Educação e Tecnologia
AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: NOVOS SUPORTES PARA O ENSINO DE LITERATURA
INFORMATION AND COMMUNICATION TECHNOLOGIES: NEW SUPPORTS FOR LITERATURE EDUCATION
AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: NOVOS SUPORTES PARA O ENSINO DE LITERATURA
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 10, núm. 1, pp. 229-241, 2017
Universidade Federal de Minas Gerais
Recepção: 06 Fevereiro 2017
Aprovação: 18 Março 2017
Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir a importância dos recursos tecnológicos no ambiente educacional como estratégia na formação de leitores de textos e do mundo. Para tanto, serão abordados a postura e o papel do professor diante desses novos recursos, os benefícios das tecnologias para o processo educacional e a importância das práticas de leitura do professor dentro desse processo. Aparecem também algumas possibilidades/sugestões de ambientes virtuais para o ensino de literatura envolvendo crianças. Nesse trajeto, autores como Ribeiro (2005), Leal (2006), Fernandes (2011) e Barreto (2001), dentre outros, auxiliam na discussão a que o trabalho se propõe e na conclusão de que a simples adoção das tecnologias não promove mudanças no processo de ensino-aprendizagem. Para resultados mais eficazes, torna-se necessário um questionamento das didáticas tradicionais e uma redefinição do papel do professor e de sua interação com os conteúdos, metodologias e com os alunos.
Palavras-chave: práticas educacionais, recursos tecnológicos, formação de leitores.
Abstract: This article aims at discussing the importance of technological resources in the educational environment as a strategy in the training of readers of texts and the world. To that end, the teacher's posture and role will be approached in the face of these new resources, the benefits of the technologies for the educational process and the importance of the teacher's reading practices within this process. There are also some possibilities/suggestions of virtual environments for the teaching of literature involving children. In this path, authors such as Ribeiro (2015), Leal (2006), Fernandes (2011) and Barreto (2001), among others, will help in the discussion to which the work is proposed and in the conclusion that the simple adoption of technologies does not promote changes in the teaching-learning process. For more effective results, it is necessary to question the traditional didactics and a redefinition of the teacher's role and its interaction with the contents, methodologies and with the students.
Keywords: educational practices, technological resources, training of readers.
1 Introdução
A era da informação e o desenvolvimento das novas tecnologias da informação e da comunicação (TICs) trouxeram consigo novas preocupações e novos posicionamentos em todos os âmbitos sociais, incluindo o ambiente educacional. Dentre as várias discussões, é possível encontrar opiniões adversas que permeiam polos opostos. Fazem-se necessários estudos contínuos para que se percebam “os limites entre o que é alarmismo, daqueles que consideram as novidades como catástrofes, e o que é o otimismo exagerado, daqueles que aceitam as novidades sem qualquer reflexão e pensam que elas podem salvar o mundo” (RIBEIRO, 2005, p. 125).
Esse novo contexto revestido da presença das tecnologias vem acompanhado de novas necessidades, especialmente na educação e na formação dos indivíduos para sua inserção no contexto sócio-histórico-cultural em que se encontram.
Neste início de século, é possível afirmar que as tecnologias se tornaram “lugar comum”, pois, de um modo geral, estão presentes em nosso dia a dia. No entanto, há que se analisar se a introdução das tecnologias no processo de ensino-aprendizagem ocorre com a mesma normalidade que em outras situações cotidianas, ou se os recursos tecnológicos tornaram-se apenas um artifício de reprodução do ensino tradicional.
A introdução das tecnologias no ambiente educacional não se dá apenas ao nível de uma mudança tecnológica, da inserção das tecnologias nas salas de aula. Essa introdução precisa estar associada a uma mudança nas concepções dos professores sobre o modo como se ensina/aprende. Ela está mais relacionada com as metodologias, com a forma como se utiliza o recurso tecnológico do que com sua inserção propriamente dita. Um olhar mais atento para as formas de interação entre quem aprende e quem ensina e com o modo como se reflete sobre a natureza do conhecimento traz mais possibilidades na utilização das novas tecnologias como ferramenta.
Assim, para um bom êxito na adoção dos instrumentos computacionais no ambiente escolar são inevitáveis ajustes no funcionamento da escola e o envolvimento consciente de cada personagem no processo de inovação tecnológica. A visada educação que integre o computador na sua estrutura e prática de ensino ou em cenários virtuais terá resultado positivo não só com a inovação no campo tecnológico, mas principalmente nos fatores de natureza pedagógica e organizacional, na concepção de todo o sistema educacional, que deve se ajustar às necessidades dos estudantes e às possibilidades dos educadores.
Nessa nova realidade escolar, espera-se que o professor assuma novo papel, passando da condição de transmissor para a de mediador de conhecimento. E novos desafios adentram as salas de aula, que precisam expandir-se para além das quatro paredes e fazer com que os estudantes se tornem sujeitos ativos no processo de construção do conhecimento.
Mediante tais considerações, o presente trabalho visa fazer um levantamento de algumas possibilidades de inserção das novas tecnologias de comunicação e informação no ambiente educacional voltadas para o ensino de literatura, discutindo perspectivas de como deve ser o professor nessa nova realidade tecnológica e quais os requisitos básicos para o sucesso desses novos recursos no processo de construção do conhecimento dos estudantes.
2 Integração das tecnologias no ambiente educacional: algumas consideraçõesImportar lista
É de grande visibilidade a presença dos recursos tecnológicos no cotidiano das pessoas nestes últimos anos, especialmente das crianças e jovens que já nascem imersos nesse contexto computadorizado. Seja por meio dos jogos de entretenimento, bate papos ou redes sociais, os ambientes tecnológicos tornaram-se presença constante na atualidade. A tecnologia envolve pessoas por meio de atividades interativas e pode, por isso, tornar-se grande aliada no ambiente educacional.
Na escola, essa interatividade traz a possibilidade de enriquecer as relações entre aluno-aluno, aluno-professor e aluno-meio social em que vive. Mas antes de observar essas linhas de relacionamento, há que se ter em mente alguns pressupostos especialmente das realidades que envolvem o segundo deles: aluno-professor.
2.1 Nativos digitais e Imigrantes digitais
É perceptível na atual sociedade que os alunos mudaram consideravelmente. É o que aponta Prensky (2001, p. 1) em seu texto Nativos Digitais, Imigrantes Digitais. Segundo ele, “Nossos alunos mudaram radicalmente. Os alunos de hoje não são os mesmos para os quais o nosso sistema educacional foi criado”. Isso se deve à chegada e à rápida difusão da tecnologia digital nas últimas décadas do século XX. Os alunos de hoje, desde os pequenos, já nascem com acesso às tecnologias; eles pensam e processam as informações de maneira bem diferente das gerações anteriores. Por isso, são chamados pelo mesmo autor de “Nativos Digitais”, visto que nossos estudantes são todos “falantes nativos” da linguagem digital dos computadores, vídeo games e internet, entre outros recursos digitais.
Se Nativos Digitais são os indivíduos que dominam o ambiente tecnológico, os que estão se adequando ao novo ambiente são chamados, também segundo Prensky (2001), de “Imigrantes Digitais”. Estes são os que não nasceram no mundo digital, mas em alguma época de suas vidas adotaram espontaneamente ou por necessidade muitos ou a maioria dos aspectos da nova tecnologia. A utilização das tecnologias pelos Imigrantes Digitais é diferente da utilização pelos Nativos Digitais. Por exemplo: é costume dos primeiros escreverem seus textos para depois digitar, pesquisar textos na internet e imprimir para leitura, enviar e-mails e utilizar o telefone para confirmar recebimento, dentre outros. Já os Nativos Digitais produzem seus textos diretamente na tela, leem os textos em formato digital, utilizam redes sociais para transferência de mensagens e arquivos e recorrem pouco a ligações de telefone.
Mas o maior problema nessa diferença na relação com as tecnologias está na educação, pois os alunos são nativos tecnológicos, enquanto os professores, em número considerável, são imigrantes digitais. Os professores que usam uma linguagem ultrapassada com relação a seus alunos precisam ensiná-los em uma linguagem bastante diferente da sua. Prensky, no mesmo texto (2001, p. 2), menciona:
Mas esta não é apenas uma piada. É muito sério, porque o único e maior problema que a educação enfrenta hoje é que os nossos instrutores Imigrantes Digitais, que usam uma linguagem ultrapassada (da era pré-digital), estão lutando para ensinar uma população que fala uma linguagem totalmente nova.
Embora essa não seja uma realidade homogênea nos dias atuais, ela ainda existe e é um dos motivos que leva o professor a ter resistência ao uso das tecnologias, pois o conhecimento do aluno pode ser maior que o seu, fato que desestrutura o paradigma tradicional de que o professor é o portador do conhecimento.
Outro fator que gera grandes problemas é que os Nativos Digitais estão acostumados a receber informações muito rapidamente. Eles podem e gostam de processar mais de uma coisa por vez e realizar múltiplas tarefas. Eles preferem acesso aleatório, como hipertextos, por exemplo. Muitos trabalham até melhor quando ligados a uma rede de contatos. Mas os Imigrantes Digitais (os professores) não acreditam que os alunos podem aprender com sucesso enquanto escutam música, por exemplo, porque eles – os imigrantes – não conseguem.
Daí a importância das formações continuadas, das constantes atualizações quanto ao “mundo dos estudantes”. Dessa forma, mesmo como Imigrantes Digitais, os professores conseguirão tornar as tecnologias uma aliada à formação dos Nativos Digitais, levando-os a se constituírem leitores ativos que vejam o ato de leitura “enquanto produção de sentido, enquanto ação individual (e social) sobre o texto, enquanto espaço de interlocução” (LEAL, 2006, p. 264).
A formação docente mencionada refere-se a uma metodologia que contemple reflexões sobre como as tecnologias digitais podem contribuir para despertar um ambiente de interação e elaboração de conhecimento entre os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem. A formação dos professores precisa criar oportunidades e condições para desenvolver competências no uso de ferramentas digitais com uma visão crítica e contextualizada. Dessa forma, as tecnologias poderão auxiliar os professores no ambiente escolar, expandir os espaços das salas de aula para além das quatro paredes e utilizar o tempo que os estudantes reservam ao uso das tecnologias a uma leitura interativa.
2.2 Práticas docentes com recursos tecnológicos: transmissão e mediaçãoImportar lista
Dar ênfase ao processo de aprendizagem pelo uso de tecnologias na educação pode ser o caminho para fazer um bom uso do computador. No entanto, o professor precisa também ter clareza na escolha de técnicas que serão utilizadas de acordo com o que pretende que o seu aluno aprenda. Masetto (2007, p. 143) elucida:
Como o processo de aprendizagem abrange o desenvolvimento intelectual, afetivo, o desenvolvimento de competências e de atitudes, pode-se deduzir que a tecnologia a ser usada deverá ser variada e adequada a esses objetivos. Não podemos ter esperança de que uma ou duas técnicas, repetidas à exaustão, deem conta de incentivar e encaminhar toda a aprendizagem esperada. Além do mais, as técnicas precisarão estar coerentes com os novos papéis tanto do aluno, como do professor: estratégias que fortaleçam o papel de sujeito da aprendizagem do aluno e o papel de mediador, incentivador e orientador do professor nos diversos ambientes de aprendizagem.
Para entender melhor o que significa dizer “utilizar bem o computador como meio de ensino e aprendizagem”, é necessário primeiramente compreender o uso pedagógico do computador na educação dentro de formas metodológicas presentes nos ambientes educacionais.
Existem várias formas de se utilizar os recursos tecnológicos. Algumas delas visam à transmissão de conhecimento e fazem do processo ensino-aprendizagem um resultado de memorizações e não dão abertura aos conhecimentos de cada aluno. Essa aplicação dos recursos tecnológicos no ambiente escolar não privilegia a autonomia do aluno e a interação só ocorre entre aluno-computador, não abre espaço para a troca de conhecimento entre aluno-aluno e aluno-professor. O computador é visto como um meio de disponibilizar informações de maneira sequencial.
Assim, o computador é empregado como “uma máquina de ensinar” que facilita o processo de ensino-aprendizagem. A metodologia é aplicada por meio de estrutura de módulos em que o estudante só passa para o módulo seguinte quando completa o anterior. A aprendizagem ocorre por instrução programada, que prevê uma única resposta para determinado estímulo. Sob a ótica dessa abordagem, os programas de exercício e prática são os mais comuns, usados para o aluno praticar certas habilidades nas diversas áreas do conhecimento, sendo que a maior parte desses programas consiste na revisão de conteúdos escolares explicitados em sala de aula e, que, geralmente, exigem memorização, apresentando-se, em sua maioria, na forma de jogos educativos que exploram animação e gráficos.
Nesse sentido, para Almeida (2000, p. 27):
O computador funciona como uma máquina de ensinar otimizada, e o software pode ser dos tipos tutorial, exercício e prática, jogos educacionais ou mesmo algumas simulações. (...) o professor torna-se um mero espectador do processo de exploração do software pelo aluno.
Outra forma de se utilizar o computador é fazer das tecnologias um recurso colaborativo de interação. Desse modo, o aprendiz se depara com uma maior variedade de conteúdos, sempre coordenado pelo professor que não se vê mais como único provedor do conhecimento. Essa atividade precisa ser direcionada e orientada para o bom uso da internet, mudando a postura do professor, que agora se mostra como um parceiro. Ao invés de centralizador da informação, o professor tem o papel de coordenador do processo.
A função do professor, nesse caso, é o de estimular a convivência, a troca de informações para a construção do conhecimento coletivo, integrar o aluno intelectualmente no espaço em que vive. Ele é um mediador entre o estudante e o mundo. Precisa ser dinâmico, mais comunicativo, ter maior sensibilidade, mais intuição, um senso crítico mais apurado, mais iniciativa, transformar-se em um guia capaz de estimular seus educandos a navegarem pelo conhecimento, fazerem suas próprias descobertas e desenvolverem sua capacidade de observar, pensar, comunicar e interagir. Deve despertar no aluno a curiosidade para querer buscar, querer pesquisar, conhecer e compartilhar o resultado de seu trabalho. Essas características ajudam o professor a compreender o processo de aprendizagem dos alunos e a se colocar numa situação de igualdade, pois ambos possuem conhecimentos específicos e relevantes para o processo.
Nesse ambiente, as atividades se desenvolvem, por exemplo, em torno de projetos. Isso possibilita que os estudantes expressem suas ideias e formulem soluções aos problemas advindos das situações, segundo pensamentos intuitivos ou racionais. Cabe, então, ao professor promover a aprendizagem do aluno para que ele possa construir o conhecimento dentro de um ambiente que o desafie e o motive para a exploração, a reflexão, a depuração das ideias e a descoberta.
A concepção do computador como um elemento facilitador da interação traz consigo, portanto, uma prática que se baseia em três elementos fundamentais: a comunicação, a interação e a aprendizagem mediada, bem diferente do processo baseado na pedagogia da transmissão. Não se tem mais um emissor e um receptor, mas dois interlocutores. O aluno não é mais um indivíduo passivo, e sim um ser interacionista do processo de construção com a mediação do professor.
Para que o professor consiga dar conta desses novos suportes, a condição básica, além de certo domínio dos recursos tecnológicos, é que ele seja um professor leitor. O professor letrado tem maior versatilidade para lidar com gêneros diversificados, e conseguirá reconhecer dentro deles, mesmo com novas possibilidades de textos ou suportes, características de textos antecessores. Sobre a importância do papel do professor leitor, Barreto (2001, p. 199-200) elucida:
O leitor-professor é o sujeito que deve estar preparado para lidar com as tecnologias de leitura. E, é claro, com as leituras das tecnologias. Ser preparado para formar novos leitores no processo de ensinar/apreender novos gestos de leitura de diferentes suportes, materiais, texturas, configurações textuais etc., num movimento de apropriação das novas tecnologias. Novas tecnologias implicam novos modos de relação entre os sujeitos cognoscentes e os objetos do conhecimento. Abrangem textos e leituras, ambos necessariamente plurais. Ainda que seja mais fácil (e por vezes muito tentador) “implicar” com esta pluralidade: colocar-se na condição de intérprete que, supostamente formado, informa e enforma. Ou formata.
Assim, a relação que se estabelece nesse novo processo de ensinar/apreender é uma relação de aprendiz e orientador, relação essa que propicia a troca de experiências, de dúvidas, de reflexões, estimulando a autonomia dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem pela construção do conhecimento interativo, já que, nessa perspectiva, o computador fornece condições para envolver o estudante e estimular a investigação.
Tendo em vista as abordagens citadas anteriormente, pode-se perceber que a contribuição das Tecnologias de Informação e Comunicação para a educação não se dá pela simples inserção de seus recursos no contexto escolar, ela deve valorizar o diálogo e a participação dos envolvidos no processo. O sucesso, ou não, das TICs no ambiente educacional está na forma como as tecnologias são aplicadas dentro da metodologia do educador. O que amplia as condições de ensino é o planejamento adequado das TICs na educação.
Uma atividade realizada no computador em que o conteúdo transmite informações precisas e traz um questionário informativo não leva o receptor a interagir com o conteúdo trabalhado. Esse tipo de atividade apresenta uma visão tradicionalista; ela dispensa pensamento e reflexão do aluno que interage apenas com o computador, o que tornará a atividade desinteressante e cansativa.
A inserção da tecnologia como recurso na educação deve ir além de uma transmissão de conhecimento, ela deve ampliar as possibilidades de ensino e possibilitar a interação entre professores e alunos. O uso adequado das tecnologias nas atividades de ensino possibilita a construção de conhecimento e a qualidade de ensino. Um exemplo é a utilização de ambientes que ofereçam textos e leituras plurais, que permitam ao aluno maior autonomia na busca pelo conhecimento e abram espaço para a interação. O uso do computador como ferramenta deve ajudar o aluno a compreender o que faz, a torná-lo um indivíduo criativo, reflexivo, capaz de desenvolver habilidades necessárias para atuar na sociedade do conhecimento.
Assim, a aprendizagem será mais significativa quanto maior for o grau de interação entre os participantes. A educação online abre caminhos para possibilidades de elaboração coletiva do saber, em que os participantes podem realizar trocas de conhecimentos e acesso ilimitado às fontes de informação.
3 As tecnologias e o ensino de literatura
Como já vimos anteriormente, a inserção de um recurso tecnológico no espaço escolar não mostra necessariamente que há um uso adequado dele na construção do conhecimento como um meio de ensino e aprendizagem condizente com o contexto atual. Como aponta Valente (1999, p. 37), “[...] não é o computador que permite ao aluno entender ou não um determinado conceito. A compreensão é fruto de como o computador é utilizado e de como o aluno é desafiado na atividade de uso desse recurso”.
Nesse sentido, enfatizar o processo de aprendizagem no uso de tecnologias na educação pode ser o caminho para fazer um bom uso do computador. No entanto, o professor precisa também ter clareza na escolha de técnicas que serão utilizadas de acordo com seus objetivos, com o que pretende com seu aluno. Assim, passaremos à discussão dos ambientes “Historinhas Infantis.online” e “Espaço de Leitura”, dois dos muitos sites que trazem a possibilidade de conciliar a atração pelas tecnologias e a presença delas no cotidiano das crianças aos componentes curriculares, especialmente à prática de leitura de textos literários.
As tecnologias trazem recursos que podem se transformar em significativas estratégias para a inserção das crianças no mundo da leitura. Elas trazem a possibilidade de maior liberdade e autonomia nas escolhas, ambientes mais lúdicos, textos acompanhados de imagens que se movimentam, sons, inúmeras possibilidades interativas, hipertextualidade rica em links e instantaneidade na comunicação como nos chats, por exemplo. Enfim, trazem recursos que despertam a curiosidade e o interesse da criança para mergulharem no mundo da leitura por meio de ambientes virtuais.
Vale retomar aqui que o computador é apenas um recurso, um auxílio para despertar o gosto pela leitura, mas o principal agente em sala de aula é o professor com suas práticas enquanto leitor. Como nos aponta Fernandes em seu texto “Letramento literário no contexto escolar” (2011, p. 330): “A tarefa de formar leitores requer um profissional com competência leitora e paixão pelos livros” e ainda: “Se o professor não gostar da leitura e da literatura e se elas não fizerem parte de sua necessidade básica, como formar leitores críticos?”.
Para formar um leitor, então, não é suficiente um discurso sobre a importância de ler ou o convite ao mergulho no mundo da leitura. Formar um leitor ativo vai muito além; o professor precisa mostrar primeiro que ele é um leitor e demonstrar seu prazer por tal atividade. “Não é o discurso sobre a importância da leitura e da literatura, mas as práticas leitoras realizadas pelo professor no contexto escolar que formam os leitores” (FERNANDES, 2011, p. 330).
O ambiente “Historinhas infantis.online” é uma das várias ferramentas existentes que podem auxiliar no processo de ensino-aprendizagem e na formação de leitores. Ele pode ser acessado pelo endereço http://www.historiasinfantis.com.br/ e é destinado às crianças em processo de alfabetização ou nos primeiros anos do ensino fundamental. O ambiente é de fácil acesso e é composto, de um modo geral, por historinhas, contos de fada e fábulas em três modos de exibição: para leitura, em vídeo e em áudio. Sua aparência colorida e com ilustrações estimula a curiosidade e o interesse pela leitura. A Figura 1 mostra sua página inicial:
Nesse ambiente, as crianças têm acesso de forma fácil e rápida a vários textos que podem ser visualizados por meio de hiperlinks inseridos nos títulos das histórias ou no desenho das mesmas. A usabilidade do site é acessível, porque a estrutura da página contribui para a compreensão da navegação. Não há excesso de informações e os três links principais (“Historinhas para ler”, “Historinhas em vídeo” e “Historinhas em áudio”) ficam sempre visíveis para o acesso do menu das histórias disponíveis em cada forma textual. A rapidez no acesso e hiperligações coerentes colaboram para a facilidade da navegação. Também permite maior autonomia do aluno/usuário em sua escolha de leitura, porque não há uma ordem necessária para tais acessos. O usuário pode navegar por várias alternativas e optar por aquela que mais lhe agrada. O acesso é aleatório, mas sem implicar a perda pelo caminho.
Nas “Historinhas para ler”, acompanham os textos algumas figuras que os ilustram. Essas imagens aparecem de forma moderada e não desviam a atenção do aluno, uma vez que a linguagem visual interage com a linguagem verbal. As historinhas disponibilizadas aparecem em diversos formatos: texto, imagem, vídeo e áudio, o que as tornam mais atrativas, e o seu conteúdo é apresentado de forma compreensiva para as crianças.
Esse ambiente não abre espaço para atividades ou jogos online. No entanto, o conteúdo por ele apresentado abre possibilidades para diversas atividades interativas em sala de aula: as historinhas em áudio poderiam ser transformadas em desenhos por cada aluno e postas em exposição para os demais; os vídeos poderiam ser convertidos em textos escritos e compartilhados em sala; e as histórias para ler tornar-se-iam uma aula de contação ou recriação de histórias. Outros recursos virtuais também poderiam ser utilizados em conjunto, como sites ou programas que permitam a criação de histórias em quadrinhos, por exemplo. O trabalho com o site “Historinhas Infantis.online” e algum desses ambientes de criação de HQs, especialmente para os alunos já alfabetizados, renderiam diversas atividades como a recriação dos textos, a atualização dos contos de fada e elaboração de outros textos a partir das histórias encontradas no ambiente inicial.
Outro ambiente que se apresenta de forma bastante lúdica e com fácil navegação é o “Espaço de Leitura”, que pode ser acessado pelo endereço http://espacodeleitura.labedu.org.br/. A Figura 2 mostra como ele se apresenta:
O público alvo do site são crianças dos anos iniciais do ensino fundamental e seu acesso facilitado permite a navegação sozinha ou acompanhada. A plataforma contém histórias para crianças, jogos, atividades e um guia para educadores, que fornece ferramentas para enriquecer as possibilidades de interação com as crianças.
As histórias estão disponíveis em diferentes formas de leitura: em formato de livros, sempre com ilustrações interativas, para ler sozinho, com acompanhamento de áudio ou de vídeo. Assim, a criança pode realizar uma leitura como nos livros, ler e ouvir ao mesmo tempo ou assistir à leitura. Ao abrir cada história, temos uma página com a sinopse do conto e o conteúdo linguístico que pode ser trabalhado em cada caso, além dos jogos interativos que envolvem o conteúdo linguístico trabalhado nas histórias, juntamente com atividades e orientação para o educador, como podemos ver na Figura 3:
A plataforma torna-se, assim, uma ferramenta atrativa de leitura, pois possibilita a comunicação, a interação e uma aprendizagem mediada. Oferece recursos que envolvem e estimulam a leitura, ampliam as condições de ensino e a troca de conhecimento, visto que a estrutura da página é de fácil manuseio. O acesso é rápido e as hiperligações são eficientes. O conteúdo é apresentado de maneira compreensiva, as diferentes formas de leitura são atrativas e envolventes e as sugestões direcionadas aos educadores tornam as possibilidades ainda mais plurais.
Além disso, os jogos e atividades propostos pela plataforma enriquecem ainda mais a interatividade entre o ambiente, os alunos e o educador. Não há também nessa plataforma espaço de partilha e ferramentas colaborativas online, o que pode ser resolvido com atividades em sala de aula que promovam tais aspectos.
Em ambos os sites, a função do professor não é transmitir conhecimento, e sim estimular a pesquisa, a convivência, a troca de informações para a construção do conhecimento coletivo e a integração do aluno no espaço em que vive. Ele se torna um mediador entre as crianças e o mundo, um orientador que conduz os alunos a fazerem suas próprias descobertas e desenvolverem sua capacidade de observar, pensar, comunicar e interagir. Ao dar autonomia para os alunos na pesquisa e escolha de suas próprias histórias, e abrir espaço para a partilha das mesmas, o professor estabelece com eles uma situação de igualdade, pois ambos possuem conhecimentos específicos e relevantes para o processo.
A utilização de ambientes como esses dois casos apresentados converge com a concepção de que ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a produção do saber. O posicionamento do educador dentro das abordagens que se destacam nesses recursos enfatiza no processo de ensino-aprendizagem a capacidade crítica do educando, auxiliando-o a tornar-se criador, investigador, inquieto, rigorosamente curioso e persistente, permite ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar. Enfim, enfatiza o diálogo, a proximidade interpessoal entre educador e educando e entre os próprios discentes.
Diante das possibilidades e das aberturas que a utilização de recursos como esses traz para o espaço escolar, percebemos que as tecnologias podem ser grande aliada como ferramentas de aprendizagem do ambiente educacional. Elas poderiam auxiliar na abertura de um espaço que promova um ensino ativo, interativo, dinâmico. As tecnologias permitem ao aluno maior autonomia no processo de ensino-aprendizagem, pois com o auxílio delas, ele não precisa mais ficar esperando que o adulto o ensine; pode buscar autonomamente o conhecimento dentro de tantos recursos que as tecnologias oferecem. Além disso, é o contato com as diversas tecnologias que amplia as possibilidades de produtores e públicos. “É assim que a escola pode ampliar as possibilidades dos leitores de maneira geral” (RIBEIRO, 2005, p. 148).
Vale lembrar ainda que é no contato com as tecnologias que as crianças terão contato com os novos gêneros que surgem com esses recursos, o que os tornará mais íntimos com esse tipo de material e ampliará suas possibilidades de leitura. Como explica Ribeiro (2005, p. 133-134):
Juntamente como a emergência de novos suportes, mais confiáveis e mais ágeis, surgem novos leitores, mais rápidos e mais íntimos de todo tipo de material impresso ou registrado pela escrita. O suporte em que o texto se encontra também influencia a emergência de novos gêneros de escrita, e o leitor amplia seu leque de possibilidades de leitura à medida que entra em contato com esses suportes e gêneros reconfigurados, que por vezes são híbridos, “cruzamentos” de algo conhecido com alguma possibilidade nova, parcialmente estranhos, mas parcialmente reconhecíveis.
Em suma, as possibilidades apresentadas são formas de conceber e utilizar o computador na educação envolvendo o aluno, o professor e os recursos computacionais. Constitui, assim, um ambiente de aprendizagem no qual o computador se torna um elemento de interação que propicia o desenvolvimento da autonomia do aluno, não direcionando a sua ação, mas auxiliando-o na construção de conhecimentos por meio de exploração, experiências, descobertas e reflexão.
4 Considerações finais
Vimos no decorrer deste artigo que a simples adoção das tecnologias não promove mudanças no processo de ensino-aprendizagem. É preciso o questionamento das didáticas tradicionais e a redefinição do papel do professor e de sua interação com os conteúdos, metodologias e com os alunos. Para isso, no entanto, muitos são os desafios enfrentados, dentre os quais registram-se: a adesão das escolas ao uso da tecnologia; aquisição de equipamentos de qualidade; produção de softwares educacionais condizentes com as necessidades do ensino e disponibilização de recursos.
No entanto, o desafio mais importante é a inserção das tecnologias no ambiente escolar de forma produtiva e inovadora. Não basta apenas utilizar novos recursos dentro de velhos paradigmas educacionais, é necessário que essas mudanças ocorram antes na visão dos educadores para que passem a exercer um ensino colaborativo que valorize o estudante enquanto sujeito ativo do processo, não mais apenas como um mero receptor de informações ou emissor de respostas a estímulos preestabelecidos
Para que isso ocorra, as tecnologias precisam ser vistas como recurso e não como solução para um ensino de qualidade que forme leitores ativos. Estes só existirão se houver interação entre as atividades de leitura do professor e o discurso sobre a importância da leitura. As tecnologias são pertinentes como estratégia de ensino e, como aponta Leal (2006, p. 267):
É preciso buscar estratégias que possibilitem ler, no processo de compreender a vida, para poder atribuir sentido à existência, uma vez que estamos envolvidos, como co-autores, na multiplicidade de textos que circulam. Compreendê-los é poder resgatar a nós mesmos e a nossa história, reconhecendo-nos e recriando-nos novamente.
Diante dessas novas possibilidades, cabe ao professor uma nova postura, pela qual possa mediar esse processo de formação dos seus alunos, criando novas estratégias e um ambiente motivador e desafiador. O objetivo deve ser fazer do educando um sujeito ativo na construção do conhecimento e não um receptor quantitativo de informações.
As tecnologias, quando bem utilizadas, fazem da escola um espaço amplo e conectado como o mundo. O aprendiz pode interagir e realizar trocas de conhecimentos e experiências com seus colegas e até mesmo com alunos de outras escolas. A internet possibilita visitas a culturas diferentes, a museus de outros países, produções de projetos em grupos e a navegação sem fronteiras.
Referências
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Ligação alternative
https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16755 (html)