Robótica pedagógica

A robótica livre e o ensino de física e de programação: desenvolvendo um teclado musical eletrônico

Free robotics and the teaching of physics and programming: developing an electronic music keyboard

Thais Gabrielly Marques de Andrade
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Zaíne Raquel Santos Vicente
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Heryverton Araújo Lemos Leite
Instituto Federal da Paraíba, Brasil
Ana Paula Chaves Cabral
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Rodrigo Baldow
Universidade Federal Rural de Pernambuco, Brasil
Nady Rocha
Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Marcelo Brito Carneiro Leão
Universidade Federal Rural de Pernambuco, Brasil

A robótica livre e o ensino de física e de programação: desenvolvendo um teclado musical eletrônico

Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 11, núm. 3, pp. 317-330, 2018

Universidade Federal de Minas Gerais

O autor de submissão à revista Texto Livre cede os direitos autorais à editora da revista (Faculdade de Letras da UFMG), caso a submissão seja aceita para publicação. A responsabilidade do conteúdo dos artigos é exclusiva dos autores. É proibida a submissão integral ou parcial do texto já publicado na revista a qualquer outro periódico.

Recepción: 12 Septiembre 2018

Aprobación: 02 Noviembre 2018

Resumo: A Robótica tem sido utilizada em algumas pesquisas como recurso tecnológico inovador voltado para a Educação, de forma que a Robótica Livre vem contribuindo por ser mais acessível e permitir que as escolas possam trabalhar com essa tecnologia a partir da reutilização de materiais, outros de baixo custo e softwares livres. A partir dos conceitos defendidos pela Robótica Livre, foi desenvolvido por três estudantes do ensino médio/técnico em informática de uma escola pública, com a colaboração de uma discente da Universidade Federal da Paraíba, um teclado musical elétrico com o objetivo de proporcionar atividades educativas mais criativas e interativas, com o intuito de os alunos aprenderem mais alguns conhecimentos de Física e Programação relacionados ao protótipo. A partir do uso da observação participante como instrumento de pesquisa, verificou-se que esse tipo de prática pedagógica utilizando a Robótica como recurso favorece o ensino de tais matérias, além de proporcionar uma reflexão dos estudantes em relação à conscientização sobre o consumismo e o descarte de materiais. Dessa forma, a Robótica pode ser uma boa ferramenta inovadora a ser utilizada nas escolas, assim como pode mudar a postura dos estudantes como cidadãos.

Palavras-chave: Robótica livre, Ensino de física, Programação, Tecnologia, Arduino.

Abstract: Robotics has been used in some researches as an innovative technological resource for Education, so that Free Robotics has been contributing to be more accessible and allow schools to work with this technology from the reuse of materials, low cost materials and free software. From the concepts defended by the Free Robotics, an electric musical keyboard was developed with the aim of providing more creative and interactive educational activities, so the students could acquire some more knowledge of Physics and Programming related to the prototype. This equipment has been developed by three high school students in public school, with the collaboration of a student of the Federal University of Paraíba - Brazil. From the use of participant observation as a research tool, it was verified that this type of pedagogical practice using Robotics as a resource favors the teaching of such subjects, in addition to providing a reflection of the students in relation to the awareness about consumerism and discarding of materials. In this way, Robotics can be a good innovative tool to be used in schools, as well as changing the posture of students as citizens.

Keywords: Free robotics, Physics teaching, Programming, Technology, Arduino.

1 Introdução

A educação brasileira nas escolas vem seguindo, muitas vezes, metodologias tradicionais de ensino de forma a se preocupar em finalizar conteúdos programáticos e o estudante participar como ouvinte das aulas, limitando, nesses casos, o aprendizado prático e a criatividade. Devido isso, os alunos têm sentido dificuldades em aprender conhecimentos científicos das áreas da Matemática e Ciências da Natureza, visto que há um distanciamento do ensino dessas disciplinas com o cotidiano dos estudantes e os fenômenos dessas Ciências (CHELLA, 2002).

Essas práticas tradicionais de ensino têm perdido espaço em alguns lugares devido à inclusão de novas ferramentas tecnológicas como as Tecnologias da Informática e Comunicação (TIC), de modo que atividades que utilizam esses recursos possibilitam aos estudantes se motivarem a aprender mais. Esse uso das tecnologias na Educação vem acompanhado de artefatos que se configuram como novos materiais didáticos que podem ser usados como instrumentos pedagógicos com o desígnio de contribuir com o processo de ensino-aprendizagem (LOMBANA, 2015).

Nas escolas, assim como no cotidiano do jovem, há recursos tecnológicos como computador, software, smartphone, tablet, robô ou outras tecnologias que podem ser utilizadas na Educação. Estes são recursos que podem servir como instrumentos mediadores no processo de ensino e aprendizagem (ARAÚJO; RICARDO; MAFRA, 2015).

Na sociedade atual, saber utilizar as tecnologias com competência é importante na obtenção de sucesso. Diante desse fato, a Robótica na Educação é uma alternativa de aporte teórico-metodológico que pode contribuir com a construção de conhecimentos científicos. Além de possibilitar um ambiente rico que permite desenvolver a criatividade e o desenvolvimento de habilidades nos estudantes (PROL, 2006).

Práticas pedagógicas com a Robótica podem proporcionar aos estudantes o desenvolvimento ou a melhoria de sua capacidade de solucionar problemas, começar a utilizar a lógica de maneira mais eficaz e aprender mais os conhecimentos científicos abordados nas atividades. Dessa forma, a Robótica na Educação consegue trabalhar na prática conceitos científicos que, na maioria das vezes, são discutidos em sala de aula apenas em teoria, sem relacionar com o cotidiano. O ambiente pedagógico com essa tecnologia é caracterizado pela criatividade, de forma que os estudantes podem se sentir estimulados a aprender (MORELATO et al., 2010).

Mill e César (2013) destacam que a Robótica “tradicional” na Educação, aquela desenvolvida nas escolas com kits comerciais que contêm peças pré-fabricadas com modelos padronizados, possibilita aos estudantes aprenderem conceitos científicos e desenvolverem sua criatividade construindo protótipos autônomos. Entretanto, a Robótica trabalhada com esse material tem limitações devido às restrições das possibilidades de manipulações e construções de artefatos pelo motivo de as peças terem encaixes pré-fabricados. Além disso, os produtos comerciais dessa área e seus programas computacionais proprietários (softwares pagos) são relativamente caros dificultando seu acesso à maioria das escolas e dos professores.

Uma solução é o uso do Arduino que é uma plataforma aberta (open-source) de prototipagem eletrônica de hardware e software flexível e simples de ser usado, projetada com um microcontrolador Atmel AVR. Ele possui suporte de entrada/saída embutido, linguagem de programação padrão, essencialmente C/C++. Diante de seu baixo custo, o Arduino vem contribuindo nos últimos anos com o crescimento da Robótica Livre (TRENTIN, 2013).

O uso da Robótica Livre na escolha do projeto baseou-se na intenção de desenvolver um projeto de baixo custo e que proporcionasse um ambiente mais criativo para os estudantes na intenção de eles aprenderem mais alguns assuntos relacionados à Física e à Programação na prática.

Diante do exposto, serão apresentadas as etapas de desenvolvimento do projeto do teclado, que foi desenvolvido em uma escola estadual pública localizada no município de João Pessoa-PB, em parceria com a Universidade Federal da Paraíba, de maneira que as seções foram organizadas da seguinte forma: na segunda, discutir-se-á a Robótica na Educação dando ênfase à Robótica Livre; na terceira, falaremos sobre a metodologia; na quarta, mostraremos o desenvolvimento do projeto com algumas análises sobre o mesmo; na quinta, concluiremos com as considerações finais.

2 Robótica na educação

No Brasil, há muitas experiências de Robótica na Educação e a maioria utiliza kits proprietários, sendo a maior parte de empresas estrangeiras, com materiais e softwares pré-fabricados para uso. Entretanto, apesar desse material propiciar uma inclusão pedagógica e tecnológica intuitiva, esses kits costumam ser relativamente caros, com limitações e não condizentes com o recurso da maioria das escolas (MILL; CÉSAR, 2013).

Gebran (2009, p. 5) destaca alguns benefícios nas práticas pedagógicas que incluem a Robótica como recurso, independentemente do tipo de material utilizado, sendo eles:

- estimular o desenvolvimento de projetos educacionais que envolvam a manipulação e construção de robôs;

- trabalhar de forma concreta conceitos elaborados e estudados em sala de aula nas diferentes disciplinas;

- despertar nos alunos o interesse pelo estudo e pela análise de máquinas presentes no seu cotidiano, objetivando sua reprodução ou criação de novos modelos;

- possibilitar a aprendizagem realizada de forma divertida, tomando os princípios da Ciência e da Tecnologia bastante acessíveis para os alunos;

- aumentar o nível de interesse e a criatividade dos alunos, desenvolvendo novas possibilidades de criação e invenção;

- oferecer a possibilidade de respostas concretas para muitas dúvidas técnicas;

- possibilitar ao aluno contato com situações em que ele precise tomar decisões concretas a partir de acontecimentos presenciados por ele;

- proporcionar aos alunos oportunidade de testar, verificar conceitos e verificar a viabilidade de seu projeto;

- possibilitar o prazer de desenvolver conceitos teóricos de forma concreta.

César (2013) destaca que nas práticas pedagógicas que são realizadas com o uso da Robótica, durante o processo de desenvolvimento dos projetos, é normal que haja erros, sendo importantíssimo analisá-los no processo de vivência e aprendizagem dos estudantes.

Além da Robótica “tradicional”, que são aquelas atividades que utilizam kits proprietários, práticas pedagógicas com essa tecnologia podem ser desenvolvidas seguindo caminhos e utilizando materiais diferentes como a da Robótica Livre que vamos debater a seguir.

2.1 Robótica livre

César (2013) define a Robótica Livre como processos e procedimentos dessa área que utilizam materiais baseados em soluções livres e reutilizam materiais para construir artefatos tecnológicos dentro de práticas pedagógicas com o intuito de contribuir com o processo de construção do conhecimento. As atividades com a Robótica Livre devem ser realizadas utilizando softwares livres. Sobre software livre, a GNU.ORG (2017, p. 1, negrito do autor) define da seguinte forma:

Por “software livre” devemos entender aquele software que respeita a liberdade e senso de comunidade dos usuários. Grosso modo, isso significa que os usuários possuem a liberdade de executar, copiar, distribuir, estudar, mudar e melhorar o software.

Um programa é software livre se os usuários possuem as quatro liberdades essenciais:

- A liberdade de executar o programa como você desejar, para qualquer propósito (liberdade 0).

- A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo às suas necessidades (liberdade 1). Para tanto, acesso ao código-fonte é um pré-requisito.

- A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao próximo (liberdade 2).

- A liberdade de distribuir cópias de suas versões modificadas a outros (liberdade 3). Desta forma, você pode dar a toda comunidade a chance de beneficiar de suas mudanças. Para tanto, acesso ao código-fonte é um pré-requisito.

Nas práticas pedagógicas com a Robótica Livre pode-se discutir temas relacionados ao meio ambiente, liberdade de expressão e compartilhamento de conhecimentos. Desenvolver projetos nessa área possibilita criar uma consciência sobre o consumo desenfreado, refletir sobre os aspectos ambientais e a reutilização de materiais, assim como proporcionar uma reflexão sobre a difusão de informações, a descentralização do conhecimento científico e, dessa forma, contribuir com outras pessoas. Nessa esteira, a Robótica Livre pode propiciar uma melhoria na postura dos cidadãos envolvidos (MILL; CÉSAR, 2013).

Quando experiências pedagógicas são realizadas com a Robótica Livre, podem ser observados benefícios nessas atividades, como:

- Desenvolvimento mais intenso da interação, cooperação, coletividade e do respeito ao outro, pois é exatamente esse o espírito de trabalho da comunidade de Software Livre (Linux);

- Possibilidade de agregar ao projeto preocupações ligadas à proteção da natureza, especialmente em relação à conscientização ecológica e aos recursos não-renováveis;

- Maior estímulo à criatividade e à reflexão quando da coleta das sucatas e montagem dos próprios dispositivos robóticos;

- Criação de oportunidades para politização e conscientização em relação ao desenvolvimento sustentável, à ecologia, à liberdade, ao jogo de poder, à concentração de renda, à produção de softwares proprietários ou com código aberto, ao jogo de poder e à correlação de forças políticas e econômicas em torno do código aberto etc;

- Raciocínio lógico-matemático e poder de abstração mais apurado como resultado da participação na concepção e elaboração do código do programa de computador que comandará os dispositivos robóticos do projeto;

- Participação mais efetiva dos educandos na CRIAÇÃO do projeto a ser desenvolvido, pois não recebem módulos pré-confeccionados por empresas especializadas, além de ser facultada a alteração do código do software de controle do mecanismo robótico – o que significa uma distribuição do conhecimento de forma mais democrática;

- Exploração mais intensa de aspectos ligados à pesquisa e à ciência, especialmente aqueles ligados à ética e à democratização do conhecimento científico (MILL, CÉSAR, 2009, p. 236, caixa alta dos autores).

Na próxima seção, falaremos sobre a metodologia da pesquisa que foi realizada.

2.2 Metodologia

A natureza de pesquisa do presente trabalho foi qualitativa. Sobre esta, Bardin (2011, p. 145) destaca que: “A análise qualitativa apresenta certas características particulares. É válida, sobretudo, na elaboração das deduções específicas sobre um acontecimento ou uma variável de inferência precisa, e não em inferências gerais”.

No ano de 2017, um professor de Física apresentou um projeto de Robótica aos estudantes do terceiro ano do ensino médio/técnico em informática de uma escola pública localizada na cidade de João Pessoa-PB. Dos dezenove estudantes, onze se interessaram em participar de forma voluntária do projeto. De início, eles fizeram uma pesquisa na internet para conhecer alguns protótipos e montaram artefatos mais simples e criativos, como: mão hidrostática, carrinho elétrico, robô hidrostático e alarme de placa de pressão. Durante esse processo, alguns docentes da Universidade Federal da Paraíba souberam dos trabalhos que estavam sendo desenvolvidos na escola e entraram em contato com o professor para firmar uma parceria na qual parte dos materiais que iam ser utilizados para o desenvolvimento dos novos projetos dos estudantes iam ser custeados a partir de um projeto da universidade e alguns discentes da graduação da área colaborariam como monitores com o intuito de contribuir com o aprendizado e desenvolvimento dos projetos.

Diante dessa parceria, o professor de Física convidou outros estudantes do ensino médio/técnico a participarem de forma voluntária, totalizando 21 alunos, que se dividiram em sete equipes e, junto com o professor e os colaboradores, realizaram os seguintes projetos: construção de duas shields, braçadeira lembrete, radar, teclado musical, bicicleta geradora de energia, robô humanoide e um ambiente inteligente para animais de estimação. Iremos nos ater na discussão do desenvolvimento do teclado musical, o qual faz parte dessa pesquisa. Os encontros com os estudantes aconteceram no laboratório de Robótica da escola nas sextas-feiras à tarde e, extraordinariamente, nas quintas-feiras à tarde.

Utilizamos como instrumento de pesquisa a observação participante. Cruz Neto (1994) destaca que a observação participante é um processo no qual o pesquisador tem que ter o objetivo de fazer uma investigação científica a partir da participação de um estudo como observador de situações sociais. O pesquisador precisa ter contato com o fenômeno observado de forma a compreender melhor o contexto dos atores sociais. Essa técnica é importante por permitir verificar situações que em muitos momentos não são relatadas em entrevistas.

Quando se opta por trabalhar com a observação participante, não há necessidade de o pesquisador se tornar um “nativo”, mas é importante que ele tente se colocar no lugar do outro, de forma a entender seu ambiente social. No caso do ambiente ser uma escola, e o pesquisador já ter uma convivência com os sujeitos pesquisados com certa frequência, isso pode contribuir a apreender a “imponderabilidade da vida real”. Esse termo utilizado por Malinowski (1978) foi relacionado por ele a atos que fazem parte do dia a dia dos “nativos” e que muitas vezes não são identificados nos questionários e análises de documentos. É importante que eles sejam observados e apreendidos em pleno funcionamento (MARQUES, 2016).

3 Desenvolvimento e análise

Depois de construir o alarme de placa de pressão, surgiram algumas ideias a partir da funcionalidade desse protótipo. Uma delas foi desenvolver um teclado. O mecanismo para o funcionamento do alarme era um circuito que quando pressionado fechava e emitia um som. Esse princípio foi utilizado de forma adaptada nas teclas. Foi feita uma divisão no projeto para que houvesse a parte da criação do software, a programação do Arduino e o desenvolvimento do hardware, sendo a construção da estrutura física do teclado. Ao utilizarem a ideia da placa de pressão nos protótipos do alarme e do teclado, os estudantes mostraram compreensão da ideia de chaveamento, o abrir e fechar de um circuito.

É importante ressaltar que, durante o processo de desenvolvimento do protótipo, apesar de os estudantes fazerem o curso técnico de informática, observou-se a existência do conhecimento básico de Arduino e a sua linguagem de programação, o que acabou proporcionando estudos mais aprofundados sobre como desenvolver o teclado musical. Um dos motivos do projeto trabalhar com a placa Arduino foi o fato de ela ser um software livre, conforme a ideia defendida pela Robótica Livre (CÉSAR, 2013) e a definição da GNU.ORG (2017).

De início, os estudantes elaboraram ilustrações de como as teclas deveriam funcionar, e fizeram pesquisas sobre os conceitos de notas musicais, que passaram a ser aplicadas pela programação e o circuito montado na parte física. O teclado começou a funcionar de forma que, quando uma tecla era pressionada, seu respectivo led era acesso e um som era emitido pelo buzzer, conforme a Figura 1.

Representação visual dos processos realizados pelo teclado.
Figura 1
Representação visual dos processos realizados pelo teclado.
Fonte: Acervo pessoal, elaborado por aplicação do Windows 10.

Foram feitas oito teclas compostas pelas notas musicais mais básicas a serem aprendidas por um iniciante (Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si e Dó), que representam uma escala musical. Ao serem pressionadas, emitiam sons nas seguintes frequências, respectivamente: Dó: 262 Hz; Ré: 294 Hz; Mi: 330 Hz; Fá: 349 Hz; Sol: 392 Hz; Lá: 440 Hz; Si: 493 Hz e Dó: 523 Hz. A ordem de declaração das notas estava no código de programação da seguinte forma: NOTE_C 262; NOTE_D 294; NOTE_E 330; NOTE_F 349; NOTE_G 392; NOTE_A 440; NOTE_B 493 e NOTE_C2 523. Observou-se, nesse momento, que os estudantes começaram a ter uma noção básica de que o som que ia ser emitido ao pressionar uma das teclas tinha relação com sua respectiva frequência. A partir dessas informações e conhecimentos, os estudantes conseguiram avançar com o teclado. Podemos observar na Figura 2 uma representação do funcionamento de um dos códigos de programação que foi testado pelos estudantes, a partir de uma pesquisa de códigos semelhantes.

Fluxograma de funcionamento dos códigos de programação.
Figura 2
Fluxograma de funcionamento dos códigos de programação.
Fonte: Fluxograma criado pelos autores pela plataforma Lucidchart. Disponível em: https://www.lucidchart.com/.

O primeiro código só conseguiu ser executado com a inclusão da biblioteca pitches.h do Arduino, que declarava as teclas do teclado e sua frequência. O código que foi feito utilizou muitas funções diferentes, como a while e if, estruturas de controle que dependem de condições para funcionar.

Com base na ideia da Robótica Livre (CÉSAR, 2013), aprimoramos o corpo do protótipo reutilizando alguns materiais e usando outros de baixo custo, sendo eles: cano de PVC 40 mm; tampa de impressora; palitos de picolé; fita Isolante; fita crepe; parafusos; resistores de 330 Ω; oito (8) leds azuis; fios reutilizados de cabos UTP; porcas; compensado; BreadBoard; Arduino; bateria de 9 V; buzzer; e alto-falante. A escolha por resistores de 330 Ω aconteceu a partir da conta que os estudantes fizeram, com os dados dos leds disponíveis, com base na equação (1) da primeira Lei de Ohm, a qual está representada a seguir:


O “R” é a resistência elétrica medida em Ohms (Ω), o U é a diferença de potencial medida em Volts (V) e o I é a intensidade da corrente elétrica medida em Amperes (A). Ao utilizarem essa fórmula para achar o resistor que iam utilizar, os estudantes demonstraram que estavam compreendendo os conceitos básicos de resistência, tensão e corrente elétrica e quando eles podiam utilizar a fórmula (1) para encontrar a medida do resistor a ser utilizado em um circuito.

O teclado foi dividido em circuitos de teclas e leds. As teclas foram ligadas em paralelo e os leds em série na porta GND do Arduino. Os estudantes optaram por “fabricar” fios manualmente utilizando cabos UTP em vez dos jumpers dos kits de Arduino. O resultado final dessas adaptações que ficaram em uma tampa de impressora está nas Figuras 3a e 3b:

a) Protótipo inicial do teclado visto de cima. b) Protótipo inicial do teclado visto por baixo.
Figura 3
a) Protótipo inicial do teclado visto de cima. b) Protótipo inicial do teclado visto por baixo.
Fonte: Acervo pessoal dos autores.

Essa escolha feita pelos estudantes por fazer um circuito em série e outro em paralelo demonstrou que eles já estavam compreendendo como construir na prática esses tipos de circuitos. O aprendizado que estava acontecendo na prática relacionado a circuito elétrico estava cada vez mais evidente seguindo a afirmação de Gebran (2009), o qual diz que, quando se trabalha com a Robótica, um de seus benefícios é trabalhar de forma concreta conceitos que são estudados em sala de aula. Isso estava acontecendo durante todo o processo do projeto.

Depois de algumas semanas, após todo o processo de criação do corpo do teclado, foram feitos mais testes junto com a programação, mas o resultado não foi muito bom. Ocorreram alguns erros como o som, que não estava sendo emitido, e também falha nos leds, pois o código e a parte física não estavam bem interligados. Os estudantes começaram a discutir sobre o problema, passaram a fazer alguns ajustes e refizeram a parte da programação, visto que não tinham obtido bons resultados. Nos novos códigos, os estudantes começaram a trabalhar mais a correlação do Arduino com a estrutura do teclado; entretanto, por mais que testassem em protótipos separados e mais simples, as falhas permaneciam. Os códigos estavam com bugs e outros tipos de erros. Esses momentos de não êxito no desenvolvimento do projeto foram muito importantes para que os educandos pudessem se aprofundar na pesquisa, aprendendo mais com esses erros, conforme foi destacado por César (2013).

Na etapa seguinte da programação, tudo que os estudantes adicionavam ao código era estudado previamente, buscando a análise de sua funcionalidade. A partir de outra pesquisa, foi feito um novo código retirando a biblioteca pitches.h e utilizando somente as funções tone e na tone que já estava incluída na biblioteca original do Arduino. Essas funções utilizam declarações de notas, suas frequências e seu funcionando de maneira interligada diretamente aos pinos do Arduino. Eles também substituíram as estruturas de controle por um while para cada tecla pressionada, no intuito de acionar o led e o buzzer. Adiante, o novo código que foi estudado.

// Declarando cada nota e sua frequência

#define NOTE_C 262 //Dó

#define NOTE_D 294 //Ré

#define NOTE_E 330 //Mi

#define NOTE_F 349 //Fá

#define NOTE_G 392 //Sol

#define NOTE_A 440 //Lá

#define NOTE_B 493 //Si

#define NOTE_C2 523 //Dó

#define ON LOW

const int Buzzer = 11; // Atribuição de pino ao buzzer para emitir o som do piano

//Cada LED representa uma tecla do teclado

const int LED1 = 0;

const int LED2 = 1;

const int LED3 = 2;

const int LED4 = 14;

const int LED5 = 15;

const int LED6 = 16;

const int LED7 = 17;

const int LED8 = 18;

const int DO = 10; // Atribuição de pinos para cada tecla

const int RE = 9;

const int MI = 8;

const int FA = 7;

const int SO = 6;

const int LA = 5;

const int SI = 4;

const int DO2 = 3;

void loop(){ // Determinando que enquanto a tecla estiver ON, fazer o buzzer tocar uma nota e também acender //a LED correspondente

while(digitalRead(DO) == ON)

{ tone(11,NOTE_C); digitalWrite(LED1,HIGH);}

while(digitalRead(RE) == ON)

{ tone(11,NOTE_D); digitalWrite(LED2,HIGH);}

while(digitalRead(MI) == ON)

{ tone(11,NOTE_E); digitalWrite(LED3,HIGH);}

while(digitalRead(FA) == ON)

{ tone(11,NOTE_F); digitalWrite(LED4,HIGH);}

while(digitalRead(SO) == ON)

{ tone(11,NOTE_G); digitalWrite(LED5,HIGH);}

while(digitalRead(LA) == ON)

{ tone(11,NOTE_A); digitalWrite(LED6,HIGH);}

while(digitalRead(SI) == ON)

{ tone(11,NOTE_B); digitalWrite(LED7,HIGH);}

while(digitalRead(DO2) == ON)

{ tone(11, NOTE_C2); digitalWrite(LED8,HIGH);}

noTone(11); //Desligar o Buzzer

//Manter as led’s desligadas

digitalWrite(LED1,LOW);

digitalWrite(LED2,LOW);

digitalWrite(LED3,LOW);

digitalWrite(LED4,LOW);

digitalWrite(LED5,LOW);

digitalWrite(LED6,LOW);

digitalWrite(LED7,LOW);

digitalWrite(LED8,LOW);

}

Diferente dos códigos anteriores, os estudantes compreenderam a parte da comunicação e como escrever as linhas certas. Eles executaram testes por partes, sem o corpo, como ilustra a Figura 4, nos quais o botão funcionou como uma tecla:

Representação visual do teste sem o corpo.
Figura 4
Representação visual do teste sem o corpo.
Fonte: Representação criada pelos autores através do simulador Circuits. Disponível em: https://www.tinkercad.com.

O som começou a sair como o esperado; todavia, quando era ligado ao corpo do teclado, o buzzer estava apresentando um barulho constante de interferência, mesmo quando as teclas não eram pressionadas. Os estudantes perceberam que o projeto ainda precisava de alguns ajustes e eles recolocaram e testaram várias vezes as peças do circuito. Foi notado que em alguns momentos os fios desencapados estavam encostando-se, ocasionando um curto circuito ao ponto de queimar todo o teclado, sendo necessário refazer toda parte física com materiais diferentes. As Figuras 5a e 5b mostram como os estudantes organizaram o teclado.

a) Visão do teclado por fora. b) Visão do teclado por dentro.
Figura 5
a) Visão do teclado por fora. b) Visão do teclado por dentro.
Fonte: Elaborado pelos autores.

A representação das ligações do teclado foi ilustrada na Figura 6:

Representação visual das ligações do teclado.
Figura 6
Representação visual das ligações do teclado.
Fonte: Imagem criada pelos autores através do simulador Circuits. Disponível em: https://www.tinkercad.com.

No último protótipo do teclado feito pelos estudantes, componentes foram substituídos, deixando o projeto mais leve, com menos fios emaranhados e mais bonito esteticamente. Foi trocada a tampa de impressora por uma chapa fina de palete, passou-se a usar cabos de fonte de computador em vez dos fios UTP e todos os equipamentos com defeitos foram substituídos. Eles adaptaram os circuitos de série para paralelo com intuito de evitar um curto circuito. Isso tornou os componentes “independentes”, pois, aplicada determinada diferença de potencial ao circuito, os terminais de um componente não estaria diretamente ligado ao próximo; de tal maneira, se houvesse problemas em algum componente, os outros não seriam afetados, tornando o circuito otimizado por meio dessa manobra. Com essas mudanças, o teclado ficou pronto para ser utilizado com as teclas e os sons funcionando corretamente, tornando-se uma plataforma divertida para auxiliar na compreensão de conceitos teóricos.

O projeto do teclado foi desenvolvido no período de julho a outubro de 2017 e foi apresentado na quarta edição da Feira de Engenharia Elétrica (FEE) da UFPB, realizada em outubro de 2017, e no mês seguinte na RoboTec, evento organizado pela Secretaria de Estado da Educação (SEE) do Governo da Paraíba na cidade de Campina Grande-PB. Diante da experiência de participar desses eventos, os estudantes puderam conversar sobre o projeto com outros alunos, professores, público em geral e os avaliadores, tendo a oportunidade de analisar o feedback destes em relação à proposta do protótipo como instrumento educacional e sustentável. Essa oportunidade proporcionou um aprendizado diferenciado do que os estudantes normalmente vivenciam na escola, principalmente em relação aos conhecimentos relacionados à Robótica.

4 Considerações finais

O desenvolvimento do teclado a partir do uso da plataforma Arduino, reutilização de materiais e outros de baixo custo, utilizando como aporte teórico a Robótica Livre, foi uma prática pedagógica que promoveu um ambiente de criatividade, resolução de problemas, preocupação com o meio ambiente e um aprendizado que necessitou de conhecimentos de mais de uma Ciência. A parceria entre a escola e a Universidade Federal propiciou um intercâmbio de informações e difusão de saberes que permitiu um espaço educacional mais rico, com a inserção tecnológica da Robótica ajudando no processo de ensino-aprendizagem.

Para que o teclado conseguisse ser construído, os estudantes tiveram que estudar e aplicar muitos conteúdos de Física e de Programação, conseguindo, por meio disso, construir esses conhecimentos científicos que foram debatidos durante todo o processo do projeto. Apesar de na prática os estudantes terem se deparado com vários erros, eles alcançaram o aprendizado ao lidar com essas situações e ao trabalharem com distintos recursos ao seu alcance. Isso distingue essa prática de outras que usam kits de Robótica proprietários, tendo todas as peças à disposição e um manual com o passo a passo para construir o protótipo, não permitindo aos estudantes procurarem novas soluções ou resolverem os problemas a partir de suas próprias pesquisas. A Robótica Livre proporcionou um maior uso da criatividade no projeto do teclado, que foi finalizado com sucesso.

O projeto mostrou a possibilidade desse tipo de recurso ser utilizado em atividades de ensino e aprendizagem de forma mais dinâmica, sem a necessidade de utilizar kits proprietários, que normalmente têm custos altos para a maioria das escolas, e ter mais flexibilidade para a criatividade, utilizando diferentes recursos disponíveis. A partir do interesse das escolas, professores e estudantes, esse tipo de prática pode construir novos caminhos que possibilitem um aprendizado mais motivador para os alunos construírem novos conhecimentos.

Referências

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BARDIN, L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edição 70, 2011.

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CHELLA, M. T.. Ambiente de Robótica Educacional com Logo. In: XXII CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE COMPUTAÇÃO - SBC2002. Florianópolis, 2002.

CRUZ NETO, O. O Trabalho de Campo como Descoberta e Criação. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org). Pesquisa Social: Teoria, Método e Criatividade. Rio de Janeiro-RJ: Vozes, 1994, p. 51-66.

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MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental. 2. ed. São Paulo:Abril Cultural, 1978.

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