Educação e Tecnologia
O ENSINO HÍBRIDO COMO MODALIDADE DE INTERAÇÃO ATIVA E REFLEXÃO CRÍTICA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA DOCENTE NO BRASIL
BLENDED LEARNING AS A MODALITY OF ACTIVE INTERACTION AND CRITICAL REFLECTION: A TEACHING EXPERIENCE REPORT IN BRAZIL
O ENSINO HÍBRIDO COMO MODALIDADE DE INTERAÇÃO ATIVA E REFLEXÃO CRÍTICA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA DOCENTE NO BRASIL
Texto Livre: Linguagem e Tecnologia, vol. 10, núm. 2, pp. 87-105, 2017
Universidade Federal de Minas Gerais
Recepção: 05 Março 2017
Aprovação: 09 Maio 2017
Resumo: Este artigo relata exemplos de ações na área da educação mediada por tecnologias no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos e demonstra o uso do modelo híbrido de ensino em uma disciplina do curso de Licenciatura em Letras em uma universidade particular brasileira. A pergunta que norteia o presente estudo é “esse modelo de ensino promove a interação ativa entre pares e desenvolve a competência crítica e reflexiva do grupo?”. As respostas baseiam-se nos relatos falados dos alunos da disciplina e na análise crítica reflexiva da prática pedagógica das autoras, apoiadas em percepções teóricas de diferentes especialistas da área. Para dar conta da vivência de ensino propriamente dita, o artigo apresenta uma unidade didática sobre o uso do inglês acadêmico para o gênero monografia, as produções feitas pelos discentes e comentários formativos dado pelas professoras-autoras. É importante destacar que a avaliação dessa experiência docente resultou na satisfação dos alunos, pois promoveu o respeito ao ritmo de cada um e favoreceu a autonomia e a autoestima. Dentre as limitações, percebeu-se que um questionário de avaliação escrita da disciplina seria fundamental para que detalhes acerca desse modelo híbrido possam servir de base para futuros grupos de alunos, preservando suas diferentes necessidades e formas de aprendizagem.
Palavras-chave: educação e tecnologia, ensino híbrido, unidade didática, interação, competência crítica.
Abstract: This paper reports examples of technology-mediated actions in education in Brazil, Europe and in The United States, and it demonstrates the use of the blended learning model while teaching a discipline offered in an Undergraduate Course of Modern Languages in a Brazilian private university. The question that guides the present study is “does this teaching model promote active interaction between peers and develop critical and reflective competence of the group?”. The answers are based on students’ narratives and reflexive critical analysis of the teaching practice of the authors, relying on theoretical perceptions of different specialists on the field. In order to account for the teaching experience itself, the article presents a didactic unit on the use of academic English to the monography genre, the work provided by the students, and the formative feedback given by the teachers-authors. It is important to emphasize that the assessment of this teaching experience resulted in student satisfaction, as it promoted respect for the rhythm of each one of the scholars and benefited the autonomy and self-esteem. Among its limitations, it was noticed that a written questionnaire to evaluate the discipline would be crucial to make the details of the hybrid model serve as a basis for future groups of students, preserving their different needs and ways of learning.
Keywords: education and technology, blended learning, didactic unit, interaction, critical competence.
1 Introdução
Este artigo possui dois objetivos principais: discorrer criticamente sobre exemplos de ações na área da educação mediada por tecnologias que vêm sendo realizadas no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos e demonstrar o uso do modelo do ensino híbrido (nosso foco aqui) em uma disciplina do curso de Licenciatura em Letras – com habilitação em língua inglesa – em uma universidade particular brasileira[1] localizada na cidade de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. A pergunta norteadora dessa vivência docente é “esse modelo de ensino promove a interação ativa entre pares e desenvolve a competência crítica e reflexiva do grupo?” Responderemos a essa questão por meio dos depoimentos falados dos alunos da disciplina e da análise crítica reflexiva da nossa prática pedagógica, apoiando-nos em percepções teóricas de diferentes especialistas da área.
Relatos sobre essa vivência se justificam à medida que a presença de tecnologias cada vez mais modernas e interativas têm promovido constante atualização profissional nas diferentes áreas do conhecimento e consequente transformação da sociedade contemporânea. O uso de recursos computacionais tornou-se suficientemente disseminado para que a questão de sua utilização na educação, de um modo geral, e no ensino da língua inglesa em particular, passasse a ter uma atenção constante entre pesquisadores, educadores e professores (PERNA et al., 2010).
Para o primeiro objetivo, utilizaremos a experiência de especialistas tais como Rocha (2001), Gomes (2005), Assis França (2012), Horn e Staker (2015), Moran (2015) e); para o segundo objetivo, contaremos com os aportes teóricos de Zanón (1990) e Hurtado-Albir (2005), que acreditam no ensino baseado em tarefas e estruturado em unidades didáticas de aprendizagem, independentemente dos conteúdos a serem desenvolvidos no contexto educacional. E, para a análise de nossa experiência em sala de aula, faremos uso das importantes contribuições sobre a construção coletiva do conhecimento compartilhadas por Dziekaniak e Rover (2011) e Lévy (2015).
Ao ponderarmos sobre essas colaborações, discutimos sobre a importância do entendimento dos fenômenos subjacentes ao ato de ensinar a pensar criticamente. Esse entendimento, tal como posto aqui, poderá beneficiar educadores interessados em adotar e/ou adaptar prática semelhante no contexto educacional do qual fazem parte, salvaguardadas as idiossincrasias nele existentes.
Com referência à vivência de ensino propriamente dita, apresentaremos uma unidade didática sobre o uso do inglês acadêmico para o gênero monografia, incluindo objetivos gerais, objetivos específicos, três tarefas presenciais e três tarefas a distância. Além disso, mostraremos produções feitas pelos discentes[2], incluindo as avaliações entre os pares, o feedback (“resposta”) formativo dado pelas professoras-autoras e a percepção crítica da pergunta norteadora, apontando pontos favoráveis e limitações da experiência.
O texto está organizado da seguinte maneira: a segunda seção, denominada “A Educação mediada por tecnologias (com ênfase no ensino híbrido) nos contextos educacionais brasileiro, europeu e americano”, relatamos e ponderamos sobre exemplos concretos de uso de modalidades de ensino dessa natureza na educação primária, secundária e terciária; na terceira seção, intitulada “A aplicação do ensino híbrido para alunos de licenciatura em Letras: uma experiência positiva?”, discorremos, de forma reflexiva, sobre a metodologia de utilização do ensino híbrido, permeado pela instrução baseada em tarefas, na disciplina de Inglês para Fins Acadêmicos para estudantes do sétimo semestre do curso de Letras; na quarta seção, sob o nome de “Retomada da experiência: considerações finais”, respondemos à questão norteadora dessa pesquisa com base nos pressupostos teóricos discutidos e na análise da prática educacional descrita na terceira parte, refletindo sobre os pontos que consideramos positivos e aqueles que acreditamos serem passíveis de futuro aprimoramento.
2 A educação mediada por tecnologias – com ênfase no ensino híbrido – nos contextos educacionais brasileiro, europeu e americano
Das tendências metodológicas educacionais contemporâneas, uma das mais consolidadas e importantes no século XXI é o ensino híbrido, pois suas práticas oferecem aos alunos acesso a um aprendizado envolvente e eficiente, focado às suas necessidades e interesses, mesclando tecnologia e ensino personalizado. Derivado do e-learning (“aprendizado via meio eletrônico”), o ensino híbrido refere-se a um sistema de formação no qual parte dos conteúdos é disponibilizado virtualmente, normalmente pela internet, e parte inclui necessariamente situações presenciais, dando origem à designação híbrida. Como explicita Gomes:
O conceito de e-learning pode também estar associado a uma complementaridade entre atividades presenciais e atividades a distância tendo por suporte os serviços e tecnologias disponíveis na internet (ou outra rede). Neste outro cenário, existe uma articulação prevista e concebida previamente entre as atividades em regime presencial e as atividades on-line. Nesta perspectiva, determinadas unidades de ensino podem ser abordadas presencialmente e outras, a distância ou, dentro de uma mesma unidade, certos componentes podem ser explorados em sala de aula (ou laboratório) e outros podem ser explorados a distância com base nos recursos da Internet/web. Nos contextos deste cenário de formação, o e-learning permite a integração de módulos ou atividades on-line em modelos de formação mistos, ou seja, modelos que incorporam um componente de formação on-line e um componente de formação presencial (por vezes também designados de blended learning) (GOMES, 2005, p. 234).
Através da união do ensino presencial ao virtual, dentro e fora do âmbito escolar (representado esquematicamente na Figura 1), os alunos são expostos a diversas situações de aprendizagem. De acordo com esse método, busca-se a personalização do ensino, com e sem o apoio docente, alternando momentos em que os alunos estudam virtualmente e/ou presencialmente, sozinhos e/ou em grupos. Por intermédio dessa integração, passam a ter acesso a um aprendizado que, além de respeitar suas necessidades e interesses, preocupa-se com seu próprio ritmo de assimilação do conteúdo. Os encontros presenciais são importantes aos alunos à medida que contribuem para dirimirem suas dúvidas, socializarem ideias construídas previamente e aprofundarem conceitos por meio da troca de saberes entre professor-aluno e aluno-aluno.
Horn e Staker (2015) complementam e atualizam a definição de Gomes (2005), alertando para o fato de que, ainda hoje, exista uma incompreensão sobre o conceito e aplicação do ensino híbrido nos ambientes educacionais:
Ensino híbrido é fundamentalmente diferente da tendência muito mais ampla de equipar as salas de aula com dispositivos e programas de computador, mas é facilmente confundida com ela. O uso comum do termo “ensino híbrido” nos círculos educacionais pelos meios de comunicação sofre de um problema de “ênfase aos extremos”. As pessoas usam o termo de forma demasiadamente ampla, para se referir a todos os usos da tecnologia na educação [“edtech”] que se acumulam em uma sala de aula, ou demasiadamente restrita, para indicar apenas os tipos de aprendizagem que combinam o on-line e o presencial e com a qual têm mais afinidade (HORN; STAKER, 2015, p. 34, grifo dos autores).
Por conta dessa realidade, Horn e Staker (2015, p. 34-35) apresentam três definições para esse modelo de ensino: a) qualquer programa educacional formal no qual um estudante aprende, pelo menos em parte, por meio do ensino online, com algum elemento de controle do estudante sobre o tempo, o lugar, o caminho e/ou o ritmo; b) o estudante aprende, pelo menos em parte, em um local físico longe de casa; c) as modalidades, ao longo do caminho de aprendizagem de cada aluno em um curso ou matéria, estão conectadas para fornecer uma experiência de aprendizagem integrada.
O ensino híbrido, independentemente do conceito adotado, é visto como um facilitador da aquisição e socialização do conhecimento e vem sendo promovido não somente nas escolas de ensino fundamental e/ou médio, mas também nas instituições de ensino superior mundo afora.
No Brasil, vários projetos têm sido desenvolvidos para ampliar, qualificar e consolidar o ensino mediado pelas tecnologias – com foco no ensino híbrido – nos diversos níveis escolares. Dentre eles, vale mencionar a Escola Digital[3] – plataforma para o ensino fundamental e médio – que reúne mais de 6 mil recursos digitais de aprendizagem e fomenta a criação e o compartilhamento de conhecimento entre docentes, estudantes e gestores escolares das redes de ensino de sete estados e de sete municípios. O setor de comunicações da Escola Digital informou, através do Censo Escolar organizado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), que 16.759 escolas, 1.220.626 professores e 8.902.582 estudantes se beneficiam, atualmente, desse programa em todo o país.
Além de enriquecer e dinamizar as práticas pedagógicas e dar apoio aos alunos que queiram aprofundar seus estudos, o objetivo principal da Escola Digital é permitir que familiares ou responsáveis interessados em participar da educação de seus filhos também tenham acesso aos conteúdos educacionais virtuais. Maria Slemenson (2013, s/p), gestora do projeto, salienta que
além do acesso aos conteúdos multimídia, a Escola amplia as fontes de pesquisa de qualidade, traz o aprendizado com linguagem adequada ao perfil de cada um e permite o avanço dos estudos em ritmos diferentes. Para os professores, traz maior facilidade e dinâmica na preparação das aulas, deixando mais tempo para que possam atuar como mediadores e promotores do debate, direcionando o ensino.
Corroborando as ideias de Slemenson, Anna Penido (2016, s/p), diretora do Instituto Inspirare (um dos institutos responsáveis pela criação da Escola Digital), afirma que “a Escola estimula a personalização e permite que cada estudante encontre a própria forma de aprender, preparando as novas gerações para a vida”. Ainda, segundo ela, “a iniciativa abre uma porta qualificada para que possamos promover uma transformação mais profunda na educação no Brasil, de forma simples, democrática e inovadora”. Penido acredita que as novas soluções educacionais de base tecnológica abrem espaço para provocar uma mudança mais profunda nos processos de ensino e aprendizagem para que respondam melhor aos interesses e às necessidades dos alunos do século XXI.
Outro projeto que estimula a participação de gestores, professores e estudantes brasileiros é o ProInfo Integrado[4], programa de educação continuada voltado para o uso pedagógico das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na escola e responsável pela distribuição dos equipamentos tecnológicos e oferta de conteúdos digitais por meio do Portal do Professor, da TV Escola e DVD Escola, do Domínio Público, do Banco Internacional de Objetos Educacionais e do projeto Um Computador por Aluno (UCA)[5]. Outro objetivo do ProInfo Integrado é o de “trazer uma reflexão sobre o impacto das tecnologias digitais nos diversos aspectos da vida e, principalmente, no ensino” e o de “compreender o potencial pedagógico de recursos das TICs no ensino e na aprendizagem em seus contextos escolares vivenciados por gestores e professores da rede pública estadual e municipal”.
Para tanto, e como forma de promover a contínua capacitação e aprimoramento digitais, a Secretaria de Estado da Educação (Seed) oferece vários cursos de curta duração aos profissionais da educação. Dentre esses, há o de Introdução à Educação Digital, Elaboração de Projetos, Redes de Aprendizagem (cultura digital) e do Projeto “Um Computador por Aluno” (UCA), este último contando com a participação de Universidades Federais, Secretarias de Educação e Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE). O UCA prepara os participantes para a elaboração de atividades digitais que proporcionem um melhor entendimento de suas potencialidades e maior aproveitamento escolar.
Muito embora inúmeras ações visando a inclusão digital têm sido tomadas, ela ainda está em implantação em diversos estados e municípios do país, tendo em vista sua extensão (mais de 8 milhões de km), diversidade geográfica e cultural. Além disso, vale salientarmos que o processo de inclusão vem sofrendo vários ajustes em sua implantação por conta dessa diversidade e do resultado de pesquisas feitas por especialistas em educação, dentre eles o de Assis França (2012), o qual mostra os pontos positivos e deficitários desse processo no estado brasileiro do Pará. Um aspecto negativo citado pela autora é:
Há um sentimento de identificar como autoritárias as ações de implementação. Os professores não se sentiram incluídos nesse processo, salientando que não foram chamados para pensar as ações e sim para as executar. Esse fato pode, novamente, ser confirmado como negativo, pois dificultou que os professores tivessem acesso ao projeto e pudessem contribuir com ele através da sua experiência e conhecimento sobre o cotidiano da escola (ASSIS FRANÇA, 2012, p. 79).
Nesse sentido, destacamos a importância da presença ativa dos professores na tomada de decisões didático-pedagógicas juntamente com seus gestores diretos e indiretos, pois são os que mais conhecem a realidade escolar e o contexto educacional no qual seus alunos estão inseridos. Quanto maior a troca de experiências entre os sujeitos da ação pedagógica, melhores as chances de obtermos resultados construtivos.
Outro aspecto desafiador enfrentado no contexto educacional é a dificuldade, ainda existente, na adoção de metodologias essencialmente ativas, no universo digital, que visem o rompimento de práticas pedagógicas conservadoras, recorrentes e acríticas. Mesmo contando com programas de inclusão digital promovidos pelo governo e por empresas imbuídas dessa missão, é a concepção educacional que o professor e as instituições de ensino possuem que influi diretamente na melhoria da qualidade de ensino e numa melhor interação e comprometimento dos jovens estudantes brasileiros. Uma concepção contemporânea no modo de ensinar, ou seja, mais flexível e aberta, propicia um avanço nas potencialidades das relações dialógicas através das tecnologias: de nada adianta o acesso a computadores se estes serão utilizados apenas para apresentar material tradicional típico de livros de exercícios. Utilizado dessa forma, a tecnologia tende a se tornar um recurso de eficácia duvidosa e valor educacional discutível (ROCHA, 2001).
No que se refere à adoção de tecnologia na educação terciária, o ensino híbrido é a grande aposta para a geração de conhecimento e novas ideias (MNC Horizon Report de 2015[6]). Um trecho do relatório faz a seguinte afirmação:
Recentes desenvolvimentos de modelos de negócios para universidades estão apostando mais em inovação nestes ambientes digitais; considera-se que, agora, estejam prontos para gerar novas ideias, serviços e produtos (MNC HORIZON REPORT, 2015 HIGHER EDUCATION EDITION, 2015, p. 16, tradução nossa).
Na Europa, a Universidade de Glasgow lançou o E-Learning Strategy 2013-2020, um documento que delineia as melhores práticas e aumenta o escopo e a acessibilidade dos métodos de aprendizagem online para adoção pelo corpo docente. Dentre as prioridades, encontra-se o uso de um ambiente virtual flexível que incorpora características interativas para a socialização da aprendizagem entre os alunos.
Avanços nesse campo exigirá liderança visionária permanente. A Rede Europeia de Aprendizagem Eletrônica e a Distância (The European Distance and E-Learning Network, EDEN) consiste em 200 instituições e foi fundada para socializar o conhecimento e as melhores práticas por todo o continente. A EDEN está atualmente promovendo uma série de iniciativas que promovem o uso de tecnologias e pedagogias para a educação online e, por sua vez, a híbrida, incluindo as Políticas para a Captação de Recursos Educacionais Abertos (Policies for OER Uptake, POERUP), que se concentram na integração desse tipo de recurso na aprendizagem.
Percebe-se, gradativamente, uma tendência à valorização do ensino mediado por tecnologias devido à flexibilização, facilidade de acesso, integração de tecnologias sofisticadas e melhoria da qualificação dos profissionais envolvidos com esse tipo de atuação educacional em todo o mundo.
Nos Estados Unidos, estudos recentes conduzidos pelo Babson Research group[7] revelaram que 7.1 milhões de alunos se matricularam em alguma modalidade de ensino online. Pesquisadores das Universidades da Flórida Central e de Illinois, por exemplo, compararam os modelos presenciais, híbridos e inteiramente online e descobriram que os híbridos foram mais eficazes dentre as três modalidades. De acordo com relatos dos estudantes, a comunicação era mais incentivada no ambiente virtual e a interação entre eles e o professor era mais intensa. Os pesquisadores também relataram que os benchmarks (“pontos de referências”) apontados, no momento da avaliação dos cursos, foram clareza, profundidade, unidade, ênfase, fluidez, economia e precisão. As instituições e professores acabaram compreendendo que todas as oportunidades de aprendizagem necessitam incluir cada uma dessas características em seus cursos.
No que diz respeito à forma como os programas podem ser efetivamente gerenciados e organizados em nível departamental e institucional, a Universidade do Estado da Califórnia (California State University, CSU), em Sacramento, publicou suas próprias políticas. Dentre elas, a padronização da avaliação dos cursos online, a fim de espelhar o tipo de avaliação realizada na modalidade presencial; além disso, todos os recursos online deverão respeitar as políticas atuais da CSU para melhorar a acessibilidade, por exemplo, de alunos com necessidades especiais.
O desafio para os gestores da educação superior nos próximos anos será o de refletir sobre como podem oferecer os cursos híbridos de forma efetiva, descobrindo formas de estimular atividades sociais e o pensamento crítico nos momentos virtuais, assim como fariam nos encontros presenciais. Além disso, precisarão continuar a dar conta das necessidades individuais de aprendizagem e refletir profundamente na possibilidade de imitar os tipos de interações vividas pelos aprendizes em um ambiente presencial. Nesse sentido, muitas Instituições de Ensino Superior (IES) reconhecem a necessidade de estabelecerem diretrizes com o objetivo de elaborar políticas palpáveis de concretização desse desafio. Acreditamos que a demanda por mais oportunidades de aprendizagem acessível está posta, e são mínimas as chances de haver uma reversão nesse sentido, sendo a combinação da instrução online e presencial (o modelo híbrido de ensino) a modalidade mais utilizada por muitas IES no mundo.
Sabemos, no entanto, que ainda há muito o que fazer para que o modelo híbrido seja, efetivamente, adotado por instituições mundo afora. Naturalmente, não esgotamos todas as formas de busca por informações mais detalhadas sobre o assunto, visto que esse não é o único objetivo do presente artigo. Nossa intenção foi a de oferecer ao leitor considerações acerca de um conjunto de ações mediadas por tecnologia, no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos, que incluíssem o ensino híbrido como uma importante modalidade de instrução, cujo exemplo concreto será demonstrado na próxima seção.
3 A aplicação do ensino híbrido em uma disciplina de licenciatura em Letras: uma experiência positiva?
Esta seção trata do panorama geral da disciplina, do plano de aula em forma de Unidade Didática de Ensino (UDE), das produções dos alunos, das considerações acerca destas produções e da análise reflexiva sobre a experiência vivida. A intenção é responder, ao final deste artigo, a pergunta feita no início do texto, qual seja, “esse modelo de ensino promove a interação ativa entre pares e desenvolve a competência crítica e reflexiva do grupo?”.
Corroboramos as ideias de Moran (2015) quando salienta que a tecnologia traz hoje a integração de todos os espaços e tempos e que o ensinar e aprender acontece numa interligação simbiótica, profunda, constante entre o que chamamos de mundo físico e mundo digital. O autor complementa:
Não são dois mundos ou espaços, mas um espaço estendido, uma sala de aula ampliada, que se mescla, hibridiza constantemente. Por isso a educação formal é cada vez mais blended, misturada, híbrida, porque não acontece só no espaço físico da sala de aula, mas nos múltiplos espaços do cotidiano, que incluem os digitais (MORAN, 2015, p. 16).
Essa mescla, entre sala de aula e ambientes virtuais torna-se fundamental para a consolidação dessa modalidade de ensino. Destacamos que nossa intenção ao tratarmos desse tema e mostrarmos as interações entre os espaços do saber mediados pelos discentes é a de promover uma autocrítica, especificando aspectos que foram positivos e sugerindo melhorias. Entendemos que nossa experiência não seja idêntica àquela experienciada por pares, visto que existem variáveis que tornam a vivência de cada professor única e intransferível. Nesse aspecto, quanto mais compartilharmos nossos acertos, dificuldades e limitações, mais teremos chances de aprimorarmos nossa forma de ensinar e a nossa relação – híbrida – com nossos alunos.
3.1 Panorama geral da disciplina
A disciplina de Língua Inglesa VII do curso de Licenciatura em Língua Inglesa[8] apresenta como eixo temático o tópico Inglês para Fins Acadêmicos, o qual intenta promover uma compreensão crítica sobre o universo da linguagem acadêmica, tendo em vista a necessidade dos alunos partícipes de escreverem seus projetos de monografia e de terminarem, no semestre posterior, seus Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs). Como são quasi-formandos, tiveram a oportunidade de trabalhar aspectos da produção de textos acadêmicos em língua inglesa nas disciplinas ofertadas em níveis anteriores, tais como Leitura e Produção Textual em Língua Inglesa I, II e III e Produção de Textos Acadêmicos. A proposta de repetição do tema para a Língua Inglesa VII torna-se importante por analisar a escrita acadêmica dos alunos in vivo, ou seja, em contexto real de uso e com propósitos concretos de produção. A reescritura orientada de trechos de seus TCCs, em aulas de língua, tem gerado produções de boa qualidade, tanto nas áreas de ensino e linguística como na de literatura, além de auxiliar o professor-orientador na complexa tarefa de supervisão desses trabalhos finais.
Inglês para Fins Acadêmicos trata do aprofundamento do conhecimento sobre as peculiaridades do inglês acadêmico – gênero monografia – por meio de conteúdo específico tais como a configuração desse tipo de linguagem em língua inglesa; a revisão de estruturas linguísticas e do vocabulário inerente a esse contexto sociodiscursivo; ao uso de corpora (“textos compilados”) eletrônicos[9] como auxílio na produção de textos e a análise crítica da própria produção e a dos pares.
Podemos dizer que essa disciplina, de 60 horas-aula, configura-se como ensino híbrido, um programa flexível e voltado para as necessidades do grupo com sessões presenciais (50%) e virtuais (50%) de aprendizagem e de complementação e finalização de trabalhos.
O ambiente virtual de aprendizagem (AVA) escolhido foi o wiki e a plataforma utilizada foi a PBWorks[10]. Os wikis, de livre acesso ou pagos, se constituem de páginas da web, que podem ser facilmente acessadas e editadas[11]. A estrutura pedagógica de cada página, por meio de UDEs, neste caso específico, permite que os estudantes reflitam, discutam, comprometam-se nas atividades, leiam e releiam criticamente textos-chave. Cada página consiste de uma Unidade, que possibilita o acesso a tarefas reflexivas destinadas a estabelecer o entendimento de assuntos centrais e o desenvolvimento de habilidades para um aprofundamento do tema (produção de monografias em língua inglesa).
Entendemos a produção escrita como processo e produto, e a avaliação como formação construtiva com vistas ao desenvolvimento do progresso do aluno ao longo do semestre. Nesse sentido, há de se considerar o universo envolvido para a submissão de um texto acadêmico que atenda às exigências sociodiscursivas e específicas de estruturação e de formatação, dentre outras, do Programa de Graduação da Faculdade de Letras da qual fazemos parte. Por fim, salientamos que um olhar cuidadoso sobre o processo de construção de textos incentiva a formação de bons escritores acadêmicos e, consequentemente, de bons comunicadores e socializadores de ideias.
3.2 A Unidade Didática de Ensino (UDE)
Nesta seção, apresentamos um exemplo, a título de ilustração, de atividades efetivamente aplicadas em sala de aula e realizadas por uma aluna, escolhida aleatoriamente dentre os 28 matriculados, ao longo do segundo semestre de 2015. Levando em consideração a quantidade de tarefas produzidas pelo grupo (cerca de dez por aluno), disponibilizaremos apenas uma amostra da dinâmica conduzida[12]. O número total de tarefas a serem solicitadas para os alunos dependerá de vários fatores, dentre eles, do tamanho do grupo, da disponibilidade do professor em atender a uma demanda maior ou menor de tarefas produzidas, da profundidade na qual cada assunto será discutido e avaliado, do interesse e da necessidade dos alunos por determinados temas em detrimento de outros e da possibilidade de auxílio de monitores.
Entendemos que o enfoque por tarefas (HURTADO-ALBIR, 2005; ZANÓN, 1990), nossa base didática, encontra no modelo híbrido uma fonte quase que inesgotável de aplicação e consolidação de saberes. Esse tipo de enfoque concentra-se nos alunos, considerando-os protagonistas do ato didático e permitindo um modelo flexível de currículo, capaz de adaptar-se a diversas situações de ensino em função das necessidades dos estudantes e possibilitando a modificação dos objetivos gerais e específicos.
Desse modo, consideramos que o desenho de um curso nesse formato consista no sequenciamento de tarefas, que se constituem em unidades didáticas de aprendizagem, as quais organizam o processo de aprendizagem. As características de uma tarefa, conforme Zanón (1990), são as seguintes: i) ser representativa de processos de comunicação na vida real; ii) ser passível de identificação como unidade de atividade durante a aula; iii) estar dirigida intencionalmente ao aprendiz; e iv) estar desenhada com um objetivo, uma estrutura e uma sequência de trabalho.
Nesse sentido, a aplicação do tipo de ensino que propomos trata do aprofundamento da escrita para fins acadêmicos através da elaboração de uma proposta didática baseada em tarefas e centrada no aprendiz, inspirada no modelo de unidade apresentado por Hurtado-Albir (2005). Seu modelo está baseado em uma pedagogia centrada no acompanhamento de processos e reforça uma metodologia viva, na qual o aluno não apenas aprende fazendo e capta princípios, como também aprende a resolver problemas e adquire estratégias próprias de aprendizagem, que são, inequivocamente, premissas do ensino híbrido.
Exemplificamos, a seguir, nos Quadros 1 e 2, a estrutura de uma UDE e a estruturação de uma tarefa, propostas pela autora:
Unidade:Objetivo Específico: |
Estruturação da Unidade:Tarefa 1:Tarefa 2:Tarefa 3:Tarefa Final: |
Estruturação de cada tarefa |
Objetivos:Materiais:Desenvolvimento da tarefa:Avaliação:Comentários: |
Tomando como base esta estrutura, mostramos, a seguir (Tabela 1), a Unidade Didática de Inglês Acadêmico (UDIA) que escolhemos para demonstrar um recorte do desenho ementário curricular da disciplina de Língua Inglesa VII. Para esta Unidade, elencamos os objetivos gerais e específicos, incluindo, nessa amostra, as tarefas de revisão da sintaxe e do vocabulário, tendo como base material escolhido pelas professoras em conjunto com os alunos; a análise crítica da própria produção e a de pares; e a revisão e edição dos textos produzidos. Essas tarefas constituem uma parcela da parte aplicada de uma gama de conteúdos estabelecidos em conjunto com os alunos no primeiro dia do semestre. Preferimos utilizar um tipo diferente de estruturação da tarefa, do que a apresentada no quadro 2, inserindo as informações sobre avaliação, materiais e desenvolvimento das tarefas no conteúdo programático geral.
A seguir, descrevemos a Unidade, comentamos sobre a produção de uma aluna e analisamos a experiência vivenciada nesse contexto específico com base no aporte teórico escolhido. (Error 1: La referencia , debe estar ligada) (Error 2: El tipo de referencia , es un elemento obligatorio) (Error 3: No existe una URL relacionada)
3.2.1 Unidade Didática de Inglês Acadêmico (UDIA)
Objetivos Gerais | Aprofundar o conhecimento sobre as peculiaridades do inglês acadêmico. |
Objetivos Específicos | Analisar criticamente os próprios textos e os dos colegas. Revisão da sintaxe, do vocabulário e uso adequado da linguagem. |
Tarefa 1(Presencial) | Leia sobre a anatomia de um trabalho acadêmico em aula[13]. Discuta, com o colega ao lado, sobre os pontos que mais chamaram sua atenção. Poste esses pontos na sua página do wiki. |
Tarefa 2(A distância) | Assista ao vídeo no endereço <https://www.youtube.com/watch?v=SNJAMxiOmkU>. Escreva os pontos principais mencionados pelo professor-palestrante sobre o uso do inglês acadêmico. |
Tarefa 3(A distância) | Escreva um trecho de seu projeto de monografia. Revise-o cuidadosamente e faça a análise e avaliação de seu texto, observando as orientações discutidas na sala de aula e acessadas previamente. Procure pelos pontos positivos, salientando-os e sugira alterações de partes que julgues necessárias. Poste essa tarefa na sua página do wiki. |
Tarefa 4(Presencial) | Solicite para um colega avaliar seu texto e vice-versa. Procure pelos pontos positivos e sugira melhorias na escrita, caso houver necessidade. |
Tarefa 5(A distância) | Complemente seu texto, adicionando detalhes que julgue importantes. Uma sugestão seria responder à pergunta “Quais outras informações importantes precisaria incluir para que meu texto funcione como um resumo inteligível para o leitor? ” (Duas páginas). |
Tarefa 6(Presencial) | Solicite a um colega que revise o seu texto (e vice-versa) e avalie-o, utilizando como orientações as perguntas abaixo[14]. Lembre-se: quanto mais detalhes fornecer, melhores serão as chances de socializar seu conhecimento e opinião crítica com o outro.Grammar and Editing (Yes/No):1. Correct verb tenses?2. Careful choice of vocabulary and sentences?3. Typing and spelling errors?The body:1. Does each paragraph have a topic sentence?2. If so, how did you like it? Circle the answer that best fits your text production.Very good/Good/Regular/Poor - Give reasons for your choice.3. Does the text moves smoothly from one point to another?Very good/Good/Regular/Poor - Give reasons for your choice. |
3.2.1.1 Aplicação da UDIA com comentários
Demonstramos, a seguir, as tarefas 2 e 6 da unidade didática, realizadas por uma aluna, na modalidade híbrida.
Tarefa 2 (vide Quadro 3):
Resposta da aluna:
Os pontos que mais me chamaram a atenção na palestra do Dr. Beach foram:
a. Cuidar a concordância substantivo-pronome. Exemplo: na frase A person should know their field of work, a person poderia ser substituído por his/her ou one's. No entanto, uma maneira melhor de fazer esse tipo de concordância seria colocar o substantivo no plural (People) e utilizar they como pronome substituto.
b. Utilizar os tempos verbais do passado simples e do presente perfeito ao relatar pesquisas já conduzidas.
c. Ser consistente e claro, dentre as muitas qualidades que devem ser valorizadas na produção de um texto acadêmico.
Tarefa 6 (vide Quadro 3):
Apresentamos, abaixo, alguns segmentos do texto original da mesma aluna (primeira versão), revisados por um colega seu, que destacou (em amarelo) partes a serem melhoradas e fez sugestões (em azul), similares àquelas feitas paralelamente pelas professoras. Os comentários adicionais (em roxo) foram indicados apenas pelas professoras.
Após as sugestões dadas, a aluna melhorou significativamente tanto os aspectos microtextuais quanto os macrotextuais (coesão, coerência) do texto (na íntegra), como veremos no quadro abaixo (Quadro 4). Relatou que a experiência de ter o seu trabalho avaliado por um colega tornou o processo de avaliação mais leve e que o olhar dos pares a auxiliou na compreensão das suas limitações. Comentou, ainda, que a utilização da modalidade virtual para esse tipo de tarefa promoveu a autoconfiança e o respeito ao seu ritmo de assimilação dos conteúdos.
Outros alunos apresentaram problemas de sintaxe semelhantes aos dessa aluna, embora o grupo tenha concluído satisfatoriamente as disciplinas de produção textual de semestres anteriores. Ao serem questionados sobre essas inadequações, comentaram que, por mais que revisassem e editassem seus textos, alguns segmentos não eram melhorados devido à interferência ainda presente da língua portuguesa nas suas criações em língua inglesa. Salientaram que interações como as que estavam vivenciando, inseridas numa modalidade híbrida, deveriam ser adotadas desde o primeiro semestre do curso, visto que proporcionaram ao grupo formas diferenciadas de interação entre pares, de construção da autonomia, da consolidação gradual da autocrítica e da de pares e do gerenciamento de seu tempo de estudo.
No que diz respeito às tarefas propriamente ditas, não há como negar a estreita relação entre teoria e prática em situações reais de uso da língua/linguagem. Torna-se fundamental oportunizar, aos alunos, de forma presencial e virtual, instrumentos que favoreçam a análise linguística como, por exemplo, a extração automática de expressões mais recorrentes de um determinado domínio encontradas em corpora (“textos compilados”), para que os auxiliem a produzir textos mais fluídos e naturais, próximos aos textos gold standard (“padrão-ouro”) produzidos por indivíduos com proficiência escrita. Quanto mais proporcionarmos exercícios de reflexão sobre as características de um bom texto e momentos de reedição dos textos produzidos, maiores as chances de se aproximarem do contexto sociodiscursivo, do modus dicendi adequado em suas produções.
4 Retomada da experiência: considerações finais
Nesta seção, refletiremos sobre a questão norteadora dessa vivência didático-pedagógica, qual seja, esse modelo de ensino promove a interação ativa entre pares e desenvolve a competência crítica e reflexiva do grupo?
Responderemos à pergunta em três etapas distintas. A primeira, levará em consideração os depoimentos orais dos estudantes feitos no último encontro do semestre. A segunda, discorrerá sobre os pensamentos críticos de estudiosos da contemporaneidade, tais como Dziekaniak e Rover (2011), Morin (2011), Horn e Staker (2015) e Lévy (2015), reforçando os pontos positivos da experiência docente. A terceira e última, tratará das limitações desse estudo, com vistas ao aprimoramento do ensino que promovemos no curso de Licenciatura em Língua Inglesa da .
Os estudantes partícipes da disciplina de Língua Inglesa VII avaliaram essa forma híbrida de ensino proveitosa e gratificante. Comentaram que respeita o ritmo de cada aluno, dentro de prazos pré-estabelecidos com o grupo (normalmente semanais e quinzenais), promove a autonomia e a autoestima. Esta última, por se darem conta do seu progresso gradual por meio de uma avaliação formativa, componente indispensável e indissociável da prática pedagógica, em que múltiplas funções se consubstanciam na orientação e regulação do processo ensino-aprendizagem.
Como os estudantes tinham acesso aos conteúdos postados por todos os seus colegas, houve uma frequente socialização de conhecimento assim como uma conscientização sobre a importância da produção de um trabalho sólido, pelo menos nos limites de suas possibilidades e potencialidades, para que pudesse ocorrer uma troca potencialmente positiva entre os pares.
Nesse sentido, Lévy (2015), fala de uma inteligência coletiva, distribuída em rede, por toda a parte e incessantemente valorizada. Essa noção reconhece as inteligências individuais, somando-as, compartilhando-as e potencializando-as. Trata-se de pensar no outro e em nós mesmos como fontes recíprocas de conhecimento, dado que, de acordo com Morin (2011, p. 47), “o sujeito isolado fecha-se nas insuperáveis dificuldades do solipsismo”.
Não obstante, para que os membros estejam aptos a participar dessa rede, contribuindo ativamente na captação, produção e participação dos saberes, é preciso que estejam motivados para tal. Não é nosso objetivo explorar a questão da motivação nesse e para esse tipo de ensino; entretanto, vale mencioná-la para ajudar a conscientizar professores e alunos sobre a árdua tarefa de manter uma disciplina dinâmica e atraente, com baixo grau de inadimplência e alto nível de interação entre os participantes.
Corroboramos os pensamentos de Morin (2011) e Lévy (2015) ao acreditarmos que docentes e discentes envolvidos nessa forma de ensino se beneficiam de uma educação diferenciada e customizada, cujos princípios norteadores estão baseados no compromisso, na ética, na responsabilidade individual e coletiva, na socialização dos saberes, na tolerância quanto a opiniões divergentes e na construção de um conhecimento que satisfaça aquele determinado grupo de pessoas.
Ainda, de acordo com Lévy,
A prosperidade das nações, das regiões, das empresas e dos indivíduos depende de sua capacidade de navegar no espaço do saber. A força é conferida de agora em diante pela gestão ótima dos conhecimentos, sejam eles técnicos, científicos, da ordem da comunicação ou derivem da relação ‘ética’ com o outro. Quanto melhor os grupos humanos conseguem se constituir em coletivos inteligentes, em sujeitos cognitivos, abertos, capazes de iniciativas, de imaginação e de reação rápidas, melhor asseguram seu sucesso no ambiente altamente competitivo que é o nosso (LÉVY, 2015, p. 19).
As pessoas na sociedade do conhecimento devem ter formação crítica e entender qual informação possui fonte fidedigna, para estarem aptos a encontrar a informação que procuram e produzirem informação para ser consumida, interpretada e criticada por terceiros, em um movimento de troca, colaboração e complementação de conhecimentos. No sentido em questão, ressaltamos que a participação dos alunos na decisão sobre quais materiais utilizaríamos como base para suas produções foi enriquecedora, pois contribuiu para a elevação de sua autoestima conforme apontado por Dziekaniak e Rover (2011). Os autores salientam que o papel do professor deve ser o de mediador e interlocutor educacional, pois espera-se dele “uma atitude que instigue seus alunos a trilharem caminhos na busca pela autoconfiança, autoestima e autoaprendizagem”. Além disso, corroboramos a ideia de que “a liberdade e propriedade de expressão, baseadas em argumentações sólidas para a construção do criticismo, têm o poder de consolidar uma sociedade do conhecimento. Sendo assim, entendemos que seus partícipes se tornem pessoas responsáveis pelo outro, além de si mesmas, estimulando e revigorando trocas importantes do saber”.
Dziekaniak e Rover (2011) acrescentam que a sociedade do conhecimento é uma sociedade baseada no uso compartilhado de recursos, na construção coletiva de conhecimento, na interação livre de restrições de espaço e tempo e na valorização do direito à informação, às tecnologias de informação e comunicação e à educação, como um bem comum[15].
Como o conhecimento ocupa lugar de fundamental importância em todos os processos que configuram a sociedade contemporânea, o papel das instituições de ensino é preponderante, uma vez que entre suas principais funções sociais está a qualificação de seus membros, promovendo a produção, disseminação e continuidade dos saberes. Cabe, portanto, às escolas e universidades a adoção de sistemas centrados no aluno para que alcancem seu potencial máximo, melhorando a educação ao redor do mundo (HORN; STAKER, 2015).
Por conseguinte, as instituições de ensino podem (e devem) ser consideradas espaços do saber, tal qual como prevê Lévy (2015), pois promovem o aprimoramento dos recursos humanos. Como espaço do saber, o âmbito acadêmico serve tal qual uma plataforma que comporta redes, local e global, de aprendizagem, produção e compartilhamento de saberes em constante evolução, propiciando a socialização do conhecimento em movimentos de troca, complementação e colaboração entre seus membros, sujeitos autônomos e, ao mesmo tempo, dependentes.
Isto posto, e no que diz respeito às limitações dessa experiência, sentimos falta da elaboração e aplicação de um questionário semiestruturado de avaliação escrita da disciplina, com perguntas sobre o desenvolvimento da competência crítica e do aprimoramento escrito, aspectos centrais desse estudo. Consideraremos, portanto, esse aspecto avaliativo na próxima disciplina ofertada na modalidade híbrida.
De modo geral, um limitador desse tipo de ensino é o envolvimento que devemos ter com o ambiente colaborativo, pois de nada adianta ofertarmos opções virtuais de aprendizagem com progresso gradual de assimilação de conteúdo, se não tivermos como prover constante feedback (“resposta”) aos alunos. O planejamento e a organização são características marcantes das formas de ensino mediadas por tecnologia, que tenham como objetivo principal o amadurecimento escolar e acadêmico progressivo. No nosso caso, mesclamos formas de avaliar por meio de comentários falados, escritos e conversas individuais com os alunos, os quais relataram a importância dessa aproximação personalizada para sua formação.
Como futuros docentes, acadêmicos e profissionais, necessitarão demonstrar intelectualidade para dar conta da pluralidade de responsabilidades exigidas pelo mercado de trabalho. Por fim, acreditamos que o modelo de ensino híbrido, pelo menos dentro dos limites da vivência relatada, promoveu, sim, uma interação ativa entre todos os integrantes do grupo, incluindo as professoras, e desenvolveu a competência crítica e reflexiva do grupo através de recursos adequados para a aprendizagem e da troca de conhecimento entre seus pares.
Referências
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Notas
Ligação alternative
https://periodicos.ufmg.br/index.php/textolivre/article/view/16763 (pdf)