Linguística e Tecnologia

CONSCIÊNCIA LINGUÍSTICA NO USO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA NA ESCOLA, EM TECNOLOGIA VIRTUAL E TECNOLOGIA NÃO VIRTUAL

LINGUISTIC AWARENESS IN THE USE OF READING STRATEGIES AT SCHOOL, ON VIRTUAL AND NON-VIRTUAL TECHNOLOGY

Vera Pereira
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil
Thais Santos
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil

CONSCIÊNCIA LINGUÍSTICA NO USO DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA NA ESCOLA, EM TECNOLOGIA VIRTUAL E TECNOLOGIA NÃO VIRTUAL

Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 10, núm. 1, pp. 66-82, 2017

Universidade Federal de Minas Gerais

Recepção: 06 Março 2017

Aprovação: 01 Maio 2017

Resumo: Neste artigo, é relatado um estudo que examinou a contribuição de materiais de leitura de crônicas, contos e fábulas, em tecnologia virtual e tecnologia não virtual, para 52 alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, no que se refere à consciência linguística no uso de estratégias de leitura (predição, leitura detalhada e scanning). Tal estudo tem como suporte os estudos psicolinguísticos sobre leitura aplicados ao ensino, com apoio da Computação. Envolveu a produção dos materiais de ensino, a preparação da equipe, a elaboração e a aplicação desses materiais em oficinas na escola selecionada, a elaboração e a aplicação de pré-teste antes das oficinas e de pós-teste após as oficinas e o tratamento dos dados. Os resultados indicam: diferença significativa na comparação pré e pós-teste; diferença não significativa na comparação entre as tecnologias (virtual e não virtual) com tendência favorável à não virtual na leitura da fábula e da crônica e à virtual na leitura do conto; presença de diferença significativa em situações pontuais no que se refere à comparação de desempenho entre as estratégias de leitura.

Palavras-chave: estratégias de leitura, tecnologia virtual e não virtual, consciência linguística, fábula, crônica e conto.

Abstract: In this article, we report a study that examined the contribution of reading materials of chronicles, short stories and fables, on virtual and non-virtual technologies, to 52 students of the 9th grade of Middle School, regarding linguistic awareness in the use of reading strategies (prediction, detailed reading and scanning). This study is based on Psycholinguistic studies on reading applied to teaching, with support on Computation. The research involved the teaching materials production, the team preparation, the construction and application of these materials in workshops at the selected school, the construction and application of pre-test before the workshops and post-test after the workshops and the data treatment. The results indicate: significant difference in the pre-test and post-test comparison; a non-significant difference in the comparison between technologies (virtual and non-virtual) with tendency towards non-virtual in the fable and chronicle reading and favorable to virtual in the tale reading; presence of a significant difference in specific situations regarding the comparison of performance among the reading strategies.

Keywords: reading strategies, virtual and non-virtual technologies, linguistic awareness, fable, chronicle and short stories.

1 Introdução

As diversas avaliações oficiais nacionais, assim como de âmbito internacional (PISA/OCDE)[1], evidenciam dificuldades dos estudantes em compreensão de textos. Essas informações, acompanhadas das manifestações continuadas dos diversos segmentos da sociedade, reforçam o reconhecimento de que o problema existe e que tem dimensões graves e complexas.

Diante desse quadro, pesquisadores dessa área vêm se empenhando em colaborar na investigação do problema com vistas a colaborar para sua solução. Os linguistas, por sua formação, têm responsabilidades correspondentes, com um lugar especial para os psicolinguistas.

Nesse entendimento, foi desenvolvido, com apoio do CNPq, da CAPES e da FAPERGS, um projeto de estudos psicolinguísticos aplicados, associando ensino, extensão e pesquisa, com sustentação teórica na Psicolinguística Aplicada e apoio na Computação. Teve, como propósito, examinar a contribuição, para alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, de módulos de ensino constituídos de estratégias de leitura (predição, scanning e leitura detalhada) de textos literários com sequências narrativas dominantes (crônica, conto e fábula), em suporte tecnológico virtual e não virtual, no que se refere à consciência linguística no uso dessas estratégias. Esse ano escolar pode ser considerado estratégico, na medida em que, além de ali se evidenciarem dificuldades de leitura, conforme as provas já referidas, realiza a transição entre os níveis Fundamental e Médio e faz projeções para o Ensino Superior.

Para tanto, o trabalho envolveu a preparação da equipe (bolsistas graduandos, bolsistas escolares e bolsistas professores), a produção dos módulos de ensino, o planejamento e a realização das oficinas, a elaboração e a aplicação dos instrumentos de pesquisa e o tratamento dos dados coletados por um professor de Estatística[2]. Os 59 alunos, sujeitos da pesquisa, foram organizados em dois grupos: 37 alunos para trabalho com tecnologia virtual e 22 alunos para trabalho com tecnologia não virtual. Os processos e os produtos científicos, tecnológicos e pedagógicos decorrentes estão divulgados por meio de um e-book disponível no site da Editora da PUCRS[3].

Neste artigo, são expostos sucessivamente componentes do estudo realizado – seus fundamentos, o ensino desenvolvido, a pesquisa realizada, os resultados obtidos, as considerações finais e as referências.

2 Os fundamentos teóricos

O estudo aqui relatado é sustentado teoricamente na perspectiva de leitura como processo psicolinguístico, em interface com a Computação, constituindo-se em tópicos de apoio, apresentados a seguir: compreensão leitora, estratégias de leitura, consciência linguística e uso de tecnologias no ensino da leitura.

A compreensão leitora ocorre por meio de dois processos básicos (SCLIAR-CABRAL, 2008, 2009) que interagem conforme a situação de leitura – o bottom-up e o top-down. O processo bottom-up caracteriza-se como ascendente, fazendo o movimento das partes para o todo. Constitui-se numa leitura linear, minuciosa, vagarosa, em que as pistas visuais são predominantemente utilizadas. É um processo de composição, uma vez que as partes gradativamente vão formando o todo. O processo top-down, defendido especialmente por Goodman (1991) e por Smith (2003), caracteriza-se como um movimento não linear que faz uso de informações não visuais – dos conhecimentos prévios, predominantemente. Desse modo, dirige-se da macroestrutura para a microestrutura, da função para a forma, baseando-se na concepção antecipatória da leitura.

No estudo aqui relatado, considera-se que os dois movimentos são utilizados pelo leitor, dependendo da situação que se apresenta durante a leitura, envolvendo o próprio texto (em suas características), o objetivo da leitura e o leitor (conhecimentos prévios). Nesse sentido, o sucesso do desempenho está na interação entre ambos, considerando a situação de leitura, em que variáveis se inter-relacionam e produzem influências.

Esses processos ocorrem por meio de dois grupos básicos de estratégias: cognitivas e metacognitivas (KATO, 1987; KLEIMAN, 1989; LEFFA, 1996). As cognitivas caracterizam-se pelos traços intuitivo e inconsciente, enquanto as metacognitivas caracterizam-se pela consciência, pela intenção de monitoramento do próprio processo. O exame dessas estratégias expõe os elementos que internamente as constituem e que estão distribuídos nos planos constitutivos da língua – fônico, mórfico, sintático, semântico, pragmático e textual (GOMBERT, 1992).

A revisão de literatura sobre o assunto indica a existência de um conjunto de estratégias acionadas durante a leitura. Entre essas, são nomeadas com muita frequência: skimming, scanning, predição, automonitoramento, autoavaliação, autocorreção, inferência e leitura detalhada. De modo a dar continuidade a trabalhos anteriores, foram eleitas, para o estudo aqui relatado, como estratégias de leitura para produção, aplicação e investigação das atividades pedagógicas, a de predição, a de scanning e a de leitura detalhada.

O significado da estratégia de predição está no próprio radical da palavra, permitindo associação a predizer. Possibilita vincular também significativamente a previsão, assim como a antecipação e adivinhação. Em relação a esta última nomeação, há que explicitar que não se trata de um procedimento impulsivo e aleatório. Consiste num procedimento em que o leitor, com base nas pistas linguísticas e nos seus conhecimentos prévios, faz importantes inferências. Daí a denominação de guessing game, de Goodman (1967).

A seleção das pistas está apoiada no objetivo do leitor, isto é, do que ele deseja antecipar, nas características do texto, isto é, na natureza dos elementos linguísticos que o autor disponibiliza e nos conhecimentos prévios de que o leitor dispõe para sua busca. Cabe ressaltar que numa fábula, por exemplo, a predição da moral pode estar apoiada predominantemente no último acontecimento.

É importante registrar também que a estratégia de predição tem em si um processo inferencial e apoio em outras estratégias de grande importância para o seu êxito – o automonitoramento, a autoavaliação e a autocorreção (PEREIRA, 2006). Constituem-se esses componentes como condições para uma predição eficiente, cabendo ao leitor estar consciente de sua importância e da necessária interação entre elas.

A estratégia de scanning consiste num procedimento cognitivo importante para a leitura, contribuindo para a resolução de problemas durante sua realização. Com origem em scan, pode ser compreendida como exame, esquadrinhamento, exploração.

Caracteriza-se fundamentalmente como busca de uma informação específica no texto em diferentes situações. O leitor pode precisar retomar algo já lido e perdido, por problemas de atenção ou memória, como por exemplo, uma determinada opinião de um personagem de um conto. É possível também que tenha informação parcial e precise totalizá-la, como por exemplo, a frequência de intervenções do narrador, numa crônica. Do mesmo modo é possível que não tenha compreendido algo e precise retomar, por exemplo, o significado de uma palavra desconhecida utilizada num conto. É ainda possível que não tenha considerado importante a informação, como, por exemplo, quantas vezes uma palavra se repete no texto. Também é possível que o leitor não tenha lido o texto e queira identificar apenas uma informação ali provavelmente disponível, como a data de um acontecimento.

Desse modo, o scanning está vinculado a uma busca específica do leitor, seja a obtenção de informação, seja o aprofundamento de informação parcialmente já obtida, seja a obtenção de melhor entendimento, sempre em direção à compreensão. Cabe registrar que, para seu uso, o leitor necessita de conhecimentos prévios como apoio, ou sobre o conteúdo ou sobre a natureza do texto.

A estratégia de leitura detalhada, como seu nome sugere, supõe procedimentos minuciosos, cuidadosos por parte do leitor. Conta, para isso, com movimentos lineares de observação de cada sinal linguístico. Insere-se, desse modo, no processamento cognitivo bottom-up, de natureza ascendente, das unidades menores para as maiores.

O uso dessa estratégia também está vinculado ao objetivo da leitura, aos conhecimentos prévios do leitor e às características do texto. Quanto ao objetivo de leitura, o leitor poderá preferi-la caso precise posteriormente de todas as informações constitutivas do texto, como para realização de uma prova, elaboração de um resumo e reprodução oral, entre outras possibilidades. Em relação aos conhecimentos prévios, caso o leitor não os possua suficientemente, terá de se apoiar com muita atenção em cada pista linguística. No que se refere à natureza do material de leitura, o leitor deve se ajustar ao seu funcionamento, o que indica a necessidade de leitura cuidadosa para situações como léxico pouco conhecido, sintaxe com frases longas e complexas, estruturas textuais com exigência cognitiva alta.

Considerando esse conjunto de concepções, cabe assumir o ponto de vista de que o processo psicolinguístico de compreensão da leitura (PEREIRA, 2008) se realiza em rede, com os necessários ajustamentos, do que decorre sua natureza de jogo e consequentemente de risco, que exige da parte do leitor o manejo de processos ascendentes e descendentes e de estratégias cognitivas e metacognitivas de leitura (KLEIMAN, 1989).

Nesse processo de uso das estratégias de leitura, a consciência do leitor nesse uso tem importância significativa, tópico desenvolvido na sequência, com base em Baars (1993), Bächler (2006) e Dehaene (2009).

A teoria do espaço global da consciência (global workspace) foi desenvolvida por Baars (1993), segundo a qual os conteúdos conscientes estão contidos num espaço global: uma espécie de processador central usado para mediar a comunicação com um conjunto de processadores especializados não conscientes. Quando esses processadores especializados precisam transmitir informação para o sistema, mandam informação para o espaço global que atua como um quadro comunitário, acessível a todos os outros processadores.

Bächler (2006) apresenta as propriedades da consciência: tem um foco circundado por informações que proporcionam um contexto, é dinâmica, tem um ponto de vista, necessita de uma orientação. Consistindo em traço central da mente, ela é indispensável para compreender qualquer processo cognitivo, sendo que sua estrutura intencional a vincula ao mundo. Na consciência sobre a linguagem, é fundamental a significação de palavras, frases e discursos.

Dehaene (2009) relata que, em seus experimentos, apenas a partir do tempo de 270-300 milissegundos é possível ver diferença entre o processamento consciente e o inconsciente. Isso ocorre a partir do momento em que diferentes áreas do cérebro entram em sincronia. Desse modo, a consciência não é realizada por uma área sozinha do cérebro, mas pela sincronia entre muitas regiões, a partir de um tempo de trabalho.

Essas concepções sobre consciência (DEHAENE, 2001, 2007) são importantes para tratar especificamente da consciência linguística. Pode ser então explicitada em suas propriedades: ativa em sincronia diversas áreas do cérebro; tem um foco linguístico específico; utiliza informações periféricas a esse foco – o contexto; é intencional na busca da análise de algum ponto específico.

A consciência linguística (SPINILLO; MOTA; CORREA, 2010) volta-se para o conhecimento da própria linguagem em todos os modos de constituição e organização, estando predominantemente associada ao manejo desses elementos linguísticos. Nesse entendimento, a consciência linguística (GOMBERT, 1992) pode focalizar determinado segmento linguístico, considerando sempre o contexto dos demais segmentos (MOTA, 2009). Essa condição faz com que ela seja categorizada de acordo com cada um desses segmentos em atenção. A consciência fonológica tem como foco os fonemas (consciência fonêmica) e as sílabas (consciência silábica) que constituem a estrutura linguística e as propriedades entonacionais e rítmicas da língua em uso. A consciência morfológica tem como ponto de observação o vocábulo – os limites de início e fim, a estrutura (constituintes lexicais e gramaticais), os processos flexionais (gênero, número, pessoa/número, tempo/modo) e os processos derivacionais. A consciência sintática (RIGATTI; PEREIRA, 2015) direciona seu olhar para a frase internamente: seu limite (início e final da frase) e seus constituintes (e suas relações). A consciência léxico-semântica focaliza o léxico mental (vinculado à memória lexical), o significado (significação básica) e o sentido (construção ad hoc). A consciência pragmática dirige-se para a situação de uso da língua, considerando enunciador/receptor, objetivo, suporte comunicativo, momento e espaço da comunicação. A consciência textual se direciona para as marcas linguísticas que constituem o material escrito como texto. Focaliza a superestrutura e as relações textuais dos elementos linguísticos internamente e deles com o contexto – a coesão e a coerência (HALLIDAY & HASAN, 1976).

Conforme Gombert (1992), a consciência textual, fundamental no estudo aqui relatado devido a constituir-se em leito para os demais níveis de consciência, focaliza a superestrutura, a coerência e a coesão do texto. A superestrutura envolve os traços que definem o texto como um determinado gênero (BAZERMAN, 2009), contribuindo para isso a situação comunicativa (autor, leitor, tempo, espaço e suporte) e o modo de organização – moldura, componentes constitutivos (unidades linguísticas), sequências dominantes – narrativa, descritiva, argumentativa, injuntiva, expositiva (ADAM, 2008) e traços linguístico-estruturais (próprios dos diversos planos linguísticos). A coerência se refere predominantemente ao conteúdo e suas relações internas e com o entorno, que podem ser explicitadas nas regras definidas por Charolles (1978) – manutenção do tema, progressão do tema, ausência de contradição interna e relação com o mundo. A coesão (HALLIDAY; HASAN, 1976) consiste nos liames linguísticos do texto que contribuem para sua amarração e, assim, para a construção de seus sentidos. Apresenta-se em duas dimensões – a coesão lexical (palavras lexicais) e a coesão gramatical (palavras gramaticais).

Esse conjunto de fundamentos integra o processamento da leitura, cabendo considerá-los como base tanto para o suporte virtual como para o não virtual, especialmente quando se desejam ver as aproximações e os afastamentos, como é o caso do estudo aqui relatado. A opção por esse caminho está apresentada na continuidade deste texto.

Com frequência há, na família, na escola, na sociedade em geral, a convicção de que o computador é um dos grandes obstáculos para que as crianças e os jovens gostem de ler. Os estudos que a autora da proposta vem desenvolvendo (PEREIRA, 2006; 2009; 2010) não confirmam esse entendimento. Salienta-se, primeiramente, a esse respeito, que as pesquisas sobre redes cognitivas permitem o estabelecimento de convergências importantes entre o processo cognitivo de leitura e o sistema que constitui o computador, ambos em rede. Disso decorre principalmente a adequação desse equipamento como caminho para a pedagogia da leitura. Além disso, ele possibilita uma dimensão interativa, movida pela ação desenvolvida pelo aluno e pelo professor/monitor, pois pode tornar o trabalho pedagógico mais produtivo, na medida em que mantém esses usuários interessados no trabalho que é proposto. Revela-se, como decorrência, o fato de que, utilizando-o como ferramenta, o processo de aprendizado se acelera associado ao fato de que o grau de satisfação é elevado, acentuando-se o crescimento da autoestima.

Diante disso, é importante o uso de um equipamento atraente e que traz em si a possibilidade de constituir-se em elemento instigador do desejo de ler e, o mais importante, orientador do processo de ler (MILLER, 2009; COSCARELLI, 2002).

Do mesmo modo, a folha de papel, que recebe um texto impresso, consiste numa tecnologia (não virtual), que por bastante tempo foi única. Hoje, em meio ao virtual, ela continua com seu lugar garantido. Cabe salientar que o formato impresso orienta em grande parte o formato virtual (PEREIRA, 2016). A escola, por razões culturais e de infraestrutura, lhe dá um espaço privilegiado. As pesquisas sobre compreensão leitora têm sido predominantes no suporte impresso, do que decorre a existência de maior número de dados nesse formato.

No estudo aqui exposto, os dois tipos de tecnologias estão presentes na elaboração, aplicação e investigação de atividades pedagógicas com foco em uso de estratégias de leitura, na medida em que cabe examinar sua produtividade na leitura de textos literários com estrutura narrativa dominante (BAZERMAN, 2009; ADAM, 2008), por estudantes de 9º ano do EF.

Com base nesses fundamentos, o estudo foi desenvolvido por meio de ações de ensino e de pesquisa profundamente vinculados.

3 O ensino e a pesquisa

Considerando o objetivo já apresentado na introdução, nortearam o trabalho as seguintes questões de pesquisa: 1ª) qual a diferença entre o pré e o pós-teste aplicados antes e depois das oficinas com tecnologia virtual e não virtual, com foco na consciência linguística no uso das estratégias de leitura (predição, scanning e leitura detalhada) de fábulas, crônicas e contos?; 2ª) em que medida a consciência linguística no uso das estratégias de leitura está associada às tecnologias utilizadas – virtual e não virtual?; 3ª) qual a diferença de desempenho entre as estratégias de predição, scanning e leitura detalhada na leitura de fábulas, crônicas e contos?.

Cabe registrar que a escolha desses textos decorreu de estudos anteriores que os apontaram como importantes, de observação da frequência da presença nos espaços escolares e de conversas com os professores das turmas que os indicaram como oportunos. O conteúdo das atividades tem como foco três estratégias de leitura, apontadas pela literatura como de grande relevância para o trabalho em sala de aula, as quais são construídas com aporte nos elementos linguísticos de coesão e coerência dos textos propostos. Os textos escolhidos foram distribuídos entre os nove módulos da seguinte maneira: módulos 1, 2 e 3 – fábulas; módulos 4, 5 e 6 – crônicas; módulos 7, 8 e 9 – conto. Os textos selecionados para compor o material de ensino foram: fábulas – “Afinal, quem manda na floresta?”, de Millôr Fernandes (Módulo 1), “A causa da chuva”, de Millôr Fernandes (Módulo 2), “A raposa e o frango”, de Millôr Fernandes (Módulo 3); crônicas – “Prova Falsa”, de Stanislaw Ponte Preta (Módulo 4), “Letra de Médico”, de Moacyr Scliar (Módulo 5), “O nariz”, de Luis Fernando Veríssimo (Módulo 6); contos – “A noite em que os hotéis estavam cheios”, de Moacyr Scliar (Módulo 7), “Um apólogo”, de Machado de Assis (Módulo 8), “Betsy”, de Rubem Fonseca (Módulo 9).

Cada módulo é constituído de três partes: parte 1 – atividades de estratégia de predição, em que a apresentação do texto ocorre de forma segmentada, sendo necessário recorrer às pistas linguísticas do trecho apresentado para a formulação de predições sobre o conteúdo do texto literário em foco; parte 2 – atividades de estratégia de scanning, em que o texto é apresentado em seu formato pleno, sendo os exercícios propostos caracterizados pela busca de informações específicas no texto; e parte 3 – atividades de leitura detalhada, em que o texto é apresentado em seu formato pleno e as questões formuladas exigem a leitura minuciosa do texto. É importante registrar que cada atividade é constituída de uma tarefa de consciência no uso da estratégia de leitura em foco. Para obter acesso ao raciocínio desenvolvido pelo aluno, é solicitado a ele que, após o uso da estratégia, explique o processo realizado para resolver a tarefa, atendendo à instrução “Explique como pensou para encontrar a resposta.”, presente em todos os exercícios propostos.

As atividades de ensino foram organizadas e geradas em tecnologia virtual e em tecnologia não virtual. As virtuais foram programadas utilizando as linguagens populares de desenvolvimento web: HTML, CSS e Javascript (framework AngularJS). Essas atividades virtuais seguiram o mesmo padrão, diferenciando-se das atividades não virtuais na forma de responder e corrigir, na medida em que são ações realizadas no computador. Outra característica que as diferencia é a forma como o aluno realiza essas atividades, pois não é possível avançar para a questão seguinte sem responder por completo à anterior. Esse recurso é utilizado para que todos os alunos consigam realizar as atividades em conjunto e para que o professor consiga ministrar o tempo da aula de modo produtivo. As atividades não virtuais possibilitam que os alunos manipulem materiais concretamente, forma com a qual eles têm maior afinidade, considerando que são mais frequentes no trabalho escolar. Todas as atividades em seus dois formatos estão disponíveis para acesso em um e-book elaborado e implantado site da EDIPUCRS com vistas à divulgação dos materiais pedagógicos, bem como ao seu uso por professores de Língua Portuguesa.

Para o desenvolvimento das oficinas (20h), os 52 alunos de 9º ano do EF da escola selecionada, correspondendo a três grupos (turmas), foram distribuídos para trabalho com tecnologia virtual e para trabalho com tecnologia não virtual. Com base nesses critérios, considerando a existência de três turmas, foram indicadas uma, com 20 alunos, para trabalho com tecnologia virtual e duas, somando 32 alunos, para trabalho com tecnologia não virtual. Essas decisões foram tomadas junto com as professoras da escola selecionada, considerando sua proposta pedagógica.

Essas oficinas foram conduzidas por duas professoras da escola (Bolsistas AT), por dois graduandos de Letras (bolsistas IC) e por seis estudantes da escola (bolsistas IC Júnior), com a supervisão de uma doutoranda de Letras. Também compôs a equipe um estagiário da Computação, responsável pela programação dos materiais virtuais.

A investigação das contribuições das oficinas foi realizada com base nos pré-testes e nos pós-testes, preenchidos pelos alunos antes e após as oficinas. Foram organizados com apoio nos textos da mesma natureza dos trabalhados nas oficinas, sendo constituídos de tarefas de consciência linguística no uso das três estratégias de leitura. Desse modo, em cada teste, foram utilizados três textos (uma fábula, uma crônica e um conto) com três questões cada um, sendo cada uma voltada para uma das estratégias de leitura estabelecidas. Desse modo, totalizando nove questões, cada instrumento foi organizado com uma questão de predição, uma questão de scanning e uma questão de leitura detalhada. Os seis instrumentos de pesquisa foram distribuídos da seguinte forma: 1) Pré-teste de Consciência Linguística no uso de Estratégias de Leitura – Fábula: “Hierarquia”, de Millôr Fernandes; 2) Pré-teste de Consciência Linguística no uso de Estratégias de Leitura – Crônica: “A Crônica Original”, de Leon Eliachar; 3) Pré-teste de Consciência Linguística no uso de Estratégias de Leitura – Conto: “O Encontro”, de Leon Eliachar; 4) Pós-teste de Consciência Linguística no uso de Estratégias de Leitura – Fábula: “Verdade Científica”, de Millôr Fernandes; 5) Pós-teste de Consciência Linguística no uso de Estratégias de Leitura – Crônica: “Papagaio Congelado”, de Ricardo Azevedo; e 6) Pós-teste de Consciência Linguística no uso de Estratégias de Leitura – Conto: “De Cabeça Pensada”, Marina Colasanti. Cada instrumento é composto de três questões, uma para cada estratégia de leitura em investigação no estudo.

Os dados obtidos foram levantados, tabulados e organizados em tabelas. A seguir, foram calculados com o apoio de um estatístico. Essas análises possibilitaram a obtenção dos resultados apresentados a seguir.

4 Resultados

Os resultados alcançados decorrem da aplicação dos instrumentos de pesquisa – pré e pós-testes – aplicados antes e depois das oficinas de leitura com tecnologia não virtual e tecnologia virtual, junto a 52 alunos do 9º ano do EF. Os dados foram encaminhados para tratamento estatístico em que a presença de significância decorre de valor de p inferior a 0,005 (p <0,005). Inicialmente, os dados são apresentados de modo geral, sem separar por estratégia de leitura, no que se refere ao tempo (pré-teste e pós-teste) e à tecnologia (virtual e não virtual), e, ao final, são apresentados os percentuais de desempenho de cada estratégia e os valores de significância decorrentes das diferenças na comparação entre elas.

A Tabela 1 apresenta os dados dos alunos referentes à consciência linguística no uso de estratégias de leitura por gênero textual antes e depois das oficinas realizadas.

Tabela 1
Consciência linguística no uso de estratégias de leitura por gênero textual e teste: médias pré e pós.
MeasureTempo95% ConfidenceInterval
MeanStd. ErrorLowerBoundUpperBound
Fab (N59)18,139,6216,8969,382
216,479,50415,46917,488
Cron (N59)15,091,3124,4675,715
217,154,54616,06018,247
Con (N59)18,528,5107,5079,550
217,152,52716,09818,207

A Tabela 1 expõe as médias em cada gênero textual (fábula, crônica e conto) no pré-teste (tempo 1) e no pós-teste (tempo 2), sendo o N 59 a base de cálculo desses dados. Observando-os, é possível verificar, na comparação pré e pós-teste, a evolução dos alunos após a realização das oficinas de leitura. Nos três gêneros textuais a média do pós-teste é maior que a do pré-teste: fábula – 8,139 (pré-teste) e 16,479 (pós-teste); crônica – 5,091 (pré-teste) e 17,154 (pós-teste); conto – 8,528 (pré-teste) e 17,152 (pós-teste). Esses resultados indicam as condições pouco favoráveis dos alunos antes da realização das oficinas de leitura, bem como a contribuição do material pedagógico construído para a evolução do desempenho dos alunos.

A Tabela 2 a seguir disponibiliza os valores de significância decorrentes da comparação das médias do pré e do pós-teste.

Tabela 2
Consciência linguística no uso de estratégias de leitura por gênero textual e teste: diferenças de médias pré-teste (1) e pós-teste (2) e valores de significância.
Measure(I) Tempo(J) Tempoa
Mean Difference (I-J)Std. ErrorSig.a
Fab (N59)12-8,340*,713,000
218,340*,713,000
Cron (N59)12-12,063*,587,000
2112,063*,587,000
Con (N59)12-8,624*,614,000
218,624*,614,000

Os dados da Tabela 2, com N 59, mostram as médias de diferença da comparação pré e pós-teste e o valor de significância dessa comparação. A coluna correspondente à significância revela que nos três gêneros pesquisados essa diferença é estatisticamente significativa, sendo os valores de p inferiores a 0,005 (P<0,005). A análise estatística comprova, desse modo, os benefícios do material de leitura para o aprimoramento da consciência linguística dos alunos sobre o uso das estratégias de leitura nos três gêneros investigados.

Sob a perspectiva dos gêneros, a média de diferença (pré e pós-teste) mais alta é a da crônica. As médias do pós-teste da crônica e do conto são muito próximas, cabendo destaque para a crônica na medida em que é o gênero que apresenta desempenho mais baixo no pré-teste em comparação ao conto.

A Tabela 3, que segue, apresenta os resultados dos gêneros por tecnologia de aprendizado.

Tabela 3
Consciência linguística no uso de estratégias de leitura por gênero textual e tecnologia: médias virtuais (1) e não virtuais (2).
MeasureTecnologia95% Confidence Interval
MeanStd. ErrorLowerBoundUpperBound
Fab1 (N37)11,595,53610,52112,668
2 (N22)13,023,69511,63114,415
Cron1 (N37)11,108,40810,29111,925
2 (N22)11,136,52910,07712,196
Con1 (N37)13,135,51012,11314,157
2 (N22)12,545,66211,22013,871

Os resultados da Tabela 3 correspondem ao desempenho dos alunos nos três gêneros por tecnologia de aprendizado, em que 1 equivale à tecnologia virtual (N 37) e 2 à tecnologia não virtual (N22). Na fábula, é possível constatar uma tendência mais favorável ao uso da tecnologia não virtual (2) – 13,023 – em comparação à virtual (1) – 11,595. Na crônica, os dados revelam valores de médias muito próximas entre as tecnologias: virtual (1) – 11,108 e não virtual (2) – 11,136. No que se refere ao conto, as médias indicam tendência mais favorável à tecnologia virtual (1) – 13,135 – em comparação à tecnologia não virtual (2) – 12,545.

A Tabela 4 a seguir disponibiliza os valores de significância decorrentes da comparação entre as tecnologias de aprendizado investigadas na pesquisa.

Tabela 4
Consciência linguística no uso de estratégias de leitura por gênero textual e tecnologia: diferenças de médias virtuais (1) e não virtuais (2) e valores de significância.
Measure(I) Tecnologia(J) Tecnologiaa
Mean Difference (I-J)Std. ErrorSig.a
Fab1 (N37)2 (N22)-1,428,878,109
2 (N22)1 (N37)1,428,878,109
Cron1 (N37)2 (N22)-,028,668,966
2 (N22)1 (N37),028,668,966
Con1 (N37)2 (N22),590,836,483
2 (N22)1 (N37)-,590,836,483

Os cálculos da Tabela 4 têm como base o N 37 para a tecnologia virtual (1) e o N 22 para a tecnologia não virtual (2). Os valores de p apresentados na coluna de significância da Tabela 4 indicam que, apesar da ocorrência de tendências mais favoráveis de uma tecnologia em relação à outra, essa diferença não é estatisticamente significativa, sendo os valores de p superiores a 0,005 (P>0,005) nos três gêneros textuais investigados. O tratamento estatístico não evidencia, portanto, diferença significativa entre a tecnologia virtual (1) e a tecnologia não virtual (2).

A Tabela 5, que segue, apresenta os percentuais de desempenho dos alunos em cada estratégia de leitura por gênero textual no pré-teste e no pós-teste.

Tabela 5
Tabela 5: Consciência linguística no uso das três estratégias de leitura por gênero textual: percentuais de desempenho no pré e no pós-teste.
GêneroEstratégiaPré-testePós-testeCrescimentoMédias de Diferenças
FábulaE1 (N59)34,6258,5923,971,568
E2 (N59)48,6688,8640,192,980
E3 (N59)30,585,2354,723,791
CrônicaE1 (N59)19,3784,565,134,538
E2 (N59)14,0470,4656,413,950
E3 (N59)38,9890,3151,333,574
ContoE1 (N59)33,1777,7244,553,150
E2 (N59)39,2277,9638,742,595
E3 (N59)49,3990,5541,162,879

A Tabela 5, com N 59, apresenta os percentuais de desempenho das estratégias por gênero textual, em que E1 equivale à estratégia de predição, E2 à estratégia de scanning e E3 à estratégia de leitura detalhada. Na relação pré e pós-teste, é possível constatar ocorrência de crescimento em todos os gêneros e estratégias de leitura investigados, evidenciando a apropriação da consciência no uso da estratégia de predição, de scanning e de leitura detalhada pelos alunos do 9º ano.

Analisando os dados sob a perspectiva das estratégias em cada gênero investigado, na fábula a estratégia de leitura detalhada é a que apresenta o maior percentual de crescimento – 54,72%; na crônica e no conto, a predição registra o maior índice de crescimento entre as estratégias, cabendo destaque para o desempenho dessa estratégia na crônica cujo percentual de crescimento corresponde a 65,13%. Considerando as médias de diferença, os dados são: na fábula – estratégia de leitura detalhada (3,791); na crônica – estratégia de predição (4,538); no conto – estratégia de predição (3,150).

Considerando o desempenho total das estratégias, sem separar por gêneros, o percentual de cada estratégia revela: predição – 29,05 (pré-teste) e 73,6 (pós-teste); scanning – 33,97 (pré-teste) e 79,09 (pós-teste); e leitura detalhada – 39,62 (pré-teste) e 88,7 (pós-teste). Calculando os percentuais de crescimento decorrente das diferenças entre pré e pós-teste, os resultados são: predição – 44,55; scanning – 45,12; e leitura detalhada – 49,08. Esses dados indicam a estratégia de leitura detalhada como a estratégia com o maior percentual de crescimento no total.

A Tabela 6 apresenta as médias de diferenças entre as estratégias de leitura e os valores de significância decorrentes da comparação entre as estratégias.

Tabela 6
Tabela 6: Consciência linguística no uso das estratégias de leitura por gênero textual: diferenças entre as estratégias e valores de significância.
Measure(I) Diferenças(J) Diferençasa
MeanDifference (I-J)Std. ErrorSig.a
Fab(N59)12-1,412*,475,013
3-2,223*,369,000
211,412*,475,013
3-,811,392,129
312,223*,369,000
2,811,392,129
Cron(N59)12,588,370,354
3,964*,323,013
21-,588,370,354
3,376,4161,000
31-,964*,323,013
2-,376,4161,000
Com(N59)12,555,431,609
3,271,4091,000
21-,555,431,609
3-,284,4051,000
31-,271,4091,000
2,284,4051,000

Os dados estatísticos da Tabela 6, cujo N de cálculo é 59, revelam o desempenho comparativo entre as estratégias de leitura. Analisando inicialmente os dados correspondentes à fábula, os resultados indicam que a diferença é significativa nos seguintes casos: entre a estratégia de scanning (2) e a predição (1) - (p = ,013) – com tendência favorável à estratégia de scanning; e entre a leitura detalhada (3) e a predição (1) - (p = ,000) – com tendência favorável à estratégia de leitura detalhada, sendo, nesse caso, fortemente significativa a diferença.

Na crônica, os resultados evidenciam a presença de diferença significativa entre a estratégia de predição (1) e a leitura detalhada (3) - (p = ,013) – com tendência favorável à estratégia de predição. No conto, o tratamento estatístico não revela nenhum caso de diferença estatisticamente significativa entre as estratégias de leitura investigadas, sendo os valores de p superiores a 0,005.

Esses resultados dão condições para responder às questões de pesquisa propostas, o que é feito no item a seguir, com algumas reflexões sobre o estudo desenvolvido.

5 Considerações finais

Neste tópico, são apresentadas as respostas às questões de pesquisa estabelecidas no início deste artigo.

No que se refere à primeira questão (Qual a diferença entre o pré e o pós-teste aplicados antes e depois das oficinas com tecnologia virtual e não virtual, com foco na consciência linguística no uso das estratégias de leitura (predição, scanning e leitura detalhada) de fábulas, crônicas e contos?), os resultados da comparação pré e pós-teste revelaram evolução de desempenho dos alunos do 9º ano após a realização das oficinas. O tratamento estatístico apontou que essa diferença é significativa e válida para todos os gêneros investigados na pesquisa. Esse desempenho produtivo no pós-teste em relação ao pré-teste indica a contribuição do material pedagógico construído para o aprimoramento da consciência linguística dos alunos no uso das estratégias na leitura de fábulas, crônicas e contos.

No que se refere à segunda questão de pesquisa (Em que medida a consciência linguística no uso das estratégias de leitura está associada às tecnologias utilizadas – virtual e não virtual?), os dados obtidos revelaram, no que se refere à fábula e à crônica, tendência favorável ao uso da tecnologia não virtual, sendo observado maior índice de diferença entre os ambientes na fábula; no conto, a tendência é mais favorável à tecnologia virtual. Apesar dessas tendências, o tratamento estatístico realizado para comparação das tecnologias não indicou presença de diferença significativa entre os ambientes em nenhum dos gêneros investigados.

Em relação à terceira questão de pesquisa (Qual a diferença de desempenho entre as estratégias de predição, scanning e leitura detalhada na leitura de fábulas, crônicas e contos?), os resultados não mostraram predomínio de uma estratégia em detrimento de outra, mas alguns casos específicos de diferença estatisticamente significativa. Na fábula, os dados revelaram ocorrência de desempenho mais produtivo da estratégia de scanning em relação à de predição; o desempenho também foi mais produtivo na comparação entre leitura detalhada e predição na fábula, sendo o desempenho da leitura detalhada mais produtivo em comparação à predição. Na crônica, ocorre o inverso, sendo o desempenho da predição mais produtivo em relação ao da leitura detalhada. No conto, não são registrados casos de diferenças significativas entre as estratégias de leitura investigadas.

Sob a perspectiva geral dos resultados, as análises revelaram a evolução de desempenho dos alunos do 9ª ano após a realização das oficinas com os materiais de leitura (pós-teste), indicando o benefício dos materiais elaborados em todas as situações investigadas. Na comparação entre as tecnologias, os resultados evidenciaram tendências favoráveis à tecnologia não virtual na fábula e na crônica, e à tecnologia virtual no conto, não havendo, porém, presença de diferença significativa entre as duas tecnologias investigadas, conforme apontado pelo tratamento estatístico.

Quanto às estratégias, as análises comparativas mostram que os resultados variaram nas diferentes situações, pois as diferenças se modificam em cada gênero textual, do que decorrem dificuldades de estabelecer regularidades firmes. Na comparação dos três gêneros, considerando os dados do pré e do pós-teste, os dados indicaram a presença de diferenças significativas. Apontaram também desempenho mais positivo na crônica, seguido do conto e da fábula, estes dois gêneros com pequena diferença.

Considerando esses resultados, cabe desenvolver uma reflexão sobre eles. No que se refere ao resultado alcançado no pós-teste, este está associado às características do material construído. A forma como está constituído oportuniza ao aluno o desenvolvimento da sua consciência sobre o uso das estratégias de leitura de predição, scanning e leitura detalhada. Desse modo, as condições mais favoráveis dos alunos após a realização das oficinas podem ser decorrentes do trabalho com ênfase nas três estratégias de leitura selecionadas, as quais exercem papel importante sob os elementos linguísticos textuais, auxiliando no êxito da compreensão.

Quanto ao uso das tecnologias, a ausência de diferença significativa entre a tecnologia virtual e a tecnologia não virtual é resultado do contexto vivenciado pelos estudantes do cotidiano. Considerando o domínio e o interesse dos alunos pela tecnologia virtual, é esperado que eles apresentem condições mais favoráveis na realização das atividades em tecnologia virtual. Essa expectativa, no entanto, não é corroborada, sendo o uso predominante da tecnologia não virtual em sala de aula a possível causa para o desempenho alcançado na pesquisa. No ambiente escolar, os professores resistem ao uso da tecnologia virtual seja por questões técnicas ou hábitos da prática. Os alunos, por sua vez, estão acostumados à tecnologia não virtual, apesar do interesse e da facilidade com o uso da tecnologia virtual. O que os dados apontam é a necessidade de proporcionar o uso das tecnologias de modo complementar, aproveitando os benefícios dessas tecnologias para obter melhorias no contexto do aprendizado e do ensino da leitura.

Em relação às estratégias de leitura, a ausência de predominância de uma estratégia em relação à outra pode ser resultado da ausência de um trabalho fundamentado na consciência do uso das estratégias de leitura. O fato de, na fábula, a estratégia de leitura detalhada e a de scanning terem apresentado desempenhos mais produtivos evidenciam que essas são estratégias mais facilmente aprendidas em comparação à predição, a qual representa maior dificuldade para os alunos, exigindo, por essa razão, mais atividades que oportunizem o seu desenvolvimento. Na crônica, o resultado é diferente, sendo a estratégia de predição mais produtiva em relação à de leitura detalhada. Cabe considerar também que, no conto, nenhuma das estratégias se destaca na análise das diferenças. Esses dados revelam a necessidade de um trabalho de leitura continuado com ênfase nas três estratégias de leitura, uma vez que os resultados alcançados evidenciam a consciência no uso das estratégias como um conteúdo desconhecido para os alunos do 9º ano.

Por fim, os dados evidenciam a relevância do material pedagógico construído, instigando a importância da continuidade no desenvolvimento de outras pesquisas com outras estratégias e outros gêneros textuais. Assim, será possível conhecer melhor as condições de ensino dos alunos desse nível de escolaridade, contribuindo para a apresentação de alternativas de ensino mais produtivas para o aprendizado da leitura.

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Notas

[1] Programa Internacional de Avaliação de Estudantes/Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
[2] Prof. Dr. João Feliz da Faculdade de Matemática da PUCRS.

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