem mais complexa e cara) consiste em “lutar para criar e produzir produtos audiovisuais que usem plenamente a linguagem audiovisual, fugindo do esquema expositivo/sala de aula e procurando uma estética narrativa/mundo” (GERBASE, 2006, p. 5). Nesse último caso, haveria a presença de material de arquivo, imagens e sons de fontes diversas, inclusive animações digitais em edições que dariam outra dinâmica às aulas. O cineasta ainda ressalta que “a migração do ‘teatro mal filmado’ para uma boa aula a distância passará, necessariamente, por uma revolução no processo de realização da aula, desde a sua concepção até a edição final” (GERBASE, 2006, p. 5), colocando o professor como elemento central e decisivo na produção desse gênero digital. Logo, essa linguagem presente na composição de textos audiovisuais é considerada uma linguagem de síntese, pois, segundo Kenski (2007, p. 31),
ao englobar aspectos da oralidade e da escrita em novos contextos [a linguagem] rompe com as formas narrativas circulares e repetidas da oralidade e com o encaminhamento contínuo e sequencial da escrita e se apresenta como um fenômeno descontínuo, fragmentado e, ao mesmo tempo, dinâmico, aberto e veloz. Deixa de lado a estrutura serial e hierárquica na articulação dos conhecimentos e se abre para o estabelecimento de novas relações entre conteúdos, espaços, tempo e pessoas diferentes.
É assim que os gêneros são ressignificados para os novos suportes de comunicação, utilizando-se do ciberespaço como novos domínios para as relações sociais entre os sujeitos, bem como para novas estratégias e práticas comunicativas, didáticas e mercadológicas.
3 Formas composicionais de uma videoaula youtubiana institucional
Ancorando-nos nos dizeres de Peters (2001), quando observamos a produção de vídeos para a internet, muitas diretrizes devem ser seguidas tendo em vista este tipo de produção, já que a cultura educacional dos “alunos-usuários” neste ambiente digital estaria mediada pela expectativa que estes têm a partir da televisão e do cinema, relacionada aos padrões de linguagem visual e de composição dos elementos aos quais estão acostumados. Fatores, de natureza tecnológica, como o treinamento de professores, aperfeiçoamento da linguagem de vídeo ou até mesmo cuidados com a composição de cenários, etc. podem contribuir diretamente no modo como o “aluno-usuário” vai receber ou aceitar determinado vídeo. Este “aluno-usuário” vai provavelmente desejar reconhecer nas imagens que visualiza aquelas que contêm uma boa linguagem de vídeo, de televisão e de cinema, bem como um bom enquadramento, uma boa iluminação, ou seja, uma dinâmica em sua narrativa.
Assim, tendo como referência as contribuições do autor acima mencionado, mas voltando-nos à estruturação das videoaulas youtubianas ditas institucionais, podemos também observá-las segundo determinadas características que podem se fazer importantes durante a sua produção, como, por exemplo: a) a definição do tema a ser abordado, b) a confecção do roteiro da aula, ou seja, a preparação do texto discursado; a escolha das imagens que serão utilizadas, incluindo-se aqui as já existentes em vídeo; as filmadas; as geradas por computador (animação gráfica) e as escaneadas (figuras e fotos), bem como os sons ou vinhetas selecionados; c) a gravação (captura) em arquivo da aula produzida; d) a contagem do tempo; e) a previsão do total de imagens a serem utilizadas; f) a utilização de um programa de edição; g) a elaboração da abertura, que tem por função prender a atenção do espectador (destinatário); h) a produção do vídeo; i) a disponibilização da aula em plataforma Moodle quando esta estiver atrelada ao EaD (no nosso caso, é necessário a abertura de uma conta no site do YouTube e a criação de um canal dentro do próprio site onde os vídeos serão inseridos).
Na produção da videoaula, faz-se necessário observar aspectos como: cenário, iluminação, planos e cortes. Ao assistir à videoaula, o “aluno-usuário” poderá focar sua percepção no detalhe inesperado, dispersando a atenção necessária ao conteúdo. Logo, é importante atentar-se a problemas de foco ou de enquadramento desequilibrado, os quais podem cortar partes do corpo do professor, pois uma vez que tais vídeos são acessados, geralmente, em pequenas telas, como tablets ou smartphones, tais falhas podem maximizar as incorreções.
Deve-se ter cuidado também com o cenário, o qual pode apoiar a contenção gestual do “professor-apresentador”. O uso de mesas e cadeiras, por exemplo, no cenário, ajuda a compor uma imagem serena e estável para o professor através de uma postura equilibrada. O plano de fundo do cenário costuma ser neutro, sem paredes com listras ou detalhes decorativos. Elementos de apoio visual (como um notebook, lousas, etc.) podem contribuir tanto para ilustrar o tema da aula quanto para apoiar a expressão do professor, desde que não haja desproporções, composições inadequadas, reflexão de luz ou sombra. A câmera que foca o professor também costuma estar posicionada à sua frente e à altura de seus olhos evitando, assim, deformações em sua face. Com relação ao vestuário, as roupas listradas ou xadrezes são, geralmente, dispensadas em favor de roupas lisas (formais e/ou casuais).
Tendo em vista os aspectos de edição, uma das características mais marcantes da linguagem de vídeo é a utilização dos chamados cortes, que estabelecem a transição permanente de um tipo de enquadramento a outro, como, por exemplo, do geral para o detalhe, de uma câmera para outra, de um enunciador a outro, de um enunciador para uma imagem, etc.
Considerando as noções de enquadramento, ainda segundo Peters (2001), é importante que o professor tenha em mente que sua primeira tecnologia educacional é o seu próprio corpo, por isso, de acordo com o autor, é preciso que se tenha a contenção dos gestos largos, uma boa entonação da voz, uma postura simpática, bem como é aconselhável, nas apresentações audiovisuais, para não deixar a aula monótona, a inserção de animações, textos, vídeos ou outros recursos de edição de imagem.
A partir dos direcionamentos acima especificados, é claro que tais “ensinamentos” são marcados pela voz daquele que busca elencar “dicas11” para se produzir uma “boa videoaula”. Esses requisitos são valores atribuídos a práticas que visam não apenas ensinar, mas comercializar as informações ali contidas. Características como essas são modelos generalizantes de uma determinada esfera que objetiva definir “formas de fazer” padrões sem se atentar às particularidades. Logo, tais modelos (inseridos em um discurso de “etiqueta”), muitas vezes utópicos, são repetidos em comunicações, treinamentos, livros, frequentemente, como normas a serem seguidas, contrapondo-se às especificidades de cada aula, de cada disciplina. Tais ideologias presentes nesta “forma de fazer” são difundidas como representações e práticas de caráter prescritivo, normativo, regulador, as quais buscam representar a realidade, generalizar o particular, através de um discurso lacunar que renega as particularidades do fazer e refuta a validação das singularidades.
4 Reverberações do gênero aula: aulas presenciais x videoaulas de EaD x videoaulas de EIaD
Na atualidade, em razão da supremacia dos meios tecnológicos na sociedade contemporânea, um “novo” domínio discursivo tem sido originado, possibilitando, assim, a emergência de inúmeros gêneros discursivos no meio virtual em consonância com outros já estabilizados e legitimados socialmente: é o caso das aulas transformando-se em videoaulas. De fato, este tipo de gênero responde, e muito, às novas demandas sociais, que, aliadas ao fluxo cultural de uma sociedade, tendem a se materializar em também novas práticas educativas, interativas e mercadológicas.
A videoaula marca sua atividade enquanto aula ministrada por meio de vídeo, contudo há ainda outras diferenças a serem assinaladas, principalmente no que concerne às aulas presenciais e às videoaulas poderem ser compreendidas como gêneros diversos.
Em termos discursivos, de acordo com as palavras de Camargo et al. (2011, p. 9),
na aula presencial o professor poderá moldar seu texto em relação ao ambiente e ao público presente (...). O professor, nesse caso, não pode apagar o que diz e é levado pela dinâmica da sua própria fala, utilizando recursos da linguagem como modalizações, fórmulas fáticas e da linguagem própria do ambiente (no caso de a sala possuir ou não lousa, projetor de slides, etc.). (...) Na videoaula a linguagem é mais objetiva, sem muitas reformulações, mesmo porque ela pode ser gravada a partir de um roteiro. Além disso, durante a gravação, se o professor erra algo em sua fala, a edição do vídeo pode excluir esse erro. A linguagem se apoia em um sistema de referência intradiscursivo, sendo autossuficiente, uma vez que o ambiente não é partilhado e o discurso será “preso” dentro da gravação. A videoaula também faz usos de outros recursos possíveis, assim como na aula presencial, mas que são próprios do seu tipo de mídium.
De acordo com Bakhtin (1997) e seu Círculo, como os gêneros do discurso estão fortemente condicionados a diferentes esferas de atividade humana, sendo, pois, inesgotáveis, estes passam por adaptações e ampliações à medida que o campo no qual emergem também se modifica. Assim, são concebidos como enunciados baseados na “unidade real da comunicação verbal” (BAKHTIN, 1997, p. 287, grifo do autor), e demarcados pelas alternâncias na tomada da fala pelos falantes. Apesar disso, não se pode proferir que o enunciado é uma unidade demarcada somente por convenção, ou delimitação teórica, mas trata-se de um elemento real a ser captado nos discursos de sujeitos envolvidos em diversas atividades humanas. O instante de transmissão da fala ao outro entabula, para o filósofo, limites precisos (BAKHTIN, 1997), no que concerne à delimitação dos enunciados. Nessa perspectiva, tomando como base essa questão do gênero trazida por Bakhtin e seu Círculo, na caracterização de uma videoaula, é sempre importante observar a qual suporte este gênero está vinculado.
Uma videoaula de EaD é, logo, divergente de uma videoaula inserida em sites gratuitos de compartilhamento de vídeos. Assim, o suporte de atuação (um curso a distância ou um site de domínio público) gera sentidos distintos com relação à própria composição e finalidade de cada videoaula. Por esse mesmo motivo, ao se analisar uma videoaula, em ambiente virtual, deve-se observar as recorrências que oportunizam diferenciar variados conjuntos de elementos como pertencentes a um mesmo gênero; as alterações em nível diacrônico, devido às transigências da história; as condições ideológicas que intermeiam a atividade do gênero; suas características dialógicas; enunciados que permitem a atividade responsiva e, sobretudo, as novas tecnologias com as quais dialoga.
De acordo com os postulados bakhtinianos acerca da composição do gênero, partimos da concepção de que estes são entidades de relativa estabilidade, atrelados a uma esfera de atuação humana. Dessa forma, as videoaulas têm lugar nos sistemas de ensino a distância como uma das ferramentas dessa metodologia de aprendizagem, todavia adquirem significados diferentes quando atreladas a outro suporte.
A implicação disso está presente no fato de que devemos entendê-las dentro de seu campo de atuação, ou seja, uma videoaula introduzida no interior de um campo educacional digital (e oficial), tendo como base as videoaulas em EaD, é diferente de uma videoaula situada em um campo público digital (e informal), tendo em vista as videoaulas youtubianas (através do EIaD) com relação à compreensão que seus usuários fazem delas.
Há uma compreensão no campo do Ensino a Distância de que as videoaulas são aulas adaptadas ao meio digital, ou seja, representam atualizações do secular “gênero aula presencial”, respondendo a novas demandas sociais e tecnológicas. No entanto, não podemos afirmar que a aula presencial e a videoaula são os mesmos gêneros, diferenciados apenas pelas adaptações relativas ao veículo de comunicação, por ser a primeira um tipo de interação face a face e a última ser veiculada em arquivo de vídeo, disponível na internet.
Nesse cenário, as videoaulas também se diferenciam dependendo do lugar onde estão anexas. Enquanto uma está disponível em uma página on-line de determinada instituição, a outra pode ser compartilhada por inúmeros usuários em sites gratuitos. Desse modo, é de suma importância ressaltar que, dentro do sistema do EaD, as videoaulas não são os eixos principais, mas apenas ferramentas que subsidiam a aprendizagem, acopladas a webconferências, chats, leitura de textos individuais, etc. Tais materiais funcionam, à parte, como um espaço que pode suprir as necessidades responsivas dos estudantes, já que estes não podem recorrer simultaneamente às falas do professor na videoaula, por exemplo. Já videoaulas posta em sites de compartilhamento de vídeos, como o YouTube, na maioria dos casos, são restritas somente a vídeos dispersos ou enumerados sequencialmente para que o “aluno-usuário” possa observar a sequência proposta e informar-se do conteúdo ali disposto.
Com relação à interação presente nas videoaulas, podem-se notar diferenças quanto ao espaço disponível às atividades comunicativas entre professores e estudantes ou entre os próprios estudantes. No caso do EaD, este espaço se realiza através dos chats, fóruns ou mesmo nas correções, por professores e tutores, das atividades propostas. Já na videoaula youtubiana informal12, este contato sincrônico com o professor também não existe, mas sua interação geralmente se dá por perguntas, críticas ou sugestões deixadas pelos usuários no próprio site, geralmente na parte destinada aos comentários dos vídeos.
Logo, consideramos, então, que não se pode demandar das videoaulas uma plena correspondência com as aulas presenciais, pois, deste modo, estaríamos ignorando as condições do tempo-espaço em que são produzidas. Já no que diz respeito à interação13, vemos que esta ocorre, de fato, não só nas aulas presencias, mas nos diferentes tipos de videoaulas, porém em contexto diverso da enunciação do professor.
No tocante à relativa “estabilidade” do gênero, observamos que a materialidade de uma videoaula (seja ela em EaD ou EIaD) não se dá apenas em nível linguístico (oral e escrito), mas, considerando suas características alicerçadas no audiovisual, há a presença de imagens, gifs, quadros, além do próprio vídeo. Todos esses elementos são imprescindíveis, por veicularem informações, mas também para evitar uma possível monotonia visual, pois, nas videoaulas, em geral, diferentemente das aulas presencias, vê-se a imagem do professor gravada apenas da cintura até a cabeça.
Podemos, assim, dizer que apesar das diferenças existentes entre as videoaulas de EaD e as videoaulas digitais informais, ambas se constituem enquanto gênero autônomo, quando em comparação com as aulas presenciais. É certo que representam, enquanto reconhecimento social, uma adaptação daquelas às novas demandas tecnológicas do nosso século. Caracterizam-se como gênero distinto por possuírem características dialógicas distinguíveis (imagens, gifs, quadros, etc.) quando comparadas ao gênero presencial, tendo, portanto, novas significações e novas exigências de comportamento por parte de seus “alunos-usuários”.
Com relação à produção/recepção, as videoaulas se dão em momentos diferentes das aulas presenciais, sendo, portanto, assíncronas. Sua duração é limitada, tendo, em geral, a extensão do texto oral ou escrito que veicula, sem mudanças de turno professor-aluno. Sendo assim, as unidades enunciativas não podem ser marcadas por troca de turno, mas somente por delimitações de tópico ou expressão. Já os participantes da situação social são, além dos que participam da produção da aula, os destinatários oficialmente inscritos e matriculados em um curso a distância (no caso do EaD) ou “alunos-usuários” que voluntariamente optaram por acessar tal conteúdo (no que concerne às videoaulas disponibilizadas em sites como o YouTube, por exemplo). Com relação aos primeiros, esses destinatários são, em geral, hipoteticamente conhecidos, porque precisam ter sua participação legitimada pela matrícula em tal curso; já os segundos são desconhecidos, pois podem referir-se a qualquer usuário da internet.
5 Reverberações finais
Assim, diante de todas as considerações trazidas neste artigo, destacamos a importância do campo das tecnologias digitais como modo de situarmos o espaço virtual e tecnológico que envolve as videoaulas inseridas na internet, em especial, no site do YouTube. Desse modo, tivemos como meta traçar os limites e aproximações entre os conceitos de videoaulas e videoaulas youtubianas para, assim, compreendermos melhor as especificidades deste gênero.
Vimos que estudar as videoaulas inseridas no YouTube, como uma atualização do gênero videoaula, é um modo de concebê-las como um “novo gênero” (videoaulas youtubianas) que se perfaz segundo suas finalidades específicas, em razão do suporte em que estas aulas estão inseridas. Após estabelecer as relações limítrofes entre os diferentes tipos de videoaulas, notamos também como o tipo de ensino pode se ramificar em EaD ou EIaD.
Portanto, depois que tivemos contato com o espaço em que tais aulas eram difundidas, bem como com as videoaulas ali presentes, percebemos o quanto as questões relativas ao gênero do discurso, tão discutidas pelo Círculo de Bakhtin, eram importantes neste trabalho. Foi através do deslocamento desse olhar que nos propusemos a refletir sobre como este gênero, videoaula youtubiana de escrita/redação científica, situado neste lugar, o YouTube, poderia adquirir singulares formas de sentido ao conectar-se com distintas esferas de atividade.
Referências
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Notas