Educação e Tecnologia

Conteúdos de língua Portuguesa em videoaulas para o ENEM*

Portuguese language content in videotapes for the ENEM

Vanessa Luciene Pereira da Silva
Universidade Federal de Campina Grande, Brasil
Williany Miranda da Silva
Universidade Federal de Campina Grande, Brasil

Conteúdos de língua Portuguesa em videoaulas para o ENEM*

Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 11, núm. 2, pp. 219-247, 2018

Universidade Federal de Minas Gerais

O autor de submissão à revista Texto Livre cede os direitos autorais à editora da revista (Faculdade de Letras da UFMG), caso a submissão seja aceita para publicação. A responsabilidade do conteúdo dos artigos é exclusiva dos autores. É proibida a submissão integral ou parcial do texto já publicado na revista a qualquer outro periódico.

Recepción: 14 Septiembre 2017

Aprobación: 16 Enero 2018

Resumo: Discussões em torno da utilização de ferramentas tecnológicas no âmbito educacional têm suscitado o interesse de pesquisadores. Tal interesse se dá por meio da emergência de práticas de ensino com novos modelos e características que ampliem a compreensão de aula, espaço e tempo. Ao considerar esse contexto, constituem-se como perguntas desta pesquisa: que estratégia de abordagem do conteúdo de Língua Portuguesa prevalece em videoaulas do projeto “ENEM na palma da mão”? E qual a relação entre a estratégia de ensino nos eixos de leitura e de escrita e a concepção de ensino em função da recorrência dos conteúdos? No intuito de respondê-las, estabelecemos como objetivo geral analisar o funcionamento didático-pedagógico das videoaulas do referido projeto, e, de forma específica, identificar a estratégia de abordagem presente nas videoaulas, relacionando-a à concepção de ensino de LP. Nossa pesquisa tem características de natureza qualiquantitativa, sob um viés descritivo-interpretativista, e envolve a análise de quatro videoaulas que abordam os conteúdos “Leitura de textos multimodais (Tirinha e Charge)”, “Leitura de textos multimodais (Propaganda e Campanha Publicitária)”, “Estrutura e características do gênero dissertativo-argumentativo” e “Coerência, Coesão e Operadores Argumentativos”. Baseamo-nos teoricamente em Pfromm Netto (2011); Rodrigues; Schmidt e Marinho (2011), entre outros, para discutir a utilização da videoaula enquanto ferramenta da EaD, e em Zabala (1998), Mendes (2005), entre outros que permitem tratar das concepções de ensino, conteúdos de ensino e a didatização. Os resultados sinalizam a recorrência de mesma estratégia de abordagem de ensino em diferentes eixos e conteúdos de Língua Portuguesa.

Palavras-chave: Videoaula, Concepções de ensino, Conteúdos de língua portuguesa, Didatização.

Abstract: Discussions around the use of technological tools in the educational field have aroused the interest of researchers. Such interest comes through the emergence of teaching practices with new models and characteristics that expand the understanding of class, space and time. By considering this context, questions are constituted for this research: what strategy to approach the content of Portuguese prevails in videotapes of the project “ENEM in the palm of the hand”? And what is the relation between the teaching strategy in the reading and writing axes and the conception of teaching in function of the recurrence of the contents? In order to answer them, we established as a general objective to analyze the didactic-pedagogical functioning of the videotapes of the said project, and, in a specific way, to identify the strategy of approach present in videotapes and to relate it to the conception of LP teaching. Our research has characteristics of a qualitative nature, under a descriptive-interpretative bias and involves the analysis of four videotapes that deal with the contents “Reading of multimodal texts (Comic strip and charge)”, “Reading of multimodal texts (Advertising and Publicity Campaign)”, “Structure and characteristics of the essay-argumentative genre” and “Coherence, Cohesion and Argumentative Operators”. We base ourselves theoretically on Pfromm Netto (2011); Rodrigues; Schmidt; Marinho (2011); among others, to discuss the use of videotapes as a tool for EDA and in Zabala (1998), Mendes (2005), among others that allow us to deal with conceptions of teaching, teaching contents and didatization. The results indicate the recurrence of the same strategy of teaching approach in different axes and contents of Portuguese Language..

Keywords: Videotapes, Conceptions of teaching, Portuguese language Content, Didatization.

1 Introdução

As transformações digitais e sua repercussão social constituem, possivelmente, o principal acontecimento do século XXI. Os meios de comunicação experienciaram uma vasta e inconvertível mudança. Substituímos a carta pelo e-mail, as filas nas lotéricas por aplicativos online, visitas às livrarias pela busca em sites na internet. De acordo com Rodrigues; Schmidt e Marinho (2011, p. 106), “tudo ficou mais rápido e fácil, as distâncias diminuíram, o tempo adquiriu outra dimensão”.

Não é mais novidade que o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) transformou a realidade educacional. Se antes a transmissão do conhecimento ocorria em um tempo e espaço situado institucionalmente, isto é, o aluno precisava deslocar-se regularmente até os ambientes da informação e do conhecimento, a geração Web 2.0, que possibilita a comunicação por meio de compartilhamento e colaboração (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016, p. 18), alavancou uma pós-modernidade com acesso ao saber por meio de diferentes ferramentas digitais.

Dentre recursos como os livros didáticos digitais, CD em áudio, videoconferência, blogs, entre outros, temos a videoaula que proporciona o ensino de cursos a distância para concursos, para uma formação continuada, para a área técnica ou para contribuir e complementar os conteúdos ensinados pelo professor em sala de aula.

Tendo em vista que a videoaula está imersa na modalidade de Educação a Distância (EaD) e surge em meio a todo um aparato tecnológico em desenvolvimento, visando acompanhar as necessidades sociais, percebemos que a sua inserção na escola, seja como instrumento de estudo dos alunos ou ferramenta de trabalho/metodológica dos professores, significa um desafio para a formação docente, para os currículos em Instituições de Ensino Superior (IES) e para o próprio discente que precisa de uma educação aliada às exigências da sociedade.

Em detrimento disso, a nossa pesquisa constitui-se pela potencialidade e compreensão do funcionamento didático-pedagógico de videoaulas que fazem parte de um projeto desenvolvido por estagiários em formação. A sua análise aborda novos moldes que parecem delinear um ensino de LP com uma especificidade de tempo e espaço distintos das aulas presenciais. Tais configurações proporcionam reflexões acerca das práticas de ensino, tradicionais ou atuais, de forma a repensar diferentes modos metodológicos para as gerações de alunos-usuários-internautas. Sem falar que o trabalho do professor não mais se restringe a um espaço limitado, com determinado número de alunos ou com um tempo de aula em torno de 45 ou 50 minutos, todavia o espaço passa a ser mediado por câmeras que podem atingir um número ilimitado de internautas, com ministrações que cumprem propósitos em tempo relativamente menor que o de aulas presenciais. Portanto, o ensino perpassa transições que estão presentes em nosso dia a dia e que desafiam os docentes a acompanharem esse processo.

Com base nisso, objetivamos responder às questões: que estratégia de abordagem do conteúdo de Língua Portuguesa prevalece em videoaulas1 do projeto “ENEM na palma da mão”? E qual a relação entre a estratégia de ensino nos eixos de leitura e de escrita e a concepção de ensino em função da recorrência dos conteúdos? De modo geral, visamos analisar o funcionamento didático-pedagógico das videoaulas do referido projeto, e, de forma específica, identificar a estratégia de abordagem presente nas videoaulas, relacionando-a à concepção de ensino de LP . Trata-se de uma análise de quatro videoaulas em que, à luz da Linguística Aplicada, buscamos contribuir com as necessidades da atual sociedade do conhecimento, de forma a refletir acerca de transformações que envolvem professores, alunos e demais sujeitos interligados com o ambiente escolar (BEHRENS, 1999). Realizaremos um estudo qualiquatitativo, sob um viés descritivo-interpretativista, cujo corpus envolve os conteúdos “Leitura de textos multimodais (Tirinha e Charge)”, “Leitura de textos multimodais (Propaganda e Campanha Publicitária)”, “Estrutura e características do gênero dissertativo-argumentativo” e “Coerência, Coesão e Operadores Argumentativos”.

Este artigo está estruturado em cinco seções, contando com esta introdução como a primeira; temos a segunda seção, que trata da fundamentação teórica e embasa a pesquisa. A terceira apresenta a metodologia utilizada. Por sua vez, na quarta, buscamos trazer a análise empreendida. E, no encerramento do trabalho, são realizadas as considerações finais.

2 Fundamentação teórica

Nesta seção, discorremos acerca da videoaula enquanto ferramenta educacional situada na modalidade de EaD. Em seguida, discutimos as concepções de ensino e abordagens do ensino de LP, conteúdos de ensino e o seu processo de didatização.

2.1 Videoaula como ferramenta educacional

Considerando a videoaula como um avançado recurso tecnológico que fez parte da evolução da EaD, podemos dizer que o seu surgimento tem relação com a sua trajetória ao longo do tempo. De acordo com Pfromm Netto (2011, p. 20), a história da aprendizagem pela imagem pode ser vista milenarmente por meio de uma linha do tempo. Seus primórdios são representados por imagens de “pinturas rupestres nas grutas pré-históricas da Europa, da África e das Américas [...]”. Pressupõe-se que tais pinturas, feitas por humanos, em sua origem, contenham finalidades para rituais, propiciatórios e ensino. Possivelmente, as imagens eram utilizadas para ensinar os mais novos a caçar ou a alcançar as benevolências divinas por causa das caçadas. Esses acontecimentos são predecessores ancestrais das telas que, na atualidade, “ensinam em computadores, televisores, aparelhos de DVD, cinemas e telefones celulares, nos quais são exibidos textos e imagens estáticas ou em movimento” (PFROMM NETTO, 2011, p. 13-14). O contato de pessoas ansiosas por aprender com telas não é nada recente. No que se refere, especificamente, às telas, que promovem imagens em movimento, seu início se deu no final do século XIX, a partir do surgimento do cinema “na Europa, nos Estados Unidos, no Brasil e em outros países” (PFROMM NETTO, 2011, p. 9). Simultaneamente ao nascimento do cinema, surgiram

os filmes educativos, os documentários, os filmes científicos, os registros de fatos e personagens sob a forma de jornais de atualidades [...]. Gradualmente, ganhou corpo a especialização na elaboração de filmes destinados à educação, direta ou indiretamente relacionados com os currículos e programas escolares. Vieram depois a televisão, as gravações em videoteipes, os CD-Roms, os DVDs, a multimídia, a Internet e as tecnologias digitais com seus novos conceitos e produtos, compondo assim, a história mais recente das imagens móveis e sonoras a serviço do ensino-aprendizagem. Graças a conquistas tecnológicas como os satélites e os equipamentos muito mais aperfeiçoados de registro e transmissão de imagens e sons, expandiram-se em escala mundial os programas e as realizações em matéria de educação a distância, apoiados o mais das vezes no poder educativo das imagens móveis e sonoras (PFROMM NETTO, 2011, p. 9).

Após o advento das diferentes ferramentas de acesso ao conhecimento, no ambiente digital, tornamo-nos mais autônomos. As possibilidades de estudo em sites, blogs, livros didáticos, videoconferências, recursos em áudio e videoaula constituem a emergência e ampliação do “conceito de aula, de espaço e de tempo” (MORAN, 2013, p. 8). Isso, principalmente, no que se refere à existência e investimento em cursos à distância para concursos, formação superior, técnica ou até mesmo como complemento de conteúdos transmitidos pelo professor no ambiente escolar. Tal realidade situa-nos na utilização da videoaula. Ela surge em meio a todo um aparato tecnológico em transição, visando acompanhar as necessidades históricas e perpassando toda uma consolidação na modalidade de EaD.

A busca pelo conceito de videoaula ainda é bastante principiante, não existe um consenso entre os pesquisadores. Para Dominguez (2014, p. 54), elas são ferramentas educacionais que fazem uso de recursos e linguagem audiovisual para integrar as diversas maneiras de ensino. Elas aproximam-se da aula presencial por conta da sua finalidade em proporcionar conhecimento, mas se distancia por ser de natureza assíncrona, conduzindo os alunos ao acesso em qualquer hora e lugar.

Mussio (2016, p. 338-339) a compreende a partir da perspectiva teórica da abordagem dialógica do discurso do Círculo Linguístico de Bakhtin, considerando-a um gênero discursivo. De acordo com a autora, não existem restrições para os gêneros, tendo em vista a sua direta relação com as diversas atividades da vida em sociedade. Eles são produzidos à medida que se desenvolvem as práticas humanas. O “Círculo cinge a formação de novos gêneros ao aparecimento de novas esferas de atividade humana, com finalidades discursivas próprias” (MUSSIO, 2016, p. 336). A partir disso, é possível compreender que as videoaulas surgem devido às mudanças e peculiaridades da atual geração.

Com base em tais conceituações, nos alinharemos à concepção de videoaula enquanto ferramenta educacional, tendo em vista que elas emergem para facilitar os estudos e pesquisas no ambiente digital com suas características e utilidades próprias. Ademais, comportam uma combinação de recursos multimodais em torno da escrita, som, imagens, gestos, movimentos, expressões faciais etc (DIONISIO; VASCONCELOS, 2013). Sem falar na facilidade de acesso a diferentes conteúdos veiculados por tal ferramenta na Web 2.0, tanto destinados a estudantes como profissionais de várias áreas do conhecimento.

2.2 Concepções de ensino e abordagens de ensino de LP

A primeira concepção, denominada Behaviorismo ou Abordagem Comportamentalista, iniciou-se no século XX por meio de estudos desenvolvidos pelo psicólogo Russo Ivan Pavlov (1848-1936). Mais tarde, o psicólogo John B Watson (1878-1958) introduz essa concepção na América, tendo como compreensão que “todo ser humano aprendia tudo a partir de seu ambiente (o homem estaria à mercê do meio)” (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2011, p. 13). Não havia nada relacionado à herança biológica, pois o nascimento do ser humano era tido como vazio, no que se refere a qualquer informação. Contudo, é com base nesses estudiosos que o psicólogo Burrhus Frederic Skinner (1904-1990) refina suas vertentes e incorpora o behaviorismo no ambiente educacional, cuja popularidade se expandiu pelo Brasil e Estados Unidos (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2011; SILVA, 2017).

Através da teoria do comportamento, Skinner segue um enfoque diferente de Pavlov e Watson, por considerar que o homem não é apenas um ser que reage a estímulos, do modo como estava sendo apresentado, até então. Por outro lado, ele é entendido como um ser que exerce interação com o ambiente, produzindo transformações e por ele sendo transformado (SILVA, 2017).

Seus estudos foram os mais influentes no entendimento do processo de ensino. Com isso, suas ideias alastraram-se e difundiram um ensino dependente exclusivamente da memorização e extinção de comportamentos, valendo-se, desse modo, de repetições seguidas de reforços positivos e negativos (ALVES, 2010).

Ainda de acordo com Silva (2017, p. 27), Skinner apresentou significativa influência no Brasil por conta da revolução industrial, o treinamento de pessoas em fábricas, como forma de responderem a um determinado objetivo, isto é, cada pessoa responsável por uma parte do todo, tendo em vista a perfeição. Isso teve reflexão na educação através da chamada educação bancária “dividida em caixas, fato que ainda pode ser observado, nos currículos, onde todas as disciplinas são fechadas, para culminar em um determinado perfil de formado”. De modo geral, os behavioristas comportam uma concepção de educação formada por meio de estímulos, configurando práticas pedagógicas conduzidas para objetivos já traçados (SILVA, 2017).

Tal concepção inspirou um ensino pautado em exercícios mecânicos, repetitivos, como forma de atingir finalidades baseadas na transmissão de conteúdos, como, por exemplo, “memorização de datas, definições, terminologias, conceitos, fórmulas, etc.” (PEREIRA, 2010, p. 229). Em se tratando das abordagens de ensino de Língua Portuguesa, o behaviorismo está relacionado ao ensino tradicional da língua, tendo por base estudos conceituais, nomenclaturas, fixação de regras. De acordo com Pereira (2010, p. 235), não significa que esse modelo de ensino seja insignificante; a questão é não priorizar apenas ele, já que os usos legítimos da linguagem configurados nas práticas de leitura e produção de textos, ao terem um tratamento didático transmissivo de ensino, por meio da “memorização, identificação e classificação de itens gramaticais”, perdem sua importância.

No que tange à segunda concepção, chamada Construtivismo, seu grande precursor foi o biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), que impulsionou a teoria Cognitiva a partir de observações de suas filhas e de outras crianças. Para ele, o ser humano apresenta etapas na construção de sua inteligência, sendo por meio da interação com o meio em que vive que desenvolve a aprendizagem (SILVA, 2017). Originalmente, essa teoria não compreendia um método educativo ou uma epistemologia piagetiana; todavia, tal concepção só recebeu essa denominação por meio de uma das discípulas do biólogo, chamada Emília Ferreiro. Mesmo Piaget tendo proposto suas ideias na década de 1930, sua vertente só obteve espaço no âmbito educacional na década de 80, no momento em que iniciou o enfraquecimento do comportamentalismo (PEREIRA, 2010; OSTERMANN; CAVALCANTI, 2011) Diferentemente deste, o Construtivismo reconhece que o conhecimento não é somente reproduzido, mas construído (PEREIRA, 2010). Nesse caso, “a criança, em seu processo de desenvolvimento, vai construindo seus próprios esquemas de aprendizagem por meio de um processo ativo de assimilação, acomodação e adaptação da realidade” (PEREIRA, 2010, p. 230).

Acerca disso, Silva (2017) menciona que esse processo ocorre através de conhecimentos anteriores, com explicações biológicas, cuja análise se dá em torno de equilibração sucessiva, significa dizer que as novas estruturas construídas na mente dos indivíduos são decorrentes das antecedentes.

Durante esse processo, o erro exerce uma função fundamental, uma vez que ele é tido como construtivo, fato que, inclusive, não havia sido observado na concepção anterior. Nessa direção, o docente tem um significativo papel em exibir desafiadoras condições, ao constatar a instabilidade existente no conteúdo exposto. Além disso, a construção da inteligência percorria uma sequência configurada por desenvolvimentos progressivos do conhecimento, da qual, impreterivelmente, a criança precisará percorrer uma fase para em seguida alcançar a outra e, assim, consecutivamente. Esse movimento é caracterizado por quatro estágios: sensório-motor; pré-operatório; operário-concreto e operatório-formal.

No âmbito pedagógico, a vertente de Piaget, que mais na frente recebeu contribuições das ideias de Vygotsky, com uma outra percepção para o Construtivismo, aponta para práticas metodológicas direcionadas para o aluno. Ele deixa de ser compreendido como um simples receptor de conhecimentos e passa a fazer parte do processo de aprendizagem, tendo as suas particularidades cognitivas respeitadas. “Piaget, então, construiu um modelo de desenvolvimento mental e não de aprendizagem, importante deixar isso claro, porém esse modelo reflete os processos de aprendizagem” (SILVA, 2017, p. 37). Com isso, as ideias comportamentalistas passam a ser acrescidas das interações.

Pereira (2010, p. 236) evidencia que essa concepção proporcionou o surgimento da abordagem cognitivista de ensino. Sua repercussão foi mais preponderante nas séries iniciais, em específico na alfabetização, porém o ensino de língua também foi influenciado à medida que a autonomia do educando foi sendo privilegiada e houve um favorecimento em “atividades de linguagem que proporcionasse a reflexão sobre os usos da língua”.

A terceira concepção, por sua vez, chamada de Sociointeracionismo, de Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934), está imersa na mesma linha cognitivista de Piaget, por estar associada ao interacionismo construtivista. Entretanto, elas diferenciam-se em alguns pontos.

Enquanto que para Piaget a aprendizagem está concentrada nas relações existentes entre o indivíduo e o meio, Vygotsky elenca que, além disso, também estão presentes as interações sociais. “Pode-se dizer que, a teoria de Vygotsky é sociocultural enquanto que a teoria de Piaget é interacionista, com menos ênfase no social” (SILVA, 2017, p. 40).

Na teoria Vygotskyana, a linguagem incorpora um significativo papel no processo de desenvolvimento do indivíduo. São os símbolos que o conectam ao mundo. Porém, elas necessitam de um mediador para impulsioná-las, sendo esse mediador o responsável por intervir na relação (SILVA, 2017). De acordo com Ostermann e Cavalcanti (2011), é a partir dessa vertente que o a figura do professor ganha destaque nas interações sociais com o aluno.

Os sistemas de signos, a linguagem, os diagramas que o professor utiliza têm um papel relevante na psicologia vygotskyana, pois a aprendizagem depende da riqueza do sistema de signos transmitido e como são utilizados os instrumentos. O objetivo geral da educação, na perspectiva vygotskyana, seria o desenvolvimento da consciência construída culturalmente (OSTERMANN; CAVALCANTI, 2011, p. 43).

Nessa direção, enquanto Piaget menciona que para a aprendizagem é necessário que a criança perpasse estágios de desenvolvimento, Vygotsky discrimina o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, compreendendo que uma criança pode avançar intelectualmente por meio do “auxílio direto ou indireto de um adulto” (OSTERMANN; CAVALCANTE, 2011, p. 42), podendo desempenhar atividades que, sem esse auxílio, ela não realizaria, por se situarem acima do seu nível de desenvolvimento.

A implicação pedagógica mais relevante desse conceito reside na forma como é vista a relação entre o aprendizado e o desenvolvimento. Ao contrário de outras teorias pedagógicas, como a piagetiana, que sugerem a necessidade de o ensino ajustar-se a estruturas mentais já estabelecidas, para Vygotsky, o aprendizado orientado para níveis de desenvolvimento que já foram atingidos é ineficaz do ponto de vista do desenvolvimento global da criança. Ele não se dirige para um novo estágio do processo de desenvolvimento, mas, ao invés disso, vai a reboque desse processo. Assim, a noção de zona de desenvolvimento proximal capacita-nos a propor uma nova fórmula, a de que o “bom aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento (OSTERMANN; CAVALCANTE, 2011, p. 42).

Ainda segundo Silva (2017), esse processo configura-se como tão simples que não é notado. Isso pode ocorrer pela oralidade, convivência com familiares, amigos ou meio social em que estamos inseridos. Por isso, não é possível perceber essas zonas de desenvolvimento, tendo em vista a sua inconsciente ocorrência.

Para o ambiente educacional, tais estudos impactaram a prática pedagógica do professor. Essas zonas podem ser visualizadas em atividades em que os alunos solicitam auxílio de outra pessoa, por meio da colaboração ou cooperação dos demais alunos da turma, ou seja, através das interações sociais no ambiente escolar (SILVA, 2017).

No que concerne à abordagem de ensino resultante dessa concepção, temos a abordagem discursiva da linguagem. Ela envolve o papel exercido pelo outro, abarcando uma “dimensão explicativa e constitutiva” (PEREIRA, 2010).

2.3 Conteúdos de ensino e processo de didatização

Para Zabala (1998, p. 30), o termo “conteúdos” comumente teve o seu uso relacionado ao que devia ser aprendido, porém associado, praticamente de modo exclusivo, “aos conhecimentos das matérias ou disciplinas clássicas e, habitualmente, para aludir àqueles que se expressam no conhecimento de nomes, conceitos, princípios, enunciados e teoremas”. Em suas discussões, não há a pertinência do caráter cognitivo e disciplinar dos conteúdos. Na verdade, ele defende o desprendimento restrito do termo, de modo a compreendê-lo “como tudo quanto se tem que aprender para alcançar determinados objetivos que não apenas abrangem as capacidades cognitivas, como também incluem as demais capacidades” (ZABALA, 1998, p. 30). Tal posicionamento amplia a definição dos conteúdos e permite o surgimento de uma natureza variada destes.

Assim sendo, Zabala (1998), com base em Coll (1986), nos apresenta uma classificação dos tipos de conteúdos de ensino em: factuais, conceituais, procedimentais e atitudinais. Os conteúdos factuais envolvem o conhecimento de fatos, dados, informações. Nas palavras do autor, ultimamente esse tipo de conhecimento tem sido menosprezado, porém é imprescindível a disposição da sua relação com os conceitos associados, pois possibilita uma melhor compreensão e interpretação das próprias necessidades e exigências no dia a dia e na vida profissional. Do contrário, haveria uma limitação em conhecimentos rigorosamente inconscientes, sem função (ZABALA, 1998, p. 41).

Os conteúdos conceituais, por sua vez, fazem referência ao agrupamento de acontecimentos, objetos ou símbolos que apresentam particularidades comuns. Este tipo de conteúdo requer uma compreensão que ultrapasse a simples repetição de enunciados. Uma de suas peculiaridades é que o processo de ensino sempre possibilita a ampliação e aprofundamento do conhecimento, tornando-o, assim, mais significativo. Englobam atividades que oportunizam a apreensão do conceito de modo a aproveitá-lo para a compreensão ou organização de outras ideias (ZABALA, 1998, p. 42-43). Já os conteúdos procedimentais caracterizam-se por apresentar um conjunto de procedimentos sistematizados e com um propósito: visam atingir a um objetivo. Eles implicam um ensino em torno da realização de ações, sua exercitação múltipla, sua reflexão e aplicação em diferentes contextos (ZABALA, 1998, p. 43-46).

Por fim, os conteúdos atitudinais abrangem um conjunto de conteúdos que podem ser reunidos em valores (ideias éticas que possibilitam que as pessoas emitam algum juízo de valor), atitudes (a forma como cada pessoa desempenha sua conduta a partir de valores estabelecidos) e normas (padrões de comportamento que seguimos em certas condições impostos a todos os membros de uma sociedade). Tais conteúdos supõem a presença do conhecimento e reflexão “sobre os possíveis modelos, uma análise e uma avaliação das normas, uma apropriação e elaboração do conteúdo, [...], uma tomada de posição, um envolvimento afetivo e uma revisão e avaliação da própria atuação” (ZABALA, 1998, p. 46-48).

Considerando que tais conteúdos perpassam um processo de didatização antes de serem apresentados aos alunos, Vieira-Silva (2015, p. 80-83) menciona que, para que o objeto de conhecimento torne-se “ensinado e aprendido”, ele percorre uma extensa cadeia de modificações. Logo, temos três processos importantes presentes na escola e que envolvem essa preparação do conhecimento: a Transposição Didática, a Modelização Didática e a Didatização. A primeira configura-se como um processo complexo que não deve ser compreendido de modo simplificado, porém como indispensável na determinação e delimitação das “dimensões ensináveis de um dado objeto de conhecimento, uma vez que, no caso do ensino e da aprendizagem de LP/LM na escola básica, o objetivo não é formar linguistas, mas usuários competentes da língua” (VIEIRA-SILVA, 2015, p. 80). Mendes (2005, p. 21) menciona que a Transposição Didática se ocupa da transformação dos saberes de referência em saberes a serem ensinados. Já a Modelização Didática engloba a atividade definidora dos princípios, dos mecanismos e das formulações incorporadas aos objetos de ensino, visando à aprendizagem dos educandos, ou seja, envolve o reconhecimento do objeto de ensino, sua organização textual, além dos elementos usados em sua textualização. Para tal movimento, o autor apresenta o seguinte exemplo:

[...] tomando como objeto de ensino o gênero “carta de reclamação”, o professor-autor poderia proceder da seguinte maneira: i) com a ajuda das discussões teóricas sobre língua/linguagem (teorias linguísticas, discursivas/enunciativas) e das experiências dos usuários desse tipo de gênero (manuais de redação, advogados e assessores, instituições que asseguram o direito do consumidor etc.), realizar a descrição do gênero; ii) saber o que seus alunos conhecem, compreendem e conseguem produzir do gênero carta de reclamação, isto é, avaliar “a ZPD para que este objeto específico” (Rojo 2001a, p. 320); iii) utilizar experiências anteriores com o ensino (conhecimento de seus alunos e da realidade escolar (VIEIRA-SILVA, 2015, p. 81).

Para o autor, são esses três grupos de dados que norteiam um planejamento mais coerente no trabalho do docente, direcionando uma intervenção didática e, consequentemente, a aprendizagem do gênero.

Quanto ao processo de didatização, sua função abrange o momento da organização do conhecimento em “objeto de ensino e de aprendizagem” (VIEIRA-SILVA, 2015, p. 82). Nele, o professor mobiliza, (re)organiza e modifica os seus saberes e instrumentos de ensino (VIEIRA-SILVA, 2015). Tal procedimento objetiva atender a compreensão do aluno. São os modos, por meio de exercícios e atividades que têm por finalidade expor os saberes e torná-los ensináveis e aprendidos. Mendes (2005, p. 22) ainda enfatiza a questão da sistematização dos saberes neste processo. Na verdade, ela não estaria inevitavelmente associada a uma ordem, um caminho preestabelecido; entretanto, representa uma “disposição do todo”, compondo “cada objeto, de forma que os saberes referentes a esses objetos possam vir a ser apreendidos e aprendidos de fato, mas considerando a dinâmica de cada sujeito aprendiz” (ibid., p. 22).

Fonseca (2011) amplia a discussão acerca do termo didatização ao elucidar que, diferentemente da didática, ela não se restringe apenas aos métodos ou modos organizativos, muito menos a uma ciência que pode ser compreendida no âmbito externo da sala de aula; todavia, constitui um seguimento ligado

à rede de atividades que seleciona e assume posicionamentos sobre os objetos de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa -; como num processo que se organiza no interior da própria aula, por exemplo, por meio de atividades ou ações de construção do objeto a ser ensinado (da parte do professor) e a ser aprendido (da parte do aluno), ações que se desenrolam no curso da interação entre esses sujeitos (FONSECA, 2011, 51).

Esse posicionamento insere a didatização em uma rede de atividades que seleciona os objetos de ensino, agindo no espaço de sala de aula, como também em outras instâncias pedagógicas, como, por exemplo, os documentos parametrizadores. Segundo Fonseca (2011), isso pode estar direcionado para a escola, mas não assegura sua execução em sala de aula.

3 Metodologia

Nesta seção, discorremos sobre os aspectos metodológicos que alicerçaram a construção desta investigação com ênfase na natureza da pesquisa, contexto de geração dos dados, disposição organizacional das videoaulas e categoria de análise.

3.1 Natureza da pesquisa

Situada no paradigma emergente, em função da interligação entre as transformações tecnológicas da sociedade e o ambiente escolar; não se pode fragmentar o conhecimento com os sujeitos que deste fazem parte ‒ o professor, o aluno, entre outros (BEHRENS, 1999). Essa inserção se coaduna com os estudos da Linguística Aplicada, uma vez que nos propomos a investigar a prática de uso da linguagem na práxis humana (MOITA LOPES, 2015).

Com base nessa perspectiva, a pesquisa tem características de natureza qualiquantitativa, pois o pesquisador tanto perpassa pela quantificação dos dados por meio de uma identificação e análise “de forma acurada, dados de difícil mensuração” (SANTADE, 2014, p. 99), como também está interessado na interpretação, subjetividade e flexibilidade do processo de condução da pesquisa. Além disso, seu desenvolvimento transcorreu sob um viés descritivo-interpretativista, buscando apreender o objeto de estudo, através da observação, levantamento de dados e compreensão de suas particularidades (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009). É definida como documental, cujos documentos estão presentes no canal "ENEM na palma da mão”, no YouTube.

3.2 Contexto de geração de dados

O contexto de geração de dados desta pesquisa parte de um cenário em uma disciplina de Estágio de Língua Portuguesa no Ensino Médio, da Unidade Acadêmica de Letras, na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), no segundo semestre de 2015 com graduandos prestes a concluir o curso.

A disciplina focalizou um estágio supervisionado de Ensino de Língua Portuguesa no Ensino Médio e foi realizada com 17 estagiários matriculados, no período da manhã. A ideia da realização de aulas audiovisuais foi decorrente de imprevistos, como a greve2, inviabilizando o campo de estágio presencial.

Motivados e desafiados ante a nova realidade, a professora formadora tomou providências no sentido de promover a elaboração de módulos e videoaulas, como atividade de complementação de conteúdos, que contribuíssem para a preparação de candidatos ao ENEM, a partir de 2016. Tal projeto, intitulado “ENEM na palma da mão”, abrangeu três áreas da prova de Linguagens e Códigos, subárea ensino de língua materna, do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) – a saber: Leitura Multimodal, Produção de Texto dissertativo-argumentativo e Análise Linguística (Norma padrão e Variação Linguística), cujos módulos e videoaulas estão publicados em um canal no YouTube: https://www.youtube.com/channel/UCSkVZmh0xB2ddNZ73_f_8LQ.

Ao todo, produziram-se quatro módulos e 17 videoaulas. Para cada uma das videoaulas, havia um estagiário assumindo a função de professor, exibindo temas tratados igualmente nos módulos. Vale salientar que, em função de alguns problemas técnicos, foram postadas 13 videoaulas e são as que estão disponíveis no YouTube. Sendo assim, em detrimento do nosso objeto de estudo, nos deteremos na análise de quatro videoaulas3: a primeira (V1) acerca do conteúdo “Leitura de textos multimodais (Tirinha e Charge)”; a segunda (V2), “Leitura de textos multimodais (Propaganda e Campanha Publicitária)”; a terceira (V14), “Estrutura e Características do gênero dissertativo-argumentativo”; e a quarta (V15), “Coerência, Coesão e Operadores argumentativos”. As duas primeiras fazem parte do eixo da leitura e as duas últimas do eixo da escrita.

3.3 Disposição organizacional e categoria de análise

No que se refere ao modo como elas estão organizadas, identificamos que, de modo geral, elas mantêm uma estrutura funcional semelhante, pois em cada uma delas temos um estagiário(a)/expositor(a), com camisas padronizadas, slides4 em uma TV, microfones e duração variando entre 4 e 12 minutos. Esse formato corresponde às orientações adotadas pelos estagiários, confirmando o rigor e seriedade das produções e garantindo a identidade e legitimidade do projeto. Para tal ilustração, apresentamos a seguir a Figura 1, cujo print screen5 foi retirado da V1:

Ilustração da V1.
Figura 1
Ilustração da V1.
Fonte: https://youtu.be/IxGhbX0U3I.

O print em destaque, na Figura 1 “Ilustração da V1”, apresenta a aula 01 “Leitura multimodal” e é representativa das demais videoaulas do projeto.

Para a constituição da evidência categórica da nossa investigação, partimos do modo organizacional das quatro videoaulas que evidenciam a sua estrutura modelar e configuram a presença de aspectos tecnológicos multimodais com uma finalidade didático-pedagógica. Com isso, pudemos construir a Figura 02, que segue, exibindo regularidades que permitem a generalização do conjunto de dados. Vejamos:

Estrutura das videoaulas
Figura 2
Estrutura das videoaulas
Fonte: figura construída pela autora.

A Figura 02, “Estrutura das videoaulas”, evidencia uma estrutura modelar que se aplica às quatro videoaulas analisadas. O VX é indicador dessa generalização. A distribuição de três caixas denominadas de “abertura”, “execução” e “encerramento” destaca a previsibilidade do evento, que se organiza em torno de três movimentos clássicos: introdução; desenvolvimento e conclusão.

Apoiados nesta representação, compreendemos que, do ponto de vista da estrutura, temos uma previsibilidade para as etapas de abertura e encerramento, com pouca variação. Na verdade, elas apresentam em seu momento inicial uma saudação aos internautas, identificação e menção ao projeto. Já em seu encerramento, a disposição organiza-se de modo diferenciado por cada estagiário(a)/expositor(a).

No tocante à execução, é perceptível a presença de uma mesma organização estratégica de abordagem, mesmo que apareçam em conteúdos de ensino diferentes. Para as quatro, que serão analisadas, presenciamos uma sequência em torno da definição, exemplificação e explicação, cuja sistematização pode ser visualizada a partir do Quadro 1:

Quadro 1
Sistematização da estrutura funcional das videoaulas.
VideoaulasEixos de ensinoEstratégia de Exposição do conteúdo
LeituraEscritaDefinição/Exemplificação/Explicação
V1+-+
V2+-+
V14-++
V15-++

O quadro 01 revela a estrutura funcional das videoaulas, a partir da identificação da estratégia utilizada para a explicitação de conteúdos de eixos de ensino diferentes. A presença dos sinais (+/-) destaca o tipo de exposição do conteúdo nos eixos de leitura e de escrita, caracterizando o escopo da investigação para as videoaulas, V1 e V2, relativas à leitura e para as V14 e V15, relativas à escrita.

Após essa identificação, procuramos estabelecer algum tipo de relação entre a estratégia de abordagem e a concepção de ensino que evoca, no intuito de responder à segunda questão basilar que norteia a investigação.

A forma de explicitação dos exemplos será através da reprodução de imagens capturadas dos vídeos através de print screen, denominados de figuras. Sua ordem de apresentação obedece a uma sequência numérica em ordem crescente: Figuras 01, 02, 03… De igual modo, sistematizamos o áudio dos vídeos, como comprovação das estratégias identificadas, transcrevendo-os segundo as normas de transcrição6, enumerando-os, também de forma sequenciada: Trecho 01, 02, 03…

4 Análise das videoaulas

Após a discriminação da categoria de análise destacada no tópico anterior, organizamos a análise em dois subtópicos, utilizando as videoaulas em destaque no quadro 01, a partir da presença da estratégia que segue o percurso de definição, exemplificação e explicação para cada um dos eixos.

4.1 Estratégias para o ensino de leitura

Esta seção apresenta a análise de duas videoaulas do projeto “ENEM na palma da mão” a partir da categoria apresentada anteriormente: Estratégia cujo percurso envolve: Definição + Exemplificação + Explicação.

A V1 aborda o conteúdo “Leitura de gêneros multimodais (Tirinha e Charge)”. Sem contar com o tempo utilizado para abertura e encerramento, sua exposição é realizada em 08 minutos e 13 segundos, cuja ministração é desempenhada por uma estagiária-expositora que inicia o conteúdo com a definição de “Textos multimodais”, utilizando o slide como auxílio. Após a leitura deste slide, há a exibição de uma tirinha do personagem Armandinho. Na sequência, ocorre um percurso semelhante com o gênero charge, com um apontamento para suas características, com exemplificação e explicação. Tal percurso aponta para o processo de didatização mencionado por Mendes (2005), em que a estagiária-expositora demonstra e revela o modo como organizou e didatizou o conteúdo em questão. Sua fala procura situar, sem deixar dúvidas, o conteúdo tratado. O print evidencia a caracterização explicitada no vídeo. Vejamos:

Momento da definição na V1
Figura 3
Momento da definição na V1
Fonte: https://youtu.be/IxGhbX0U3I0.

A Figura 3 “Momento da definição na V1” retrata a etapa em que a estagiária-expositora inicia a sua exposição do conteúdo “Leitura de gêneros multimodais”, cuja marca pode ser visualizada com a sinalização do tempo, no final da tela em 45 segundos decorridos, tendo em vista que antes desse momento ela cumprimenta os internautas, faz menção ao projeto, identifica-se e apresenta o que será abordado. A leitura da definição de textos multimodais é realizada com o auxílio do slide exposto na TV. A introdução ao conteúdo é marcada neste ponto da videoaula, como podemos constatar no trecho da transcrição que segue.

Trecho 01:

então vamos começar então com a definição... o que são textos multimodais... observem...

O próximo passo envolve a exibição de exemplos com o uso da tirinha, representado na Figura 4. Vejamos:

Momento da exemplificação na V1
Figura 4
Momento da exemplificação na V1
Fonte: https://youtu.be/IxGhbX0U3I0.

A Figura 4, “Momento da exemplificação na V1”, está representando a ocasião subsequente à definição de textos multimodais (Figura 3). Nela, a estagiária-expositora parte do gênero tirinha como primeiro exemplo a ser exposto em torno do conteúdo, como é possível observar no trecho que segue:

Trecho 02:

vamos começar pela tirinha... a tirinha é um gênero muito conhecido... muito utilizado no enem...

A fase posterior engloba a explicação desse exemplo que embasa o conteúdo ministrado. A Figura 5 a ilustra.

Momento da explicação na V1
Figura 5
Momento da explicação na V1
Fonte: https://youtu.be/IxGhbX0U3I0.

A Figura 5 “Momento da explicação na V1” ilustra as etapas em que a estagiária-expositora direciona-se para a câmera para explicar a tirinha lida, enfatizando o próprio personagem e o modo adequado de interpretar um texto multimodal, como podemos verificar em:

Trecho 03:

esta é uma tirinha de Armandinho... personagem que criou um amplo espaço nas redes sociais... sua página no facebook tem diversas curtidas... então para analisar essa tirinha... nós precisamos levar em consideração seu personagem... o recurso verbal utilizado e o recurso visual...

A partir desta descrição, observamos que a estratégia de abordagem do conteúdo “Leitura de gêneros multimodais”, na V1, envolve a sequência destinada à definição, exemplificação e explicação. Em se tratando da V2, com mesmo conteúdo de ensino, sendo que com foco nos gêneros propaganda e anúncio publicitário, também percebemos a mesma estratégia de abordagem. Ou seja, o conteúdo perpassa uma didatização de mesma organização metodológica, apesar dos distintos gêneros. Vejamos.

A V2 é subsequente à V1 e sua ministração é realizada por uma estagiária-expositora, que expõe o conteúdo em 11 minutos e 10 segundos. Ela ocorre por meio da exibição, com o uso do slide, da finalidade da publicidade e do conceito de propaganda. Na sequência, há a exibição de uma propaganda publicitária, como exemplo, atrelada a explicações de como realizar a sua leitura. Vejamos os prints e transcrições que demonstram essa recorrência.

Momento da definição da publicidade na V2
Figura 6
Momento da definição da publicidade na V2
Fonte: https://youtu.be/lkwQk6Tn0es.

A Figura 6, “Momento da definição da publicidade na V2”, retrata o início da videoaula, como podemos observar no tempo decorrido. Nessa etapa, a estagiária-expositora faz a leitura da finalidade da publicidade com o apoio do slide e sua abertura pode ser verificada na transcrição que segue.

Trecho 04:

nesta aula nós aprenderemos sobre o conceito de propaganda e campanha publicitária e observaremos a relação que existe entre imagens e textos... mas antes disso nós observaremos qual é a finalidade de uma publicidade... então qual é a finalidade da publicidade...

A próxima figura representa o segundo momento das definições, sendo que com ênfase na propaganda.

Momento da definição da propaganda na V2
Figura 7
Momento da definição da propaganda na V2
Fonte: https://youtu.be/lkwQk6Tn0es.

A Figura 7, “Momento da definição de propaganda na V2”, também ilustra a fase das definições, sendo que com menção ao conceito de propaganda, ela é ulterior ao momento ilustrado na Figura 06, “Momento da definição da publicidade na V2”, e é iniciada do seguinte modo:

Trecho 05:

nós observaremos também qual é o conceito de propaganda...

No que se refere à etapa da exemplificação, sua ilustração pode ser visualizada na figura que segue.

Momento da exemplicação na V2
Figura 8
Momento da exemplicação na V2
Fonte: https://youtu.be/lkwQk6Tn0es.

A Figura 8, “Momento da exemplificação na V2”, faz parte da etapa posterior à definição de publicidade e propaganda em que a estagiária-expositora a introduz da seguinte maneira:

Trecho 06:

para isso nós observaremos a relação entre texto e imagem que existe em uma propaganda publicitária... e essa propaganda é a do guaraná antártica... vamos observar cada parte do texto...

Este “Trecho 06” elucida o modo como a propaganda do guaraná é exemplificada por meio de um detalhamento de cada elemento visual. Esse procedimento já é sequenciado por uma explicação ainda durante a exibição do exemplo, porém ela também se faz presente em um outro momento em que a estagiária-expositora direciona-se para a câmera. Isso pode ser verificado em um print representado na Figura 09 e na transcrição subsequente.

Momento da explicação na V2
Figura 9
Momento da explicação na V2
Fonte: https://youtu.be/lkwQk6Tn0es.

Esta Figura 9, “Momento da explicação na V2”, representa o momento em que a estagiária-expositora explica o exemplo exibido acerca da propagada do guaraná Antártica. Observemos como ocorre essa etapa com o trecho que segue:

Trecho 07:

nós podemos perceber com o que foi mostrado que cada cor não está ali por acaso... junto a imagem e junto ao texto elas se relacionam pra nos fazer querer comprar aquele produto...

As descrições acerca das V1 e V2 estão situadas no eixo da leitura e trazem um tratamento direcionado para gêneros diferenciados, porém com mesma sequência estratégica. A próxima seção envolve reflexões sobre o eixo de escrita.

4.2 Estratégias para o ensino de escrita

A V14 é ministrada por uma estagiária-expositora sobre o conteúdo “Estrutura e características do texto dissertativo-argumentativo”, que ocorre em 08 minutos e 41 segundos. Sua organização se dá por meio de definições, estrutura e características da redação, além também de um exemplo de redação do ENEM 2014, seguida de explicações. Por fim, a estagiária-expositora menciona alguns pontos que não devem ser cometidos pelo candidato. A sequência das estratégias de abordagem mencionadas pode ser ilustrada nas figuras seguintes.

Momento da abertura do que será exposto na V14
Figura 10
Momento da abertura do que será exposto na V14
Fonte: https://youtu.be/NCT210HQs9M.

Nesta Figura 10, “Momento da abertura do que será exposto na V14”, já conseguimos observar que, antes mesmo do conteúdo ser ministrado, existe um caminho traçado que corrobora a sequência definição/exemplificação/explicação. A Figura 11, subsequente a essa elucida a definição presente na V14, como ela envolve, além do conceito do texto dissertativo-argumentativo, as suas características e estrutura, subdividimos as figuras para esse momento em três ilustrações. Para tanto, organizamos tal titulação em definição 1, definição 2 e definição 3. Ela é iniciada com o seguinte trecho.

Trecho 08:

vamos então para o primeiro tópico... o que é um texto dissertativo-argumentativo...

Momento da definição1 na V14
Figura 11
Momento da definição1 na V14
Fonte: https://youtu.be/NCT210HQs9M.

Nesta Figura 11, “Momento da definição 1 na V14”, podemos verificar o direcionamento da estagiária-expositora para o slide com o título “O que é um texto dissertativo-argumentativo?”, cujo prosseguimento se dá por meio de sua leitura.

Na Figura 12 podemos ilustrar o momento que está associado a esta definição 1, mas que retrata as características do gênero. A estagiária-expositora exibe esse momento através do seguinte trecho:

Trecho 09:

o próximo tópico da aula é em relação as características do gênero dissertativo-argumentativo…

Momento da definição 2 características do texto dissertativoargumentativo na V14
Figura 12
Momento da definição 2 características do texto dissertativoargumentativo na V14
Fonte: https://youtu.be/NCT210HQs9M.

Como podemos observar na Figura 12, “Momento da definição 2 (características do texto dissertativo-argumentativo) na V14”, a titulação do slide aponta para a etapa mencionada e sua leitura é um misto de explicação e orientação. Vejamos:

Trecho 10:

em primeiro lugar o texto é opinativo... seja você contra ou a favor do tema deixe de forma clara para o seu leitor... apresenta também sequência lógica de ideias claras e objetivas... nada de escrever ideias desconexas ou que fujam do tema principal proposto pela prova... posicionamento do autor... apresenta um problema, tese ou questão a ser discutida... todo tema de redação do enem apresenta implícito um problema... cabe a você então desenvolvê-lo... apresenta e discute argumentos que defendem uma opinião... apresenta uma solução para o problema apresentado e por fim possui linguagem formal... nada de escrever gírias ou internetês no seu texto de redação.

A próxima figura enumerada como 13 ilustra o momento da definição 3 com a estrutura do gênero dissertativo-argumentativo. Sua introdução é sinalizada do seguinte modo:

Trecho 11:

o próximo tópico da aula é em relação à estrutura do texto dissertativo-argumentativo... ele se divide em três...

Momento da definição 3 na V14
Figura 13
Momento da definição 3 na V14
Fonte: https://youtu.be/NCT210HQs9M.

A Figura 13, “Momento da definição 3 na V14”, demonstra que a estagiária-expositora, após definir e exibir as características do gênero em questão, enfatiza a sua estrutura, cuja imagem é visualizada no slide. A partir dessas três fases que sinalizam a definição do texto dissertativo-argumentativo, veremos na Figura 14 o momento da exemplificação. Como a estratégia de abordagem presente nessa etapa da videoaula está organizada por meio de definição e exemplificação, ou seja, a estagiária-expositora apresenta o slide da Figura 13 acerca da etapa da introdução e, posteriormente, apresenta a introdução de uma redação como exemplo, ilustraremos esse processo com um print deste momento. Vejamos:

Momento da exemplificação na V14.
Figura 14
Momento da exemplificação na V14.
Fonte: https://youtu.be/NCT210HQs9M

Como mencionado, a Figura 14, “Momento da exemplificação na V14”, ilustra o momento em que a estagiária-expositora exemplifica a parte destinada à introdução com um trecho de uma redação do ENEM 2014. Quanto ao momento da explicação, assim como nas etapas de definição demonstradas, elas vão sendo incorporadas na própria exposição do exemplo. Vejamos:

Trecho 12:

repare que de início o autor ele contextualiza ele traz um acontecimento histórico... que foi o capitalismo e como ele vai influenciar na publicidade infantil... eu também destaquei duas instâncias... a família e o estado... por que... porque essas duas instâncias vão ser desenvolvidas no decorrer do seu texto

Esse “Trecho 12” revela que a explicação está interligada ao momento de leitura do próprio exemplo. A estagiária-expositora explica como a introdução está organizada, de que modo o autor a estruturou. Sendo assim, a partir destas ilustrações, percebemos uma videoaula que apresenta uma sequência em torno da definição, exemplificação e explicação.

No que se refere a V15, presente também no eixo da escrita, temos um outro tipo de conteúdo abordado, mas com a mesma estratégia de abordagem. Sua exposição é desempenhada por uma estagiária-expositora sobre o conteúdo “Coerência, coesão e operadores argumentativos”, cuja duração para a ministração do conteúdo é de 5 minutos e 48 segundos. Ela está organizada por meio de definições, exemplos e explicações, tendo a definição da coerência como momento introdutório, sem o auxílio do slide, apenas com a câmera em direção à estagiária-expositora. Observemos o trecho seguinte:

Trecho 13:

vamos ao primeiro ponto da nossa aula... o que é coerência... coerência é a ferramenta que você vai utilizar para encaixar as peças de seu texto... pra dar sentido completo a ele... veja um exemplo...

Para o momento do exemplo, há um slide. Vejamos na Figura 15:

Momento da exemplificação na V15
Figura 15
Momento da exemplificação na V15
Fonte: https://youtu.be/NC6Y5wvT4S0.

A Figura 15, “Momento da exemplificação na V15”, demonstra que, com o apoio do slide, a estagiária-expositora faz a leitura do exemplo e, posteriormente, já o explica. Vejamos:

Trecho 14:

conseguiram perceber a incoerência dessa frase... note que há duas informações... a primeira é que havia pouquíssimas pessoas trabalhando no balcão... e a segunda é portanto fui logo atendido... conseguiu perceber que não há relação entre essas duas informações dadas... isso acontece porque se havia pouquíssimas pessoas trabalhando no balcão... então o atendimento demorou mais do que o esperado ou se o atendimento foi feito rapidamente então havia mais pessoas trabalhando no balcão... ok...

Tal trecho configura a explicação da frase exemplificada e evidencia o trajeto definição/exemplificação/explicação. A ilustração do primeiro conteúdo (coerência) nesta videoaula é representativa dos demais (coesão e operadores argumentativos).

4.3 Uma síntese entre a estratégia utilizada nos eixos e a recorrência dos conteúdos

Com base nessas identificações, conseguimos observar, tanto no primeiro eixo (leitura) como no segundo (escrita), a constatação de uma mesma temática para leitura e uma mesma temática para escrita, porém com conteúdos diferentes. E, apesar de suas diferenças, a estratégia de abordagem é evidenciada como uma só, cujo percurso envolve a sequência definição/exemplificação/explicação. Tal identificação nos direciona para a discussão dos tipos de conteúdos empreendidos por Zabala (1998) ao propor sua natureza variável. Ao relacionarmos a classificação do autor à estratégia de abordagem dos conteúdos de Língua Portuguesa representados pelas V1, V2, V14 e V15, conseguimos visualizar uma didatização que concorre para a recorrência de conteúdos conceituais (as definições antecedem o exemplo como modo de visualização ou relação do conceito com um fim prático) e procedimentais, tendo em vista que a abertura das videoaulas se davam por definições, seguidas de procedimentos.

A estratégia presente nas V1 e V2 objetivam alcançar e preparar os candidatos para o ENEM, por meio conceituações e explicações em torno do modo como deve ser realizada a leitura de gêneros multimodais. Isso concorre para a maneira como esses candidatos devem agir diante de questões desse tipo. Da mesma forma, a estratégia das V14 e V15 abarcam uma finalidade, tanto conceitual como procedimental, elas têm o objetivo de esclarecer a organização da redação do exame e mostrar os procedimentos para com a produção do texto dissertativo-argumentativo.

Ao identificarmos o modo como os conteúdos de ensino de Língua Portuguesa estão didatizados nas videoaulas do Projeto “ENEM na palma da mão” e a forma como a estratégia de abordagem presente revela uma concepção de ensino de LP que influenciou o contexto educacional, compreendemos que existe uma relação de proximidade entre a estratégia de abordagem observada nas V1, V2, V14 e V15 e a concepção de ensino behaviorista por englobar um comportamento direcionado para o condicionamento (PEREIRA, 2010; OSTERMANN e CAVALCANTI, 2011; SILVA, 2017). Neste caso, há uma transmissão de conteúdos com definições ou conceituações, implicando, assim, uma abordagem de ensino tradicional (PEREIRA, 2010). Por exemplo, em se tratando da V1, existe um conceito de “Leitura de textos multimodais” com um fim a ser aplicado em determinados exemplos ou atividades.

Além disso, é possível evidenciar que constatamos uma abordagem de ensino tida como tradicional, porém com conteúdos expostos em um suporte que faz parte da contemporaneidade. Tal percepção revela que as modificações tecnológicas interferiram nos diferentes contextos sociais; entre eles, a própria educação, que vem adequando-se à sua utilização e inserção. Não significa dizer que a abordagem tradicional não possa ser utilizada, segundo Pereira (2010), a questão é que ela não deve ser a única.

Um outro ponto está relacionado ao tempo e espaço das videoaulas que se distanciam da realidade de sala de aula, tendo em vista que em média uma aula presencial ocorre em 50 minutos e o espaço não é um estúdio limitado diante de uma câmera, porém uma sala mais ampla, com a presença de vários alunos. Apesar disso, se um professor organiza um conteúdo de LP em um tempo específico de aulas presenciais, as videoaulas evidenciam que os conteúdos abordados atenderam aos seus propósitos em menos de 12 minutos. Mas, é claro, que cada espaço, seja presencial ou virtual, apresenta suas particularidades e complexidades.

A questão é que não há mais como visualizar o ambiente escolar destituído dessa nova modalidade de EaD por meio dessa ferramenta. Este projeto proporcionou aos estagiários novos desafios que já fazem parte da realidade de muitas escolas, cursinhos, professores. Tais videoaulas só elucidam a educação da acessibilidade e viabilidade. Elas desafiaram os estagiários e possibilitaram repensar a graduação em parceria com o mundo digital, o próprio currículo e adequação ao mundo profissional que já presenciamos. Não é nada para o futuro, já faz parte da realidade.

Nessa direção, tais constatações podem sinalizar a necessária urgência de um profissional flexível, não apenas docentes em aulas presenciais, mas aptos a se tornarem atores sociais muito mais expostos. Não há mais um limite para o acesso ao conhecimento, é preciso reconhecer que em um dado momento pode-se estar atuando para um número limitado de alunos e em outro para um número ilimitado. Com isso, emergem três pontos indispensáveis: o humano, por envolver um profissional formado ou em formação que precisa lidar não apenas com a didatização do conteúdo de ensino de LP, todavia com a dimensão humana, com a postura, com a exposição a um público incontável; com o material, tendo em vista que as tecnologias estão em diferentes contextos sociais, inclusive nas salas de aula, os próprios alunos, muitas vezes, os introduzem ou manuseiam muito antes dos professores; e o político-pedagógico, por estar relacionada às diferentes transformações sociais, a educação está interligada ao ambiente externo e prepara as crianças e jovens para a atuação no meio social (LIBÂNEO, 2013).

5 Considerações finais

O ensino da Língua Portuguesa sofreu influências de diferentes vertentes teóricas que ocasionaram mudanças no que diz respeito ao processo de didatização de seus conteúdos. Em um dado momento, a transmissão dos saberes ficou centrada no próprio professor, o ensino configurou-se como transmissivo, com destaque para reproduções e modelos repetitivos (Behaviorismo); em um outro, passou-se a enfatizar que o conhecimento não é apenas reproduzido, porém construído, incluindo assim, o aluno como participante desse processo (Construtivismo). E, por sua vez, temos o último momento, cuja corrente não se vale apenas da relação do indivíduo com o meio, mas insere também nessa relação o social: o ensino passa a pensar e incorporar o outro (Sociointeracionismo), tendo o professor como mediador do saber. Portanto, não há como analisar as estratégias de abordagem de conteúdos de ensino de Língua Portuguesa e sua relação com as concepções de ensino sem compreender que tais estratégias nos direcionam para diferentes concepções, e, respectivamente, diferentes abordagens de ensino.

Associado a tais vertentes e momentos históricos, também vivenciamos as transformações tecnológicas. Não nos valemos somente de um ensino realizado em sala de aula, diante de uma turma, em um dado ambiente institucionalizado, todavia nos deparamos com uma realidade imersa no mundo digital, com sua fluidez de tempo e espaço. Hoje, é possível ter acesso a diferentes conteúdos de LP em videoaulas no YouTube, seja como um complemento para o que é estudado em sala de aula, seja como um preparatório para concursos ou até mesmo um curso de graduação ou pós-graduação.

Sendo assim, pesquisas, que envolvem o ensino de LP em diferentes contextos sociais, neste caso em um ambiente tecnológico, são significativas para evidenciarmos o modo como os conteúdos estão transitando de um ambiente presencial para o virtual. Além disso, a identificação da maneira como eles estão sendo didatizados reflete as modificações acarretadas pela era tecnológica no ensino de LP, bem como a flexibilidade na postura dos profissionais que vivenciam a emergência de adequação ao presencial e virtual.

Referências

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Notas

* Este artigo faz parte de estudos coordenados no contexto do projeto de pesquisa “Novas configurações de ensino de leitura e escrita em atividades de linguagem (NS)”, do PosLE/ UFCG, 2014-2017, cuja discussão tem filiação com uma pesquisa que está sendo empreendida em nível de mestrado e que também está inserida nas discussões em torno da videoaula, sob a orientação da Profa. Dra. Williany Miranda da Silva.
1 As videoaulas do Projeto “ENEM na palma da mão” estão presentes em um canal no YouTube (https://www.youtube.com/channel/UCSkVZmh0xB2ddNZ73_f_8LQ).
2 Greve nas escolas estaduais/ Informações disponíveis em: http://portalitaporanganews.blogspot.com/2016/02/professores-iniciam-greve-no-dia-17-na_15.html. e http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2016/06/professores-da-rede-estadual-da-pb-paralisam-atividades-por-dois-dias.html.
3 As videoaulas que serão analisadas apresentam numeração correspondente ao que está descrito no canal do YouTube.
4 “Slide é um substantivo da língua inglesa que dá nome ao dispositivo que projeta quadros inanimados em cinemas, televisões, salas de conferências, aulas ou ao ar livre”. Disponível em: https://www.significados.com.br/slide/. Acesso em: 16 de fev. 2018.
5 “O Print screen é uma tecla comum nos teclados de computador. No Windows, quando a tecla é pressionada, captura em forma de imagem tudo o que está presente na tela (exceto o ponteiro do mouse e vídeos) e copia para a Área de Transferência”. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Print_screen. Acesso em: 16 de fev. 2018.
6 As transcrições serão produzidas a partir das normas estabelecidas pelo Projeto de Estudos da Norma Linguística Urbana Culta de São Paulo (NURC, 1998).
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