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CONVERGÊNCIA DE MÍDIAS E O ENSINO DE LÍNGUA ADICIONAL COMO NEGÓCIO ELETRÔNICO: ANÁLISE DO CANAL OPEN ENGLISH BRASIL NO YOUTUBE
MEDIA CONVERGENCE AND ADDITIONAL LANGUAGE TEACHING AS ELECTRONIC BUSINESS: ANALYSIS OF OPEN ENGLISH BRAZIL CHANNEL ON YOUTUBE
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 10, núm. 2, pp. 18-30, 2017
Universidade Federal de Minas Gerais

Linguística e Tecnologia


Recepção: 12 Fevereiro 2017

Aprovação: 10 Junho 2017

DOI: https://doi.org/10.17851/1983-3652.10.2.18-30

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo fazer um levantamento teórico acerca da convergência de mídias e suas implicações mercadológicas no segmento de ensino de Língua adicional. Para isso, lançou-se mão das contribuições teóricas de Lúcia Santaella (2003, 2007) e Henry Jenkins (2009) sobre convergência e lógicas culturais. Manuel Castells (2003) é suporte para a discussão sobre a Internet como criadora de cultura e de geração de negócios eletrônicos. A partir da fundamentação teórica, foi analisado o canal Open English Brasil no YouTube, escola online de Língua Inglesa. Foram feitas algumas considerações sobre o posicionamento da empresa na mídia e suas possíveis implicações na concepção do processo de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa como língua adicional.

Palavras-chave: convergência de mídias, ensino de língua adicional, Open English.

Abstract: This paper aims at being a theoretical study of media convergence and market consequences to additional language teaching field. For this, Lucia Santaella (2003, 2007) and Henry Jenkins’ (2009) theoretical contributions about convergence and cultural logics were used. Manuel Castells (2003) is a support to discuss the idea of Internet as culture creator and online business generator. From this theoretical study, the channel of the online English course Open English on Youtube was analysed. Some considerations about the company’s positioning in the media, and its possible implications in the conceiving of the teaching and learning process of English as additional language.

Keywords: media convergence, additional language teaching, Open English.

1 Introdução

A Internet é um divisor de águas para o funcionamento de muitas esferas sociais, entre elas a educação, tornando-se necessário discutir esse cenário de mudança em diálogo com outras áreas do conhecimento. Este estudo tem como objetivo fazer um levantamento teórico acerca da convergência de mídias. Assim, existem alguns elementos que precisam ser entendidos para se chegar ao conceito de convergência de mídias: os conceitos de mídia, cultura(s), identidade(s) e contemporaneidade. Para isso, lançou-se mão das contribuições teóricas de Santaella (2003, 2007) e Jenkins (2009) sobre convergência e lógicas culturais. Castells (2003) é suporte para a discussão sobre a Internet como criadora de cultura.

A partir da fundamentação teórica, foi possível tecer considerações sobre as implicações mercadológicas do fenômeno da convergência no segmento de ensino de Língua adicional, a fim de contemplar o objetivo deste trabalho: analisar o canal Open English Brasil no YouTube. A Open English é uma escola online de Língua Inglesa, o que configura, na visão de Castells (2003), um negócio eletrônico. A partir do posicionamento da empresa na mídia, depreendida por meio de alguns dos vídeos que compõem o canal, foi feita uma análise da concepção do processo de ensino-aprendizagem de Língua Inglesa.

Uma das conclusões deste estudo está ligada ao reforço de crenças linguísticas. A Open English atua com a ideia de que a escola irá mudar a vida de seus alunos por meio aprendizado da língua, sob a máxima “Mude sua vida com a Open English”. Fica o questionamento: a empresa vende ensino ou mudança de vida?

2 Convergência de Mídias

Santaella (2007) atenta para o fato de que a palavra “mídia” está sofrendo pelo excesso de uso, bem como as palavras relacionadas a ela, tais como “mídias” e “midiático”, o que revela a importância de se pensar sobre esses termos. A origem do termo “mídia” está relacionada à transmissão de notícias:

No início da década de 1990, o termo “mídia” se referia apenas, e quando muito, aos meios de comunicação em massa, especialmente aos meios de transmissão de notícias e informações, tais como jornais, rádio, revistas e televisão. Pouco depois, o sentido alastrou-se para abarcar qualquer meio de comunicação de massas, não apenas os que transmitem notícias (SANTAELLA, 2007, p. 118).

De qualquer forma, o uso da palavra “mídia”, ainda segundo a autora, está atrelado à perda do domínio da cultura de massas no campo cultural. Além disso, existe a questão da tradução, que acaba contribuindo para que o termo seja considerado genérico. Em Inglês, existem dois termos que conseguem fazer a oposição de sentidos: mass media e news media.

Dentro do conceito de mídia está o conceito de lógica cultural. Na perspectiva de Santaella (2007), as lógicas culturais apresentam-se mescladas e interconectadas, sendo elas a cultura oral, a escrita, a impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cibercultura. Para a autora existe um imbricamento ou multiplexidade de culturas, pois o surgimento de uma nova lógica não exclui a lógica anterior, pelo contrário: “todas as seis eras culturais [...] coexistem, convivem simultaneamente em nossa contemporaneidade” (SANTAELLA, 2003, p. 78). A cultura das mídias, mais especificamente, é considerada como uma passagem entre a cultura de massas e a cibercultura.

A origem da cultura de massas se deu com o jornal, mas foi com a televisão que houve uma maior homogeneização do homem de massa, pois ele passou a consumir com uma resistência mínima. O princípio da cultura de massas para Santaella (2003) é o da recepção passiva, que despersonifica e aliena o homem de massas, pois produtos e serviços são distribuídos e difundidos de forma piramidal.

Para compreender o conceito de imbricamento em termos culturais, é preciso falar também sobre identidade na contemporaneidade. Para Hall (1997), o momento atual é a pós-modernidade, que traz uma concepção de sociedade “de mudança constante, rápida e permanente” (HALL, 1997, p. 14). O autor afirma que as paisagens culturais estão em um processo de fragmentação, gerando uma perda de balizadores sólidos em termos de concepção de sujeito. Esse tipo diferente de mudança estrutural acarreta uma “descentração”[1] do sujeito em função da perda de estabilidade, levando a uma crise identitária.

Santaella (2007) adota a ideia de liquidez vinda de Zigmund Bauman para descrever a contemporaneidade, assumindo o conceito de modernidade líquida. De certa forma, esse conceito dialoga com os apontamentos de Hall (1997), pois ambos discorrem sobre a falta de solidez, seja por fragmentação ou por liquidez. Para a autora, a incapacidade de manter as formas está atrelada à falta de linearidade característica da cibercultura:

Não poderia haver título mais sugestivo para dar conta das incertezas que rondam as condições cambiantes, maleáveis, fluídas, excessivas, transbordantes, fugazes das complexas contradições das sociedades contemporâneas (SANTAELLA, 2007, p. 13).

Nesse sentido, a cibercultura é caracterizada por lidar “com as arquiteturas líquidas sem começo nem fim que compõem o ciberespaço, isto é, um universo virtual de redes, que tem se alastrado tão exponencialmente por todo o planeta a ponto de produzir uma nova cultura” (SANTAELLA, 2007, p. 326).

Castells (2003) traz o conceito de cultura como sendo

um conjunto de valores e crenças que formam o comportamento; padrões repetidos de comportamento geram costumes que são repetidos por instituições, bem como organizações sociais informais. Embora explícita, a cultura é uma construção coletiva que transcende preferências individuais, ao mesmo tempo em que influencia as práticas das pessoas no seu âmbito, neste caso os produtores/usuários da Internet (CASTELLS, 2003, p. 34).

Para o autor, a cultura da Internet é a cultura dos sujeitos que criaram a Internet. Nesse sentido, a rede mundial também é produtora de cultura:

Os sistemas tecnológicos são socialmente produzidos. A produção social é estruturada culturalmente. A internet não é exceção. A cultura dos produtores da internet moldou o meio e esses produtores foram ao mesmo tempo seus primeiros usuários. No entanto, no estágio atual de difusão global da internet, faz sentido distinguir entre produtores/usuários e consumidores/usuários. Por produtores/usuários refiro-me àqueles cuja prática da internet é diretamente reintroduzida no sistema tecnológico; os consumidores/usuários, por outro lado, são aqueles beneficiários de aplicações e sistemas que não interagem diretamente com o desenvolvimento da Internet, embora seus usos tenham certamente o efeito agregado sobre a evolução do sistema (CASTELLS, 2003, p. 34).

Castells (2003) dialoga com a perspectiva adotada por Santaella (2007), pois vê a cultura da Internet como um imbricamento de camadas: “a cultura tecnicomeritocrática, a cultura hacker, a cultura comunitária virtual e a cultura empresarial. Juntas, elas contribuem para uma ideologia da liberdade que é amplamente disseminada na internet” (CASTELLS, 2003, p. 34). Para o autor, essas camadas, embora estejam dispostas em uma organização hierárquica, atuam numa relação de interdependência, pois dependem umas das outras para a continuidade e desenvolvimento constante da Internet.

3 O ensino de língua adicional como negócio eletrônico

A Internet propiciou um novo meio para negócios até então exclusivamente físicos e também para a criação de negócios eletrônicos. Para Castells, negócio eletrônico

não é negócio desenvolvido exclusivamente online, mas uma nova forma de condução de negócios, todo tipo de negócio pela, com e na Internet e outras redes de computadores – com várias formas de conexão com processos locais de produção e transações físicas (CASTELLS, 2003, p. 87).

No que tange à Educação, passou a ser possível um novo tipo de negócio e uma nova concepção de sala de aula, inserida dentro de um ciberespaço. Um exemplo de negócio eletrônico é a Open English, empresa que atua no ensino de Inglês como língua estrangeira desde 2007[2]:

A Open English é líder no ensino de inglês na América Latina e no mercado hispânico dos EUA. Fundada em 2007, a empresa criou um inovador curso de inglês online, com o objetivo de revolucionar a maneira de aprender o idioma e atender à necessidade do profissional moderno, que não dispõe de muito tempo. Aqui as aulas são personalizadas, divertidas e acontecem ao vivo, 24 horas por dia, 7 dias por semana, com professores americanos. A empresa oferece seus serviços a alunos de toda a América Latina – inclusive do Brasil –, ao mercado hispânico radicado nos EUA e, mais recentemente, na Espanha. A Open English possui escritórios em Miami, São Paulo, Bogotá, Caracas e Buenos Aires[3].

O negócio não é exclusivamente online, pois conta com escritórios físicos em algumas cidades, mas oferece aulas exclusivamente pela Internet. Ser um negócio eletrônico propicia um alcance muito maior do que ser um negócio exclusivamente físico, pois é possível atingir mercados atravessando fronteiras. Isso pode alavancar um rápido crescimento para as empresas do ramo. A Open English, por exemplo, afirma que teve um expressivo crescimento em número de alunos nos últimos anos:

O crescimento da Open English nos últimos três anos foi impressionante: em 2010, a empresa contava com 5 mil alunos; em 2011, mais de 20 mil; e no fim de 2012, 65 mil. No primeiro trimestre de 2013, já eram mais 30 mil alunos inscritos. Hoje, a Open English possui 500 mil alunos matriculados e 70 mil alunos ativos[4].

Na Internet, negócios eletrônicos estão acessíveis aos usuários/consumidores em diferentes meios eletrônicos. Para Jenkins (2009), a convergência de mídias não é a convergência de aparelhos, mas de cérebros. Dessa forma, as interações sociais ganham destaque: “a convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com outros” (JENKINS, 2009, p. 30). Um desses meios de atuação da convergência é a produção de vídeos com armazenamento no YouTube. No vídeo “Open English – Perseverança” (2016c), disponível no canal oficial da empresa no YouTube, o fundador da Open English, Andres Moreno, utiliza a sua imagem para falar sobre a empresa:

Para fazer crescer a Open English, enfrentamos muitos desafios. Não tínhamos capital nem conexões, mas nunca desistimos e sempre conseguimos uma maneira de seguir em frente. Hoje, esses desafios foram superados. Isso me enche de confiança e me mantém com uma visão positiva sobre os negócios e sobre a minha vida. Todos os dias aprendemos algo novo que nos ajuda a sermos melhores do que somos. Convido você a continuar e persistir até triunfar. Mude a sua vida com a Open English (OPEN ENGLISH BRASIL, 2016c).

O vídeo utiliza o argumento do exemplo para demonstrar uma possível analogia entre o sucesso da empresa e o sucesso que será alcançado pelo aluno que optar pela Open English, representado pelo verbo “triunfar”, numa espécie de convite ao público. Vende-se então a ideia de que se a empresa venceu os obstáculos e teve êxito, se o próprio fundador provavelmente mudou de vida, os clientes também poderão mudar as suas vidas.

4 Análise do canal da Open English no YouTube

No canal oficial da empresa no YouTube, chamado Open English Brasil, até o dia 22 de outubro de 2016 estavam postados 11 vídeos. Nenhum dos 11 vídeos do canal no YouTube conta com comentários de usuários, embora esse espaço exista e constitua uma prática comum da cultura digital. Para analisar esse lugar de interação, escrevemos um comentário negativo com relação ao comportamento da empresa no vídeo “O Cavaleiro”, dizendo que a Associação TESOL (Teaching English to Speakers of Other Languages) já publicou duas notas de repúdio a empresas que fazem distinções entre professores nativos e não nativos, conforme demonstra a Figura 1 a seguir:


Figura 1
comentário inserido no canal da Open English no YouTube.
dos autores.

Três minutos depois da postagem, o comentário foi excluído pelo canal, conforme demonstra a Figura 2 a seguir:


Figura 2
print do canal da Open English no YouTube, após comentário excluído.
dos autores.

Talvez essa situação explique o porquê de nenhum vídeo possuir comentários. Um comentário negativo poderia comprometer a narrativa de sucesso e de mudança de vida construída pela empresa, colocando os possíveis clientes em dúvida sobre o curso.

A Open English, assim como toda empresa, precisa fazer captação de clientes. Os meios de comunicação são requisitados para esse fim. Jenkins (2009), ao citar Nicholas Negroponte, concorda com a ideia de que a tendência dos meios de comunicação é ir do passivo ao ativo, do broadcasting ao narrowcasting, o que justifica uma atuação mercadológica voltada para nichos. A Open English, por exemplo, apostou em um nicho de mercado, ao criar o vídeo “#OpenIdade” (2016b):

Eu já ouvi muito falar que pra aprender uma outra língua só quando você é criança. Eu tenho sessenta anos e estou aprendendo cada dia mais. Mas ai, eu não gosto de mexer com o computador. É a oportunidade de você aprender alguma coisa. Eu já consigo conversar com os professores e recebo elogios deles todos os dias. English! English is Open English! Venha você também para a Open English fazer parte da minha turma. Mude a sua vida com a Open English (OPEN ENGLISH BRASIL, 2016b).

O vídeo apresenta recortes de falas de alunos idosos. Esse grupo etário geralmente é considerado imigrante digital, ou seja, nasceu antes do advento da Internet e de outras tecnologias digitais, o que poderia comprometer o interesse por uma escola online. Para convencer esse público de que é preciso, de fato, imigrar para a lógica digital, há um trecho do vídeo que afirma que mexer com o computador não deveria ser visto como uma barreira, mas sim como uma oportunidade de aprendizagem.

Vale lembrar que a tendência de atuação mercadológica para nichos não irá excluir as ditas formas antigas de mídia, apenas irá aumentar a complexidade do relacionamento entre formas antigas de mídia e formas novas, em convergência: “[...] os velhos meios de comunicação nunca morrem – nem desaparecem, necessariamente. O que morre apenas são as ferramentas que usamos para acessar seu conteúdo” (JENKINS, 2009, p. 41).

O autor cita como exemplos de tecnologia de distribuição o CD, arquivos de MP3 e fitas cassete. Se pensarmos em ensino de Língua, “as tecnologias de distribuição tornam-se obsoletas e são substituídas” (JENKINS, 2009, p. 41). Há pouco tempo, os livros didáticos eram acompanhados de fitas cassete para os exercícios de listening. As fitas cassete foram substituídas pelo CD, mas o CD ainda não se tornou obsoleto, pois muitos livros didáticos ainda estão sendo comercializados com esse dispositivo, fazendo com que professores ainda precisem utilizar aparelhos de rádio com dispositivo de CD. O mesmo acontece com os livros didáticos recém-lançados, pois ainda existe uma aposta por parte das editoras no livro impresso consumível para uso em sala de aula, embora já ofereçam uma maior gama de elementos eletrônicos para o estudante, tais como QR Codes, MultiROM online com os áudios utilizados, em substituição ao CD, e também o livro digital online.

Sobre o uso de livros físicos consumíveis em sala de aula, é relevante pensar que esse uso revela uma opção metodológica e tecnológica:

a convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento. [...] Prontos ou não, já estamos vivendo numa cultura da convergência (JENKINS, 2009, p. 43).

Alguns dos outros vídeos disponíveis no YouTube contam a história de alunos da Open English que superaram barreiras de aprendizagem, o que constrói uma espécie de narrativa identitária na qual o sucesso na aprendizagem parece ser constante. Vale lembrar que “no mundo da convergência das mídias, toda história importante é contada, toda marca é vendida e todo consumidor é cortejado por múltiplas plataformas de mídia” (JENKINS, 2009, p. 29). No caso da Open English, a página do Facebook da empresa atua nesse cortejo. A maioria dos posts tem link para redirecionar o usuário para o site, mais especificamente para o formulário de manifestação de interesse em fazer a inscrição, ou para o blog, ou para os vídeos do canal no YouTube.

Jenkins (2009) traz o conceito de telecocooning, que se refere a um termo dos anos 1990 para caracterizar o encasulamento vivido pelas pessoas que, em função da possibilidade de conexão em rede, preferem interagir via Internet em suas casas e não presencialmente, em outros espaços sociais.

Ora, a tendência dominante na evolução das relações sociais em nossas sociedades é a ascensão do individualismo, sob todas as suas manifestações. Isso não é uma tendência meramente cultural. Ou antes, é cultural no sentido da cultura material; isto é, um sistema de valores e crenças que informa o comportamento, que é enraizado nas condições materiais de trabalho e subsistência em nossas sociedades (CASTELLS, 2003, p. 107).

A Open English procura incentivar uma cultura de interação não presencial, que pode ser vista como uma forma de ascensão do individualismo. No vídeo “Open English – #Opendepijama” (2016h), há um recorte de falas que parecem ser depoimentos de diferentes alunos que compõem uma narrativa acerca da flexibilidade e do conforto oferecidos pelo ensino a distância:

A Open me possibilita que eu faça isso no feriado, de madrugada. Entre nove, dez, onze horas da noite eu tô estudando Inglês. E eu monto a minha estrutura de estudo, então eu não tenho mais nada engessado. Eu só preciso abrir o computador e assistir as aulas. Você pode fazer elas de pijama, sem sair da sua cama, no conforto da sua casa. Eu mudei a minha vida com a Open English. A Open English mudou a minha vida. Mude a sua vida com a Open English (OPEN ENGLISH BRASIL, 2016h).

O individualismo nesse vídeo parece ser uma forma de liberdade, de não precisar se submeter a convenções coletivas. Quando se afirma que nada mais é engessado, há uma referência ao currículo padrão de uma escola presencial, na qual o aluno precisa seguir uma estrutura preestabelecida. Para frequentar uma turma, é preciso vestir-se adequadamente, ao passo que em casa é possível vestir pijama sem maiores problemas. A mudança de vida parece ser uma ruptura com a cultura presencial. Castells (2003) discorre sobre a individualidade:

O individualismo em rede é um padrão social, não um acúmulo de indivíduos isolados. O que ocorre é antes que indivíduos montam suas redes, on-line e offline, com base em seus interesses, valores, afinidades e projetos. Por causa da flexibilidade e do poder de comunicação da Internet, a interação social on-line desempenha crescente papel na organização social como um todo. As redes on-line, quando se estabilizam em sua prática, podem formar comunidades, comunidades virtuais, diferentes das físicas, mas não necessariamente menos intensas ou menos eficazes na criação de laços e na mobilização (CASTELLS, 2003, p. 109).

Para o autor, é possível ter uma visão otimista do individualismo gerado pela Internet, pois ele não é necessariamente negativo, é apenas uma nova configuração dentro de toda uma complexidade emergente, o que dialoga com o conceito de convergência. No entanto, vale lembrar que numa perspectiva de aceitação da pluralidade, não parece ser um bom posicionamento criticar outras formas de cultura.

No vídeo “Viagem – Open English” (2016d), pode-se perceber novamente, pelos depoimentos de alunos, que oportunidades sociais surgem para quem sabe Inglês:

Quando eu voltei de viagem de Nova York, a primeira coisa que eu fiz foi procurar a Open English. É ruim você chegar num lugar e não se sentir à vontade para conversar com as pessoas. Quando eu começar a fala um Inglês fluente, eu quero viajar. Eu quero viajar, eu quero conhecer o mundo. Eu vou me sentir muito mais solto e com certeza a viagem será muito mais divertida. Uma meta que eu coloquei é só conhecer outros lugares se eu conseguir me comunicar bem. Eu vou curtir muito mais um dos maiores prazeres da minha vida que é viajar. A Open English mudou a minha vida. Mude a sua vida com a Open English (OPEN ENGLISH BRASIL, 2016d).

O aluno que cita que só vai conhecer outros lugares se conseguir se comunicar, coloca a questão da língua como uma barreira para esse tipo de atividade. No vídeo “Open English – sem vergonha” (2015), novamente aparece a ideia de mudança de vida:

Eu tinha um chefe e sempre que eu tentava falar Inglês com ele, ele dizia: como?. Eu tinha uma amiga, ela tinha uma filhinha de uns quatro, cinco anos e essa criança ficava corrigindo meu Inglês toda hora. Eu fui pedir um café e a mulher me deu um cartão telefônico. Eu não faço ideia do que eu falei. Aí eu entendi que a sacola era vinte dólares, aí eu já não sabia mais o que fazer e a sacola era gratuita. Agora sim eu me sinto mais seguro em falar Inglês. Mude a sua vida com a Open English (OPEN ENGLISH BRASIL, 2015).

Nesses trechos de depoimentos, existe a discussão acerca de posições sociais hierárquicas: o empregado que não consegue falar com o seu empregador, o que pode impedi-lo de ascender na empresa; o adulto que é corrigido por uma criança e não se sente bem com isso. Nesse sentido há uma alusão ao fracasso de não conseguir se comunicar e a promessa de sucesso com a escola. O vídeo “Open English – Fluência e confiança” (2016e), por sua vez, também lista os benefícios sociais de saber Inglês, aliados à mudança de vida:

Eu tinha que conversar com nativos. Ai, meu Deus! Aquilo travava, não evoluía. Agora que eu tô mais confiante, eu consigo interpretar texto, fazer leitura. Melhorou a gramática, melhorou a fluência. Tenho muito mais fluidez pra falar. Eu ouço e entendo melhor tudo que é falado. Aprendi realmente a usar as palavras. Ficou mais leve, eu fiquei menos apreensiva. Hoje eu já consigo conversar, bater papo, ah é muito gostoso! Mude a sua vida com a Open English (OPEN ENGLISH BRASIL, 2016e).

O mesmo acontece com o vídeo “Open English – música” (2016f):

Eu sempre gostei de música, mas antes eu nunca conseguia cantar e nem entender o que eles tavam cantando. Please, don’t sing. Depois da Open English você começa a entender o significado e sente que a letra não era lá o que você esperava, né? Eu achava que era uma musiquinha bonitinha, de casal, e é uma coisa meio trágica, né? Tinha um teor altamente erótico, eu não fazia ideia. Please, sing. Graças a Open English eu consigo cantar hoje. Mude a sua vida com a Open English (OPEN ENGLISH BRASIL, 2016f).

O foco desses três vídeos parece ser os benefícios do aprendizado do idioma. Obviamente, o aprendizado de uma língua adicional traz benefícios ao aprendiz. Pesquisas revelam, inclusive, que cérebros bilíngues podem estar mais preservados diante do declínio cognitivo em função da idade (MARZARI; SANTOS; ZIMMER, 2012). Porém, a escola parece canalizar para que esse benefício seja estritamente de ascensão social e promessa de mudança de vida. De qualquer forma, nesses vídeos há uma mudança de perspectiva da Open English em relação ao mercado, abandonando um pouco a crítica severa ao ensino presencial para focar no aprendizado do idioma.

Dentre os vídeos postados, destacamos o vídeo “Cavaleiro” (2016a). Esse vídeo é uma peça publicitária da empresa que foi veiculada na televisão, sendo possível inferir que a intencionalidade da peça é a de atingir massas, devido ao meio de transmissão escolhido. Hoje, o YouTube hospeda o vídeo, mas é bastante provável que ele não tenha sido pensado para esse meio de transmissão.

O texto narrado durante o comercial está transcrito a seguir. As inserções entre colchetes não pertencem à narrativa original, são apenas uma tentativa de descrever as imagens:

Este é Felipe [o personagem está sentado no sofá com um computador no colo, tem uma aparência alegre]. Ele estuda com Open English e aprende a falar Inglês em aulas online ao vivo com professores norte-americanos e pode ter aulas a qualquer hora do dia [som de fita cassete sendo rebobinada, mudança de imagem]. E este é um cavaleiro da Idade Média. Estuda Inglês de forma tradicional com muita tinta [o personagem tenta escrever com um tinteiro e acaba derrubando a tinta]. Vamos ver, cavaleiro, nos conte: o que aprendeu em Inglês? [o personagem balbucia] Isso mesmo, aprender Inglês do jeito tradicional ficou no passado. Agora com Open English você aprende Inglês pela internet. [troca de imagem, aparece Andrés Moreno, CEO da empresa falando] Open English: o método inteligente (OPEN ENGLISH BRASIL, 2016, descrições nossas).

O vídeo traça um par opositivo entre dois perfis de alunos: oposição entre o aluno da da Open English e o que não estuda na Open English. O aluno da Open English é retratado como sendo de aparência alegre, demonstrando estar confortável com o fato de estar aprendendo Inglês em sua casa no horário que teria escolhido. O aluno que não estuda na Open English é representado por um cavaleiro da Idade Média, sem alusão a recursos tecnológicos de acesso à Internet, apenas um pergaminho, uma caneta tinteiro e um pote de tinta. Esse personagem não consegue demonstrar o que aprendeu, não consegue falar, apenas balbuciar. O cavaleiro não está acompanhado de um professor. O narrador do vídeo aponta que a forma tradicional de aprender Inglês, em alusão à metodologia do cavaleiro, ficou no passado. Assim, o discurso da Open English vai sendo tecido em torno do argumento de que a forma mais atual de aprender Inglês seria pela Internet. O narrador, ao afirmar que a Open English é o método inteligente, está reforçando a metodologia não-presencial como sendo a mais adequada.

No vídeo “Open English – Meta” (2016g), há mais um reforço de que a empresa foi causadora de uma revolução em termos de ensino de Inglês e bem postula a existência de um método correto para a aprendizagem:

Nossa meta ao criar a Open English sempre foi a mesma: revolucionar a maneira de se aprender Inglês. Uma escola online aberta 24 horas por dia, de qualquer parte do mundo com acesso ilimitado a aulas ao vivo e professores norte-americanos. Aprender Inglês é muito mais fácil do que se imagina quando a sua motivação e o método que utiliza são corretos. Mude a sua vida com a Open English (OPEN ENGLISH BRASIL, 2016g).

A estratégia argumentativa de atuação mercadológica da Open English, com base nesse vídeo, é a de um possível culto à inovação por meio da desvalorização da modalidade presencial de ensino. Boa parte do sistema educacional brasileiro ainda é pautado no ensino presencial, o que demonstra que, mesmo com o advento da Internet, o ensino a distancia continua sendo mais uma modalidade e não a única existente, numa perspectiva de multiplexidade, de coexistência.

5 Considerações finais

Quando se pensa em redes sociais, tais como YouTube e Facebook, é comum associá-las à lógica da cibercultura, em função de estarem disponíveis na Internet, expoente dessa cultura. No entanto, tendo como base o conceito de imbricamento das culturas, é possível avaliar que no YouTube ainda persistem tons da mídia de massa. Tendo a televisão como difusora, muitas peças publicitárias atuam como homogeneizadoras e operam um tipo de consciência coletiva própria da cultura das mídias.

Muitos consumidores/usuários da Internet atuam como receptores passivos de conteúdo publicitário. No caso da Open English, por exemplo, os vídeos postados no canal oficial da empresa no YouTube não possuem comentários, embora esse espaço seja oferecido. Ao tentarmos registrar um comentário, tivemos nosso comentário excluído. Isso demonstra que a empresa parece querer que os usuários tenham uma recepção passiva dos vídeos.

Outra questão importante sobre a recepção passiva é o reforço de crenças linguísticas. A Open English atua, em suas peças publicitárias, com a ideia de que a empresa irá mudar a vida do seu aluno (“Mude sua vida com a Open English”), comercializando ascensão social e não exatamente o aprendizado da Língua Inglesa. Além disso, há o reforço da crença de que o professor nativo é superior ao não-nativo.

O culto à inovação também é reforçado nos vídeos da empresa, por meio da crítica ao ensino presencial, taxando-o como “tradicional” ao passo que a metodologia a distância da Open English é “o método inteligente”. A oposição entre o aluno presencial, que é tido como alguém retrógrado, da Idade Média, e aluno da Open English, mostrado como autônomo, livre para escolher, também é demonstrativo dessa visão dicotômica que permeia a lógica do posicionamento mercadológico da empresa.

Referências

CASTELLS, M. A galáxia da internet: reflexão sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.

JENKINS, H. Cultura da convergência. Tradução de Sussana L. de Alexandria. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009.

MARZARI, G. Q.; SANTOS, C. G.; ZIMMER, M. C. Estratégias de preservação cognitiva em indivíduos idosos: o papel da aprendizagem de uma língua estrangeira. Revista Letrônica, Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 103-124, jul./dez. 2012. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article/view/12221/8835. Acesso em: 15 nov. 2017.

OPEN ENGLISH BRASIL. O Cavaleiro. 06 Jan 2016a. Vídeo (31s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t4fapi8qf7k. Acesso em: 24 set. 2016.

OPEN ENGLISH BRASIL. Open English – #openidade. 03 Mar 2016b. Vídeo (31s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gjvuivkae3y. Acesso em: 15 out. 2016.

OPEN ENGLISH BRASIL. Open English – Perseverança. 04 Abr 2016c. Vídeo (s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=y9hnaxq0nb8. Acesso em: 15 out. 2016.

OPEN ENGLISH BRASIL. Viagem – Open English. 18 Ago 2016d. Vídeo (31s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oroibcucurw. Acesso em: 15 out. 2016.

OPEN ENGLISH BRASIL. #OpenSemVergonha – Open English. 30 Dez 2015. Vídeo (31s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=su_udw83bec. Acesso em: 15 out. 2016.

OPEN ENGLISH BRASIL. Open English – fluência e confiança. 04 Abr 2016e. Vídeo (31s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1_zrbnbys2c. Acesso em: 15 out. 2016.

OPEN ENGLISH BRASIL. Open English – música. 06 Jun 2016f. Vídeo (31s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zsvwsu0xxpq. Acesso em: 15 out. 2016.

OPEN ENGLISH BRASIL. Open English – meta. 04 Abr 2016g. Vídeo (31s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tixthl_2xis. Acesso em: 15 out. 2016.

OPEN ENGLISH BRASIL. Open English – #opendepijama. 06 Jan 2016h. Vídeo (31s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=d-zv1kjhmxg. Acesso em: 15 out. 2016.

SANTAELLA, L. Culturas e artes do pós-humano. São Paulo: Paulus, 2003.

SANTAELLA, L. Linguagens Líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

Notas

[1] Hall (1997) considera que cinco movimentos tiraram o sujeito sociológico do seu “eixo”, ou seja, o descentraram: marxismo, Freud e a psicanálise, o estruturalismo saussuriano, o pensamento foucaultiano e o feminismo.
[2] Nosso posicionamento teórico acerca do ensino de Línguas é fazer uso do termo “língua adicional”. No entanto, não cabe aqui utilizar o termo porque o posicionamento da empresa não é esse. Assim, utilizo o termo “língua estrangeira” por parecer mais coerente com a visão da empresa Open English.
[3] Disponível em: http://www.openenglish.com.br/corporativo/quem-somos/. Acesso em: 12 out. 2016.
[4] Disponível em: http://www.openenglish.com.br/corporativo/quem-somos/. Acesso em: 12 out. 2016.

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