Educação e Tecnologia

Hipertexto e saberes docentes

Hypertext and teaching knowledge

Andréa Lourdes Ribeiro
Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil

Hipertexto e saberes docentes

Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 11, núm. 2, pp. 206-218, 2018

Universidade Federal de Minas Gerais

O autor de submissão à revista Texto Livre cede os direitos autorais à editora da revista (Faculdade de Letras da UFMG), caso a submissão seja aceita para publicação. A responsabilidade do conteúdo dos artigos é exclusiva dos autores. É proibida a submissão integral ou parcial do texto já publicado na revista a qualquer outro periódico.

Recepción: 01 Septiembre 2017

Aprobación: 02 Febrero 2018

Resumo: O presente artigo relata a pesquisa realizada sobre os Planos de Aula de Língua Portuguesa disponíveis no Portal do Professor (MEC) com o objetivo de compreender como o professor tem lidado com o hipertexto enquanto objeto de ensino-aprendizagem. A delimitação dos saberes docentes empregados na produção de propostas de ensino do hipertexto concentrou-se inicialmente na verificação do conceito de hipertexto subjacente às propostas de ensino e em seguida na avaliação das práticas pedagógicas para o ensino do hipertexto. Os dados gerados foram observados à luz do referencial teórico que contribuiu para situar a tela como novo espaço de escrita; para definir o hipertexto e sua estruturação textual e linguística; para dimensionar as habilidades implicadas nas maneiras de ler e de escrever no ciberespaço; para refletir sobre o ensino do hipertexto (LÉVY, 1999a, 1999b; MARCUSCHI, 2005; SOARES, 2002; XAVIER, 2005; GOMES, 2011; RIBEIRO, 2012). Para a investigação optamos pela abordagem metodológica quantitativa para mensurar os dados e pela qualitativa com o intuito de interpretar os saberes docentes sobre o hipertexto, representados nos Planos de Aula. Os resultados demonstraram a pluralidade de sentidos atribuídos ao hipertexto e que essa modalidade de escrita virtual não é tomada como objeto de ensino, mas sim como uma “inovação” para práticas pedagógicas que reforçam gêneros textuais típicos da cultura impressa.

Palavras-chave: Hipertexto, Linguística aplicada, Ensino, Língua portuguesa.

Abstract: This paper reports the research performed about the Portuguese Lesson Plans available at the Teacher’s Web Portal in the Brazilian Ministry of Education website, in order to understand how the teacher has dealt with the hypertext as a teaching-learning tool. The teaching-knowledge delimitation used in the elaboration of hypertext teaching proposals was initially focused on the concept of hypertext underlying the proposals and then, on the assessment of pedagogical practices for teaching it. The data were investigated from a theoretical frame that allowed to establish the screen as a new writing space; to define the hypertext and its textual and linguistic structuring; to set a dimension to the skills involved in the ways of reading and writing in cyberspace and to reflect on the hypertext teaching (LÉVY, 1999a, 1999b; MARCUSCHI, 2005; SOARES, 2002; XAVIER, 2005; GOMES, 2011; RIBEIRO, 2012). The research procedures involved the quantitative methodological approach to measure the data, and the qualitative one, aiming at interpreting the teaching-knowledge about the hypertext expressed in the Lesson Plans. The results conveyed the plurality of meanings attributed to hypertext and that this form of virtual writing is not taken as an object of teaching, but rather as an “innovation” for pedagogical practices that reinforces textual genres, typical of a print culture.

Keywords: Hypertext, Applied linguistics, Teaching, Portuguese language.

1 Introdução

Não podemos negar que nos dias atuais têm sido crescente a participação da tecnologia digital nas mais de diferentes esferas sociais permeada por inúmeras práticas interacionais que atendem às mais variadas intenções comunicativas do mundo contemporâneo. O avanço tecnológico tem colocado à disposição do usuário não só uma infinidade de dispositivos digitais, mas também softwares, aplicativos, jogos, etc., utilizados para o divertimento, a comunicação e a circulação de informações e de saberes na internet. A expansão do ambiente virtual resulta nas considerações de Ramal (2002, p. 14), para quem os dispositivos digitais, a internet e o hipertexto “são, a partir de agora, as tecnologias intelectuais que a humanidade passará a utilizar para aprender, gerar informação, ler, interpretar a realidade e transformá-la.”.

A incorporação pela escola de dispositivos digitais, da internet e do hipertexto exige que ela se modifique e incorpore mudanças que são de ordem técnica, pedagógica e didática, necessárias para utilizar essas tecnologias intelectuais como ferramentas educacionais. Isso significa que as instituições de ensino têm não só que equipar e permitir o acesso aos dispositivos digitais no espaço escolar como computador, tablet, celular, conectados ou não à internet, mas também refletir questões pedagógicas e didáticas que envolvem a formação do professor para selecionar componentes curriculares e desenvolver práticas de ensino condizentes com a educação para cibercultura.

A literatura científica no campo da linguística inclui hoje inúmeros estudos voltados para a compreensão da tela como um novo espaço de escrita na qual circula uma modalidade diferente de texto, o hipertexto, para o qual há novas maneiras de ler e de produzir que demandam o letramento digital (LÉVY, 1999a, 1999b; MARCUSCHI, 2005; SOARES, 2002; XAVIER, 2005; GOMES, 2011; RIBEIRO, 2012). No entanto, há ainda perguntas sobre o hipertexto e o ensino de Língua Portuguesa, tais como: que saberes os professores possuem sobre o hipertexto? De que forma o hipertexto está sendo ensinado? Qual conceito de hipertexto sustenta as práticas pedagógicas? Qual tratamento didático tem sido dado aos aspectos textuais e linguísticos do hipertexto? O trabalho pedagógico acontece por meio de experiências autênticas com o hipertexto ou está condicionado aos limites do material impresso? Como os materiais didáticos digitais lidam com os novos modos de ler e de produzir?

Esses questionamentos apontam desafios que a entrada do hipertexto nas aulas de Língua Portuguesa traz para o professor, exigindo dele preparo profissional diferenciado para o que é feito em relação às práticas textuais tradicionais da cultura impressa. No intuito de tentar esclarecer algumas dessas questões e delimitar alguns desses desafios, acreditamos que esta pesquisa voltada para a reflexão dos saberes docentes sobre o ensino do hipertexto possa contribuir para fomentar discussões no campo de estudos da Linguística Aplicada.

Diante dessas considerações, a presente pesquisa1 estabelece como objetivo compreender como o professor tem lidado com o hipertexto enquanto objeto de ensino-aprendizagem no ensino fundamental final. Para realizar esse objetivo, a pesquisa delimitou como corpus 6 (seis) Planos de Aula de Língua Portuguesa disponíveis no Portal do Professor (MEC), no qual foram buscados os saberes docentes relativos ao conceito de hipertexto e às práticas pedagógicas com o hipertexto.

A pesquisa de cunho documental investigou nos Planos de Aula (doravante PA) os saberes docentes nele representados sobre o hipertexto, saberes esses que dizem respeito ao conceito e às práticas pedagógicas empregadas para ensinar o texto virtual. Para a investigação, optamos pela abordagem metodológica quantitativa para mensurar os dados e traduzir em números os resultados da análise e pela abordagem qualitativa para interpretar quais e como os saberes docentes sobre o hipertexto encontravam-se representados nos Planos de Aula.

Os dados gerados pela investigação foram coletados e examinados à luz do referencial teórico apresentado a seguir, que traz estudos que apontam a tela como novo espaço de escrita; definem o hipertexto e sua estruturação textual e linguística; dimensionam as habilidades implicadas nas maneiras de ler e de escrever no ciberespaço; refletem sobre o ensino do hipertexto.

2 O ensino na cibercultura

O ensino vivencia hoje a chegada à escola de materiais didáticos em versão digital, tais como software, livro didático digital, e-book, CD-ROM. Presumimos que o uso desses materiais digitais possibilita ao professor a prática pedagógica com o hipertexto e oportuniza tanto o ensino do texto em circulação na cultura impressa quanto do texto digital na cibercultura2. Por isso, o professor de Língua Portuguesa precisa compreender como o hipertexto se constitui, como funciona, quais suas particularidades textuais e como são os modos de ler e escrever hipertextos.

A prática pedagógica com o hipertexto implica considerar que a cibercultura conduz a um estado ou condição diferente daquele gerado pelas práticas de leitura e de escrita na cultura impressa. Pensando nas possibilidades de inclusão e de exclusão das pessoas no universo digital, Soares (2002) defende que a mudança do impresso para o virtual implica mudanças nos processos de leitura e de escrita nos dispositivos digitais. Para Soares (2002, p. 146):

A tela, como novo espaço de escrita, traz significativas mudanças nas formas de interação entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto e, até mesmo, mais amplamente, entre o ser humano e o conhecimento. [...] A hipótese é de que essas mudanças tenham consequências sociais, cognitivas e discursivas, e estejam, assim, configurando um letramento digital, isto é, um certo estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel.

Entendemos com Soares que a participação na cultura digital exige do usuário o conhecimento de novos aspectos relacionados à textualização, à linguagem, à troca social e discursiva do texto virtual ou hipertexto. O hipertexto suscita ainda habilidades de leitura e de escrita na tela que demandam uma nova condição ou estado do sujeito que, de acordo com Soares (2002), caracteriza o letramento digital.

A conquista do letramento digital no espaço escolar, dentre outros direcionamentos pedagógicos, necessita de um professor que seja letrado digitalmente em primeiro lugar e, em segundo, apto a desenvolver práticas pedagógicas que tenham o hipertexto como objeto de ensino e que exercitem a leitura e a escrita no ambiente virtual.

2.1 Definindo hipertexto

A definição com a qual iremos operar considera o hipertexto3 como um processo e não apenas como um produto. Sob esse olhar, Marcuschi (2005) conceitua o hipertexto como um modo de produção textual que confere a esse texto digital propriedades formais e funcionais específicas. Nas palavras do autor:

[...] o termo hipertexto foi cunhado por Theodor Holm Nelson em 1964, para referir uma escritura eletrônica não-sequencial e não-linear, que se bifurca e permite ao leitor o acesso a um número praticamente ilimitado de outros textos a partir de escolhas locais e sucessivas, em tempo real. [...] O hipertexto se caracteriza, pois, como um processo de escritura/leitura eletrônica multilinearizado, multissequencial e indeterminado, realizado em um novo espaço de escrita (MARCUSCHI, 2005, p. 90-91, grifos do autor).

Considerar o hipertexto como processo nos permite observar a estruturação textual flexível e multisequencial capaz de possibilitar ao leitor romper com a noção de linearidade convencional do texto impresso. Embora a não-linearidade não possa ser considerada como uma inovação do hipertexto, ela ganha nessa modalidade textual instantaneidade e liberdade subjetiva a partir do momento em que o leitor é quem define o percurso de leitura do hipertexto pelo acesso ou não aos links nele disponíveis. Essa navegação particular pelos links no hipertexto é responsável por alterar significativamente os papéis entre a leitura e a escrita no momento em que:

Aquele que participa da estruturação de um hipertexto, do traçado pontilhado das possíveis dobras de sentido, já é um leitor. Simetricamente, aquele que atualiza um percurso, ou manifesta determinado aspecto da reserva documental, contribui para a redação, finaliza temporariamente uma escrita interminável. [...] Com o hipertexto, toda leitura é uma escrita potencial (LÉVY, 1999a, p. 61).

A liberdade de mover-se livremente pelo hipertexto apontada por Lévy, escolhendo conteúdos e caminhos de leitura de interesse do leitor, torna esse leitor muito mais ativo e a ele o papel de coautor que (re)cria o texto ao optar por entradas e formas de prosseguir nele (cf. MARCUSCHI, 2005). A escolha de um caminho para a leitura gera como consequência a redefinição dos papéis de autor e de leitor do hipertexto que pode devido à composição por links realizar uma leitura não linear, gerando significado para o uso de diferentes modos de representação linguística (som, imagem, cor, escrita etc.), ou melhor dizendo, a multimodalidade.

Embora o hipertexto tenha suas especificidades, há estudos como o de Coscarelli (2006) que pensam a hipertextualidade como não sendo exclusiva do meio virtual. Isso porque também o texto impresso pode abrir novos caminhos de leitura, isto é, um texto remeter a outro, por exemplo, pela citação direta ou pela nota de rodapé. De acordo com a autora, a novidade do hipertexto reside no fato de que o suporte digital potencializa e ressignifica a hipertextualidade.

No caso do ensino de Língua Portuguesa, a clareza conceitual sobre o hipertexto permite ao professor desenvolver práticas de ensino que considerem tanto as particularidades textuais e linguísticas que diferenciam o hipertexto do texto impresso/oral, quanto as habilidades necessárias para ler e para produzir hipertextos.

Pensando em propostas para a inserção do hipertexto no cotidiano escolar, Gomes (2011) tece um estudo acurado para definir um dos aspectos estruturais mais importantes do hipertexto, o hiperlink ou simplesmente link. De acordo com Gomes (2011, p. 26), “o link pode ser entendido como uma área dentro de um texto que é a fonte ou o destino da ação de clicar”. Os links para Gomes (2011) são os elementos centrais do hipertexto e podem se apresentar por meio de diferentes formas, modos de ação e função no hipertexto. Para o autor, há links que são locais, ou seja, levam o leitor a partes diferentes do mesmo texto e outros que levam o leitor para textos fora do texto; os links podem aparecer sob a forma de ícones, balões, botões, imagens, palavras em diferentes cores ou sublinhadas etc.; os links podem ainda levar a substituição da página ou simplesmente abrir outra janela no mesmo documento.

Para além da forma, do modo e função no hipertexto, Gomes (2011) ressalta que a ação de clicar é responsável por promover ligações que podem modificar, ampliar, induzir ou restringir os sentidos do texto. Os links seriam, por isso, elementos estruturantes do hipertexto, uma vez que funcionam como conectivos que auxiliam na construção dos sentidos. Questões relativas à quantidade, à localização, ao aspecto gráfico, à saliência dos links, à sua função comunicativa em cada hipertexto devem ser compreendidas como necessárias para a navegação, a construção de sentidos e a produção hipertextual.

Também como aspecto estruturante do hipertexto, encontramos a multimodalidade, compreendida por Lévy (1999a, p. 56) como “a associação na mesma mídia e a mixagem precisa de sons, imagens e textos” que fazem do hipertexto um conjunto de informação multimodal disposta em rede. A multimodalidade permite ao hipertexto ser construído a partir do uso de diferentes linguagens, como escrita, imagem, som, movimento, cor, ícone, símbolo, dentre outras que se combinam para constituir um texto multimodal, o que é permitido por uma nova materialidade textual na qual o leitor precisa correlacionar de forma significativa a linguagem verbal à não-verbal para orientar suas atividades de leitura e de produção hipertextual.

Na medida em que a natureza e as propriedades do hipertexto no que tange à não-linearidade, à autoria, à textualização, à multimodalidade, à interação, dentre outras, diferem esse do texto da cultura impressa, surge-nos a seguinte questão: como o hipertexto tem sido abordado no ensino de Língua Portuguesa?

2.2 O hipertexto no ensino de Língua Portuguesa

Pautados pelas noções tanto do letramento quanto do letramento digital, constatamos a necessidade de a escola repensar sua postura pedagógica diante da dinâmica híbrida dos materiais didáticos. No ensino de Língua Portuguesa, é preciso que o professor se preocupe com as mudanças que a modalidade digital traz para o texto, para os modos de ler e de escrever, bem como as implicações para a prática pedagógica que elas carregam. Essas mudanças foram apontadas por Chartier ao descrever a transposição do livro didático impresso para o digital. Segundo o autor:

A representação eletrônica dos textos modifica totalmente sua condição: a materialidade do livro é substituída pela imaterialidade dos textos em lugar próprio; a contiguidade imposta pelo objeto opõe-se à livre composição de fragmentos indefinidamente manipuláveis; à percepção imediata da totalidade da obra que se torna possível pelo objeto que contém, sucede uma navegação de longa duração nos arquipélagos textuais com margens movediças. Essas mutações comandam, inevitavelmente, imperativamente, novas maneiras de ler, novas relações com o escrito, novas técnicas intelectuais (CHARTIER, 2003, p. 38).

Diante das considerações de Chartier, a mudança no livro didático da versão impressa para a virtual requer mudanças que ultrapassam a simples conversão de uma mídia em outra. Isso significa, por exemplo, que os materiais didáticos digitais precisam lidar com as especificidades do mundo virtual. No caso do ensino de Língua Portuguesa, refere-se a saberes relativos à linguagem multimodal; ao manuseio de links e janelas hipertextuais; à questão da autoria; à não-linearidade textual; à construção da textualidade e às implicações desses fatores nos modos de ler e de produzir um hipertexto.

Nesse sentido, Araújo (2007) chama a atenção para o fato de que o surgimento de novos gêneros e a renovação de outros para se adaptarem ao meio eletrônico necessitam de uma atenção redobrada das abordagens teórico-metodológicas voltadas para o ensino dos gêneros digitais. É preciso reconhecer os desafios que a inclusão do hipertexto traz para o ensino no que toca à prática pedagógica e à organização de novos conteúdos curriculares.

Todo esse contexto nos leva à necessidade de perceber se os Planos de Aula virtuais disponíveis no Portal do Professor (MEC) introduzem o hipertexto e como. Procuramos perceber se há experiências autênticas com a modalidade de texto virtual e de que forma as práticas pedagógicas trilhadas pelos Planos reconhecem e ensinam o hipertexto.

3 Descrição dos Planos de Aula

As premissas teóricas esboçadas têm como meta avaliar como materiais didáticos digitais têm utilizado o hipertexto como objeto de ensino para o aprimoramento do letramento digital na Educação Básica. Buscaremos verificar quais e como as práticas pedagógicas sugeridas nos Planos de Aula concebem o hipertexto como objeto de ensino e como consideram seus aspectos estruturais e seu funcionamento discursivo. Para avaliar como o hipertexto tem sido introduzido no ensino de Língua Portuguesa, esta pesquisa selecionou como objeto de estudo os Planos de Aula (PA) destinados ao Ensino Fundamental e Médio disponíveis no Portal do Professor.

O Portal do Professor é um ambiente virtual criado pelo Ministério da Educação (MEC) para oferecer ao professor recursos educacionais abertos para apoio à prática docente e para a formação continuada. Ao navegar no Portal, o professor pode criar e compartilhar sugestões de aula (Espaço da Aula); informar-se sobre assuntos referentes à dinâmica escolar (Jornal); baixar materiais multimídia de apoio (Multimídia); informar-se sobre cursos, parâmetros e políticas educacionais (Cursos e Materiais); interagir com outros professores (Colaboração); acessar indicação de sites e portais interessantes para pesquisa e formação (Links e Visite Também).

Na aba “Espaço da Aula”, há o espaço “Sugestões de Aula” constituído por base de dados bastante ampla4, alimentada pela participação de professores de todo o país que compartilham por meio de PA seu conhecimento docente. Ainda em “Espaço de aula”, o professor que se inscreve no Portal tem a possibilidade de criar um PA pela aba “Criar Aula”. Para cadastrar um PA no Portal, é preciso que o professor preencha no sistema as seguintes informações: (i) Autor e Coautor que registra nome(s) e localização do(s) professor(es), (ii) Estrutura Curricular que se refere ao nível de ensino, ao componente curricular e ao tema da aula e (iii) Dados da Aula em que se encontra a descrição dos objetivos pedagógicos, a duração da atividade, os conhecimentos prévios trabalhados, as estratégias didáticas, os recursos midiáticos e a avaliação.

Tendo em vista a vastidão desse banco de dados e os inúmeros saberes teórico-didáticos que ele incorpora e disponibiliza (cf. ZACHARIAS, 2013), acreditamos ser pertinente o estudo desse acervo para conhecer como os professores de Língua Portuguesa têm concebido o hipertexto e como o têm incorporado em seu fazer pedagógico. Esperamos que o estudo dos PA possa gerar reflexões para traçar um panorama do ensino do hipertexto e servir para pensar novas práticas pedagógicas no Ensino Fundamental e Médio.

4 Metodologia de investigação

Para o estudo proposto neste artigo, selecionamos Planos de Aula (PA) que atendessem aos seguintes critérios: a) fossem destinados à Língua Portuguesa, b) concentrassem nos níveis Fundamental e Médio, c) contivessem em seu título a palavra hipertexto. A aplicação desses 3 (três) filtros resultou na seleção de 6 (seis) Planos de Aula5 para compor o corpus desta pesquisa e sobre os quais nossa análise incidiu qualitativamente para mensurar os dados e traduzir em números os resultados da análise e pela abordagem qualitativa para interpretar quais e como os saberes docentes sobre o hipertexto encontravam-se representados nos PA.

A compreensão de como o professor tem lidado com o hipertexto enquanto objeto de ensino-aprendizagem partiu da exploração inicial dos seguintes tópicos apresentados em cada PA: tema, objetivo, estratégias e recursos da aula, recursos complementares e avaliação. A reflexão sobre esses tópicos gerou a necessidade de sistematizar os dados sobre como o professor propõe o ensino do hipertexto, os quais foram agrupados nesta pesquisa nas categorias de análise: a) Conceito de Hipertexto; b) Objetivo de ensino; c) Tema; d) Descrição da aula; e) Gêneros; e f) Recurso midiático. Buscamos com a categoria “Conceito de Hipertexto” identificar os saberes que o professor possui acerca do hipertexto; com “Objetivo de ensino” e “Tema”, mapear o hipertexto enquanto conteúdo de ensino; em “Descrição da aula” e “Gêneros”, observar a prática pedagógica e, finalmente, com a categoria “Recurso midiático”, listar as mídias (impressa e/ou virtuais) que as práticas pedagógicas empregam.

Esperamos que os resultados da análise empreendida a partir dessas categorias possam colaborar com a compreensão do fazer pedagógico no que tange à presença do hipertexto na aula de Língua Portuguesa, pois acreditamos que conhecer um pouco melhor o que os professores sabem e o que precisam saber sobre o hipertexto torna-se relevante para (re)construção contínua do currículo dos cursos de formação de professores de modo que ela fomente também o letramento digital.

5 O que nos dizem os Planos de Aula sobre o ensino do hipertexto

A primeira percepção desta pesquisa no momento da seleção do corpus é que o número de Planos de Aula disponíveis no Portal que anunciam em seu título o trabalho com o hipertexto6 foi considerado baixo: apenas 14 (quatorze) Planos, sendo que somente 6 (seis) deles eram destinados à Língua Portuguesa. Embora a quantidade de Planos que compõe o corpus possa ser considerada pouco significativa, há nesse conjunto iniciativas pedagógicas interessantes e que devem ser valorizadas.

A análise atenta e cuidadosa do corpus para a busca do “Conceito de hipertexto” demonstrou a pluralidade de sentidos atribuídos ao hipertexto. Há professores que definem o hipertexto como uma coletânea de textos pertencente à cultura impressa; outros o concebem como uma reunião de textos pertencentes a vários autores que se juntam para construir colaborativamente um hipertexto; e, finalmente, há professores que entendem o hipertexto como uma modalidade de texto digital com particularidades e características ligadas ao suporte que o diferenciam do texto escrito. A pluralidade conceitual dos professores sobre o hipertexto pode ser visualizada na Tabela 1, que registra com palavras-chave como cada PA7 analisado parece conceber o hipertexto.

Tabela 1
Conceito de Hipertexto nos Planos de Aula.
Plano de AulaConceito
P1Texto digital
P2Texto digital com links
P3Coletânea de textos reunidos em um único texto
P4Produção coletiva de autores
P5Coletânea de textos
P6Texto digital com links, multimodal, não-linear, hiperleitor

Embora 50% dos Planos conceituem o hipertexto como um texto digital, há apenas 1 (um) PA em que é possível perceber o conhecimento de fato do professor sobre o hipertexto. Somente em P6 o hipertexto é compreendido pelo professor de uma forma mais abrangente, englobando as características estruturais e de navegação do hipertexto. Consideramos que não só a diversidade de conceitos apresentada pelo corpus, mas também e, principalmente, a presença de conceitos que fogem à definição teórica de hipertexto indica a necessidade de homogeneizar entre os professores o conceito de hipertexto para que eles se tornem aptos a compreender para ensinar essa modalidade textual pertencente a um novo espaço de escrita.

A análise dos objetivos de aula descritos nos PA, que teve como meta indicar o que o professor julga relevante ensinar sobre o hipertexto, revelou que apenas 4 (quatro) PA consideram como objetivo de ensino a natureza estrutural e os procedimentos de leitura e de produção do hipertexto. A Tabela 2 descreve o “Objetivo de ensino” apresentado em cada PA.

Tabela 2
Objetivo de ensino dos Planos de Aula.
Plano de AulaObjetivo de ensino
P1Diferenciar texto de hipertexto; criar hipertexto
P2Identificar a noção sobre hipertexto e hiperlink; transformar texto em hipertexto
P3(não explicitado)
P4Produzir um hipertexto
P5(não explicitado)
P6Compreender o hipertexto; entender como se realiza a construção de sentido no hipertexto (leitura)

Um exame mais atento desses dados nos permite perceber o que os professores se propõem a ensinar: o conceito de hipertexto, a natureza estrutural do hipertexto (links, diferença entre texto e hipertexto), questões relativas ao processo de leitura (construção de sentido) e de produção do hipertexto (post para blog, comentário em blog e jogo de RPG). Todos esses objetivos, embora distribuídos em PA diferentes, nos possibilita deduzir que o professor toma hipertexto como objeto de ensino, contemplando suas particularidades estruturais e as habilidades que envolvem a leitura e a produção hipertextual. A análise apontou ainda o despreparo didático-pedagógico de alguns professores que não definiram objetivos ou teceram objetivos não cumpridos no decorrer do PA.

Para verificar o que o professor julga relevante ensinar sobre o hipertexto, listamos na Tabela 3 o “Tema” de aula definido em cada PA. É importante ressaltar que os temas são predefinidos pelo modelo de criação disponibilizado pelo Portal.

Tabela 3
Tema descrito nos Planos de Aula.
Plano de AulaTema
P1Língua oral e escrita: prática de produção de textos orais e escritos
P2Língua oral e escrita: prática de produção de textos orais e escritos
P3Língua escrita: gêneros discursivos
P4Língua oral e escrita: prática de produção de textos orais e escritos
P5Língua escrita: prática de leitura
P6Gêneros digitais: impactos e função socialProdução, leitura, análise e reflexão sobre linguagens

Pelos dados da Tabela 3, percebemos que a competência mais escolhida para o ensino do hipertexto foi prática de produção englobada pelo tópico “Língua oral e escrita ou Língua escrita” foi a opção de tema de 5 (cinco) PA, seguida pela competência de leitura indicada em 2 (dois) PA e apenas 1 (um) PA determinou como tema o gênero digital e explicitou competências relacionadas à cibercultura. A definição em 90% dos PA de temas ligados à Língua oral e/ou escrita revela que, embora o professor se proponha a inserir o hipertexto em sala de aula, há predominância do ensino de competências linguísticas e textuais ligadas aos textos da cultura impressa/oral.

A categoria “Descrição da aula” incumbiu-se de pontuar como o ensino do hipertexto acontece. A análise que avaliou as atividades de aula e os gêneros textuais/digitais que mobilizam revelou que apenas 2 (dois) PA apresentam atividades de produção do hipertexto para o qual o dispositivo digital é o suporte fundamental para a produção. Nos demais PA, foram encontrados problemas referentes ao planejamento da aula no que diz respeito à não utilização do hipertexto nas atividades ou à inserção do hipertexto em propostas em que o produto final é escrito. Embora a maioria dos PA apresente problemas entre o que se propõe a ensinar e o que efetivamente realizam, eles representam um movimento dos professores de Língua Portuguesa para inserir o hipertexto como objeto de ensino.

Ao confrontar a análise das categorias “Descrição de Aula” e “Conceito de Hipertexto”, percebemos que 2 (dois) PA possuem conceitos equivocados de hipertexto, o que explica que a proposta de aula seja voltada tanto para a leitura quanto para a produção de gêneros textuais pertencentes à cultura escrita. A descrição dos gêneros mobilizados pelas atividades de aula dos PA encontra-se na Tabela 4, a seguir.

Tabela 4
Gêneros em uso nos Planos de Aula.
Plano de AulaGêneros textuaisGêneros digitais
P1ContoPortal de notícias, verbete da Wikipédia, vídeo YouTube, post para blog e comentário de blog
P2Descrição, narração, dissertação8Verbete da Wikipédia, vídeo YouTube
P3Paródia, relatório, poema, folheto
P4Roteiro de jogoRPG, revista online
P5Contos infantis
P6Anotações de aula, questionárioVerbete da Wikipédia, site, blog

Um exame acurado dos dados registrados na Tabela 4 demonstra que embora o professor anuncie explicitamente no título do PA sua intenção de tomar o hipertexto como objeto de ensino-aprendizagem, as aulas de todos os PA incluem gêneros textuais da cultura impressa como textos para leitura; como produto da produção textual; como apoio ao processo de aprendizagem etc. A presença de gêneros textuais em todos os PA confirma a forte presença da tradição pedagógica pautada na cultura do impresso, tradição essa que elege o texto escrito até mesmo quando o objeto de ensino deveria ser o hipertexto.

Finalmente, com relação à observação do uso de “Recurso Midiático”, a análise dos PA apontou que o professor selecionou para suas aulas (i) recursos impressos como livro, dicionário, produções escritas como o caderno de anotação, quadro negro, painel; (ii) recursos audiovisuais como aparelho de som, TV, máquina fotográfica; e (iii) recursos digitais como o computador. A análise constatou que, embora a diversidade de recursos midiáticos seja interessante no que diz respeito à formação dos letramentos, esperávamos que, dada a natureza do suporte, os PA explorassem mais o uso dos recursos digitais.

O resultado da análise dos PA a partir das categorias arroladas apontou para a fragilidade conceitual e didático-metodológica que embasa o ensino do hipertexto. Podemos perceber pelas propostas de ensino que o hipertexto é tratado muitas vezes como conversão do texto impresso que leva para o formato digital o que poderia ser feito no papel. Esse resultado deixa aparente a precariedade com que o hipertexto é tomado como objeto de ensino-aprendizagem, evidenciando o domínio da lógica do “papel” no corpus.

6 Considerações finais

A escassez de PA disponíveis no Portal do Professor (MEC) aliada à fragilidade conceitual e didático-pedagógica revelada pelo corpus levou-nos a considerar a necessidade urgente de investimentos na formação de saberes docentes sobre o hipertexto.

Apesar de a análise indicar fortemente que a escola privilegia a cultura escrita/oral, é importante ressaltar que esta pesquisa não toma como premissa a substituição da lógica do impresso/oral pela lógica da cibercultura. A questão é que o saber docente inclua o hipertexto em seu rol conceitual e didático-pedagógico para que seja possível haver a produção, circulação e recepção de textos e hipertextos, proporcionando uma dinâmica entre essas lógicas. Acreditamos que o caminho para a conquista dos letramentos na Educação Básica seja por meio de práticas de ensino que considerem diferentes modalidades de produção, que façam uso de gêneros em circulação no impresso e no virtual, que considerem os diferentes modos de ler e de escrever, que considerem o virtual como espaço de ensino-aprendizagem.

Esperamos que este estudo possa ter contribuído de alguma forma para (re)pensar questões referentes à formação do professor, à produção de material didático e ao ensino de Língua Portuguesa frente às demandas sociais do mundo contemporâneo.

Referências

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SOARES, M. B. Novas práticas de leitura e escrita: letramento digital. In: Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 81, p. 143-160, dez. 2002. Disponível em: http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 06 set. 2017.

XAVIER, Antônio C. Leitura, texto e hipertexto. In: MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C. Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção de sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005, p. 170-180.

ZACHARIAS, V. R. C. Os ambientes digitais e as práticas de leitura: uma análise de atividades do Portal do Professor do MEC. 2013. 110 f. Dissertação de Mestrado Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2013.

Endereço eletrônico dos Planos de Ensino (MEC):

P1. Utilizando o hipertexto como ferramenta de produção textual:

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=27022

P2. Trabalhando com o hipertexto:

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=30876

P3. Navegando na diversidade textual com hipertexto inicial:

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=21910

P4. A narrativa e o hipertexto nos jogos de RPG:

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=19846

P5. Hipertexto - teia de histórias, criando momentos de prazer e interação:

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=21064

P6. A produção de sentidos nos hipertextos:

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=52330

Notas

1 Esta pesquisa foi desenvolvida como Iniciação Científica com a participação de 2 (dois) bolsistas financiados pelo Edital Papq 02/2016 da Universidade do Estado de Minas Gerais.
2 Lévy (1999a) cunhou o termo cibercultura para se referir ao espaço de interação virtual criado a partir de uma cultura digital que permite às pessoas experienciar novas relações de espaço-tempo.
3 Essa pesquisa toma como pressuposto que a inserção de materiais didáticos digitais para o ensino de Língua Portuguesa inclui o hipertexto como objeto de ensino-aprendizagem.
4 Em pesquisa recente, no espaço “Sugestões de Aula” havia 15171 Planos de Aula e 840 Coleções disponíveis em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/buscarAulas.html. Acesso em: 01 ago. 2017.
5 O corpus foi constituído em 2016 por Planos de Aula produzidos entre 2010 e 2013 que se encontram listados ao final deste artigo.
6 É importante lembrar que não foram considerados nesse estudo inicial os Planos de Aula destinados ao trabalho com os gêneros digitais, mas apenas os que propunham tratar explicitamente do hipertexto.
7 A numeração apresentada para cada Plano de Aula coincide com a ordenação dada a esses Planos na lista localizada ao final deste artigo.
8 Embora saibamos que narração, descrição e dissertação sejam tipos textuais e não gêneros, optamos por registrar na Tabela 4 a nomenclatura dada pelos professores aos textos dos Planos de Aula.
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