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POKÉMON GO: DISCUTINDO DISPOSITIVOS E A PEDAGOGIA DOS JOGOS ELETRÔNICOS
POKÉMON GO: DISCUSSING DEVICES AND THE PEDAGOGY OF ELECTRONIC GAMES
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 10, núm. 2, pp. 50-65, 2017
Universidade Federal de Minas Gerais

Educação e Tecnologia


Recepção: 16/03/2017

Aprovação: 19 Junho 2017

DOI: https://doi.org/10.17851/1983-3652.10.2.50-65

Resumo: Este artigo analisa os jogos eletrônicos, sobretudo aqueles online, que têm sido utilizados de forma generalizada por pessoas de todas as faixas etárias. Entendemos existir um dispositivo pedagógico da mídia que envolve alguns desses jogos, mais especificamente o aplicativo conhecido como Pokémon GO. Desvelar quais são os conceitos que podem estar sendo ensinados através desse aplicativo e qual a visão de mundo esse jogo retrata traduzem os objetivos de tal estudo, uma vez que se entende que alguns jogos eletrônicos podem valer-se de uma pedagogia em sua constituição. Como material empírico de pesquisa, foram analisadas práticas discursivas e não discursivas, sendo que o corpus da investigação é formado pelo site oficial do jogo no Brasil, páginas do aplicativo em rede social e canais de youtubers. Da mesma forma, o autor mergulhou no universo do jogo, como player, pelo período de trinta dias. São utilizados para a análise teórica autores das áreas dos estudos culturais em educação e da tecnologia, como Bauman (2007), Harvey (2011), Foucault (2000), Fischer (2002), Lipovetsky (2006), Murray (2003), Narodowski (2013), Salen e Zimmerman (2003), Santaella (2003), Carvalho (2006), entre outros. Ficou caracterizado através da experiência empírica do autor e das análises do corpus investigativo que o jogo possui uma visão de mundo, implícita em suas práticas, que se aproxima do consumo e o incentiva, bem como endossa/induz e propõe a seus participantes que sigam essa lógica típica da sociedade pós-moderna.

Palavras-chave: Pokémon GO, pedagogias culturais, dispositivo, consumo.

Abstract: This article analyzes electronic games, especially those online ones, that have been widely used by people of all age groups. We understand there is a media pedagogical device that involves some of these games, specifically the application known as Pokémon GO. Unveiling what the concepts that may have been taught through this application are and what world view this game portrays, translates the objectives of such a study, since it is understood that some electronic games can use a pedagogy in its constitution. As empirical research material, discursive and non-discursive practices were analyzed, and the research corpus is formed by the official game site in Brazil, social network pages of the application and channels of youtubers. In the same way, the author immersed himself in the universe of the game, as a player for the period of thirty days. Authors from the fields of cultural studies in education and technology, such as Bauman (1997), Harvey (2011), Foucault (2000), Fischer (2002), Lipovetsky (2006), Murray (2003), Narodowski (2013), Salen e Zimmerman (2003), Santaella (2003), Carvalho (2006), among others, are used for theoretical analysis. It was characterized by the empirical experience of the author and the analysis of the investigative corpus that the game has an implicit world view of its practices, which approximates and favors the consumption incentive, as well as endorses/proposes to its participants to follow this Logic typical of postmodern society.

Keywords: Pokémon GO, cultural pedagogies, device, consumption.

Introdução

Estamos no ano de 2016, percebemos inúmeras pessoas correndo no centro da Cidade de Nova York[1] com os celulares à mão, ofegantes. Os policiais parando os carros para evitar atropelamentos. Havia sido localizado no nearby do celular de um dos jogadores (espécie de minirradar, localizador que mostra quais os pokémons estão próximos) do jogo Pokémon GO um Gyarados, pokémon aquático muito raro de se encontrar e dificílimo de evoluir através de seu antecessor, o Magikarp (uma vez que para isso é preciso 400 candies). Ao jogar o aplicativo, podemos perceber como existem dificuldades e pré-requisitos para a obtenção de alguns pokémons considerados mais raros, pois estes necessitam evoluir através de seus antecessores, o que demanda tempo e disposição do jogador nessa busca.

Da mesma maneira, em Tóquio, o centro da cidade é invadido por uma multidão também atrás da suposta aparição de outro pokémon raro. Em Bangcoc, Tailândia, até mesmo uma polícia pokémon[2] foi criada para conter os aficionados do jogo e evitar que provocassem acidentes nas principais vias de trânsito, inclusive aplicando multas a esses jogadores.

No Brasil, mais precisamente no Rio Grande do Sul, um menino de nove anos morre afogado[3] ao cair de uma pequena embarcação que havia sido utilizada para, supostamente, caçar um pokémon dentro de um açude. Além disso, o Ministério da Educação[4] publica em seu site oficial uma mensagem aos estudantes, recomendando que procurem focar em tornarem-se treinadores para passar no Enem, em vez de caçarem pokémons. E tivemos ainda o episódio noticiado do pokémon Rattata, uma espécie muito parecida com um rato, que foi encontrado dentro do Congresso Nacional[5], durante uma sessão da Comissão do Impeachment.

Ao caminhar pelas ruas, observam-se pequenos grupos, aglomerações de pessoas em pontos específicos, os chamados pokéstops (locais onde o dispositivo, quando girado, pode ceder novos itens como poke bolas, revives, poções, ovos e incensos), outros andando com os olhos fixos na tela do celular, procurando algum novo monstrinho para capturar. Caminham-se quilômetros para que um ovo seja chocado e os jogadores possam ter mais um pokémon para sua coleção.

É nesse cenário que o interesse pela análise e escrita começa, pois se percebe que um jogo baixado e instalado na forma de um aplicativo no telefone móvel acaba reconfigurando a vida e as rotinas de muitas pessoas. Por que isso ocorre? Qual a lógica envolvida? E, principalmente, poderia esse jogo estar ensinando algo para seus jogadores? São as questões que desejamos analisar.

Para conseguirmos nos aproximar de possíveis respostas às perguntas acima, definimos como corpus de pesquisa um conjunto de artefatos culturais, aqui entendidos como objetos que foram criados pela mão do homem e fazem parte de suas práticas culturais cotidianas, influenciando diretamente a vida e o modo de pensar de seus usuários. Os artefatos analisados que envolvem a temática para o presente artigo são: o aplicativo Pokémon GO, o site Pokémon GO Brasil e a página PokemonGOBrasilOFC no Facebook. Entendemos que os jogadores não se utilizam somente do jogo em si, mas também acessam constantemente esses outros espaços midiáticos, que proporcionam a possibilidade de postagens, imagens, vídeos, e ainda a troca de mensagens entre os participantes, contribuindo para o caráter educativo o qual acreditamos que possa derivar da dinâmica do jogo, uma vez que esses participantes ensinam e discutem conceitos e formas de representação sobre o mundo.

Para aqueles que desconhecem o jogo, cabe uma pequena descrição dele. O Pokémon GO é um aplicativo para smartphones, desenvolvido pela empresa Niantic, que traduz em formato de jogo um desenho de origem japonesa que fez sucesso na televisão nos anos 90, no Brasil e no mundo. Resumidamente, o jogo possibilita capturar a coleção de pokémons (contração de monster com pocket, de bolso) da primeira geração (151 tipos) espalhados por todos os continentes do mundo. No início do aplicativo cada jogador opta por um dos três pokémons iniciais e por um time (azul, amarelo ou vermelho). Esses monstrinhos são pegos com o uso de uma poke bola, que serve de cápsula para retê-los. Quando um jogador aprisiona um pokémon, este vai para a pokédex (uma espécie de arquivo). Algumas ações, como as de captura e as de passagem pelos pokéstops comentados anteriormente, fazem com que o jogador ganhe experience (XP). Esses xps irão fazer com que ele passe de nível no jogo e consiga acesso a itens mais sofisticados a serem utilizados para continuar jogando e tendo um desempenho ainda melhor no aplicativo. Conforme os monstrinhos vão sendo capturados, vão sendo recebidos candies (doces), necessários para que eles evoluam e atinjam outros estágios, fazendo com que se tornem mais fortes para poder lutar em algum ginásio no futuro e representar a equipe escolhida no início do jogo.

Num primeiro olhar, já podemos perceber que o fascínio pelo jogo segue a mesma ordem social vigente. Consumir, capturar, colecionar os monstrinhos faz com que as pessoas se movimentem em sua busca, no intuito de poderem se destacar e serem vistas pelos seus times como jogadores de sucesso. Claro que o conceito de sucesso aqui está relacionado mais uma vez ao ter, ao possuir, típico da sociedade de consumidores em que vivemos.

Sobre a experiência da imersão

Uma das ferramentas teóricas que proporcionam aumentar o nosso entendimento de como um aplicativo pode fazer tanto sucesso e conseguir a adesão de tantas pessoas, diz respeito ao conceito de dispositivo do filósofo Michel Foucault, que é explicitado nos escritos do autor na obra A história da sexualidade (1976). Utilizar-se dele parece ser essencial, uma vez que, segundo Deleuze (1996, p. 92), nós “pertencemos a dispositivos e neles agimos”.

O dispositivo refere-se a todo um aparato de discursos, tecnologias, estruturas e mecanismos que operam e fazem circular ideias e conceitos e que, através dessa rede, entre outros efeitos, pode contribuir para que pessoas venham a ser capturadas por algumas dessas ideias e conceitos, os quais poderão vir a fazer parte de seu modelo de análise da vida.

Segundo o filósofo Michel Foucault, o dispositivo caracteriza-se por:

Um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode tecer entre estes elementos (FOUCAULT, 2000, p. 244).

A lógica do dispositivo funciona através da interdependência e das relações que se operam entre esses elementos citados pelo autor, abrangendo, claro, saberes-poderes em seu meio. Como exemplo, podemos citar o dispositivo da velhice, que apresenta por um lado discursos de inúmeras áreas, como da saúde, psicologia, sociologia, antropologia, oferecendo especificações de cuidados (práticas discursivas) a serem tomados por esse público e, em contrapartida, todo um aparato de clínicas estáticas, academias de ginástica, empresas das mais diversas focadas nesse público-alvo (práticas não discursivas). Tais discursos oriundos do campo das ciências e aliados às estruturas existentes para esse fim acabam por estabelecer uma maneira de ser idoso específica.

Da mesma forma, observamos a ocorrência, no chamado ciberespaço, de uma proliferação de arquiteturas que evidenciam existir um dispositivo sólido e bem construído envolvendo práticas discursivas e não discursivas no interior de seu complexo feixe de relações. Muitos dos discursos que acabam incrementando, promovendo e incitando os players são produzidos nos ambientes virtuais nos quais o jogo se expande, como sites, blogs, páginas e redes sociais, ao mesmo tempo que se materializam através de lojas de vestuário, brinquedos e materiais escolares, entre outros.

Percebemos grande parte das linhas de enunciação[6], conforme exposto por Deleuze (1990) ao referir-se à comunicação, que vem a dar visibilidade e a promover o uso do jogo, operando através da mídia, mais especificamente das mídias que procuram englobar as tecnologias da informação e comunicação que se instauram com a Internet e as lógicas do ciberespaço e da rede. O que nos leva a conceber o Pokémon GO, conforme cita Fischer (2002, p. 155), como um dispositivo pedagógico da mídia. Segundo a autora,

[…] descrevo o dispositivo pedagógico da mídia como um aparato discursivo (já que nele se produzem saberes, discursos) e ao mesmo tempo não discursivo uma vez que está em jogo nesse aparato uma complexa trama de práticas, de produzir, veicular e consumir TV, rádio, revistas, jornais, numa determinada sociedade e num certo cenário social e político (FISCHER, 2002, p. 155).

O exposto nos faz pensar que o Pokémon GO já não se constitui unicamente em um mero jogo eletrônico, e sim em algo maior, que faz com que seus usuários possam imergir[7] nele, vivendo uma experiência única com “a sensação de estarmos numa realidade completamente estranha, tão diferente quanto a água e o ar” (MURRAY, 2003, p. 102). Na experiência de imersão no aplicativo, visualizamos essa complexa trama de práticas, citada por Fischer (2002), destinada a motivar o consumo específico de uma linha de produtos associados a ele. Costa (2008) acrescenta que o que conhecemos por mídia não se restringe apenas a rádio, jornal, televisão, publicidade, mas inclui também celulares, jogos eletrônicos e tudo o mais que esteja vinculado a comunicação e entretenimento. A mídia integra dispositivos poderosos com profundas repercussões na reconfiguração de todas as instâncias e dimensões da vida nas sociedades contemporâneas.

Lembramos ainda ser uma das características dos nossos tempos o uso intenso das novas tecnologias da informação e comunicação. Nesse sentido, Momo (2014) comenta que “as modificações na área da tecnologia e da mídia ampliaram as possibilidades de se aprender sobre o mundo e sobre a vida, ampliaram as instâncias educativas.” Considerando o exposto, fica evidente que tanto as crianças quanto os adultos acabam aprendendo em muitas outras instâncias que não somente naquelas onde a educação aparece institucionalizada, como na escola. Dessa forma, o dispositivo pedagógico da mídia em que observamos esse aspecto em particular dos jogos eletrônicos online acaba, através de suas redes e tramas, ensinando novos modos de ser e agir para alguns, ou ainda reafirmando formas de viver a outros.

Analisando o conceito de imersão, muito utilizado na área da comunicação digital, Salen & Zimmerman (2003) comentam que “o prazer de uma experiência midiática está em sua habilidade de sensorialmente transportar o participante para dentro de uma realidade simulada e ilusória”. E, através desse transporte sensorial, sutil e prazeroso, que faz com que nossa fisiologia acabe por produzir hormônios e mexe com nossas emoções e sentimentos, mais e mais adeptos vão aderindo aos jogos, despendendo horas e horas na sua utilização. Cabe-nos destacar que a própria fronteira entre o real e o virtual hoje vem sendo muito tensionada nos estudos da área da comunicação e encontra-se em transição conceitual, uma vez que, através de novas tecnologias, como o uso da realidade aumentada, podemos perceber um híbrido entre essas duas realidades. É claro que esse não é um aspecto que se refere única e exclusivamente ao jogo em questão, e sim a toda uma gama de inúmeros jogos que são compartilhados pelas pessoas atualmente, em especial por meio de plataformas que permitem o seu uso online através das tecnologias digitais. Afinal, o usuário do Pokémon GO, ao utilizar um celular com tecnologia apropriada, pode enxergar, perceber os monstrinhos do jogo ali, na sua frente, o que coloca em dúvida os limites do que vem a ser real.

Carvalho (2006) comenta que “inúmeros dispositivos de arte virtual propõem a experiência da dissolução das fronteiras entre o real e a ilusão, exterior e interior, passado e presente, tornam-se produtores de realidades”. Ao analisar algumas dessas obras de arte que utilizam recursos eletrônicos e tecnológicos para que as pessoas possam viver outras sensações, a autora expõe ainda que essa “é uma experiência que se dá na relação e que não existe fora do dispositivo, nem antes, nem depois. A relação se dá no e através do dispositivo” (CARVALHO, 2006, p. 85). Para não haver equívocos conceituais, o dispositivo aqui referido pela autora diz respeito simplesmente aos recursos tecnológicos que envolvem a obra de arte.

A título de exemplificação, essa mescla de experiências que envolvem os sentidos quando submetidos ao processo de imersão foi constatada por ocasião da pesquisa, uma vez que durante o período de trinta dias, o autor percorreu a pé 127 quilômetros, capturou 783 monstrinhos, evoluiu[8] 121 destes, visitou 759 pokéstops, chocou[9] 41 ovos, entre tantas outras tarefas que o aplicativo disponibiliza. Durante tal período, houve o envolvimento e a participação direta dos filhos e amigos. Aliás, um aspecto interessante que pôde ser observado foi a integração das famílias em torno do jogo, ocupando espaços públicos e interagindo através do aplicativo e dos aparatos envolvidos.

Ao jogar podem-se vivenciar diversas emoções, como a euforia, o prazer e a satisfação, bem como a frustração, a tristeza e a decepção em espaços de tempo muito pequenos. Do que se conclui que o jogo possa ter influência direta nas nossas emoções enquanto o utilizamos, sendo difícil a separação entre o que é real e o que seria um jogo “virtual”. O que vem ao encontro de Santaella (2003), quando comenta sobre as novas tecnologias e seu impacto em nossas vidas e afirma que essas mudanças serão “não apenas mentais, mas também corporais, moleculares” (SANTAELLA, 2003, p. 31).

A lógica da sociedade em rede

A sociedade Pós Moderna[10] possui algumas características facilmente identificáveis, sendo uma delas a própria reconfiguração social ocorrida com o advento das novas tecnologias de informação e com a emergência da comunicação em redes, a chamada network.

A rede social, que acaba por reforçar ainda mais os processos de individualização das pessoas, iniciado na Modernidade, fazendo com que haja uma ruptura ou reconfiguração nos relacionamentos entre estas, parece ser confrontada ao analisarmos o jogo eletrônico em questão, pois, ao mesmo tempo que possibilita ao jogador inúmeras atividades individuais, exige deste que participe de um time e realize ações coletivas.

Percebemos hoje que aquilo que antes era difícil e causava traumas e preocupações, como, por exemplo, o terminar de uma relação afetiva, hoje se dá de maneira muito simples, pois somente através de um desconectar/bloquear/excluir essas situações parecem se resolver. O prejuízo que percebemos, porém, é este: o transformar da pessoa, do ser humano, em avatar, em seu próprio ser virtual, o que faz com que as fronteiras entre o real e o virtual se encontrem cada vez mais imperceptíveis nos dias de hoje.

Nesta vida envolvida e pautada por redes sociais, percebemos a publicização e espetacularização do privado. Sendo assim, as informações que há bem pouco tempo eram motivo de confissões e segredos íntimos das pessoas, hoje são expostas ao público, compartilhadas e, ainda, sujeitas a receber interações e comentários. E é dentro dessa ideia que o aplicativo se coloca, pois faz com que os sucessos e avanços pessoais de seus jogadores possam se tornar visíveis aos demais em alguns pontos, como nos ginásios, onde, ao lutar e conquistar tal pontuação, o jogador pode expor um de seus mais poderosos monstrinhos capturados[11].

Outra ideia presente e muito comentada em nossos dias é aquela a que muitos intelectuais têm se referido como a lógica do consumo ou hiperconsumo em que nos encontramos inseridos, principalmente por vivermos no ápice de um sistema capitalista que busca, claro que de forma ilusória, homogeneizar o mundo todo. Ilusória por se considerar que, aos efeitos do poder, sempre se encontram presentes linhas de resistência. Ainda assim, esse sistema capitalista acaba tendo influência direta nas práticas culturais que nos envolvem. Ao que David Harvey comenta:

Costuma-se considerar a vida cultural um plano exterior a esta lógica capitalista. Diz-se que as pessoas fazem sua própria história nesses domínios de maneiras bem específicas e bastante imprevisíveis, a depender de seus valores e aspirações, de suas tradições e normas. A determinação econômica é irrelevante, mesmo na famosa última instância. Considero este argumento errôneo (...) precisamente porque o capitalismo é expansionista e imperialista, a vida cultural, num número cada vez maior de áreas, vai ficando ao alcance do nexo do dinheiro e da lógica da circulação do capital (HARVEY, 2011, p. 307, grifo nosso).

Fica evidente que, ao compreendermos o conceito de cultura como o somatório das práticas cotidianas que nos envolvem enquanto sujeitos sociais, essa lógica do capitalismo se constitui como algo que procura capturar a todos, moldando seus paradigmas e conduzindo suas condutas. Um exemplo disso é o fato de percebermos que a sociedade acaba medindo nosso sucesso e avaliando nossas vidas pela nossa capacidade maior ou menor de consumir. Aqueles que não possuem condições de se estabelecerem como compradores de marcas renomadas terminam por consumir réplicas e, infelizmente, muitas crianças e jovens pobres das periferias acabam cedendo à criminalidade, como aos apelos do tráfico de drogas, para obterem receita e, assim, conseguirem também comprar os artefatos que ilustram a capacidade de consumir que tanto almejam.

Ao mesmo tempo, entendemos que existem aqueles que não se encontram envoltos nessa matriz de pensamento capitalista, que age como que universalizando o consumo como regra geral. Existem grupos que resistem a esse modo de viver, enquanto outros não entram na lógica do consumo por não possuírem uma renda suficiente, e acabam ficando à margem desta.

Segundo Bauman (2007),

Os encontros dos potenciais consumidores com os potenciais objetos de consumo tendem a se tornar as principais unidades na rede peculiar de interações humanas conhecida, de maneira abreviada, como “sociedade de consumidores”. Ou melhor, o ambiente existencial que se tornou conhecido como “sociedade de consumidores” se distingue por uma reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e à semelhança, das relações entre os consumidores e os objetos de consumo (BAUMAN, 2007, p. 19).

Dessa forma, em meio a essa reconstrução das relações humanas pautadas pelo consumo, é que se apresenta o jogo Pokémon GO, com suas diversas facetas relacionadas ao tema e às formas de convivência que atualmente circulam ao nosso redor. Claro que outro ponto a ser comentado neste momento é o fato de que, para utilizar-se o aplicativo e jogar, é necessário um celular no mínimo compatível com o sistema Android ou IOS, o que descarta muitos modelos de menor custo, logo mais acessíveis. Além disso faz-se necessária uma conexão com a Internet online durante todo o tempo em que se estiver jogando, fato este que por si só já exclui uma boa parcela da população. Percebemos que a mesma tecnologia que faz com que o espaço e o tempo se reconfigurem, também acaba produzindo indivíduos às margens de sua utilização.

Segundo Lipovetsky (2006), pode-se caracterizar empiricamente a “sociedade de consumo” por diferentes traços: elevação do nível de vida, de abundância das mercadorias e dos serviços, culto dos objetos e dos lazeres, moral hedonista e materialista, etc. Podemos utilizar essa citação para fazer uma analogia com as particularidades do jogo. A elevação do nível de vida poderia aqui ser comparada com a busca pela elevação dos níveis do jogo, que exigem estratégias e o sacrifício na coleta de itens e dos próprios monstrinhos, bem como no caminhar para que os ovos recebidos possam “chocar” e fornecer novas espécies. A abundância das mercadorias e serviços se resume na grande oferta de animaizinhos e itens e na possibilidade de pokéstops que podem ser acessados e resultar em novos ganhos. O culto dos objetos se faz pela própria posse do artefato (smartphone) de última geração, pré-requisito para a instalação do aplicativo. E a moral hedonista e materialista se reforça pela questão do prazer imediato com as conquistas e a própria dinâmica de premiar o esforço e as aquisições individuais de cada jogador, bem como o sucesso dos times.

Da mesma maneira, não podemos esquecer que o sucesso do aplicativo junto aos seus jogadores também se dá por este trabalhar dentro da ideia exposta por Harvey (2011) e reforçada por Hall (1997) sobre a compressão espaço-tempo[12]. Esta se refere ao fenômeno, muito presente hoje em nossas vidas, que faz com que as distâncias sejam diminuídas e as informações transmitidas simultaneamente, online, a vários países do mundo. As práticas sociais em rede hoje se caracterizam por esses aspectos, nos quais as fronteiras físicas foram substituídas pelas virtuais, inexistentes.

Ensinando a viver

Outra forma interessante de analisar esse jogo online, que se utiliza dos recursos do GPS dos telefones móveis e da realidade aumentada como ferramentas para cumprir com a sua finalidade, é entendê-lo dentro do conceito de pedagogia cultural. Ou seja, perceber que um artefato cultural tão amplamente utilizado no mundo inteiro, como o telefone celular, acaba, através de um aplicativo, ensinando, promovendo, criando e construindo conceitos e, por que não dizer, novas visões de mundo.

Ao analisarmos esses movimentos em torno do jogo, elegemos como um dos operadores metodológicos o uso das pedagogias culturais como ferramenta de análise, uma vez que esta “pode representar uma das muitas alternativas possíveis para considerar as influências educativas informais em uma era de expansão da globalização e mercantilização” (HICKEY-MOODY; SAVAGE; WINDLE, 2010, p. 231).

Considerando que a pedagogia cultural pode ser vista, de acordo com Hickey-Moody, Savage e Windle (2010) como “um conceito aberto e exploratório”, sua utilização é perfeitamente aplicável a esse fenômeno, pois se trata de uma frente a ser explorada com olhares abertos a múltiplas análises, sem a pretensão de incorrer-se em juízos de valor ou na polarização típica do que é bom ou mau, aceito ou não aceito, mas, antes disso, possibilitar novas formas de análise e pensamento sobre o game.

Segundo Steinberg (1997),

[...] a pedagogia cultural está estruturada pela dinâmica comercial, por forças que se impõem a todos os aspectos de nossas vidas privadas e das vidas de nossos/as filhos/as. Os padrões de consumo moldados pela publicidade empresarial fortalecem as instituições comerciais como os professores do nosso milênio (STEINBERG 1997, p. 102).

Reforçando o conceito de pedagogia cultural, Andrade e Costa (2015) explicitam sua importância, pois vem a “evidenciar novos modos de ver e pensar a pedagogia para nos dizer sobre saberes, sobre outras experiências e diversificados processos que nos educam e nos fazem ser quem somos”.

Para poder realizar a presente escrita, o autor imergiu no jogo desde o seu lançamento no Brasil[13], valendo-se de todas as suas horas de folga, intervalos de almoço, lanches e finais de semana, “jogando” o aplicativo no intuito de entender quais as ideias envolvidas ou reforçadas por ele. Da mesma forma, as incursões ao Facebook e ao site analisado foram diárias. Durante esses momentos de interação realizados no site e na rede social, pôde-se perceber a relação direta do que era visto nas ruas, sendo praticado pelos usuários do game (e pelo próprio autor), com os comentários de outros players e as dicas do site sobre várias operações que envolviam o aplicativo, o que confirmou o vínculo existente entre ambos.

O jogo Pokémon GO acaba tendo tanto sucesso por alguns aspectos bem típicos e que atraem o interesse de forma extraordinária nos tempos atuais. Entre eles, o poder aliado ao consumo e o sentimento de sucesso e mérito ao se conseguir avançar no jogo, bem como a atração por colecionar atos de consumo, dando-se muito mais valor ao ato em si do que propriamente aos objetos consumidos (ou, neste caso, capturados).

Ensinando sobre sucesso

O que intriga nesse jogo e faz com que inúmeras pessoas, de crianças a adultos, encontrem-se envolvidas e participem de suas etapas, investindo seus recursos, conforme comentamos anteriormente, é o fato de utilizarem-se tecnologias globalmente difundidas e aceitas entre os jogadores, fazendo parte de suas vidas diárias, ou seja, as mídias eletrônicas. Mais especificamente aquelas organizadas no formato da rede digital proporcionada pelo avanço da Internet no mundo. De acordo com Paul Du Gay (1994):

(...) a nova mídia eletrônica não apenas possibilita a expansão das relações sociais pelo tempo e espaço, como também aprofunda a interconexão global, anulando a distância entre as pessoas e os lugares, lançando-as em um contato intenso e imediato entre si, em um “presente” perpétuo, onde o que ocorre em um lugar pode estar ocorrendo em qualquer parte (...) Isto não significa que as pessoas não tenham mais uma vida local — que não mais estejam situadas contextualmente no tempo e espaço. Significa apenas que a vida local é inerentemente deslocada — que o local não tem mais uma identidade “objetiva” fora de sua relação com o global (DU GAY, 1994 apud HALL, 1997, p. 3).

Esse uso da mídia eletrônica de forma global e que faz com que as pessoas caminhem em torno de uma mesma prática social vem ao encontro do que Stuart Hall (1997) chama de homogeneização cultural, típica de nossos tempos. Percebemos uma grande proliferação, por exemplo, além do material analisado no corpus da pesquisa, de vídeos do YouTube[14], onde jogadores ou youtubers[15] (pessoas especializadas em produzir vídeos para esse canal) ensinam técnicas, discutem e compartilham suas experiências com os milhares de ouvintes ao redor do mundo. Essas “dicas” são aceitas e divulgadas nas localidades mais diversas onde os players do aplicativo estão atuando. Ou seja, isso reforça a ideia de que o jogo não se constitui somente do aplicativo em si, mas de toda a mescla de outros artefatos que o compõe, como os sites que falam sobre o assunto, os youtubers que se dedicam a jogar/ensinar a jogar.

É muito oportuno neste momento também observarmos o universo narrativo, os discursos que traduzem o que significa para a sociedade o termo “sucesso” na atualidade. Normalmente está relacionado às questões do desempenho econômico/financeiro das pessoas analisadas. Se a pessoa, durante sua vida, conseguiu adquirir alguns bens, que simbolizam uma ascensão social e financeira, como sua casa própria, um bom carro, se realiza viagens sistematicamente, frequenta bons restaurantes, veste-se com roupas de grifes famosas, essas atitudes a coroam com o status de alguém que teve sucesso, em detrimento daquelas que não se encaixam nessa descrição.

Aqui, claro, cabe trazer à discussão a tônica dos nossos tempos de polarizar as coisas, ou seja, a identidade desse indivíduo de sucesso existe na medida em que o fracassado (que não obteve sucesso) se opõe a ele. Isso reforça as ideias de Woodward (2008, p. 49), quando este afirma que as identidades são constituídas a partir da diferença, pois “elas são formadas relativamente a outras identidades, relativamente ao ‘forasteiro’ou, ao outro, isto é, relativamente ao que não é”.

O jogo Pokémon GO, ao valer-se desses inúmeros recursos da mídia eletrônica, associados ao universo digital, parece ir ao encontro dos argumentos de Kellner (2001), que comenta que “o rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente”. No aplicativo, ter sucesso segue essa tendência, ou seja, o fato de alguém possuir um nível alto, ou pokémons raros em seu acervo, faz com que seja visto com esse status, respeitado e até mesmo admirado entre os demais.

Ensinando, constituindo/punindo trapaceirosImportar lista

Ao analisar um grande corpus de aparatos tecnológicos que o jogo Pokémon GO faz circular ao seu redor, reforçamos novamente o conceito de dispositivo de Michel Foucault, conforme comentado por Marcello (2009), em suas três dimensões de análise:

O primeiro eixo diz respeito à produção de saber ou, ainda, à constituição de uma rede de discursos; o segundo, ao eixo que se refere ao poder (eixo, este, que indicaria as formas pelas quais, dentro do dispositivo, é possível determinar as relações e disposições estratégicas entre seus elementos); o terceiro eixo diz respeito à produção de sujeitos (MARCELLO, 2009, p. 231).

Uma vez que o jogo ocorre na superfície de nosso tecido social e vem permear nossa cultura, incorporando-se a esta, acaba sofrendo também a influência das práticas culturais que se fazem presentes na sociedade. Isso parece óbvio e poderia ser talvez até insignificante, porém acontece que algumas dessas atitudes não se aliam às questões éticas ou morais. Estas acabam por subjetivar os jogadores, realizando certa banalização do certo e do errado e, em alguns casos, até mesmo podendo estabelecer um modelo antiético ou imoral que acaba por capturar alguns, que já compartilham dessas práticas em sua vida cotidiana, e seduzir outros que ainda não haviam vivenciado esse tipo de experiência, o que é preocupante.

Verificou-se, mais especificamente no Brasil, um aspecto relacionado ao trapacear, ao conseguir vantagens no jogo de forma ilícita ou irregular, contrária às normas estabelecidas para todos os jogadores que utilizam o aplicativo no mundo todo. Ao valerem-se de práticas consideradas desleais ou desonestas, como a utilização de aplicativos que falsificam a localização do GPS do celular e promovem o uso do jogo via computador de mesa, em vez de exigir a circulação física de seus participantes, alguns conseguiram atingir níveis muito mais altos no jogo.

Ao atingir níveis muito mais altos do que os demais, esses jogadores acabam conseguindo evoluir seus pokémons com uma quantidade de combat power CPs (força), fazendo com que se tornem quase que indestrutíveis nos ginásios onde batalham. Ao permanecer no ginásio[16], vão ganhando diariamente novas poke icons (moeda virtual do jogo) e assim adquirindo novos itens que reforçarão ainda mais o seu status e poder como jogadores.

São inúmeros os vídeos no YouTube, por exemplo, de jogadores brasileiros que ensinam como gerar essas formas de trapacear e tirar vantagens indevidas, hackear (nomenclatura mais utilizada), burlar as regras, ou ainda, recordando o filósofo Michel Foucault, fugir da norma. Ao que recordamos a figura do malandro, conforme citado por DaMatta (1979) em seus estudos antropológicos, como aquele que seria um personagem tipicamente brasileiro. É o profissional da arte do jeitinho, um mestre em sobreviver em situações difíceis. O malandro se vale de artifícios pessoais muito criativos, de estórias e de certos expedientes para tirar vantagem de situações adversas, valendo-se da astúcia e muitas vezes da desonestidade mesmo.

Sobre esse aspecto, a própria desenvolvedora do aplicativo obrigou-se a criar um mecanismo de controle, procurando evitar essas trapaças. Percebemos isso na mensagem postada pela Niantic, no site oficial do jogo no Brasil[17]:

Após revisar diversas denúncias de trapaças dentro do jogo, nós começamos a tomar ações contra os jogadores que estão tomando vantagens desfavoráveis e ou abusando de Pokémon GO. A Seguir continuaremos apagando contas que demonstrem sinais claros de trapaça. Nossa prioridade principal com Pokémon GO é prover uma experiência justa, divertida e legítima para todos os jogadores. Se nosso sistema determinar que você trapaceou, então você receberá um e-mail informando a finalização da sua conta (NIANTIC, 2016, s/p).

Cabe-nos esclarecer, no entanto, que não é o aplicativo eletrônico que ensina a cometer atos desonestos ou as trapaças citadas, e sim as próprias pessoas que, ao se constituírem como desonestas, acabam circulando e fazendo parte dessa rede que compõe a estrutura do dispositivo analisado na presente pesquisa. Claro que estas, ao propagarem suas formas de jogar, acabam atingindo as demais e podem vir a ser seguidas e imitadas por alguns, reforçando a sua prática. Esses movimentos são visivelmente localizados, por exemplo, em páginas pessoais de youtubers[18] famosos no meio dos jogos virtuais e que, ao utilizarem um desses meios, procuram divulgar e promover os seus feitos à sua legião de seguidores. Esses youtubers são capazes de influenciar diretamente alguns de seus seguidores que irão testar, colocar em prática, seguir os conselhos e dicas divulgadas em seus vídeos sobre o aplicativo. Logo, no momento em que um deles ensina a hackear o posicionamento do jogador, através da alteração do GPS do celular, acaba naturalizando tal prática, procedimento este que poderá ser seguido por alguns daqueles que estão inscritos em seus canais. Cabe esclarecer, porém, que esse caráter pedagógico analisado através desse artefato específico não captura a todos, sendo inclusive criticado por uma parcela da população e nem sequer percebido por uma grande parte que não aderiu a ele.

Embora o jogo tenha atingido as mais variadas faixas etárias, em especial se tornou atrativo para o público infantil e adolescente, uma vez que vem ao encontro do modelo contemporâneo de infância e juventude, ao que trago o conceito de Narodowski (2013):

A infância hiper-realizada é um tipo de infância 3,0. As crianças conectadas 24 horas por dia a vários dispositivos a que têm acesso: smartphones, tablets, Smart TV, video games, para mencionar apenas alguns. Crianças digitais para as quais é impossível imaginar-se em um mundo em que essa informação, e o próprio mundo não estivessem ao alcance da sua mão através da Internet. Crianças que vivem na mais absoluta imediatez, no cumprimento imediato do desejo (NARODOWSKI, 2013, p. 25).

Essa ideia de infância hiper-realizada posiciona a criança como alguém nascido e, por esse fato, ainda mais imerso no universo digital ou cyber. Universo este em que, muitas vezes, a criança se faz protagonista. Infância esta que segue um projeto pensado e estruturado pelos pais, que incentivam os acessos e possibilitam aos filhos se fazerem presentes nesses meios tecnológicos.

Considerações finais

Ao finalizar o presente artigo, gostaríamos de reforçar algumas posições. A primeira delas é que percebemos o jogo eletrônico Pokémon GO como um fenômeno social e histórico que cumpre seu papel na cultura típica de nossos dias, assim como inúmeros outros artefatos que poderiam ter sido escolhidos para análise.

O nosso objetivo sempre foi o de analisar as inúmeras práticas discursivas (que fazem menção, orientam, posicionam em seus textos saberes sobre o aplicativo em si) e não discursivas (que se materializam nas ações que o jogo incita, nos deslocamentos, no envolvimento com as mídias sociais, no consumo de produtos relacionados a ele, etc), reais e virtuais que cercam esse jogo eletrônico e, por extensão, os demais que operam na mesma lógica de funcionamento e que capturam seus participantes numa grande rede de significados. Nesses espaços, circulam ideias, concepções, opiniões e comentários diversos que parecem seguir uma tendência de incentivo ou reforço ao consumo.

O que fica evidente, porém, é que o apego ao aplicativo se deu com maior força junto ao público infantil. Isso se explica pelo fato de que as vidas das crianças encontram-se constantemente atreladas às questões tecnológicas, que fazem com que suas infâncias sejam reconfiguradas e se constituam com e através de mecanismos digitais.

Somente para efeito de fechamento, nos episódios originais do desenho Pokémon[19], as crianças deixam precocemente os seus lares, despedindo-se de seus pais, e saem pelas ruas em busca de seus exemplares para treinar. Essas crianças empoderadas seguem seus caminhos em aventuras, de acordo com seus próprios critérios e escolhas. Não estaríamos percebendo esse mesmo movimento em nossas crianças, porém não na ação física e material de sair caminhando, mas através da world wide web?

Referências

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Notas

[1] http://overloadr.com.br/noticias/2016/07/aparicao-de-pokemons-raros-em-parques-dos-eua-esta-causando-enormes-debandadas/
[2] https://noticias.uol.com.br/tabloide/ultimas-noticias/tabloideanas/2016/08/22/capital-da-tailandia-cria-policia-pokemon-go-para-vigiar-avenidas.htm
[3] http://odia.ig.com.br/brasil/2016-08-09/menino-morre-afogado-apos-tentar-capturar-monstrinho-do-pokemon-go.html
[4] http://www.gazetadopovo.com.br/educacao/mec-adverte-enem-e-mais-importante-que-pokemon-go-apbf7t3e7f5qhe6e3wgc3vx43
[5] http://www.opopular.com.br/editorias/politica/pok%C3%A9mon-rattata-%C3%A9-flagrado-durante-audi%C3%Aancia-p%C3%Bablica-de-moro-na-c%C3%A2mara-1.1127281
[6] Deleuze (1990), ao comentar o conceito do filósofo Michel Foucault de dispositivo, estabelece que este é composto de linhas de natureza diferente, destacando quatro tipos: a de visibilidade, a de enunciação, a de força e a de subjetivação. Reforça ainda a ideia de que “dispositivos são máquinas que fazem ver e falar”.
[7] Ao falarmos aqui em imersão, consideramos uma aproximação com o conceito de Cadoz (1994, p. 17), quando retrata que uma experiência imersiva possibilita “ver, ouvir, tocar, manipular objetos que não existem, percorrer espaços sem localização, na companhia de pessoas que estão noutro sítio ao mesmo tempo que mantêm a convicção da realidade e da presença de uns e dos outros”.
[8] http://www.pokemongobrasil.com/como-evoluir-um-pokemon-no-pokemon-go/
[9] http://www.pokemongobrasil.com/dicas-para-chocar-ovos-mais-rapido-no-pokemon-go/
[11] Aqui evidenciamos que através da conquista de um objetivo proposto no jogo, informação esta compartilhada por todos os seus usuários (saber), o jogador passa a ocupar uma posição de destaque perante os demais (poder) e o próprio ranking de participantes do aplicativo, seguindo uma lógica de saber-poder de cunho foucaultiano.
[12] Segundo o autor, essa compressão espacial e temporal tem início com a Modernidade, na qual, através dos avanços tecnológicos, da dinâmica capitalista e de algumas descobertas da Ciência, modificam-se as relações e a forma como são pensadas essas categorias e como se materializam nas ações da sociedade. Exemplos simples seriam a velocidade de comunicação conquistada através das ondas de rádio e do telégrafo, do aprimoramento do maquinário industrial, minimizando tamanhos e diminuindo tempos de produção.
[13] O jogo Pokémon GO foi lançado no Brasil oficialmente no dia 03 de agosto de 2016.
[14] https://www.youtube.com/watch?v=bAFRlRUPaNQ
[15] https://www.youtube.com/watch?v=KOk4uQJGxEM
[16] https://canaltech.com.br/tutorial/games/como-funcionam-os-ginasios-em-pokemon-go/
[17] A mensagem foi postada no site: , inclusive proporcionando um link para denúncias a serem realizadas pelos usuários: . Acesso em: 15 dez. 2017.
[18] https://www.youtube.com/watch?v=cqQ_AWmgg30
[19] https://www.youtube.com/watch?v=e9Kmdhfe6PI&list=PLETrHCbaW7nEBLAg7tmc_WauIYpYVJFEs

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